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Poder familiar na atualidade brasileira

Agenda 19/08/2015 às 17:15

Este estudo enfoca o exercício do poder familiar no contexto, fático e jurídico, brasileiro atual, sob os direitos de natureza pessoal e patrimonial dele resultante, com notas ao recente Estatuto da Pessoa com Deficiência.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Poder Familiar. 2. Definição. 3. A Família 4. Sujeitos e Objeto da Relação Jurídica. 4.1 Os Sujeitos. 4.2 Objeto. 4.2.1 Direitos Pessoais. 4.2.2 Direitos Patrimoniais. 5. Término do Exercício. Conclusão.

INTRODUÇÃO

Em trabalho também intitulado "Poder Familiar na atualidade brasileira", discorri sobre os direitos e interesses, de natureza pessoal e patrimonial, que nascem do exercício desse poder-dever inerente e exclusivo dos pais, independentemente da origem do vínculo paterno-materno-filial, quanto a seus filhos menores.

Repriso, aqui, ipsis litteris parte razoável daquele, fazendo uma revisão, e, sobretudo, atualizando-o consoante o contexto legislativo brasileiro, mormente, ante a sanção do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Federal n. 13.146, de 6.7.2015), ainda não vigente, cuja vacatio legis será de 180 dias, nos termos de seu art. 127.

A matéria de fundo destas linhas é vasculhar, em rápidas tintas, o instituto do poder familiar, entretanto, com o mencionado Estatuto, algumas linhas tiveram que ser acrescidas, mesmo não sendo o cerne do estudo, neste caso, a curatela dos interditos, com o escopo de mantê-lo com a atualidade legislativa brasileira.

O Código Civil de 2002 trouxe ao mundo jurídico o "Poder Familiar" entre seus artigos 1.630 e 1.638 como último Capítulo de seu Título I que trata dos Direitos Pessoais relativos ao Direito de Família (Livro IV da Parte Especial).

Posta assim essa matéria, entende-se, de plano, que o poder familiar gera direitos pessoais às pessoas naturais participantes dessa relação jurídica de direito material – pai, mãe e filho –, por conseguinte, deveres correlatos; entretanto, não se pode olvidar que desse acontecimento jurídico nascem também direitos patrimoniais, e consequente deveres, como os alimentos, com natureza própria ao dever de sustento, dentre outros.

Neste texto, ao relatar os direitos e deveres de natureza pessoal e material decorrentes do poder familiar, expressamente disciplinados na Lei Civil de 2002, não se olvidará da existência de diretrizes constitucionais específicas (art. 226, §§ 4º e 7º, art. 227, §§ 4º ao 8º, e art. 229, todos da CR/1988), como de princípios fundamentais, mormente, os da cidadania, dignidade da pessoa humana, solidariedade e da igualdade (art. 1º, II e III; art. 3º, I e IV; art. 5º, I; art. 226, caput, §§ 5º e 8º, todos da Constituição da República), como estatutárias, com atenção às disposições gerais relativas à convivência familiar e comunitária (arts. 20/24 do ECA – Lei Federal n. 8.069/1990), todos contidos no sistema jurídico brasileiro como integradores e paradigmas para a interpretação dessa relação jurídica mais íntima em um contexto familiar, quando, como e onde se fizerem pertinentes suas apreciações.

O escopo deste estudo é sobrevoar o ordenamento jurídico brasileiro atual para averiguar os principais interesses que resultam do poder familiar, desde sua própria terminologia, passando pelos elementos integrantes dessa relação jurídica – sujeito, objeto e fato jurídico –, aterrissando nas causas que ocasionam sua extinção, ainda que em breves, rápidas e singelas paisagens.

1. Poder Familiar

A terminologia "poder familiar" é recente no sistema jurídico brasileiro – incluída no Código Civil de 2002 por sugestão de Miguel Reale (REALE, 2003, p. 18) –, pois o Código Civil de 1916 (arts. 379 a 395) intitulava-o de "pátrio poder", ou seja, o poder do pai, o poder paterno, garantindo, expressamente, seu exercício ao pai, marido, auxiliado pela mãe, sua mulher, tanto que, em eventual conflito ou divergência de opiniões quanto a esse exercício, prevaleceria a vontade paterna (art. 380, CC/1916).

Discorrendo sobre essa terminologia, Paulo Luiz Netto Lôbo (2008, p. 268-269) assegura não ser ela a mais adequada, conquanto esteja melhor pontuada que a anterior, ressaltando "[...] que as legislações estrangeiras mais recentes optaram por 'autoridade parental'. [...] A França a utilizou desde a lei de 4 de junho de 1970, que introduziu profundas mudanças no Direito de Família, ampliadas pela lei de 4 de março de 2002, que reformou o regime da autoridade parental, principalmente na perspectiva do melhor interesse do filho. O Direito de Família americano tende a preferi-lo, como anota Harry D. Krause. [...]."

Para realçar a validade jurídica do termo – "autoridade parental" –, uma vez que poder evocaria espécie de poder físico de um sobre o outro, prossegue:

[...] autoridade, nas relações privadas, traduz melhor o exercício de função ou de múnus, em espaço delimitado, fundado na legitimidade e no interesse do outro, além de expressar uma simples superioridade hierárquica, análoga à que se exerce em toda organização, pública ou privada. 'Parental' destaca melhor a relação de parentesco por excelência que há entre pais e filhos, o grupo familiar, de onde deve ser haurida a legitimidade que fundamenta a autoridade, além de fazer justiça à mãe. [...]. (LÔBO, 2008, p. 269)

Precisas, interessantes e fundadas essas lições, a despeito da sedimentação do termo "poder familiar" no sistema jurídico brasileiro, haja vista que o Estatuto da Criança e do Adolescente fora modificado pela Lei Federal n. 12.010/2009 para, dentre outros pontos, substituir, nos artigos que enumera, a expressão "pátrio poder" por essa nova terminologia (art. 3º).

2. Definição

Para prosseguir o estudo do poder familiar, averiguando os componentes da relação jurídica constituída, mormente, seus sujeitos e objetos, faz-se mister, desde logo, apresentar algumas definições doutrinários.

Silvio Rodrigues (2002, p. 398) conceituava, ainda denominando-o de "pátrio poder", conquanto com notas à legislação vigente, como "[...] o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes", caracterizando-o como irrenunciável.

Além de irrenunciável, Maria Berenice Dias (2013, p. 436) afirma ser o poder familiar "[...] intransferível, inalienável, imprescritível, e decorre tanto da paternidade natural como da filiação legal e da socioafetiva. As obrigações que dele fluem são personalíssimas. Como os pais não podem renunciar aos filhos, os encargos que derivam da paternidade também não podem ser transferidos ou alienados."

Sílvio de Salvo Venosa (2011, p. 1.697) acrescenta sua indivisibilidade, todavia, da titularidade, não do exercício, a qual não se aplica à guarda unilateral, como "[...] na prática, quando o pai e a mãe em harmonia orientam a vida dos filhos."

Ao descrever a transformação desse instituto, mesmo em seu conceito, Guilherme Calmon Nogueira da Gama esclarece:

[...] de Clóvis Bevilaqua, como sendo 'o complexo dos direitos que a lei confere aos paes sobre a pessôa e os bens do filho', até a noção conceitual da autoridade parental (ou poder parental) de Waldyr Grisard Filho como 'o conjunto de faculdades encomendadas aos pais, como instituição protetora da menoridade, com o fim de lograr o pleno desenvolvimento e a formação integral dos filhos, seja físico, mental, moral, espiritual e social', muitas transformações ocorreram na sociedade brasileira e na própria comunidade internacional a motivarem a mudança do centro de interesses tutelados, da pessoa dos pais (ou do pai-marido) para a pessoa dos filhos. (GAMA, 2008, p. 469)

Maria Helena Diniz (2012, p. 1.197) dita que "O poder familiar consiste num conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção dos filhos."

Poder familiar, portanto, é um instituto jurídico que vincula pais e filhos menores, não emancipados, que são os sujeitos da relação jurídica que se constitui por vínculo natural, biológico, adotivo, pelo reconhecimento espontâneo, cujo objeto desse relacionamento é um conjunto de direitos e deveres, em âmbito pessoal e patrimonial.

3. A Família

A relação fática que faz nascer no mundo jurídico o poder familiar é a mais íntima do relacionamento social, pois decorre da vinculação entre o filho e seus genitores, independentemente da origem dessa filiação, ainda que em foco unilateral, donde a concepção da família monoparental (art. 226, § 4º, CR/1988).

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Essa relação concebe a denominada família nuclear.

Sendo a família a base da sociedade brasileira (art. 226, caput, CF/1988), esse relacionamento social nuclear tipifica o menor, mais próximo, sólido e íntimo núcleo social, uma verdadeira microssociedade; destarte, a relação paterno-materno-filial é uma das formas de constituição da família brasileira.

Como lembra Maria Berenice Dias (2013, p. 29): "A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece (XVI 3): 'A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado'".

Ovídio Rocha Barros Sandoval (2014, p. 2) narra que "Todo homem e toda mulher nascerão em uma família", que é uma instituição natural, e prossegue: "Como a família é anterior à sociedade e ao Estado, tudo que se fizer em desfavor da família, tanto a sociedade como o Estado serão atingidos. A primeira comunidade, para o homem, é a família. Nela o homem ou a mulher acordam para a vida e passam a ter contato humano e social com os outros, a partir de seus pais. É na família que o homem ou a mulher iniciam a sua construção, como pessoa."

Assim, a mútua relação entre os genitores (pai e mãe, independente do tipo de relacionamento que mantenham ou tenham mantido – casamento, união estável, namoro, acaso, etc.) e seus filhos, constituirão o vínculo familiar mais íntimo da sociedade, mesmo em âmbito monoparental, real microssociedade que fundamenta todo convívio social, até a macrossociedade.

A relação estabelecida entre pais e filhos guiará e direcionará os caminhos para a adequada, correta e equânime convivência entre essas pessoas que integram o núcleo familiar, que são os sujeitos do poder familiar.

4. Sujeitos e Objeto da Relação Jurídica

A relação jurídica estabelecida pelo poder familiar vincula os pais (pai e mãe), como seus titulares, e, no outro polo, submetidos ao exercício desse poder, os filhos, mas, somente os filhos menores e não emancipados.

Com efeito, é uma relação jurídica formada entre os pais e seus filhos, estes como sujeitos da relação – titulares de direitos e com deveres legais, tanto pessoais como patrimoniais –, nunca como objeto do relacionamento, como já figuraram em tempos e normatizações passados.

4.1 Sujeitos

São titulares do poder familiar os genitores, em plena, total e equânime igualdade de direitos, interesses, deveres e exercícios, haja vista que, eventuais divergências insuperáveis entre eles poderá ser solucionada pelo Poder Judiciário (art. 1.631, caput, e seu parágrafo único; art. 1.634, caput, – artigo com nova redação [Lei Federal n. 13.058/2014] – ambos do CC/2002; art. 21, ECA), uma vez que não mais prevalecerá a vontade de quaisquer deles. Sua titularidade será exclusiva de um só dos pais quando o outro falecer ou dele for destituído, ou, em caso de não reconhecimento da filiação (art. 1.633, CC/2002).

No polo passivo dessa relação jurídica figuram os filhos menores (art. 1.630 c/c. o art. 5º, caput, ambos do CC/2002); complemente-se que os filhos menores emancipados a ele não estão sujeitos, pois o poder familiar se extingue com a emancipação (art. 1.635, II, CC/2002). Destarte, a ele estão submetidos os filhos menores e não emancipados.

Ressalte-se, outrossim, que a orfandade paterna e materna também o extingue (art. 1.635, I, CC/2002), caso em que esse infante (criança ou adolescente), haverá de ser posto sob tutela, consoante disciplinam os arts. 1.728 a 1.766 do Código Civil e arts. 36, 37 e 38, estes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A maioridade civil do filho também é causa extintiva do poder familiar (art. 1.635, III, CC/2002).

Entretanto, caso permaneça a incapacidade civil desse filho por outro fator – clínico, físico, psíquico ou psicológico –, será aplicável o instituto da curatela, com a prévia e imprescindível interdição do incapaz. Nessa situação, poder-se-ia falar em exercício cumulativo da curatela pelos pais que, até então, conjunta e solidariamente, exerciam o poder familiar.

Conquanto esse não seja o ponto fundamental deste trabalho, imprescindível a lembrança de que o instituto da incapacidade civil apresentará nova roupagem no sistema jurídico brasileiro em conta da edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Federal n. 13.146, de 6.7.2015), que vigerá a partir de janeiro de 2016 (art. 127), determinando novas redações aos art. 3º - revogando todos seus incisos (art. 123, II) - e art. 4º do Código Civil de 2002 (art. 114).

Tanto que Pablo Stolze (2015, p.), ao discorrer sobre essa novel legislação, anota que "Com a nova lei, a pessoa com deficiência não deve ser mais tecnicamente considerada civilmente incapaz."

Ao menos em tese e a princípio, mesmo com a edição do Estatuto (LF n. 13.146/2015) o filho nessa situação estará sujeito à curatela, nos ditames da nova redação que se dará ao art. 1.767, inciso I, do Código Civil: "aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;" (art. 114), que também positivará a curatela compartilhada (art. 1.775-A, CC/2002).

Há que se questionar, contudo, quais os filhos menores e não emancipados que figuram como sujeitos do poder familiar, donde resulta a conclusão que todo e qualquer filho, independentemente da origem da filiação, porquanto, como dita a Constituição da República de 1988: "Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação" (art. 227, § 6º), reprisada, ipsis litteris, no Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 20) e no Código Civil de 2002 (art. 1.596).

Com efeito, o poder familiar constitui uma relação jurídica entre os pais, em igualdade de direitos, interesses, deveres e exercício, e seus filhos menores, não emancipados, seja o vínculo paterno-materno-filial originado de uma relação matrimonial, ou não, em união estável, ou por adoção.

4.2 Objeto

O poder familiar constitui uma relação jurídica entre os pais e seus filhos (menores e não emancipados) que tem como objeto o exercício de direitos de natureza pessoal e material, tanto que, na própria sistemática do Código Civil de 2002, este instituto é um dos que integra o título relacionado ao Direito Pessoal, quando são tratadas as relações de parentesco.

No entanto, no título do Direito Patrimonial, há tópico específico para cuidar "do usufruto e da administração dos bens de filhos menores" (arts. 1.689 a 1.693, CC/2002), como "dos alimentos" (arts. 1.694/1.710, CC/2002), a despeito do dever de sustento contido expressamente no Estatuto da Criança e do Adolescente, cujo art. 22 enfoca que "Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais."

Muito se discute sobre se o poder familiar é um instituto jurídico em que há efetivamente poderes aos pais ou se somente ostentam deveres e obrigações; tanto que esse debate resulta em divergências acerca da sua própria terminologia, como visto em tópico acima.

Anoto, contudo, que o poder familiar é um instituto sui generis, com natureza, características e especificidades, pois é uma relação jurídica de direito material estabelecida entre pessoas físicas que figuram em dois polos (ativo e passivo), em que há correlação e correspondência de direitos e deveres entre esses sujeitos.

No polo ativo, como titulares do instituto jurídico, estão os pais que têm o poder e o dever de exercerem as prestações que decorrem dessa titularidade, prestações essas impostas pela lei. No passivo estão os filhos menores e não emancipados, porque são as pessoas naturais que estão sujeitas ao exercício do poder familiar, mas, que têm interesse legítimo em exigir o adimplemento das prestações legais.

É uma situação jurídica em que o poder está umbilicalmente atrelado ao dever, por isso, poder-dever; simultaneamente, há a titularidade do instituto e o consequente exercício de prestações relativas ao poder familiar, com os direitos disso advindos, e, correlatamente, a obrigação de satisfazer vários deveres inerentes a esse mesmo exercício.

Os pais têm como sujeitos titulares, por exemplo, no exercício do poder familiar, o direito de exigir obediência e respeito de seus filhos menores não emancipados, mas, concomitante a esse poder, há o dever de prestar sustento, guarda, criação e educação.

Esclarece Luiz Edson Fachin (1997, p. 595) que "[...] Está na base desse standart mais do que uma relação de autoridade, tratando-se de um munus público irrenunciável e inalienável." E, em nota de rodapé, Maria Berenice Dias (2013, p. 435, nota 4) esclarece que múnus é um "[...] encargo legalmente atribuído a alguém, em virtude de certas circunstâncias, a que não se pode fugir."

Mas, essa situação jurídica não é exclusividade do direito privado, porquanto, no direito público pode-se utilizar o direito ao voto como um instituto sui generis, em que há o direito de votar e ser votado garantido a todo cidadão, mas, concomitantemente, existe o dever cívico e jurídico de votar; destarte, um poder-dever!

4.2.1 Direitos Pessoais

No art. 1.634 do Código Civil de 2002, em seus nove incisos – com nova redação decorrente da Lei Federal n. 13.058, de 22.12.2014 (Lei da Guarda Compartilhada) –, são enfocados e relacionados os principais e primordiais direitos e deveres na relação pessoal entre os pais e seus filhos menores e não emancipados.

Destarte, são inerentes ao exercício do poder familiar a criação, educação, a guarda – unilateral ou compartilhada –, cuja aplicação pragmática desses interesses é de exclusiva e total responsabilidade dos pais.

Inolvidável que, em caso de guarda unilateral, o genitor que não a possuir terá assegurado o direito de visitas (art. 1.632, CC/2002). Ressalte-se que, conquanto não esteja exercendo a guarda direta, o genitor permanece com a plena e total titularidade do poder familiar.

O exercício da guarda garante aos genitores o legítimo interesse e efetivo direito de reclamar, na expressão da lei, seu filho "[...] de quem ilegalmente os detenha" (art. 1.634, VIII, CC/2002), valendo-se, quando necessário, de pretensão judicial cautelar de busca e apreensão, mesmo em face do outro genitor, em guarda unilateral.

A criação e educação dos filhos é de primária, primordial e exclusiva responsabilidade dos genitores (art. 229, 1ª parte, da CF/1988), denominada de educação informal (SOUZA, 2010, p. 13), que compartilharão com a sociedade e com o Poder Público a educação escolar (instrutiva, o ensino), nos ditames da Lei de Regência (Lei Federal n. 9.394/1996), seguindo as diretrizes constitucionais (art. 227, caput) e estatutárias pertinentes (art. 4º, caput, ECA).

Dentre os interesses e garantias pessoais, os pais têm o legítimo direito de exigir que seus filhos "[...] prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição" (art. 1.634, IX, CC/2002), inciso que ostenta consonância, sendo-lhe corolário, do primeiro deles – criação e educação –, porquanto, obediência e respeito hão de ser conquistados na relação cotidiana entre pais e filhos, cuja imposição hierárquica, em tempos modernos, decerto resultará infrutífera.

Augusto Cury (2014, p. 84), psicanalista e psicoterapeuta, alerta que "Sabemos se uma família é saudável, bem resolvida e feliz não pela ausência plena de atritos, algo impossível, mas pela presença de gratidão, respeito, consideração e diálogo."

A concessão ou negativa de consentimentos para casar – cuja idade núbil é alcançada aos 16 anos (art. 1.517, CC/2002) –, para efetuar viagens ao exterior (observadas as regras estabelecidas no ECA, art. 84; e Res. n. 74/2009, CNJ), e para eventual alteração de residência para município diverso, também são de exclusiva responsabilidade dos pais.

Poderão, outrossim, conjuntamente, nomear tutor aos filhos menores não emancipados, que é a denominada tutela testamentária (art. 1.729, CC/2002); lembrando que a tutela será aplicada caso haja orfandade paterna e materna, ou, o ou os pais sejam suspensos ou destituídos do poder familiar, pois inexiste exercício simultâneo de tutela e poder familiar.

A representação legal dos filhos menores, sejam absoluta ou relativamente incapazes, por esse fator etário, é de atribuição primária dos pais, que, nessa última situação, somente os assistirão nos atos da vida civil (art. 1.634, VII, c/c os arts. 115/120, todos do CC/2002), salvo quando legal ou voluntariamente emancipados.

Situação fática interessante, aliás, é a do filho relativamente incapaz por fator etário (maior de 16, menor de 18 anos – art. 4º, I, CC/2002 –), mas, absolutamente incapaz por outra motivação (clínica, biológica, psíquica, psicológica, etc.), cuja interdição, em princípio, ostenta possibilidade e interesse jurídicos, com a nomeação de um curador para o representar nos atos da vida civil, mormente, em sendo titular do domínio sobre bens (patrimônio), uma vez que poderá dispor por testamento (art. 1.860, parágrafo único, CC/2002); destarte, a cautela e garantia dos interesses do incapaz justificam essa medida judicial.

Nesse caso, novamente, compatível é o exercício da curatela pelos pais, cumulativamente, como faziam até então no poder familiar, a referida curatela conjunta ou mesmo compartilhada.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, expressamente, por seu art. 114, acrescenta o art. 1.775-A ao Código Civil, com esta redação: "Na nomeação de curador para a pessoa com deficiência, o juiz poderá estabelecer curatela compartilhada a mais de uma pessoa." Recentemente, o Projeto de Lei n. 1.163-B/2015 fora aprovado na Câmara dos Deputados, para acrescentar o art. 1.775-B: "Verificando a necessidade de que mais de uma pessoa exerça a curatela, o juiz deferi-la-á àqueles que forem capazes de exercê-la, observando sempre o interesse maior do interdito. Parágrafo único. À curatela compartilhada serão aplicadas, no que couber, as diretrizes da guarda compartilhada."

Nesse ponto, o novo Código de Processo Civil (Lei Federal n. 13.105, de 16.3.2015 – com vacatio legis de um ano [art. 1.045] e que revogará os arts. 1.768 a 1.773 do Código Civil [art. 1.072, II] –) também inova ao possibilitar, expressamente, a nomeação de curador provisório (art. 749, parágrafo único), como também o faz o Estatuto acima referido em seu art. 87.

Aliás, esse Estatuto (LF n. 13.146/2015) revogará os arts. 1.767, incisos II e IV, 1.776 e 1.780, todos do Código Civil (art. 123, VI e VII), dentre outros, e dará nova redação aos arts. 1.768, 1.769, 1.771 e 1.772, do mesmo Código (art. 114), os quais, dias depois, serão revogados por vigência do Código de Processo Civil de 2015 (art. 1.072, II).

4.2.2 Direitos Patrimoniais

Em âmbito material, focarei a análise dos direitos e deveres relacionados ao usufruto e administração dos bens dos filhos menores, como no alimentício.

O Estatuto da Criança e do Adolescente estatui o dever de sustento aos pais enquanto titulares do poder familiar (art. 22), tendo a Constituição da República também imposto a devida assistência aos filhos menores – aliás, com reciprocidade aos pais idosos – (art. 229); enquanto isso, o Código Civil fixa a reciprocidade do direito aos alimentos entre pais e filhos, independentemente, de suas faixas etárias (art. 1.696).

Ao cuidar de alimentos quanto ao poder familiar, há que se dizer que o filho menor e não emancipado é titular desse direito ante o dever de sustento imposto aos genitores, ainda que não estejam exercendo o poder familiar. Por isso, a verba alimentar será fixada, sim, consoante o trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade (art. 1.694, § 1º, CC/2002), no entanto, a necessidade do alimentando, decorrente do dever de sustento, é presumida, somente havendo que ser demonstrado o quantum dessa necessidade.

Neste tópico merece ser lembrado o art. 1.583, § 5º, do Código Civil de 2002, acrescentado pela Lei Federal n. 13.058/2014 (Guarda Compartilhada), que assim garante: "A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos." – destaquei.

Destarte, expressamente, possibilita o pedido de prestação de contas, como de informações, com o fito de aferir o adimplemento do exercício direto do poder familiar.

No que tange ao usufruto e administração dos bens, nos ditames do art. 1.689 do Código Civil, essa faculdade legal somente é aplicável aos pais que estejam exercendo o poder familiar; não basta a titularidade do instituto, sendo imprescindível seu real, efetivo e concreto exercício.

O art. 1.690 e seu parágrafo único reprisam, respectivamente, o art. 1.634, inciso VII, e o parágrafo único do art. 1.631, todos do Código Civil de 2002, quanto à representação e assistência dos filhos menores e a proteção judicial em caso de divergência entre suas opiniões no exercício do poder familiar.

Por derradeiro, mencione-se que os pais detêm o usufruto e a mera administração dos bens dos seus filhos menores, sem qualquer poder de alienação, que somente se verificará mediante postulação e autorização judicial (art. 1.691 CC/2002).

5. Término do Exercício

No decorrer deste estudo algumas causas de extinção do poder familiar foram analisadas: falecimento dos sujeitos ativo e passivo; emancipação; e maioridade civil (art. 1.635, I a III, CC/2002).

A adoção também ocasiona a extinção deste instituto jurídico (art. 1.635, IV), porque será ele transferido das pessoas dos pais naturais ou biológicos para os adotantes (arts. 39 e ss. do ECA); destarte, neste caso, a extinção será pessoal quanto a esses pais destituídos.

Outra causa de extinção é eventual decisão judicial que decrete a destituição do poder familiar (art. 1.635, V), cujo art. 1.638 motiva as situações fáticas que podem ensejar essa pretensão judicial – sendo certo que ausência de recursos materiais não é motivo (art. 23, ECA) –, cujo procedimento será contraditório (art. 24, ECA), consoante regrado nos arts. 155 a 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Sendo de menor gravidade, existem motivos que ocasionam a suspensão do exercício do poder familiar (art. 1.637 do CC/2002), cujo efeito pragmático é a possibilidade legal do seu restabelecimento, logo que superada a causa que a ocasionou.

Quanto a esse restabelecimento, indago sobre sua possibilidade jurídica mesmo em face da destituição do poder familiar, na mesma situação de fato em que o motivo que a fulcrou não mais existe.

Marco Aurelio S. Viana (1993, p. 60) defende essa possibilidade jurídica, desde que demonstrada e provada a não mais existência da causa da destituição. Assim como Maria Berenice Dias (2013, p. 447) retrata essa situação jurídica como mais adequada aos interesses dos infantes.

Deveras, tendo como paradigmas os princípios da proteção integral, que há de ser absoluta, e o do melhor interesse da criança e do adolescente, em cada situação concreta merece ser aferido o que atende mais ao cumprimento desses princípios, sobretudo diante da posição fática em que estiver o infante no momento em que houver o pleito judicial de restabelecimento do poder familiar ao ou aos pais.

Sintetiza Sílvio de Salvo Venosa (2014, p. 148): "O julgador, ao concretizar o direito, cria a verdadeira norma para o caso sob exame, como resultado de um complexo raciocínio de aplicação e interpretação." E, adiante complementa: "[...] aplicar e interpretar o Direito é operação una, interligada. Não há como aplicar o Direito sem interpretá-lo. A interpretação do Direito só tem razão de existir para aplicá-lo ao caso concreto." (2014, p. 149). E, para encerrar, "O Direito, como se acentua, é dinâmico, como dinâmica é a sociedade." (VENOSA, 2014, p. 6).

CONCLUSÃO

A transformação da sociedade, mormente, do convívio social, com relevo à convivência social mais íntima que existe, que é a familiar, principalmente, da família nuclear – pai+mãe=filho (que é a microssociedade base da macrossociedade, nos ditames da Constituição da República – art. 226, caput) –, resultará, fatalmente, em modificações e alterações dos institutos jurídicos que delineiam e regram esses relacionamentos.

O poder familiar é constituído nessa íntima relação social, todavia, gera direitos e deveres aos sujeitos que integram a relação jurídica: pai, mãe e filhos; filhos menores e não emancipados, independentemente da origem dessa filiação.

Deveras, o poder familiar não é um exclusivo poder, mas, um poder-dever que os pais ostentam em relação a seus filhos menores, não emancipados, quanto à sua pessoa, quanto a seus bens, pois desse instituto resultam direitos pessoais e patrimoniais.

Umbilicalmente atrelados aos poderes, direitos dele advindos, está uma gama de prestações inerentes a seu exercício, deveres esses natural e legitimamente atribuídos aos genitores. Um múnus público: irrenunciável, intransferível, inalienável, imprescritível, e indivisível.

Para efetivamente finalizar transcrevo a máxima filosofia de Platão: "Não deverão gerar filhos quem não quer dar-se ao trabalho de criá-los e educá-los"!!!

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Sobre o autor
Oswaldo Peregrina Rodrigues

Promotor de Justiça em São Paulo/SP. Professor Universitário - Graduação e Pós-graduação "Stricto sensu" - em Direito Civil na PUC/SP. Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP.

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