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Provas ilícitas por derivação.

A (in)aplicabilidade, no processo penal brasileiro, das teorias norte-americanas que atenuam a doutrina dos frutos da árvore envenenada

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Agenda 09/08/2015 às 21:09

O artigo trata da (in)aplicabilidade, no processo penal brasileiro, das teorias desenvolvidas no direito norte-americano, que objetivam atenuar a vedação às provas ilícitas por derivação.

           

RESUMO

O artigo trata da (in)aplicabilidade, no processo penal brasileiro, das teorias desenvolvidas no direito norte-americano, que objetivam atenuar a vedação às provas ilícitas por derivação. Partindo da abordagem das provas no processo penal brasileiro, analisa as provas ilícitas e suas derivadas, para em seguida apresentar as exceções à doutrina dos frutos da árvore envenenada e a (in)adequação de tais exceções ao direito processual penal pátrio.

Palavras-chave:

Provas ilícitas, derivação, teorias, exceções.

                                                

ABSTRACT

The article deals with the (in)applicability, in the Brazilian criminal proceeding, of the theories developed in the North American right, that objectify to attenuate the prohibition to the illicit evidences for derivation. Leaving of the boarding of the tests in the Brazilian criminal proceeding, it analyzes the illicit evidences and its derivatives, for after that presenting the exceptions to the doctrine of the fruits of the poisoned tree and the (in)adequacy of such exceptions to the procedural law criminal native.

 Keywords:

Illegal evidence, derivation, theories, exceptions.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO                                                                                                                   03

1. AS PROVAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO                                                04

1.1 Conceito de prova                                                                                           04

1.2 Objeto da prova                                                                                    05

1.3 Finalidade da prova                                                                                        05

1.4 Limites à aquisição das provas no processo penal brasileiro                   06

1.5 A vedação constitucional às provas ilícitas                                                 07

2. PROVAS ILÍCITAS E SUAS DERIVADAS                                                                  08

2.1 Provas ilícitas                                                                                                   08       2.2 Provas ilícitas por derivação                                                                                   10

3. AS TEORIAS DE ORIGEM NORTE-AMERICANA QUE ATENUAM A VEDAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO E A APLICAÇÃO DELAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO                                                                                                                      13

3.1 Teoria da fonte independente (Independent source doctrine)         13

3.2 Teoria da atenuação do nexo causal (Attenuation douctrine); ou da Conexão atenuada (Attenuated connection limitation); ou do Vício diluído (Purged taint limitation)                                                                 15
3.3 Teoria da descoberta inevitável (Inevitable discovery doctrine)     17

3.4 Teoria da boa-fé (good faith exception)                                                  19

CONCLUSÃO                                                                                                                       21

REFERÊNCIAS                                                                                                                   22

INTRODUÇÃO

            O estudo das provas ilícitas e suas derivadas no âmbito processual penal brasileiro está diretamente ligado ao estudo do tema no direito norte-americano, pois algumas teorias que aqui se aplicam, tiveram origem lá.

            Não há como falar em provas ilícitas por derivação sem mencionar a teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), assim como não é possível pensar as exceções à mencionada teoria, sem recorrer às doutrinas nascidas no direito estadunidense.

            Pensando nessa relação entre o direito processual penal brasileiro e o norte-americano, no que toca às provas ilícitas e suas derivadas, é que foi desenvolvido o presente estudo.

            O objetivo é analisar a possibilidade de aplicação, no processo penal brasileiro, das teorias da fonte independente (independent source doctrine), da atenuação do nexo causal (attenuation doctrine), da descoberta inevitável (inevitable discovery doctrine ) e da boa-fé (the good faith exception ), todas nascidas na Suprema Corte dos Estados Unidos da América.

            O estudo inicia com uma breve análise das provas no processo penal brasileiro, apresentando-se o conceito de prova, objeto, finalidade, seguindo-se para os limites constitucionais à aquisição das provas. Na sequência são analisadas as provas ilícitas e suas derivadas, com a apresentação da teoria dos frutos da árvore envenenada.

            Depois de situado o tema, parte-se para o enfrentamento do objeto da pesquisa, com a análise das teorias originadas no direito norte-americano, que atenuam a aplicação das provas ilícitas por derivação, verificando-se a possibilidade de aplicação delas no processo penal brasileiro.

            Na apreciação da aplicação das teorias norte-americanas ao direito brasileiro, são apresentadas decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, servindo as decisões para mostrar o posicionamento dos tribunais superiores sobre o assunto.

1. AS PROVAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

1.1 Conceito de Prova

            Dentro do processo penal, o tema ligado às provas é dos mais interessantes, afinal as provas é que levam à solução do processo, com a condenação ou absolvição do acusado.

            A noção de prova pertence, mais amplamente, aos domínios da filosofia, na medida em que diz respeito ao vasto campo das operações do intelecto na busca e na comunicação do conhecimento verdadeiro. Etimologicamente a palavra prova deriva do Latim probatio ou probus, indicando aprovação, confiança, correção.[2]

            Na terminologia processual o termo prova é empregado, de forma mais abrangente, como o conjunto de atividades realizadas na reconstrução dos fatos que constituem o suporte das pretensões deduzidas e da própria decisão.  Também pode aduzir aos instrumentos pelos quais as informações sobre os fatos são introduzidas no processo.[3]

            Prova, assim, é toda verificação, demonstração, comprovação realizada por meio de documentos, sinais, testemunhos, exames, etc. É o instrumento, em sentido lato, capaz de convencer, de dar certeza e segurança àquele que decide.

            Provar, então, na seara processual penal, significa estabelecer um estado de convicção a respeito de como uma infração penal ocorreu e de quem contribuiu para sua ocorrência, apontando todos os demais elementos relevantes para o convencimento do julgador.

            Cabe observar, apenas como esclarecimento, que prova é diferente de indício. Enquanto que a prova cria um estado de certeza, o indício representa um sinal, que só se transformará em prova se corroborado por outros elementos.

            Também não se deve confundir prova com vestígio, pois vestígios são os resquícios de uma infração penal, sendo que só será prova o vestígio que der a certeza da autoria ou da materialidade, ou de outros elementos importantes para a elucidação dos fatos.

1.2 Objeto da prova

            O objeto da prova é o fato controvertido, aquele incerto ou duvidoso que precisa ser provado. Segundo Marcellus Polastri Lima “não é somente o fato criminoso e a autoria do mesmo que devem ser objeto de pesquisa, mas também as circunstâncias subjetivas e objetivas que circundam o fato”.[4]

            Portanto, tudo aquilo que for relevante para o completo esclarecimento dos fatos precisa ser provado, não bastando a prova da autoria e da materialidade, sendo necessário que se elucidem as circunstâncias em que o evento criminoso ocorreu.

1.3 Finalidade da prova

            A prova tem por finalidade levar ao julgador a verdade ou a falsidade dos fatos, objetiva convencer o magistrado de alguma coisa. Não necessariamente a prova tem que se referir diretamente ao fato principal, podendo estar relacionada a outros dados secundários que contribuem para o esclarecimento da infração penal objeto do processo.

            Aliás, as provas não se destinam apenas a afirmar a responsabilidade penal. Elas podem servir, a contrário censo, para demonstrar que a infração penal não ocorreu ou que determinado acusado não foi seu realizador, ou então que o acusado realizou a conduta criminosa, mas com motivos ou em circunstâncias justificadoras, afastando, assim, a responsabilização criminal.

            É nesse aspecto finalístico que as provas podem ser divididas em incriminatórias, dirimentes ou corroboradoras (infirmativas). Prova incriminatória é a que tende a afirmar a responsabilidade do agente. Dirimente aquela que visa a provar a inocência do agente ou a diminuição de sua responsabilidade. Corroboradoras ou infirmativas são as provas que têm por escopo fortalecer outras provas já existentes.[5]

1.4 Limites à aquisição das provas no processo penal brasileiro

            No Brasil o critério que rege a admissão das provas é o das provas exemplificativas, ou seja, o Código de Processo Penal indica as mais comuns, mas não encerra o rol de provas admitidas.

            Dessa forma, pode-se falar em provas nominadas e provas inominadas. Nominadas são as previstas no Código de Processo Penal e inominadas as que não estão elencadas no mencionado diploma.

Significa dizer que uma prova pode ser obtida ou produzida ainda que não esteja expressamente relacionada na lei processual penal. Contudo, relacionada ou não, sempre devem ser respeitados os limites à aquisição das provas.

            Portanto, embora exista certa liberdade à obtenção e produção de provas no processo penal brasileiro, deve-se ressaltar que essa liberdade é regrada, estando sujeita a limites impostos pela Constituição Federal de 1988. E tais limites, sempre é bom ressaltar, são traçados por princípios e normas constitucionais que visam a assegurar os direitos fundamentais das pessoas.

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            Em razão dos limites acima mencionados, é que acabam surgindo as chamadas provas ilícitas, que são aquelas obtidas ou produzidas com violação aos direitos fundamentais e que por esse motivo encontram vedação constitucional, como se verá.

           

1.5 A vedação constitucional às provas ilícitas

Conforme já asseverado alhures, a atividade probatória não é desregrada, ou seja, nem toda prova é admitida no processo. Por questões lógicas, existem limites à formação das provas.

Dentre as hipóteses limitadoras da atividade probatória, está a vedação constitucional às provas obtidas ilicitamente.[6] Tal vedação tem por objetivo resguardar os direitos fundamentais, limitando a atuação estatal, de forma a impedir o abuso do poder por parte dos órgãos e agentes responsáveis pela persecução penal.

É certo que se o Estado não encontrasse limite em sua atividade de persecução penal, estaria aberta a porta para toda espécie de barbárie, como já ocorreu em tempos idos, quando as violações aos direitos humanos eram frequentes e toleradas.

A Constituição da República Federativa do Brasil, ao vedar a admissão de provas ilícitas, está na verdade reafirmando princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, como o da legalidade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, entre outros. Mais que isso, retrata a preocupação do constituinte com os direitos humanos.

Sim, pois as provas ilícitas resultam de graves violações aos direitos humanos, com ofensa aos principais bens da pessoa, sendo obtidas, em regra, com sérios danos à intimidade, à liberdade, à integridade corporal, e mesmo à vida humana.

Como se vê, pela relevância dos bens jurídicos que podem ser lesados, indispensável a proteção constitucional revelada na vedação das provas ilícitas no processo penal.

Pela relevância e complexidade, o estudo das provas ilícitas será feito a seguir, em capítulo próprio.

2. PROVAS ILÍCITAS E SUAS DERIVADAS

2.1 Provas ilícitas

            Provas ilícitas são aquelas colhidas com infringência às normas ou princípios colocados pela constituição ou pelas leis, frequentemente para a proteção das liberdades públicas e, especialmente, dos direitos de personalidade e, mais especificamente, do direito à intimidade.[7]

            De acordo com Adalberto J. Q. T. de C. Aranha:

O termo ilícito usado pelo constituinte tem sua origem etimológica no Latim illicitus (il+licitus), tendo dois sentidos: um restrito, significando o que é vedado por lei, e outro, amplo e genérico, indicando o que é contrário à moral e aos bons costumes, reprovável pela opinião pública e proibido pelo direito. No caso brasileiro o constituinte usou a expressão em sentido genérico.[8]

            Da análise do comentário do citado autor, vislumbra-se que não é só a violação a uma regra posta em lei ou na Constituição que torna a prova ilícita, mas também acarreta a ilicitude da prova a ofensa à moral e aos bons costumes.

Do ponto de vista normativo legal, é importante observar que as normas de direito podem ser materiais ou processuais, e em consequência a ofensa possível de ser produzida pode atingi-las em conjunto ou separadamente. Em outras palavras, a violação pode ser a uma norma de direito material, a uma norma de direito processual, ou a normas materiais e processuais concomitantemente.

            Partindo dessa análise é possível diferenciar provas ilícitas de provas ilegítimas, espécies de provas ilegais ou vedadas, embora para muitos tal diferenciação tenha perdido sentido após a edição da Lei 11.690/2008, que alterou parte do Código de Processo Penal. Em todo caso, por ser teoricamente enriquecedora a diferenciação, será feita assim mesmo.

Provas ilícitas são aquelas obtidas com violação a normas de direito material, enquanto que provas ilegítimas as que colidem com normas de direito processual.

            Assim, a ilegitimidade da prova está relacionada ao momento de sua produção no processo, enquanto que a ilicitude diz com os meios ou modos de obtenção da prova, sempre externamente ao processo.

            Como exemplo de prova ilícita pode ser citada a interceptação telefônica realizada sem autorização judicial; ou então, a confissão obtida pela polícia mediante tortura. Como hipótese de prova ilegítima, cite-se o interrogatório realizado em juízo sem a presença de defensor.

            A Constituição de 1988 veda a admissibilidade de provas ilícitas em sentido amplo, abrangendo provas ilícitas e ilegítimas. Ao reproduzir o mandamento constitucional, o Código de Processo Penal, a partir da Lei 11.690/2008, passou a prever expressamente, em seu artigo 157, que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.[9]

Portanto, existindo vedação constitucional e processual penal, a regra deve ser a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. Restando comprovada alguma violação a princípios ou normas constitucionais ou legais, a prova assim obtida deverá ser vedada no processo penal.

No entanto, não se deve olvidar que toda regra admite exceção, por isso Alexandre de Moraes adverte que “excepcionalmente as provas ilícitas deverão ser admitidas no processo, em respeito às liberdades públicas e ao princípio da dignidade da pessoa humana”.[10]

Certamente assiste razão ao constitucionalista, pois em determinadas situações poderão ser admitidas provas ilícitas em nome da real efetivação da justiça. Porém, ressalte-se, a regra é a inadmissibilidade de ditas provas, sendo a aceitação exceção a ser detidamente analisada no desenrolar do processo, em cada caso.

Prosseguindo na apreciação das provas ilícitas, é necessário observar que a atividade probatória se desenvolve em atos subsequentes. Primeiro é obtida uma prova, a seguir outra que lhe confirme ou negue, e assim por diante, até que os fatos estejam elucidados.

Ocorre que, durante essa sequência probatória, poderá ocorrer de uma prova ser obtida ilicitamente, e a partir dela serem obtidas outras. Nesse caso, as provas subsequentes serão consideradas ilícitas por derivação.

2.2 Provas ilícitas por derivação

As provas ilícitas por derivação são aquelas obtidas a partir de uma prova ilícita anterior. Em tais casos, a prova derivada é obtida licitamente, o problema é que só se chegou a ela em razão de uma prova anterior produzida ilicitamente.

Sobre o tema é tradicional a doutrina cunhada pela Suprema Corte norte- americana, chamada de fruits of the poisonous tree (teoria dos frutos da árvore envenenada). Consoante essa teoria, o vício da planta se transmite a todos os seus frutos.[11]

A Doutrina dos frutos da árvore envenenada - fruits of the poisonous tree - foi criada e aperfeiçoada pela Suprema Corte norte-americana a partir do julgamento do caso Silverthorne Lumber Co v. United States (1920). A empresa Silverthorne Lumber tentou sonegar o pagamento de tributos federais e no combate à fraude, agentes federais copiaram de forma irregular os livros fiscais da referida empresa, chegando assim, a outras provas da fraude. A questão chegou ao conhecimento da Suprema Corte e se questionou, em síntese, se as provas derivadas de atos ilegais poderiam ser admitidas em juízo. A Suprema Corte decidiu que se permitisse a utilização de evidências derivadas de atos ilegais, estaria encorajando os órgãos policiais a desrespeitar a 4ª Emenda da Constituição norte-americana. Dessa forma, decidiu pela inadmissibilidade das provas derivadas de provas obtidas ilicitamente.[12]

No direito norte-americano a doutrina do fruits of the poisonous tree representa uma extensão da exclusionary rule, que é como se fosse um equivalente do princípio do devido processo legal, de forma que a prova coletada e obtida com violação aos direitos constitucionais do réu é considerada inadmissível judicialmente.

Tanto lá quanto aqui, a teoria dos frutos da árvore envenenada busca fazer uma ponte entre o vício da prova obtida ilicitamente e todas as demais provas produzidas a partir dela, que são as chamadas provas ilícitas por derivação.

            No Brasil, é bom que se diga, não havia previsão expressa a respeito das provas ilícitas por derivação, por isso até a entrada em vigor da Lei 11.690/2008, a solução para os casos práticos era buscada na doutrina e na jurisprudência.

            No Supremo Tribunal Federal, por exemplo, mais de uma década antes da alteração no Código de Processo Penal os Ministros já haviam reconhecido e passado a aplicar a teoria dos frutos da árvore envenenada.[13]

            Porém, a Lei 11.690/2008, ao alterar o Código de Processo Penal, trouxe previsão expressa de vedação das provas ilícitas por derivação, acabando com a polêmica sobre a falta de previsão legislativa.[14]

            Agora prevista em dispositivo processual penal, a vedação das provas ilícitas por derivação tem por escopo evitar a admissão de provas idôneas, mas obtidas a partir de práticas ilícitas, o que poderia resultar em estímulo a ilegalidades. Esse é o sentido da teoria dos frutos da árvore envenenada, pois se o vicio está na planta, se transmite aos frutos.

            Neste ponto é pertinente a observação de Eugênio Pacelli de Oliveira:

Se os agentes produtores de prova ilícita pudessem dela se valer para a obtenção de novas provas, a cuja existência somente se teria chegado a partir daquela (ilícita), a ilicitude da conduta seria facilmente contornável. Bastaria a observância da forma prevista em lei, na segunda operação, isto é, na busca das provas obtidas por meio das informações extraídas por via da ilicitude, para que se legalizasse a ilicitude da primeira (operação). Assim, a teoria da ilicitude por derivação é uma imposição da aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente.[15]

            Verifica-se, portanto, especialmente a partir da recente alteração do Código de Processo Penal, que veio confirmar o entendimento jurisprudencial, que no sistema processual penal brasileiro a vedação às provas ilícitas inclui as provas derivadas das ilícitas.

            Destarte, é bom deixar claro que a vedação às provas derivadas das ilícitas não pode ser absoluta, assim como nenhuma garantia constitucional é absoluta, devendo a análise da abrangência da vedação ser feita em cada caso.

            Com base nesse pensamento de relatividade da vedação, surgiram no direito norte-americano, teorias atenuadoras, as quais têm como finalidade justificar a admissão de provas derivadas das ilícitas em determinadas hipóteses.

              A seguir serão analisadas essas teorias, com a verificação da possibilidade de aplicação de cada uma delas no direito processual penal brasileiro, sempre levando em conta os valores humanos e os princípios constitucionais.

3. AS TEORIAS DE ORIGEM NORTE-AMERICANA QUE ATENUAM A VEDAÇÃO DAS PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO E A APLICAÇÃO DELAS NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

            Assim como a teoria dos frutos da árvore envenenada surgiu nos Estados Unidos, as principais exceções a ela também. Na verdade, algumas idéias desenvolvidas no direito norte-americano buscaram atenuar a incidência da doutrina do fruits of the poisonous tree.

As teorias norte-americanas têm por objetivo evitar julgamentos desproporcionais resultantes da aplicação inflexível da vedação às provas derivadas das ilícitas, consubstanciando-se as ditas teorias em quatro cláusulas principais de exclusão da teoria dos frutos da árvore envenenada, sendo: a) teoria da fonte independente (independent source doctrine); b) teoria da atenuação do nexo causal (attenuation doctrine); c) teoria da descoberta inevitável (inevitable discovery doctrine); d) teoria da boa fé (the good faith exception).

3.1 Teoria da fonte independente (Independent source doctrine)

            De acordo com a teoria da fonte independente, quando uma prova possui duas fontes, uma lícita e outra ilícita, utiliza-se a fonte lícita, afastando-se a ilícita e consequentemente admitindo-se a prova.

            O leading case que definiu a exceção da fonte independente no direito americano, foi o caso Murray v. United States (1988), no qual policiais perceberam atividade suspeita de tráfico de drogas em torno de um armazém e entraram no recinto ilegalmente, encontrando drogas. Deixaram tudo como estava, requereram um mandado, sem informar a invasão, utilizando apenas outros elementos de prova que já haviam sido colhidos licitamente, e fazendo a busca depois de autorizada, encontraram duzentos e setenta fardos de maconha. Depois de descoberta a invasão ao depósito, a Corte confirmou o entendimento de que a prova não era ilícita, pois o mandado foi concedido com base em elementos lícitos e não na entrada não autorizada no armazém.[16]        

            No caso, havia duas fontes, uma lícita, colhida de acordo com as normas do direito americano, e outra ilícita, ou seja, a entrada não autorizada em propriedade particular. Considerou-se a fonte legal, dando-se validade à prova, pois uma fonte era absolutamente independente da outra.

            O entendimento, portanto, é de que a teoria dos frutos da árvore envenenada não se aplica se demonstrado que a prova posterior não é decorrente da prova ilícita, ou seja, se comprovado que não há nenhuma conexão com a prova ilícita.

            A respeito disso, só se pode falar em fonte independente quando não há nenhum vínculo entre a prova ilícita precedente e a prova posterior, pois a prova totalmente independente não se sujeita às regras da prova ilícita por derivação. [17]

            A regra da teoria da fonte independente é que a prova que for obtida por fonte independente da prova ilícita, é perfeitamente válida, já que na verdade ela não deriva da prova ilícita, ela é autônoma, desvinculada.

            Pode-se citar como outro exemplo de fonte independente, a hipótese em que uma equipe de policiais tortura o acusado até ele contar onde está a res furtiva, mas enquanto isso, uma outra equipe, por meios legais, consegue chegar ao local onde escondidos os objetos.[18]

            Claro que a prova material, representada pelos objetos apreendidos, é válida, pois não há relação entre a tortura e o encontro dos bens. Trata-se, no caso, de fonte independente. Por outro lado, é certo que os policiais que praticaram a tortura deverão ser responsabilizados, sem que isso, no entanto, influencie a prova do crime em investigação.

            O Código de Processo Penal Brasileiro, com a alteração promovida pela Lei 11.690/2008, adotou expressamente a teoria da fonte independente (independent source doctrine), em seu artigo 157, § 1º, parte final, ao afirmar que são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando puderem ser obtidas por uma fonte independente.[19]

            Portanto, não resta nenhuma dúvida de que a doutrina de origem norte-americana foi introduzida no direito processual penal brasileiro, tendo plena aplicabilidade para atenuar a teoria dos frutos da árvore envenenada.

            O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, tem decidido que a prova oriunda de fonte independente da ilícita é válida, de forma que não se pode falar em nulidade por derivação.[20]

           

3.2 Teoria da atenuação do nexo causal (Attenuation douctrine); ou da Conexão atenuada (Attenuated connection limitation); ou do Vício diluído (Purged taint limitation)

            A teoria da atenuação do nexo causal ou da diluição do vício é aplicada quando não houver nexo causal entre a prova ilícita e a derivada ou quando o nexo for tênue, de modo que se torna admitida a prova derivada.

            Também criada pela Supreme Court of the United States, a teoria do nexo causal atenuado nasceu no caso Wong Sun v. United States (1963). Nesse episódio aconteceram várias prisões consideradas ilegais, pela ausência de mandados judiciais ou de motivos razoáveis, todas elas por indícios de tráfico de drogas. Todavia, semanas mais tarde, após ter sido liberado, um dos que havia sido preso ilegalmente confessou, em interrogatório realizado de forma legal pela polícia, o delito de tráfico de drogas. A Suprema Corte não considerou tal confissão ilícita, ao argumento de que ela foi voluntária e realizada após a pessoa ter sido solta e informada de seus direitos, de forma que a conexão entre a prisão e a confissão era tão tênue que a ilegalidade havia se dissipado.[21]

            Percebe-se, assim, que a permanência da prova no processo, pela aplicação da teoria da atenuação do nexo causal, depende do enfraquecimento da cadeia causal dos acontecimentos. Para tanto, devem ser verificados três fatores: a) o tempo decorrido entre a ilegalidade e a obtenção da prova; b) a presença de circunstâncias que dividam a cadeia causal e; c) a conduta ilegal flagrante proposital.[22]

            Quanto mais tempo tiver decorrido entre a obtenção da prova ilegal e a derivada, maior a diluição do vício. Também é importante a ocorrência de fatos relevantes entre as duas provas, que dividam ou interrompam a cadeia causal. Ademais, quanto mais grave o vício, menor a possibilidade de se dissipar, e em consequência, de se reconhecer a atenuação do nexo causal, afinal, quanto mais envenenada estiver a árvore, mais difícil será de os frutos estarem sãos.

            Portanto, a teoria da atenuação do nexo causal exige que o nexo, a ligação, o vínculo entre a prova ilícita precedente e a prova posterior seja mínimo ou inexistente, ante a ocorrência de algum fato que o tenha rompido. Do contrário, o vício da prova ilícita contaminará a prova derivada.

            O Código de Processo Penal adota a teoria da atenuação do nexo causal em seu artigo 157, § 1º, primeira parte, ao admitir as provas derivadas das ilícitas quando não evidenciado nexo de causalidade entre umas e outras.[23]

            A teoria da atenuação do nexo causal ou da diluição do vício deve ser aceita no direito brasileiro, não só por estar prevista, mas também porque, pelos requisitos exigíveis para seu reconhecimento, o vício que maculou a prova inicial não tem mais força para causar prejuízo ao acusado quando da produção da prova posterior.

           

3.3 Teoria da descoberta inevitável (Inevitable discovery doctrine)

            A teoria da descoberta inevitável torna admissível a utilização de prova obtida de forma ilícita, quando se verificar que tal prova seria inevitavelmente descoberta por outros meios legais, ou seja, a prova seria obtida ou produzida de qualquer forma, independentemente da prova ilícita originária.

            Surgiu no caso Nix v. Williams (1984), no qual após o desaparecimento de uma criança, a polícia do local obteve, de forma ilegal, a indicação pelo acusado, do local onde o corpo estava enterrado. Porém, cerca de duzentos voluntários e policiais já estavam fazendo uma varredura no terreno apontado pelo assassino, antes da confissão ser obtida, de forma que a descoberta do cadáver era apenas questão de tempo. Com a confissão somente foi antecipado o encontro do cadáver, pois o acusado indicou o local exato. No julgamento a defesa tentou excluir a utilização do corpo como prova material no processo, alegando que a descoberta se deu através de uma prova ilícita. Entretanto, o entendimento da Suprema Corte foi de que o corpo seria encontrado independente da confissão, em razão da busca que estava sedo realizada, motivo pelo qual a prova era válida.[24]

            Como outro exemplo de descoberta inevitável, imagine-se a hipótese em que policiais torturam um suspeito para que ele indique onde está guardada a droga. Enquanto isso, outra equipe de policiais se prepara para cumprir um mandado de busca e apreensão no esconderijo, inclusive com a utilização de cães farejadores, sendo certo o encontro da droga, pois depositada em local de fácil localização. Contudo, em razão da tortura, o suspeito acaba indicando aos torturadores o local exato onde a droga estava, sendo a informação repassada aos policiais que realizariam a busca, facilitando a apreensão do material.       

Malgrado a ilegalidade representada pela tortura, grave ilegalidade, aliás, a prova material consubstanciada no encontro da droga é de ser válida, porque a descoberta era inevitável, ma vez que outra equipe de policiais já estava pronta para fazer a busca e apreender a substância.

            É de se observar que existe uma proximidade muito grande entre a teoria da descoberta inevitável e a teoria da fonte independente, tanto que a Suprema Corte norte-americana chegou a afirmar que uma é desdobramento da outra.

            Em razão das semelhanças entre as duas teorias, o legislador brasileiro acabou por confundi-las, como bem observou Eugênio Pacelli de Oliveira:

Note-se que a Lei nº 11.690/08 comete um equívoco técnico. No art. 157, § 2º, ao pretender definir o significado de “fonte independente” afirmou tratar-se daquela que “por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”. A nosso aviso, essa é a definição de outra hipótese de aproveitamento da prova, qual seja, a teoria da descoberta inevitável, muito utilizada no direito estadunidense.[25]

            Independentemente das semelhanças e da confusão legislativa, é certo que a teoria da descoberta inevitável encontra abrigo no direito processual penal brasileiro, afinal o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu em várias oportunidades a aplicabilidade da mencionada teoria.[26]

3.4 Teoria da boa-fé (good faith exception)

            Apresentando-se como mais uma exceção à doutrina dos frutos da árvore envenenada, a teoria da boa-fé consiste na limitação da Boa-Fé (the good faith exception), também com origem no direito norte-americano.

Essa teoria foi inicialmente aplicada pela Suprema Corte dos Estados Unidos no caso United States v. Leon (1984), em apreciação ao caso em que policiais da Califórnia cumpriram, de boa-fé, um mandado que foi posteriormente invalidado. Os acusados invocaram a supressão da prova com base na doutrina dos frutos da árvore envenenada, sendo que a Suprema Corte norte-americana indeferiu a postulação dos acusados, fundamentando sua decisão na exceção em exame.[27]

            Tome-se, como outro exemplo, o caso em que o Delegado de Polícia representa pela interceptação telefônica de uma determinada linha, mas na hora da decisão, o juiz concede a interceptação, equivocadamente, de outro número. A polícia civil, sem perceber o erro, passa a monitorar as conversações e descobre um crime, acabando por reunir provas contra o criminoso, que foi interceptado equivocadamente.

De acordo com a teoria da boa-fé, quando a prova for produzida com total pureza de intenção, com a crença de se estar agindo dentro dos termos legais, pode ela ser aceita, ainda que ilícita.

            Isso se dá porque a regra de exclusão das provas ilícitas destina-se precipuamente a evitar que as autoridades encarregadas da investigação criminal atuem de forma ilegal. Logo, nos casos em que ficar demonstrado, sem qualquer dúvida razoável, que a atuação do agente estatal se deu de boa fé, não haverá razão para a exclusão da prova.

            A teoria da boa-fé não é vista com bons olhos por boa parte dos juristas pátrios, que a consideram incompatível com o sistema jurídico brasileiro. Sustentam eles que a boa-fé no momento da produção da prova não afasta a mácula inicial que a contamina.

            Na verdade, a teoria da boa-fé não deve ser afastada de plano, pois sempre se deve verificar a questão da proporcionalidade. Quando for para garantir direitos mais valiosos que os violados, nada impede a aplicação da teoria da boa-fé, ainda mais se a prova favorecer o acusado.

CONCLUSÃO

            Assim como a teoria dos frutos da árvore envenenada surgiu nos Estados Unidos e passou a ser aplicada no direito processual penal brasileiro, as teorias norte-americanas que visam a atenuar o alcance da teoria dos frutos da árvore envenenada também encontram aplicabilidade no processo penal pátrio.

            Tanto é que a Lei 11.690/2008, ao alterar o Código de Processo Penal, mencionou expressamente a admissibilidade de provas derivadas das ilícitas quando obtidas por uma fonte independente. Importou, está claro, a independent source doctrine do direito norte-americano.

            A mesma lei supracitada também buscou nos Estados Unidos a attenuation doctrine e a introduziu no Código de Processo Penal ao prever que é admissível a prova derivada quando não houver nexo entre ela e a ilícita. 

            Por outro lado, a Inevitable discovery doctrine tem sido aplicada seguidamente pelo Superior Tribunal de Justiça, que não cansa de afirmar a aplicabilidade da teoria ao direito processual penal brasileiro.

            Quanto à good faith exception, é perfeitamente possível sua aplicação no processo penal brasileiro, desde que utilizada como forma de garantir a proporcionalidade das decisões, toda vez que garantias fundamentais estiverem em conflito.

            Portanto, a teoria dos frutos da árvore envenenada é limitada pelas teorias da fonte independente, da atenuação do nexo causal, da descoberta inevitável e da boa-fé, todas criadas pela Suprema Corte Norte-Americana e aplicáveis ao processo penal brasileiro.

            Assim, não há que se falar em prova ilícita por derivação quando a prova posterior houver sido obtida de uma fonte independente, se a descoberta era inevitável, se o vício que maculava a prova ilícita se dissipou, e em certos casos, se as autoridades agiram de boa-fé.        

REFERÊNCIAS

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DEZEM, Guilherme Madeira. Da Prova Penal: Tipo Processual, Provas Típicas e Atípicas: Campinas: Millennium, 2008.

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GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades do processo penal. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

LIMA, Marcellus Polastri. A prova penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2003.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5 Ed. São Paulo: Atlas, 1999.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

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BRASIL. Superior Tribunal de justiça. Habeas Corpus 106571/PR. Relator: Ministro Jorge Mussi. Brasília, 16 de setembro de 2010.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 52995/AL. Relator: Ministro OG Fernandes. Brasília, 16 de setembro de 2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 72588/PB. Relator: Ministro Maurício Corrêa. Brasília, 12 de junho de 1996.

Sobre o autor
Adilson José Bressan

Delegado de Polícia. Especialista em Segurança Pública. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Direito de Polícia Judiciária. Especialista em Compliance Público-Privado, Integridade Corporativa e Repressão à Corrupção. Especialista em Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância.

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