INTRODUÇÃO
O Sistema Tributário esboçado pela Constituição Federal confere ao Município a competência privativa para instituir o Imposto Predial e Territorial Urbano incidente sobre a propriedade imobiliária. Tal imposto destaca-se como um dos tributos de maior importância no tocante à arrecadação de recursos junto ao ente municipal. Visa-se com este, instrumentalizar uma política fiscal que permita contrabalançar os encargos provenientes dos dispêndios públicos capazes de gerir a máquina administrativa.
Conforme poderá ser vislumbrado na produção deste trabalho, tem-se como objetivo geral dissertar acerca da progressão fiscal de alíquotas do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. Por conseguinte, como objetivos específicos, desenvolve-se um estudo tendencioso em que se apega a uma análise pormenorizada dos institutos tributários que cingem o assunto. Busca-se demonstrar os primórdios desta tributação; competência privativa para arrecadação; aspectos junto ao Código Tributário Nacional; estudar e definir os princípios constitucionais da igualdade, capacidade contributiva, progressividade, seletividade, proporcionalidade e proibição ao confisco; e, por fim, verificar a inconstitucionalidade da progressividade fiscal do imposto sob comento no âmbito das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e diante da inovação espelhada pelo art. 3º da Emenda Constitucional nº 29.
Oportuno salientar que foi utilizado para a presente pesquisa o método de abordagem dedutivo e o procedimento monográfico, atinando-se a uma técnica de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial centrada nos ramos do Direito Constitucional e do Direito Tributário, considerando-se o posicionamento da doutrina pátria e internacional acerca do assunto versado.
Para tanto, a monografia se encontra dividida em três capítulos, subdivididos por sua vez em três itens respectivamente. Inicialmente, procura-se no primeiro, desenvolver uma recapitulação na qual tenta-se por intermédio de um breve escorço histórico, demonstrar a criação e instituição do tributo imobiliário urbano no Brasil desde o Império à Constituição da República de 1988. Numa segunda anotação, é feita uma análise acerca da autonomia e competência privativa tributária dos Municípios na utilização e arrecadação do IPTU. Posteriormente, traça-se a estrutura da norma jurídica tributária de tal imposto nos contornos delineados pelo Código Tributário Nacional.
Faz-se no segundo capítulo, uma abordagem pertinente aos princípios constitucionais tributários que se correlacionam diretamente com o tributo em questão. Neste enfoque busca-se tecer considerações em atenção à importância do princípio da isonomia junto aos Direito e Garantias Fundamentais bem como no contexto esboçado pelo Sistema Tributário. Logo após, é objeto de estudo o princípio da capacidade contributiva diante de sua exteriorização ensejada pela Constituição Federal, destacando ainda a distinção existente em face da antagonização oriunda da classificação dos impostos em reais ou pessoais. Por fim, procura-se ainda dissertar sobre o princípio da progressividade junto à relação jurídico-tributária, tomando-se como enfoque as discussões pertinentes aos efeitos de ordem econômica exteriorizados por tal princípio.
Na última parte deste trabalho, afere-se no terceiro capítulo a discussão acerca da inconstitucionalidade da progressividade fiscal de alíquotas no Imposto Predial e Territorial Urbano. Diante de tal contexto, torna-se fruto de importante exposição o entendimento jurisprudencial acerca da impossibilidade de alíquotas graduadas progressivamente no imposto sobre a propriedade imóvel urbana, tomando-se como enfoque o Recurso Extraordinário 153.771-0 apreciado pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal. Logo após, traz-se à baila a discussão envolvendo as alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 29 no art. 156, § 1º da Constituição Federal. Tais premissas visam sobrepor os efeitos veiculados pela modificação do antecitado preceito normativo no ordenamento jurídico pátrio perante a cobrança progressiva de tal imposto. Num derradeiro enfoque, verifica-se a discussão trazida pela doutrina no intuito de vislumbrar a também inconstitucionalidade da progressividade fiscal do IPTU no texto modificado da mencionada Emenda à Constituição.
CAPÍTULO I: O IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA
1.1 Escorço histórico
Desde muito, tem-se notícia no Brasil da incidência de uma espécie tributária que lograva as propriedades imobiliárias urbanas. Com a designação de "décima urbana", este imposto teve sua criação avençada pelo Alvará datado de 27 junho de 1808.
Em um retrocesso histórico, constata-se que tal tributo foi estabelecido pelo Príncipe Regente com a chegada da Família Real Portuguesa no país. Contudo, era mantida precocemente sob cogitação já no ano de 1799 pela Rainha D. Maria, a viabilização de uma possível instituição da "décima urbana". Aponta Aliomar Baleeiro acerca de uma carta enviada pela Rainha em 19 de maio daquele ano ao Governador da Bahia na qual transmitia o seguinte teor: "atendendo ao nosso favor, que me proponho conceder-lhe, suprimindo os contratos de sal e pescaria de baleias, me proponho estabelecer o imposto de décima, nas casas das cidades marítimas e a extensão do tributo do papel selado já se paga nos meus domínios do continente da Europa".
Contudo, somente com a regulamentação em 1809 mediante o Alvará de 13 de maio, tornou-se viável a delimitação de traços que vieram especificar contundentemente as características relativas à extensão em que a cobrança do tributo deveria sopesar. Conforme assevera Aires Fernandino Barreto:
"Recaindo sobre os prédios localizados na Corte, nas cidades, vilas e povoações da orla marítima, a tributação atingia, além dos proprietários, os aforados. A alíquota era de 10%, aplicável, em relação às propriedades plenas, com base no rendimento líquido dos prédios, se locados, ou em razão da renda presumida por arbitramento, se de uso dos respectivos proprietários. Em se tratando de prédios aforados, a base de cálculo era constituída pelo foro anual. Em qualquer das situações, abatiam-se 10%, para prevenir ‘falhas e consertos’".
O gravame fiscal era mensurado e direcionava somente aos imóveis situados nas "urbes". Assim, quanto ao ensejo de se distinguir o aspecto limítrofe entre um imóvel considerado rural ou urbano, atinava-se à localização em que o bem estava vinculado. Qualificava-se de urbanas as propriedades abarcadas pelos perímetros das cidades, vilas e que se situavam à beira mar, previamente estremadas pelas respectivas Câmaras. Nesta época, era ainda exigência imprescindível para incidência do imposto que o imóvel estivesse em estado de ser habitado.
Em 1811, o Decreto de 26 de abril respaldava a concessão de isenções quanto ao pagamento da décima a alguns contribuintes, atentando-se ao fator pertinente à edificação e estrutura física do imóvel. Eram agraciados e merecedores destes benefícios os proprietários de bens que se enquadravam plenamente às situações prescritas pela legislação, tais como a construção de casas com um limite aquém de cinco portas ou janelas frontais, dentre demais particularidades.
Diante dos resultados satisfatórios obtidos junto à arrecadação do imposto, veio a lume o manifesto interesse do poder público em auferir maiores ganhos que iriam atender e suprimir os gastos incomensuráveis da Nação. Assim, diversas alterações foram incrementadas no sentido de proporcionar a ampliação no campo de incidência da décima urbana. Em meados de 1832, incluiu-se no rol de cobrança diversas áreas ademais demarcadas, modificando ainda o caráter de habitabilidade que deixou de ser requisito imprescindível, sendo cobrado também daqueles diversos imóveis que se encontravam apenas mobiliados.
A partir de então, a décima veio sofrer inúmeras alterações não apenas de caráter estrutural, mas também quanto à competência para instituí-la e conseqüentemente recolhê-la. Após a Proclamação da Independência, o tributo ainda estava restrito aos comandos do governo central, vindo a ser descentralizado pelo poder público às Províncias.
Barreto afirma que "a denominação ‘décima’ manteve-se até o ano de 1873, quando deu lugar à de ‘imposto sobre prédios’ e mais adiante (1881), à de ‘imposto predial’". Sandra A. Lopez Barbon elucida sinteticamente com bastante veemência que:
"Como se pode verificar, o imposto em questão é uma criação do regime republicano, muito embora já houvesse algumas tentativas, no alvorecer do Império, de se dar melhor destinação à propriedade territorial. Isto porque, segundo Bernardo Ribeiro de Moraes, estava nas cogitações do governo a idéia, nascida para combater a propriedade de terras sem edificação e sem cultura".
Categoricamente, em face da Constituição inserida no período republicano, mais precisamente no ano de 1891, foi outorgado aos Estados-membros a competência para instituir o imposto incidente sobre a propriedade imobiliária rural e urbana. Entretanto, a Carta Magna não impedia a cobrança do tributo pelos Municípios. Tendo em vista esta competência concorrente expressamente autorizada pela redação constitucional, prevaleceu a problemática acerca da cobrança realizada tanto pelos Estados quanto pelos Municípios, havendo a necessidade de se modificar a discriminação de rendas até então em vigor no país. Foi assim, diante da imposição do gravame fiscal por ambos os entes no intuito de aumentar suas receitas que "com o advento da Carta Constitucional de 1934, houve alteração na competência impositiva das pessoas políticas. A partir daquele ano, então, o Imposto Territorial Rural passou a égide dos Estados, sendo que o Imposto Predial Territorial Urbano incorporou-se à competência privativa dos Municípios".
Corroborando com os textos constitucionais introduzidos no Brasil em 1937 e 1946, consubstancia-se que em nada foi modificada a competência privativa municipal no intuito de efetuar a arrecadação do imposto sob comento. Entretanto, a Emenda Constitucional nº 5 de 1961 trouxe alterações que vieram novamente repassar à competência das comunas o imposto referente à propriedade rural, que adiante, mais precisamente no ano de 1964, foi entregue à competência da União, visando a sua utilização como forma de se adequar uma política agrária mais eficiente.
A Lei Complementar nº 5.172, cuja promulgação se deu em 25 de outubro de 1966 sob a égide de se instituir o Código Tributário Nacional, veio designar, dentre os impostos sobre o patrimônio e a renda, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. De mesma sorte, tem-se que tal denominação e competência municipal conferida a este tributo mantiveram-se nas Constituições Federais de 1967 e posteriormente pela promulgada em 1969 e na atual de 1988. Nesta última, encontra-se adstrito junto ao Título VI referente à Tributação e Orçamento, Capítulo I - Do Sistema Tributário Nacional, que por sua vez o enquadra na Seção V pertinente aos impostos dos Municípios.
1.2 O Município, sua autonomia e competência tributária
A Constituição da República de 1988 delineia a partilha de competências dos entes da administração pública direta no que tange à instituição e cobrança de seus tributos. Ao traçar o Sistema Constitucional Tributário, o legislador cuidou de distribuir uma parcela do poder estatal tributante visando a autonomia das diversas entidades que compõem a Federação. Tal autonomia política e principalmente financeira outorgadas à União, Estados, Municípios e Distrito Federal de produzirem normas jurídicas tributárias ensejam, contudo, obediência às limitações constitucionais ao poder de tributar emoldurados pela Carta Maior.
Essa transmissão de competências importa na liberdade de se instituir e viabilizar a arrecadação daqueles impostos que por indelegabilidade absoluta são esboçados a cada um dos entes políticos pelo texto constitucional, atentando-se aos parâmetros e exigências de cunho legal.
Há de se sobrepor, contudo, que não existe uma discrepância em relação à "liberdade" precípua e distinta entre os entes munidos do poder tributante, e sim uma forma de hierarquia que denega qualquer anormalidade de sujeição. O Município é um ente institucionalmente criado e dotado de personalidade jurídica própria em que lhe é conferido o poder de autodeterminação. O sistema constitucional jurídico é uno, delega autonomias provenientes de um poder esmerado pela total harmonia. A propósito, ensina Yoschiaki Ichihara que "a autonomia dos entes políticos existe pela harmônica distribuição de competências, inexistindo conflitos reais de competência que importem na submissão de uma pessoa jurídica de direito público em relação à outra".
O constituinte permeou expressamente em exaurir todas as possibilidades cabíveis de atribuições de competências, de forma que não houvesse nenhum avanço nas outorgas concedidas a cada pessoa política. Com esta concessão atinente ao poder de tributar direcionado à União, Estados, Municípios e Distrito Federal, vislumbra-se defesa a competência privativa para instituir impostos específicos que estejam pertinentes à discriminação conferida pela Carta Magna. Portanto, essa faculdade de criar tributo não se exteriorizando pelo ente político competente, jamais poderá outro diverso não munido de poderes para tal vir a fazê-lo. Excepcionando, as disposições contidas no art. 154, incisos I e II da Constituição Federal em que respalda a instituição pela União de impostos residuais ou extraordinários, respectivamente.
Vislumbra-se que o Município possui categoricamente, assim como os demais entes personalizados, esboçado o seu campo de atuação concedido pelo Texto Supremo. Antônio Roque Carraza acentua que:
"Em suma, o Município no Brasil, é entidade autônoma. Pessoa política, legisla para si, de acordo com as competências que a Carta Magna lhe deu. Nenhuma lei, que não a emanada de sua Câmara, tem a possibilidade jurídica de ocupar-se com assuntos de interesse local. Instituindo e arrecadando livremente seus tributos, o Município reafirma sua ampla autonomia, em relação às demais pessoas políticas".
É através do poder público municipal, mediante sua autonomia e organização, que o governo tenta satisfazer, com um contato mais onipresente, os anseios políticos e administrativos almejados pela população. Como bem afirmou Santi Romano, citado por Ayrton Pinassi, o Município "é a fortaleza e garantia da liberdade, não sendo possível a nenhum povo conserva-se politicamente forte sem uma forte organização municipal".
Conforme ilustrado, a autonomia dos Municípios no tocante à tributação é princípio basilar que decorre da distribuição de competência referenciada pelo texto constitucional pátrio. A Carta Magna Federal através da concessão de tais competências delimita as respectivas áreas de atuação, restringindo-as individualmente às pessoas políticas dotadas de capacidade tributante. Em explanação sobre o tema, bem define Paulo de Barros Carvalho o que vem a ser a tão mencionada competência tributária. Esta nada mais é que "uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na faculdade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos". Denota-se que competência e autonomia são expressões que na prática se interagem, dependem mutuamente uma da outra.
Aliomar Baleeiro ao dissertar sobre a autonomia conferida pela legislação brasileira aos Municípios, acertadamente assevera que:
"Diferentemente dos Estados Unidos, onde os Municípios não são objeto de dispositivo da Constituição Federal e não passam de criação livres dos Estados Membros, no Brasil a municipalidade é Pessoa de Direito Público Interno, com autonomia constitucionalmente garantida quanto à administração própria, especialmente à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à organização dos serviços públicos locais".
No que concerne ao poder de tributar conferido ao Município especificamente, ressalta-se o preceito normativo contido no art. 30, inciso III da Constituição Federal. Cuidou de designar a competência municipal para instituir e arrecadar os tributos de sua alçada bem como demais prerrogativas tais como aplicação de rendas e publicação de balancetes. Mais precisamente ao tema proposto traz-se à colação o art. 156, inciso I, também da Carta Política. É neste artigo que se encontra vertida a competência privativa municipal para instituir o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana e demais outros elencados pelos incisos posteriores.
Segundo preleciona a doutrina de José Souto Maior Borges em torno das características pertinentes à autonomia e competência privativa dos Municípios brasileiros, fica manifesta a importância que o autor delibera acerca de tais peculiaridades. Assim, dispõe que:
"Dentre as características da autonomia municipal a serem privilegiadas inclui-se a de que as normas para a sua efetivação são incompatíveis com o condicionamento prévio à legislação alheia, mormente no plano tributário. Ora, se o Município tem uma competência tributária privativa, da qual uma das manifestações é o IPTU, este não poderá ter o seu exercício condicionado à legalidade tributária alheia. Privativo é o regime constitucional de quem está só e não concorre com ninguém na estruturação de seus tributos. Autônomo, como revela admiravelmente a sua etimologia, é o regime de quem se governa pela sua própria legalidade e não se rege conseqüentemente pela legalidade de outrem".
Com isto, tem-se que a descriminação de competências mediante um sistema rígido que traça todos os contornos da atividade tributária viabiliza uma convivência apaziguadora que enseja benefícios tanto para as pessoas munidas do poder tributante quanto para os contribuintes. Visa-se distribuir autonomias e competências que irão capacitar a arrecadação dos tributos junto ao Erário no intuito de melhor gerir a vida pública financeira de toda a Nação.
1.3 Peculiaridades do Imposto Predial e Territorial Urbano no Código Tributário Nacional
Diante das considerações inerentes ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana nos contornos palpados pelo Código Tributário Nacional, é de fundamental importância averiguar preliminarmente, para o estudo de sua tipologia tributária, acerca do que a lei designou de "fato gerador". Este vocábulo ou expressão denota para alguns doutrinadores uma impropriedade errônea legislativa, vindo a comportar, portanto, outras vertentes que em efeitos práticos consubstancia idêntico valor jurídico. Assim é que, dando seguimento aos preceitos delineados por Alfredo Augusto Becker, "escolheu-se a expressão hipótese de incidência para designar o mesmo que outros autores denomina de ‘suporte fático’ ou ‘Tatbestand’ ou ‘fattispecie’ ou ‘hecho imponible’ ou ‘pressupposto del tributo’ ou ‘fato gerador’".
É salutar em qualquer norma jurídica a existência de uma estrutura ensejada por uma hipótese que venha colacionar a sua respectiva conseqüência. Geraldo Ataliba, citado por Sandra A. Lopez Barbon, conceitua a hipótese de incidência como "a expressão de uma vontade legal, que qualifica um fato qualquer, abstratamente, formulando uma descrição antecipada (conceito legal), genérica e hipotética (...). É a descrição legislativa (necessariamente hipotética) de um fato a cuja ocorrência in concretu a lei atribui a força jurídica de determinar o nascimento da obrigação tributária".
Assim sendo, infere que da hipótese de incidência deduz os aspectos ou critérios utilizados para dar a efetivação da situação descrita pela lei necessária à ocorrência da obrigação tributária. "Em outras palavras, na hipótese de incidência tributária encontramos os aspectos pessoal, material, temporal e espacial, na preleção de Geraldo Ataliba".
Tratando-se primeiramente do aspecto material, salienta-se que este "presta-se à diferenciação de um imposto em relação a outro, em face de conter a designação de todos os dados de ordem objetiva, caracterizadores do protótipo em que consiste a hipótese de incidência. O fato ou estado de fato descrito tem no aspecto material a sua própria consistência". Assim, como variáveis do Imposto Predial e Territorial Urbano, o Código Tributário Nacional destaca no caput do art. 32 que o fato gerador do tributo em cotejo consubstancia-se na propriedade, no domínio útil ou na posse de bem imóvel por natureza ou acessão física.
A propriedade está umbilicalmente relacionada com o intuito de uso, gozo e fruição de uma coisa. O tributo sobre o direito da propriedade imobiliária incide sobre tais propósitos, onde um bem deve ficar continuamente submetido à vinculação da vontade plena de uma pessoa.
Quanto ao domínio útil, este advém do desapossamento pelo proprietário dos poderes de uso, gozo e disposição de uma coisa, concedendo-os a outra pessoa qualificada de enfiteuta. Na lição de De Plácido e Silva, o domínio útil "é assim designada a soma de direitos que se outorgam ao foreiro em relação ao prédio aforado. E nestes se computam todos os direitos de utilização e disposição, inclusive o de alienação do prédio enfitêutico, uma vez notificado o senhorio direto". Não se deve cogitar aqui o ser proprietário do bem, mesmo porque esta relação de propriedade não existe. A obrigação exercida pelo enfiteuta ou foreiro é de pagar o imposto decorrente da situação fática de utilização, fruição e disposição que exerce sobre o imóvel. A cobrança do tributo, entretanto, não possui vinculação alguma com o encargo de quitar anualmente o foro ou laudêmio ao senhorio direto.
Outra variável de insigne importância na delimitação da hipótese de incidência do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana é a posse. Nos dizeres de Arnoldo Wald, "constitui, pois, a posse uma situação de fato, na qual alguém mantém determinada coisa sob a sua guarda e para o seu uso e gozo, tendo ou não a intenção de considerá-la como sendo de sua propriedade". Cabe argumentar que não será qualquer tipo de posse a ensejar a hipótese de incidência do tributo. Deve preexistir a intenção, o ânimo de ser possuidor com a prerrogativa de atingir a qualidade de dono sobre o bem imóvel. É preciso tratar-se de posse suscetível de usucapião, que conduza realmente ao pleno domínio da coisa.
Em breve alusão sobre o assunto, Aliomar Baleeiro sintetiza eloqüentemente que:
"Não se deve entender que o CTN tenha instituído impostos autônomos sobre o domínio útil e a posse. Ao contrário, o núcleo único em torno do qual giram os demais, como manda a Constituição, é a propriedade. O domínio útil somente é tributável por ser uma quase propriedade, e a posse, apenas quando é exteriorização da propriedade, que pode vir a se converter em propriedade. Não podem configurar fato gerador do IPTU a posse a qualquer título, a precária ou clandestina, ou a direta do comodatário, do locatário, do arrendatário, do detentor, do usuário e habitador, do usufrutuário, do administrador do bem de terceiro, etc. que jamais se tornarão propriedade. A posse há de ser a ostentação e a manifestação do domínio".
O Código Civil Brasileiro em seu art. 43 enumera os bens que no ordenamento pátrio cível são considerados de natureza imóvel. Assim dispõe, "in verbis" que:
"Art. 43 - São bens imóveis:
I – o solo com a sua superfície, os seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço e o subsolo;
II – tudo quanto o homem incorporar permanentemente ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções, de modo que se não possa retirar sem destruição, modificação, fratura, ou dano;
III – tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado em sua exploração industrial, aformoseamento ou comodidade".
Diante de tal preceito normativo, afere-se que apenas os elementos apregoados pelos incisos I e II descrevem respectivamente os bens imóveis por natureza e por acessão física, ficando excluídos os relacionados pelo inciso III, tendo em vista que a incidência do imposto imobiliário urbano se resume ao terreno, prédio ou construções. Entretanto, ainda é necessário salientar que o campo de incidência do imposto é restrito, refulgindo à sua aplicação sistemática, embora contidos na hipótese de incidência, as árvores, os frutos pendentes e as plantações.
Desta sorte, constata-se que a incidência deve recair sobre a propriedade imóvel, não importando ser esta edificada ou não. Portanto, conforme intitulou Ives Gandra da Silva, citado por Aires Fernandino Barreto, conclui-se que "a distinção entre as expressões ‘territorial’ e ‘predial’ reside no fato de que a predial diz respeito aos terrenos construídos e edificados, mesmo que não utilizados. A propriedade territorial diz respeito a áreas sem qualquer aproveitamento ou edificação, ou seja, o solo sem benfeitorias".
Para a formação do aspecto temporal são necessários pressupostos essenciais que irão ilustrar o exato momento da concretização da obrigação tributária. É por isso que os fatos contempladores de uma verdadeira efetivação da hipótese de incidência necessitam de um acontecimento para que possam ser determinados os momentos de sua ocorrência. O aspecto temporal da hipótese de incidência é a propriedade que esta tem de "designar (explicita ou implicitamente) o momento em que se deve reputar consumado (acontecido, realizado) um fato imponível". Nestes termos, devem ser seguidas as coordenadas capazes de dar uma concreta oportunidade ao surgimento do liame obrigacional.
Em análise à espécie tributária aqui pormenorizada, nota-se que seu fato gerador é intermitente, abrangendo normalmente o período de um ano. Destoa, por conseguinte, que geralmente o momento, ou seja, a data base para o lançamento do imposto imobiliário urbano será o dia primeiro de janeiro de cada ano, acaso a lei municipal não dispuser em contrário. Pois, é lícito ao legislador ordinário fixar o dia e o mês de cada ano para efeitos de ocorrência do fato jurídico-tributário. Neste mesmo sentido, salientou Augusto Alfredo Becker que:
"A incidência da regra jurídica somente se desencadeia depois de realizada a hipótese de incidência. Quando esta consiste num estado de fato, por exemplo, de medida igual à do ano civil, então a hipótese de incidência realizou-se no último momento do dia 31 de dezembro e sobre ela incidirá a regra jurídica vigente no primeiro momento do dia 1º de janeiro do novo ano civil (...). Por exemplo: o chamado imposto de propriedade territorial e predial tem como hipótese de incidência um estado de fato: a existência permanente, durante um ano civil, de imóvel objeto de direito de propriedade; todos os anos, enquanto o imóvel for objeto de direito de propriedade, o imposto será cobrado uma única vez e durante aquele ano não será cobrado outra vez o mesmo imposto, ainda que o imóvel, cada dia, tenha um proprietário diferente".
Outro enfoque refuta-se ao aspecto espacial. Este tem o objetivo precípuo de poder delimitar o local em que obrigatoriamente deverá ser satisfeita uma prestação tributária. No caso específico do imposto imobiliário urbano, estarão alcançados pela hipótese de incidência apenas aqueles bens que estejam situados nos limites pertinentes à área de abrangência do Município e que satisfaçam ainda as exigências prescritas pelo Código Tributário Nacional.
Ademais, viável se torna a dedução espacial da zona urbana e zona rural para limitar quais as áreas de abrangência territorial que ficarão sujeitas ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana ou pelo Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural. Aquele deverá incidir apenas sobre os imóveis localizados no perímetro urbano ou em áreas urbanizadas, nos termos definidos pela Lei promulgada pelo poder público municipal, satisfeitos, contudo, os requisitos elencados pelo art. 32, §1º e §2º do Código Tributário Nacional, in verbis:
"Art. 32 -.... .................................
§1º - Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observando o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo poder público:
I - meio fio ou calcamento, com canalizações de águas pluviais;
II - abastecimento de água;
III - sistema de esgotos sanitários;
IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;
V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de três quilômetros do imóvel considerado.
§2º - A lei municipal poderá considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à industria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior".
Verifica-se que o aspecto espacial presta-se também à perfeita determinação da competência municipal no intuito de se realizar a cobrança do imposto em casos de cidades que possuem suas zonas urbanas interligadas.
Na relação jurídica tributária, sempre será necessário a existência de um titular que tenha a competência para exigir o cumprimento de uma prestação e outro para lhe dar a efetiva quitação. É mediante o aspecto pessoal que se terá a perfeita designação do sujeito ativo e do sujeito passivo de um vínculo obrigacional. Portanto, a competência para a cobrança deste tributo é do Município onde se localiza o imóvel. O sujeito passivo será o contribuinte, ou seja, o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título, conforme dispõe o preceito contido no art. 34 do Código Tributário Nacional.
Por fim tem-se a base de cálculo, que ao lado da hipótese de incidência, é indispensável para a identificação de qualquer tributo, principalmente no que diz respeito ao quantum devido a título de imposto. Este será o produto final da conjugação multiplicada pela alíquota. Na definição de Aires Barreto, "consiste a base de cálculo na descrição legal de um padrão ou unidade de referência que possibilite a quantificação da grandeza financeira do fato tributável".
A grandeza tributável atinente ao imposto sob comento vincula-se ao valor venal do imóvel, consoante alusão do art. 33 do Código Tributário. Este será o valor de mercado que o bem imóvel possa obter numa transação de compra e venda. Nestes termos, ressaltou Kiyoshi Harada que:
"Conforme conceituação doutrinária, aceita pela jurisprudência, valor venal é aquele que o imóvel alcançará para compra e venda, à vista, segundo as condições usuais do mercado de imóveis. Está abrangida nessa conceituação a variação de 10% (dez por cento) para mais ou para menos, que é usual nos laudos avaliatórios elaborados por peritos qualificados".
Não será objeto, portanto, de apreciação pela base de cálculo nenhum bem móvel que seja mantido no imóvel, diante da disposição legal prevista no parágrafo único do mencionado artigo. Assim, assevera que "na determinação da base de cálculo, não se considera o valor dos bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade".