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Indenização por abandono afetivo

Agenda 16/08/2015 às 10:39

Trata-se de um estudo sobre a indenização em caso de abandono afetivo. Pelo trabalho, busca-se dar uma fundamentação a respeito do tema, explicando os principais artigos de lei, bem como os deveres da entidade familiar na criação dos demais entes.

I.    Introdução.

A Sociedade brasileira tem como um de seus grandes fundamentos a ostensiva valorização do núcleo familiar. Sendo assim, a abordagem do tema pretere o âmbito individual, atingindo o âmbito social, ou seja, a problemática dos efeitos causados pelo abandono afetivo abarcam aspectos do complexo social.

Por certo, o Direito deve abranger tudo o que interessa à sociedade como um todo, e a relação familiar, neste caso, não é diferente.

Ademais, as obrigações surgidas da relação entre pais e filhos não é somente de cunho pecuniário, no sentido dos alimentos, mas também de cunho social, psicológico e afetivo, proporcionando condições de desenvolvimento aos indivíduos de modo a contribuir com a sociedade.

Uma vez que a relação familiar engloba diversos aspectos, sempre de modo convergente no sentido de formar o ser humano para viverem sociedade, indaga-se o que ocorre no caso de abandono dos familiares. Ou seja, qual a consequência jurídica caso um responsável deixe de cuidar e criar seus filhos, ou até mesmo dos idosos, que necessitam de tanto cuidado quanto as crianças.

O ordenamento jurídico brasileiro entende que, nestes casos, é possível uma indenização por abandono afetivo, a qual passaremos a demonstrar abaixo.

II. Funções da indenização por abandono afetivo.

A indenização por abandono afetivo possui dupla função: punitiva e reparatória.

Quanto ao caráter reparatório, este se justifica pelo fato de que os transtornos psicológicos causados pelo abandono afetivo podem ser remediados com a ajuda de psicólogos, mesmo que de forma incompleta e insuficiente, uma vez que o abandono afetivo acarreta sequelas, cientificamente comprovadas, de cunho psicológico e social.

Já em relação ao caráter punitivo, este se explica pelo simples fato de persuadir a execução de uma obrigação familiar quanto ao desenvolvimento social e psicológico dos indivíduos da sociedade. Trata-se de uma medida que visa mudanças comportamentais da sociedade.

Como se sabe, o Direito é capaz de mudar as relações sociais, como, por exemplo, a obrigatoriedade do cinto de segurança (antes da promulgação da lei, o cinto era visto como mero acessório, atualmente é visto como importante instrumento de segurança; neste caso a lei mudou a forma de pensar dos motoristas e passageiros). Contudo, o direito, na maioria das vezes, somente é capaz de proporcionar mudanças parciais e dificilmente conseguirá mudanças radicais (SABADELL, 2002, p.98).

A promulgação de uma lei, ou então o provimento de ações indenizatórias por abandono afetivo geraria uma maior carga de responsabilidade da entidade familiar quanto à formação social de crianças, bem como quanto à assistência aos idosos.

Em outras palavras, a partir do momento que a entidade familiar entender que existe uma lei que pode responsabilizá-la por abandono afetivo, a ideia seria que esta entidade familiar se esforçasse na formação social das crianças e no cuidado dos idosos, assumindo as responsabilidades que lhes é intrínseca.

Deste modo, a lei passaria a ter a função social a que se destina, evitando que fosse necessário a indenização pelo seu descumprimento. Veja que, neste caso, a remediação que se faz do caso ocorre de modo preventivo, pois evita que a família abandone seus familiares. Seria a melhor situação. Contudo, como se sabe, não é esta a realidade brasileira, razão pela qual o ordenamento jurídico trata de modo tão amplo da indenização, conforme explicado abaixo.

III. Aspectos jurídicos para o provimento da indenização por abandono afetivo.

     De acordo com a doutrina, o objeto da relação obrigacional deve obedecer quatro requisitos: três deles encontram-se no art. 104, inc. II, do Código Civil de 2002, a saber: objeto lícito, possível e determinado ou determinável. O quarto requisito, peculiar das relações obrigacionais, denomina-se patrimonialidade, ou seja, a prestação poderá ser avaliada pecuniariamente, mesmo sendo o interesse apatrimonial.

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     Portanto, a indenização por abandono afetivo é válida do ponto de vista jurídico por conter os quatro elementos supracitados. Além disso, a legislação traz dispositivos que ressaltam a importância do afeto na relação familiar.

Em primeiro lugar, a Constituição Federal, art. 226, § 8º:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram,                 criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

     O Estado deve coibir, através da criação de mecanismos, a violência no âmbito das relações familiares. A violência não se dá apenas no plano físico, mas também no psicológico, incluindo, portanto, o abandono afetivo. Dessa forma, criada a possibilidade de indenização por abandono afetivo, o Estado nada mais faz do que sua obrigação de assegurar assistência às pessoas no núcleo familiar.

     Além disso, o mecanismo de assistência citado no art. 226, § 8º possui caráter de reciprocidade, isto é, os filhos também têm o dever de amparo aos pais. Daí conclui-se o dever de cuidar dos idosos. Ainda no âmbito da Constituição Federal, vejamos o art. 227:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

      De acordo com o artigo, é dever da família assegurar, dentre outros direitos, a convivência familiar e comunitária. Assim, entende-se que o afeto é de suma importância para o desenvolvimento das relações familiares. Não obstante, o artigo traz como dever da família colocar a criança e o adolescente a salvo de toda forma de negligência. Desse modo, a ausência de afeto constatar-se-ia como tal.

     Por fim, a Constituição Federal estipula no art. 229 o seguinte:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores                  têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

    Este artigo demonstra de forma clara e precisa o dever da entidade familiar, bem como seu caráter de reciprocidade: não são apenas os pais que devem cuidar dos filhos. Mas estes também devem cuidar dos pais em caso de velhice, carência ou enfermidade.

    Não obstante preceitos constitucionais, o Estatuto da Criança e do Adolescente também aborda o tema da relação entre pais e filhos, no art. 5º:       

Art. 5. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

     Para que tal artigo seja eficaz, faz-se necessário a criação de um mecanismo, já previsto na Constituição Federal, como mencionado anteriormente. Existe um Projeto de Lei que versa sobre o tema.

      Além do artigo supracitado, o Estatuto da Criança e do Adolescente também estipula no art. 18:

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de             qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

A Declaração dos Direitos da Criança Adotada pela Assembleia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº. 99.710/199 estipula que:

Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-á, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material, salvo circunstâncias excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.

Além destes dispositivos, o Estatuto do Idoso trata do tema no art. 3º:

Art. 3. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Outrossim, no art. 4 descreve o seguinte:

Art. 4. Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.

Nos dois artigos supracitados, demonstra-se a característica de reciprocidade da indenização por abandono  afetivo. Vejamos o que a jurisprudência dos Tribunais entendem sobre o tema:

DIREITO DE FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. MINISTÉRIO PÚBLICO. ABRIGO DO MENOR EM INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO. ABANDONO MATERIAL E AFETIVO. QUALIFICAÇÃO. MOTIVO GRAVE. VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE GUARDA, SUSTENTO E EDUCAÇÃO. AUSÊNCIA DE LAÇO AFETIVO. DESPOJAMENTO DA MÃE BIOLÓGICA DO PODER FAMILIAR. MELHOR INTERESSE DO INFANTE. LEGITIMIDADE. PRESERVAÇÃO DO FILHO. INTERESSES. CONFLITO. PREPONDERÂNCIA DO INTERESSE DA CRIANÇA. REINSERÇÃO DE MENOR NO SEIO DA FAMÍLIA BIOLÓGICA. NÃO RECOMENDAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. (TJ-DF – Apelação Cível n. 20130130051550 DF 0004375-82.2013.8.07.0013, Des. Relator Teófilo Caetano, Data de Julgamento: 03/09/2014, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 16/09/2014 . Pág.: 79)

É importante esclarecer que todas estas disposições são bem-vindas para regular o tema, mas não se pode fazer uma interpretação literal sobre os envolvidos. Ora, se é função da entidade familiar cuidar dos membros de sua entidade familiar, nada impede que parentes de outros graus não sejam responsáveis pelos demais.

Assim, por exemplo, nada impede que um sobrinho cuide de seu tio por velhice; ou mesmo que o tio seja responsável pelo sobrinho em termos de educação.

Ressalta-se que esta interpretação é dotada de um caráter muito mais ético-moral do que jurídico, mas uma vez que se tem em vista a figura da entidade familiar, não há motivo para apenas restringir sua aplicação entre ascendente e descendente de primeiro grau.

Ante o exposto, conclui-se que a lei regula o tema e garante àqueles da entidade familiar o direito de seu assistido durante sua formação. Outrossim, a própria lei determina indenizações para o caso do descumprimento desta obrigação. Mas, como dito, o melhor seria que todos tivessem o sendo moral e ético apto a cumprir com estes deveres.

IV. Bibliografia

SABADELL, Ana Lucia; manual de Sociologia Jurídica, 2ed., 2002

GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro – vol. I, 9ªed., 2011

GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro – vol. II, 8ªed., 2011

LENZA, Pedro; Direito Constitucional Esquematizado, 15ªed., 2011

MORAES, Alexandre de; Direito Constitucional, 27ªed., 2011

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