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A denúncia contra Cunha

Agenda 22/08/2015 às 14:28

Acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tornou-se, nesta quinta-feira, o primeiro presidente da Câmara no exercício do cargo a ser denunciado pelo Ministério Público Federal.

"A cooperação jurídica com a Suíça foi fundamental para a comprovação do fluxo do dinheiro no exterior e comprovação documental dos fatos. Por meio dela, obteve-se documentos irrefutáveis que comprovaram a transferência do dinheiro da Samsung para as empresas de Julio Camargo e, em seguida, para as de Fernando Soares e Cerveró, bem como para a contas de terceiros indicadas por eles", informou a força-tarefa em nota divulgada no dia 17 de agosto do corrente.  

Acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tornou-se, nesta quinta-feira, o primeiro presidente da Câmara no exercício do cargo a ser denunciado pelo Ministério Público Federal. A denúncia enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirma que Cunha recebeu propina de US$ 5 milhões (R$ 17,3 milhões) de um total de US$ 40 milhões (R$ 138,6 milhões) pagos aos integrantes do esquema, que envolve o lobista Fernando Soares, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró e o empresário Júlio Camargo. Segundo o MPF, o dinheiro saiu de contas da Suíça, passou pelo Uruguai e foi repassado a Cunha e seus aliados. Janot sustenta na denúncia que parte da propina destinada ao presidente da Câmara foi paga em doação para uma igreja Assembleia de Deus ligada a ele. Caso o Supremo aceite a denúncia, Cunha se tornará réu.

O pagamento teria sido feito para facilitar a assinatura de contratos de aluguel de navios-sonda entre a Samsung Heavy Industries e a Petrobras. Também foi denunciada a ex-deputada Solange Almeida (PMDB), atual prefeita de Rio Bonito por corrupção passiva. Na denúncia, Janot pede que Cunha e Solange Almeida devolvam US$ 80 milhões (R$ 277,3 milhões) aos cofres públicos. Deste total, R$ 138,6 milhões correspondem aos valores desviados dos contratos da Petrobras com a Samsung. Outros R$ 138,6 milhões são multas para reparação dos danos causados à Petrobras.

Segundo o procurador-geral, a propina a Cunha e a outros supostos envolvidos nas fraudes foi paga no Brasil e no exterior, com contratos de consultoria fajutos, emissão de notas fiscais frias e até transferência para a Igreja Assembleia de Deus. O dinheiro da fraude teria sido repassado à igreja a título de doação de caráter religioso.

A denúncia contra o presidente da Câmara está baseada principalmente no depoimento de Júlio Camargo, que fez delação premiada na Operação Lava-Jato. Não há documentos que comprovem que o dinheiro foi entregue a Cunha. Também são citados depoimentos do doleiro Alberto Youssef, também delator. As acusações têm como suporte ainda extratos de movimentação financeira de Camargo, Youssef, do lobista Fernando Soares, o Baiano, operador do PMDB de Cunha no esquema de corrupção na Petrobras, do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, entre outros.

O procurador-geral também destacou na acusação a identificação de dois requerimentos de informação que teriam sido usados por Cunha e Solange Almeida para pressionar Camargo a pagar parte da propina.

A denúncia detalha diversas provas de que Cunha foi o real autor dos requerimentos. O episódio é motivo para aumento de pena, como consta na peça de Janot, por ter havido “infringência a dever funcional”. Os dois requerimentos de Solange basearam em justificativas “genéricas e falsas”, segundo Janot. “O teor da justificativa do requerimento já era indicativo de que se buscava não um objetivo republicano, mas sim, especificamente, ‘investigar’ apenas as pessoas e empresas envolvidas no pagamento de propinas, que haviam cessado tais pagamentos, como forma de constrangê-las”, afirma a denúncia.

A conta de Cunha no sistema de informática estava logada no exato momento da elaboração dos documentos. Sua senha pessoal e seu login foram utilizados no trabalho. “Dep. Eduardo Cunha” apareceu como o real autor dos requerimentos no sistema informatizado, como revelou o jornal “Folha de S.Paulo”. E mais: os dois deputados estavam conectados ao computador da Câmara no mesmo momento. Seria impossível Solange ter elaborado o documento sem que sua identificação aparecesse no sistema.

O TCU e o Ministério de Minas e Energia encaminharam as repostas solicitadas supostamente por Solange, mas nenhuma providência foi tomada pela deputada, o que para o MPF é mais um indício de que a iniciativa serviu apenas para chantagear a empresa pagadora de propina, conforme a acusação.

A denúncia lembra que Solange “nunca tratou de fiscalização de verbas públicas”, e afirma que que Cunha “já se valeu dos serviços de Solange” para pressionar outra empresa, a Schain Engenharia, que travava uma disputa com o doleiro Lúcio Funaro, um “antigo contato” de Cunha.

As acusações contra Cunha surgiram num depoimento do doleiro Alberto Youssef, o principal operador da propina no esquema de corrupção na Petrobras. Youssef disse que ajudou Julio Camargo a repassar propina para Cunha e outros políticos para facilitar o contrato com a Samsung.

Youssef disse ainda que, o presidente da Câmara até usou requerimentos de informação de uma das comissões da Câmara para pressionar Camargo a liberar parcelas do suborno, que estavam atrasadas por conta de desacertos com a Samsung. Os requerimentos da chantagem teriam sido apresentados em nome da ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), hoje prefeita de Rio Bonito.

Nos primeiros depoimentos da delação premiada, Camargo nada disse sobre as transações com Cunha. Ele se limitou as acusações contra Cerveró e Fernando Baiano. Depois, quando confrontado com depoimentos de Youssef, decidiu abrir o jogo. O empresário confirmou e ainda ofereceu mais detalhes sobre o suposto suborno de Cunha.

Segundo Youssef e Camargo, os pagamentos a Cunha foram feitos por meio de outro lobista, Fernando Soares, mais conhecido como Fernando Baiano.

O instituto da delação premiada se perfaz quando o agente colabora de forma voluntária e efetiva com a investigação e com o processo penal. Seu testemunho deve vir acompanhado da admissão de culpa e servir para a identificação dos demais coautores ou partícipes, e para esclarecimento acerca das infrações penais apuradas.

De antemão se dirá que tanto a própria existência do acordo de delação premiada quanto aos termos e condições em que foi celebrado interessam somente ao investigado colaborador, ao órgão da Acusação e ao Juízo, como já decidiu o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos autos do  ACR 0007995-74.2007.4.03.6119/SP, 1ª Turma, 12 de março de 2013. Para tanto, deve ser objeto de homologação judicial, cabendo a autoridade judicial preservar o sigilo.

Desse modo, não há que se falar em publicidade do acordo de delação premiada, visto que não se trata, em si mesmo, de meio de prova. O sigilo decorre, sim, de expressa disposição legal contida no artigo 7º, VIII, da Lei 9.807/99, algo que é diretamente relacionado à eficácia e proteção conferida ao beneficiário da delação.

No entanto, consoante prevê o artigo 7º, § 3º, da Lei 9.807/99, o acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto no artigo 5º.

Realmente, como ainda alertou o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no HC 13.589 –SP, a problemática do caráter sigiloso do acordo do investigado colaborador, ou acordo de delação premiada, deve ser analisada sob duplo aspecto: por primeiro, o sigilo da própria existência do acordo e de seus termos; e, em segundo lugar, o sigilo do conteúdo das declarações prestadas.

A delação premiada foi instituída como forma de estímulo à elucidação e punição de crimes praticados em concurso de agentes, de forma eventual ou organizada, como se lê no § 4º, do artigo 159 do Código Penal, na redação que lhe foi dada pelas Leis nºs 8.072/90 e 9.269/96, § 2º, do artigo 24, da Lei nº 7.492/86, acrescentado pela Lei nº 9.080/95, parágrafo único, do artigo 16 da Lei nº 8.137/90, acrescentado pela Lei nº 9.080/95; artigo 6º, da Lei nº 9.034/95 e § 5º, do artigo 1º, da Lei nº 9.613/98. Mais, recentemente, a matéria foi tratada na Lei que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Lei nº 12.529/2011, no artigo 86. A delação premiada foi objeto ainda da Lei nº 9.807/99(artigo 14) e da Lei de Drogas, Lei nº 11.343/06, artigo 41.

Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio de Almeida Delmanto (Código penal comentado, 6ª edição, pág. 364), analisando o artigo 159 do Código Penal, em seu parágrafo quarto, apontaram, em  observações contidas no artigo “Delação na extorsão mediante sequestro” (RT 667/387), a incoerência da redação do artigo 7º da Lei nº 8.072/90(Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços), pois se houvesse a prática do crime do art. 159 em concurso material com o artigo 288 (quadrilha ou bando, que exigia mais de três pessoas), o delator seria beneficiado; se, ao contrário, ocorresse apenas a prática do delito do art. 159, com até três agentes, aquele que delatasse os comparsas não faria jus à diminuição de pena. Disseram eles que essa incoerência veio a ser corrigida pela nova redação do § 4º, dada pelo art. 1º da Lei nº 9.269/96, beneficiando o delator ainda que os agentes sejam somente dois ou três. Tal redação mais benéfica deve retroagir.

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Estudando a matéria, Guilherme de Souza Nucci (Código penal comentado, 8ª edição, pág. 742) anota que “significa a possibilidade de se reduzir a pena do criminoso que entregar o(s) comparsa(s). É o  “dedurismo” oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento continuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se de forma mais eficaz para quebrar a espinha dorsal das organizações criminosas,  permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade”.

Como disse Marcella Sanguinetti Soares Mendes (A delação premiada com o advento da Lei nº 9.807/99, in Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n.98, março 2012), “o instituto da delação premiada ocorre, portanto, quando o indiciado/acusado imputa a autoria do crime a um terceiro, coautor ou partícipe. E não só isso. Também é possível a sua ocorrência quando o sujeito investigado ou processado, de maneira voluntária, fornece às autoridades informações a respeito das práticas delituosas promovidas pelo grupo criminoso, permitindo a localização da vítima ou a recuperação do produto do crime”.

Pode ocorrer durante a fase de inquérito policial ou mesmo na fase processual, quando já está em curso a ação penal. Mas, na prática, será mais comum ocorrer na fase inquisitiva, do inquérito policial.

A delação premiada, ainda chamada de confissão delatória, se difere da confissão em razão desta se referir à autoincriminação, enquanto aquela representa a imputação de um fato criminoso a terceiros.

De toda sorte, vale como meio de prova durante a instrução processual em que, através do devido contraditório, deve ser objeto de avaliação com os demais meios de instrução.  

É nítida a importância da colaboração premiada: a uma, na identificação dos demais coautores ou partícipes da organização criminosa e das infrações penais praticas; a duas, na revelação da estrutura hierárquica e sua divisão de tarefas na organização criminosa; a três, na recuperação total ou parcial do produto ou proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; a quatro, na localização de eventual vítima com sua a sua integridade física preservada.

Pode o Ministério Público deixar de apresentar denúncia se o colaborador não for o líder da organização criminosa ou ainda for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos da lei.

Mas, nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações do agente colaborador.

Importante ainda o trabalho de colaboração internacional na luta contra o delito de lavagem de dinheiro.

Segundo relatório de atividades do órgão, em decorrência de suas ações de monitoramento e análises realizadas no período entre 2003 e 2009 as autoridades de persecução (Ministério Público e Polícia Federal) bloquearam, com autorização judicial, cerca de R$ 1,9 bilhão em contas-correntes, fundos de investimentos e previdências privadas pertencentes a pessoas investigadas por crimes de lavagem de dinheiro ou outros crimes conexos, no Brasil e no exterior. Os bloqueios efetuados em outros países (R$ 792,51 milhões) representaram 41% do total, o que demonstraria o sincronismo da atuação do COAF com unidades de inteligência financeiras estrangeiras.

Trata o artigo 317 do Código Penal do crime de corrupção passiva.

O núcleo do tipo é solicitar, receber ou aceitar vantagem indevida, mesmo fora da função ou antes de assumi-la, desde que em virtude da função.

O ato funcional, de natureza comissiva ou omissiva, sobre o qual versa a venalidade pode ser lícito ou ilícito.

Fala-se em corrupção própria ou imprópria. Necessário exemplificar.

Constitui corrupção própria receber numerário para conceder uma licença a que não se tem direito.  A corrupção imprópria (simples) ocorrerá se o funcionário receber uma vantagem para consentir numa licença devida. Na corrupção própria a prática se refere a solicitação, recebimento ou aceitação de promessa de vantagem indevida  para realização de um ato ilícito. Na corrupção própria tem-se a solicitação, recebimento ou aceitação de vantagem indevida para a realização de ato lícito.

Fala-se em corrupção antecedente e consequente. Ocorrerá a primeira quando a recompensa for entregue ou prometida, visando a uma conduta futura. Na outra, ocorrerá a recompensa após a prática do ato. Na corrupção antecedente, a solicitação da vantagem ilícita e a aceitação da promessa se dão antes da realização do ato. Por sua vez, na corrupção consequente ou subsequente, a solicitação da vantagem ilícita ou a aceitação da promessa se darão após a prática do ato.

A corrupção passiva foi objeto da Consolidação das Leis Penais sob a forma de peita ou suborno. A peita, consoante o Código Penal de 1830, ocorria quando recebesse o servidor dinheiro ou algum donativo. O suborno quando se deixasse corromper o funcionário por influência ou outro pedido de alguém, lembrando a atual corrupção privilegiada.

Costuma-se estudar no Brasil a jurisprudência alemã na matéria: de início, quando o agente público deixou-se levar em sua escolha, ainda que boa e formalmente correta, pela promessa recebida ou pelas vantagens concedidas; e quanto à corrupção imprópria, se diria que ela ocorre quando o funcionário, apesar da promessa de dação e de sua aceitação, tenha decidido unicamente com base em motivos objetivos. Posteriormente, a partir da década de quarenta, do século vinte, decidiu-se que a obnubilização produzida pelo recebimento ou pela promessa comprometia a tal ponto o funcionário público, que ele não avaliava o peso interior que o sobrecarregava, impedindo a livre escolha. Por fim, surgiu uma teoria dita da aparência, entendendo-se que o ato seria contrário aos deveres de ofício sempre que o funcionário insinuasse ao extraneus que, mediante a aceitação da vantagem ou da promessa, estaria disposto a levá-las em consideração ao decidir.

A conduta poderá se efetivar de três formas: solicitando, recebendo ou aceitando promessa de vantagem indevida.

A conduta ilícita envolve qualquer tipo de recompensa, seja pecuniária ou não. Poderá consistir, além de dinheiro, na prática de favores sexuais, por exemplo. para obter um cargo ou uma condecoração.

Não é necessário estar o funcionário público no exercício da função.

Pode ele não se encontrar em exercício ou mesmo não tê-lo ainda assumido e o delito existirá, desde que o fato tenha se dado em razão da função. Mesmo que o funcionário só venha a receber a vantagem indevida depois de haver deixado a função, ocorre o crime, uma vez que a traficância se deu em virtude da função.

O crime é de natureza formal. Será consumado com a simples solicitação de vantagem indevida, com o recebimento desta, ou com a aceitação da promessa.

Formulada a solicitação, o crime se tem como consumado, entendendo-se que o crime não está sujeito a tentativa.

O elemento subjetivo é o dolo genérico.

A tentativa é inadmissível para Paulo José da Costa Jr.[1]. Diverge Heleno Cláudio Fragoso, na linha de Mirabete[2], para quem a tentativa é possível. É o caso de pedido de servidor interceptado por terceiro antes que chegue a conhecimento da vítima.

Já se entendeu que não ocorre o delito de corrupção passiva,  embora de natureza formal, consumando-se pela simples solicitação, se esta é impossível de ser cumprida, isto é, não estiver ao alcance da pessoa que é solicitada (TJSP, RT 505/296).

Nessa linha de pensar, é o entendimento no sentido de que não pode haver o crime de corrupção passiva quando a vantagem é impossível. Embora o crime seja de natureza formal, não se tipifica a vantagem desejada pelo agente que não tem competência ou atribuição para o ofício (RT 538/324).

Disse  Mirabete{C}[3] que é indispensável para a caracterização do ilícito em estudo que a prática do ato tenha relação com a função do sujeito ativo. O ato ou a abstenção a que se refere a corrupção deve ser de competência em suas atribuições funcionais, porque somente nesse caso pode haver o dano efetivo ou potencial ao regular funcionamento da administração. Além disso, o pagamento feito ou prometido deve ser a contraprestação de ato de atribuição do sujeito ativo (RF 201/297; JTJ 160/306). Assim, não se tipifica a infração se a vantagem desejada pelo corruptor não é de atribuição e competência do funcionário (RT 505/296). Poderá, assim, a conduta ser enquadrada como crime de tráfico de influência (artigo 332) ou poderá haver a prática de coautoria de funcionário em crime de corrupção ativa se transferir o dinheiro ao colega que detém a competência.

O crime de corrupção passiva é bilateral nos casos de recebimento, como informa Heleno Cláudio Fragoso[4].

Penso ser cabível a hipótese de participação, na forma de induzimento ou instigação, mesmo que por particular.

Ao se falar em pressionar uma empresa para receber propina, fala-se no crime de concussão.

Na lição de Basileu Garcia[5] é forma de extorsão praticada pelo funcionário público.

A par de séria discussão sobre a natureza do crime de extorsão, dir-se-á que ele é crime formal[6], consumando-se com a efetivação da violência ou da grave ameaça que constrange a vítima, sendo irrelevante a lesão patrimonial ou a obtenção da vantagem. A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 96 no sentido de que crime de extorsão consuma-se independentemente de obtenção de vantagem indevida.

Para Nucci[7], que considera o crime formal, há, fundamentalmente, três estágios: o agente constrange a vítima, valendo-se de violência ou grave ameaça; a vítima age, por conta disso, fazendo, tolerando que se faça ou deixando de fazer alguma coisa; o agente obtém a vantagem econômica almejada.

Entende-se cabível a tentativa no crime de extorsão, uma vez que o crime não se perfaz num único ato (JTACrSP 48/57, 35/147; RT 447/394, 462/393, dentre outros). Ocorre a tentativa quando a ameaça não chega ao conhecimento da vítima (RT 338/103), quando esta não se intimida (RT 525/432).

Na extorsão, a vítima é constrangida mediante o emprego de violência ou grave ameaça a entregar a indevida vantagem econômica ao agente. Na concussão, o servidor deve exigir a vantagem econômica sem o uso de violência ou grave ameaça, que são elementares do crime previsto no artigo 158 do Código Penal.

Lembre-se que como exigir, núcleo previsto no crime de concussão, tem-se intimar, mandar, reclamar.

Em decisão no julgamento do HC 149.132/MG, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, DJe de 22 de agosto de 2011, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o emprego de violência ou grave ameaça é elementar no crime previsto no artigo 158 do Código Penal. Assim, se o funcionário público se utiliza desse meio para obter vantagem indevida, comete o crime de extorsão e não de concussão.

Para Júlio F. Mirabette e Renato Fabbrini[8], a ameaça diz respeito à função pública e as represálias prometidas, expressa ou implicitamente, a ela se referem. Havendo violência ou grave ameaça de mal estranho à qualidade ou função do agente, ocorre extorsão. Seria o caso de policiais civis ou militares constrangerem a vítima sob ameaça de revólveres.

O Supremo Tribunal Federal tem decisões nesse sentido, no julgamento do HC 102.730/MG, Cármen Lúcia, DJe de 14 de abril de 2011 e ainda no HC 72.936/MG, Relator Ministro Octávio Gallotti, DJ de 6 de outubro de 1995.

Aqui o funcionário público exige, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, uma vantagem ilícita.

Tal exigência poderá ser direta ou indireta. É direta a exigência quando manifestada perante a vítima, de forma explícita. É indireta a exigência quando o sujeito ativo se servir de pessoa interposta ou quando insinuar, de forma velada, o mal que poderá acontecer se a vítima não vier a ceder. É a prática do temor generalizado.

Admitindo o artigo 316 do Código Penal que a exigência da vantagem possa ser direta ou indireta, autoriza o entendimento de que alguém, mesmo não sendo funcionário público, possa ser coautor do delito de concussão (RT 476/433). Se o funcionário público pratica a concussão juntamente com um estranho ao serviço público, este se considera, para efeito de se enquadrar a sua ação no mesmo preceito repressivo, funcionário público, havendo circunstância elementar que se comunica entre os participantes (TJSP, RT 487/286).

O crime de concussão é unilateral, sendo o funcionário público o ofensor, pois exige, não apenas solicita ou aceita.

Trata-se de crime próprio, pois o agente a exige em razão da função que exerce ou que poderá exercer.

É crime formal que se consuma com a mera exigência.

O delito de concussão se perfaz com a simples atividade ou mera conduta, independentemente do resultado (RT 519/335).

Basta o dolo genérico.

O Procurador-Geral da República poderá pleitear a medida de suspensão do exercício da função pública. 

Sobre a medida, já escrevemos que é ideal para crimes contra a administração pública, como se vê da corrupção, peculato, prevaricação e, ainda, delitos econômicos e financeiros, evitando-se a preventiva, que tenha como objetivo a garantia da ordem pública ou econômica, sempre mirando-se para a periculosidade do agente, a repercussão social do crime e a gravidade da conduta. Será que tal medida é devidamente eficaz para afastar o agente da gerência de seus negócios? Só a experiência dirá. Não se trata de experiência nova, pois a decretação do afastamento cautelar do funcionário público, denunciado por tráfico de entorpecentes, já estava prevista na Lei 11.343/06, quando o juiz recebia a denúncia. Agora, com a Lei referenciada, a providência pode ser tomada na fase de investigação. Bem disse o Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, no julgamento do HC 236.462/RS, DJe de 29 de junho de 2012, que o afastamento cautelar do cargo já retira, por si só, a potencial capacidade de lesão à ordem pública, especialmente se os crimes que se imputam ao agente público possuem intrínseca ligação com a função pública que exerce. Trago à colação o julgamento no HC 228.023/SC, Relator Ministro Adilson Vieira Macabu (Relator Convocado do TJ/RJ), onde se disse que aplica-se aos detentores de mandato eletivo a possibilidade de fixação das medidas alternativas à prisão preventiva previstas no artigo 319 do CPP. Isso se dá em circunstâncias excepcionais, admitindo-se o afastamento cautelar de agentes públicos do exercício de seu cargo ou função, mesmo durante a fase de inquérito, desde que presentes elementos indiciários e probatórios da conduta delituosa, a incompatibilidade com o exercício do cargo ou função e o risco para o regular desenvolvimento das investigações, como se lê do Inq. 780/CE, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe de 27 de agosto de 2012. No entanto, não deixo de registrar posição de Pacelli.[9]

É certo que Eugênio Pacelli já lecionou: "e em caso de mandato eletivo, em que o exercício do cargo deriva de fundamentação constitucional, e, mais, vem lastreado na livre manifestação de voto popular, somente em caso de condenação criminal e nas hipóteses constantes de lei complementar eleitoral e no Código Eleitoral – todos, porém, autorizados na Constituição da República (art. 14,§ § 9º e 10, e art. 15) – é que se poderá pretender o afastamento do cargo. O fato de ser possível a prisão de alguns ocupantes de mandato eletivo – respeitados os cargos de imunidade processual e material do Presidente e dos membros do Congresso Nacional – não autoriza a compreensão de ser cabível o afastamento do mandato eletivo. Esse, o mandato, tem como legítimo titular a soberania popular.".

No caso específico temos o que disse o jornalista Jânio de Freitas, ao escrever “os donos das Casas”, publicado no jornal “Folha de São Paulo”, em 16 de julho de 2015.

“A sorte de Calheiros e de Cunha está em discussão no Ministério Público e é, ou foi há pouco, motivo de reflexões trocadas no Supremo Tribunal Federal. Há ou não implicações institucionais –e em que medida, no caso afirmativo– se o Ministério Público pede ao Supremo as providências que lhe parecem adequadas à situação dos dois na Lava Jato? Serve como indicação preliminar, para uma das linhas a respeito, a autorização dada pelo ministro Teori Zavascki à busca em computadores usados pelo presidente da Câmara.

Nas atuais circunstâncias, a dúvida começa na real representatividade que Renan Calheiros e Eduardo Cunha tenham de sua inserção institucional. A existência da dúvida pode ser, por si só, uma resposta com ampla aceitação. Por isso mesmo, é prejudicial em muitos sentidos, e ao próprio país no plano internacional, a lentidão do Ministério Público nos casos de Calheiros e Cunha. Desde que teve o prazer do vazamento de acusações aos dois nas delações bem premiadas, o Ministério Público mantém as duas casas do Congresso como instituições conduzidas, no mínimo, por suspeitos de improbidades muito graves.

É um desserviço do Ministério Público. Ou houvesse mais responsabilidade, com a exposição dos dois presidentes contida até a ocasião judicialmente apropriada, ou fossem acelerados os procedimentos para a mais rápida solução própria do Estado de Direito. O que foi feito agora é ainda mais protelação.”

Com  o devido respeito à opinião externada, no Estado Democrático de Direito, onde há obediência a diversos princípios administrativos, como os enfocados no artigo 37 da Constituição Federal, dentre os quais a moralidade, impessoalidade, legalidade, um agente político, quando é objeto de investigação, deve se afastar do cargo, ou, se for o caso, à luz do artigo 319 do Código de Processo Penal, ser afastado do cargo, por determinação judicial competente. É uma desmoralização para a democracia, uma ofensa à Constituição que nela se apresenta como cidadã, um agente politico, ainda mais, detentor de importantes funções constitucionais, ter perfeito trânsito a seu mandato, ter poder de direção, enquanto contra a ele são apresentados diversos fatos que devem ser objeto de apuração em juízo próprio.

Admite-se o afastamento cautelar de agentes públicos do exercício de seu cargo ou função, mesmo durante a fase de inquérito, desde que presentes elementos indiciários e probatórios da conduta delituosa, a incompatibilidade com o exercício do cargo ou função e o risco para o regular desenvolvimento das investigações.

Ademais, em caso de parlamentar federal, não cabe falar em prisão preventiva como espécie de prisão provisória. Admite-se apenas a prisão em flagrante, onde se diz que os parlamentares, desde a diplomação, não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável e, mesmo nesta hipótese, caberá à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal “resolver” sobre a manutenção da prisão do parlamentar (artigo 53, § 2º, da Constituição).

Especialmente com relação ao Presidente da Câmara dos Deputados o Procurador-Geral da República, pelo órgão que o presenta perante o Supremo Tribunal Federal, poderá estudar a apresentação de tal pedido de afastamento, em denúncia formulada, em petição dirigida ao Ministro-Relator do processo, levando em conta os seguintes fatos, que se noticia:

“O consultor Júlio Camargo, que prestava serviços às empresas Toyo Setal e Camargo Corrêa, contou à Justiça Federal, em depoimento nesta quinta-feira 16 em Curitiba, ter sido pressionado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a pagar US$ 10 milhões em propinas para viabilizar dois contratos para a construção de navios-sonda junto à Petrobras.

Segundo Júlio Camargo, Cunha pediu pessoalmente a ele a quantia de US$ 5 milhões, em uma reunião no Rio. De acordo com o depoimento, Cunha teria dito que estava "no comando de 260 deputados", além de ter mostrado certa "agressividade" durante o encontro. O delator disse ainda que não havia revelado o fato anteriormente por temer represálias às empresas que representava ou mesmo à sua família e a si próprio.”.

Outro ponto que pode ser explorado pela acusação diz respeito ao que foi noticiado abaixo pela imprensa (folha de são Paulo, 28.4.15):

“Apesar de ter negado à CPI da Petrobras qualquer relação com o episódio, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) figura nos registros da Câmara como "autor" dos arquivos em que foram redigidos dois requerimentos sob suspeita no esquema de corrupção da Petrobras.

O presidente da Câmara é investigado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) sob a acusação de ter se beneficiado de pagamentos de propina por fornecedores da estatal, o que ele nega.

Um dos principais pilares da investigação da Procuradoria contra ele é um depoimento do doleiro Alberto Youssef, em delação premiada.

Youssef disse que, como forma de pressão, Cunha apresentou requerimentos na Câmara para investigar uma fornecedora da estatal que teria interrompido o pagamento de propinas, a Mitsui.

Na defesa espontânea que fez na CPI, Cunha fez comentários sobre dois requerimentos de 2011 da ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), que haviam sido noticiados pelo jornal "O Globo".

Os dois requerimentos pediam informações ao Tribunal de Contas da União e ao Ministério de Minas e Energia sobre contratos da Mitsui e a Petrobras. Segundo Youssef, o objetivo era intimidar a empresa e forçá-la a retomar o pagamento de propinas.

À CPI, Cunha negou qualquer relação com os requerimentos: "Eu não fiz qualquer requerimento pra quem quer que seja. (...) Cada um é responsável por seu mandato, como é que eu tenho conhecimento do que alguém faz ou deixa de fazer? Cada um responde por seus atos".

Solange, hoje prefeita de Rio Bonito (RJ), isentou Cunha ao depor à PF.

Apesar dessas declarações, a Folha detectou no sistema oficial da Câmara que o nome do hoje presidente da Casa consta como "autor" dos dois arquivos em que foram produzidos os requerimentos assinados por Solange.

Confrontado com o fato de seu nome estar vinculado aos requerimentos, Cunha disse que provavelmente um computador de seu gabinete foi usado pela então deputada ou por algum assessor dela.

"Pode ser um funcionário dela que pode ter ido lá pedir à [minha] assessoria pra fazer, acontecia com vários deputados, até porque ela era suplente", disse. Solange assumiu o mandato quatro meses antes da apresentação dos requerimentos.

Conforme a área técnica da Casa, apesar de os arquivos terem o nome de Cunha, a autenticação do material nos sistema oficial foi feita pelo gabinete da deputada.

"Foi autenticado no gabinete dela, (...) uma coisa é ter usado uma máquina pra fazer o acompanhamento, outra coisa é autenticar", disse Eduardo Cunha.

Se não bastara, para o que se diz no periódico “O Globo”, em seu site, no dia 17 de julho de 2015:

“A Procuradoria Geral da República (PGR) avançou na produção de provas que mostram que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é o verdadeiro autor de requerimentos parlamentares suspeitos de terem sido usados para pressionar a empresa Mitsui a pagar propina, segundo fontes da investigações.

A apreensão de registros do sistema de informática da Câmara, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e executada por procuradores no começo de maio, foi considerada exitosa e aproximou Cunha ainda mais de uma denúncia ao STF. Se isso se confirmar, o presidente da Câmara passaria da condição de investigado a réu.”.

Para tanto, além do que já foi formulado, é mister a comprovação e configuração do fumus comissi delicti e do perigo de demora, caracterizado nos riscos à sociedade, para que se diga que tal permanência no cargo é nociva aos interesses da ordem pública e da garantia da correta instrução criminal.

Tal medida, repita-se, não tem cunho satisfativo, mas cautelar, instrumental, para salvaguardar investigação em andamento.

O Brasil vive momentos tensos, envolvendo uma crise institucional latente, que muito se aproxima de outras já vividas, e ainda vivas na memória dos estudiosos, que pode ter desdobramentos, sem dúvida, catastróficos para a democracia brasileira, mas que pode trazer uma renovação de hábitos e costumes.

O momento é histórico.

Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos


Notas

[1] Paulo José da Costa Jr, obra citada, pág. 475.

[2] Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Mirabete, Manual de Direito Penal, 3º volume, 22ª edição, São Paulo, Atlas, pág. 309.

[3] Júlio Fabbrini Mirabete e Renato N. Mirabete, Manual de Direito Penal, Parte Especial, 3º volume,    22ª edição, São Paulo, Atlas, pág. 307.

[4] Heleno Cláudio Fragoso, Jurisprudência Criminal, 1/114.

[5] Basileu Garcia, Dos crimes contra a administração pública, pág. 225.

[6] Nesse sentido: Nelson Hungria, Heleno Cláudio Fragoso, Damásio de Jesus, dentre outros.

[7] Guilherme de Souza Nucci, Código Penal Comentado, São Paulo, RT, 8ª edição, pág. 737.

[8]Júlio F. Mirabete e Renato Fabrini, Manual de Direito Penal, 25ª edição, São Paulo, Atlas, 2011, volume 3, pág. 281.

[9] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Obra citada, pág. 513, onde se diz: "em caso de mandato eletivo, em que o exercício do cargo deriva de fundamentação constitucional, e, mais, vem lastreado na livre manifestação de voto popular, somente em caso de condenação criminal e nas hipóteses constantes de lei complementar eleitoral e no Código Eleitoral – todos, porém, autorizados na Constituição da República(art. 14,§ § 9º e 10, e art. 15) – é que se poderá pretender o afastamento do cargo. O fato de ser possível a prisão de alguns ocupantes de mandato eletivo – respeitados os cargos de imunidade processual e material do Presidente e dos membros do Congresso Nacional – não autoriza a compreensão de ser cabível o afastamento do mandato eletivo. Esse, o mandato, tem como legítimo titular a soberania popular.".

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A denúncia contra Cunha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4434, 22 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42025. Acesso em: 22 dez. 2024.

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