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Desequilíbrio econômico das concessões e os prejuízos enfrentados pelos investidores de usinas hidrelétricas no Brasil

Agenda 27/08/2015 às 14:28

O texto trata dos atos estatais permissivos e omissivos que alteraram substancialmente elementos básicos dos leilões de aproveitamento hidrelétrico no Brasil e a necessidade de indenizar os investidores do setor pelos prejuízos suportados.

Resumo: Atos estatais permissivos e omissivos que alteraram substancialmente elementos básicos dos leilões de aproveitamento hidrelétrico no Brasil e a necessidade de indenizar os investidores do setor pelos prejuízos suportados.

Palavras-chaves: Leilão. Energia. Hidrelétricas. Prejuízos. Reparação.

Sumário: Introdução. 1. O novo modelo energético no Brasil. 2. O Mecanismo de Realocação de Energia – MRE. 3. O Generation Scaling Factor – GSF. 4. Os atos estatais que causam prejuízos aos titulares de usinas hidrelétricas no Brasil. 5. O dever do Estado em prestar indenização aos investidores. Conclusão.


Introdução

Os investidores privados do ramo de energia elétrica vêm sofrendo prejuízos nos últimos anos diante do desequilíbrio econômico dos contratos de concessões celebrados com o poder público. Os titulares de usinas hidrelétricas, em especial, sofrem por conta dos atuais baixos índices pluviométricos percebidos no Brasil, contudo, este não é o principal causador do desequilíbrio ora analisado. Atos estatais omissivos e permissivos, notadamente despachos arbitrários de energia térmica, são os principais fatores de déficit econômico contábil dos contratos de concessões.

No modelo energético contemporâneo, o Estado determina as diretrizes de contratação (via leilão e concessões), opera o sistema gerador, ordena a compra, precifica e quantifica a energia a ser consumida. Através do Ministério de Minas e Energia, autarquias, pessoas jurídicas de direito público e instituições públicas, o Governo Federal controla, desde a estruturação até a venda da energia consumida pelo povo brasileiro.

Como ilustração da interferência estatal sobre o setor elétrico, nota-se que o poder de determinar a quantidade de energia que cada uma das usinas irá gerar é atribuída ao Operador Nacional do Sistema – ONS, pessoa jurídica criada em 1998 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. O Operador, além de ter o poder de despacho, também é responsável pela coordenação, supervisão, planejamento e programação da geração e transmissão elétrica no país.

Além do ONS, a intervenção e o controle do Estado sobre a produção e consumo de energia também podem ser verificados através da análise do sistema de transmissão da produção. O Sistema Interligado Nacional – SIN, instituído também em 1998, é responsável por captar, centralizar e transmitir toda a energia produzida para o mercado consumidor (apenas 1,7% da capacidade de produção de eletricidade do país encontra-se fora do SIN, em pequenos sistemas isolados).

Para que fique esclarecida a forma e a responsabilidade do Estado sobre eventuais prejuízos suportados pelo investidor privado, é importante que fique registrada a evolução cronológica do setor, restando demonstrada abaixo a lógica estrutural e conjuntural do setor elétrico do Brasil ao longo do tempo. Entende-se como relevantes duas fases distintas, quais sejam, antes e depois da criação do “Novo Modelo” (criado entre 2003 e 2004).


1. O novo modelo energético no Brasil

O setor elétrico brasileiro sofreu relevantes alterações nos últimos vinte anos, passando por basicamente três modelos de gestão, controle e venda da energia produzida.

Até o ano de 1995 o setor era integralmente financiado através de recursos públicos, a grande maioria das empresas eram públicas e verticalizadas, ou seja, geravam, transmitiam e distribuíam energia aos consumidores (em formato de monopólio) e o mercado era totalmente regulado. Este era o chamado “modelo antigo”.

Nos últimos anos do século XX até o ano 2003, o “modelo de livre mercado” se instalou e trouxe ao setor algumas alterações relevantes. Dentre outras, cita-se a abertura para o investimento privado, ênfase na privatização de empresas (ruptura de monopólio estatal), descentralização da produção (empresas divididas por atividade: geração, transmissão, distribuição e comercialização) e o surgimento do “mercado livre” (possibilidade de, seguindo regras pré-determinadas, venda de energia produzida a consumidores livres).

A evolução notada no início dos anos 2000 não foi suficiente para alavancar o setor energético e o “modelo de livre mercado” ainda era alvo de desconfiança pelos investidores e pela sociedade. As inseguranças estruturais, de logística, legislativa e jurídica ainda mantinham afastado o empresariado.

Com o “apagão” (racionamento de energia elétrica anunciado pelo Governo por falta de capacidade de geração e transmissão de energia em quantidades mínimas de abastecimento aos consumidores brasileiros) ocorrido em 2001, preocupou-se então o Governo Federal em pensar em novos projetos para o setor energético brasileiro, com o intuito de se evitar a possibilidade  de novos colapsos. Com isso, o setor ganhou mais espaço e importância, passando a serem traçadas novas estratégias, inclusive estruturais, que alavancasse a infra estrutura do país. 

A partir do ano de 2004, no comando presidencial do Luis Inácio Lula da Silva, diante da pressão popular e da nítida necessidade de ajustes no setor, o Governo atentou-se para a necessidade da criação de novos mecanismos de modernização, segurança (fática e jurídica), praticidade no fornecimento e modicidade tarifária no setor energético. Como forma de planejar e estruturar a geração e venda de energia no Brasil, foi criada a Empresa de Pesquisa Energética, formada por estudiosos e técnicos renomados do ramo da energia elétrica. A EPE foi legalmente instituída através do Decreto n. 5.184, de 16 de Agosto de 2004 e vinculada institucionalmente ao Ministério de Minas e Energia, do Governo Federal.

O “novo modelo” (e atual) nasce, portanto, em 2004.

A nova estruturação energética do Brasil mantém parte das premissas já adotadas pelo sistema anterior, por outro lado, cria mecanismos de controle e ferramentas de eficiência produtiva e segurança jurídica que chamaram a atenção de investidores até então desconfiados com o mercado por conta da fragilidade legislativa e comercial que assombrava o ramo. O financiamento do setor se manteve público-privado, contudo, sinais de ênfase na privatização se mostravam visíveis. A comercialização de energia no ambiente regulado passou a se dar através de leilão e licitação pela menor tarifa, afastando a discricionariedade do Estado, reduzindo, portanto, os riscos do negócio.

Com o intuito de viabilizar e captar investimento, alguns mecanismos jurídicos, estruturais e conjunturais inovadores foram lançados a partir do novo modelo. Estas ferramentas visam atrair o capital privado para o setor, apresentando-lhe, através de números, relativa segurança e lucratividade no negócio. Dentre estes mecanismos, podemos destacar o MRE – Mecanismo de Realocação de Energia e o GSF - Generation Scaling Factor.


2. O Mecanismo de Realocação de Energia - MRE

O MRE é uma ferramenta contábil utilizada pelo Estado, através da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) e da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) com o objetivo de fracionar os riscos hidrológicos entre as usinas hidrelétricas participantes do mecanismo. Trata-se de um mecanismo responsável por fracionar entre as usinas geradoras o risco de falta de chuva na região de instalação e geração elétrica, prezando pela mitigação dos riscos hidrológicos entre as hidrelétricas participantes do mecanismo, servindo como equalizador de diferenças e minimizador de prejuízos.

Considerando ser o Brasil um país de dimensões continentais e de existirem, em certas épocas do ano, diferentes volumes de precipitação de água, em diferentes regiões, o MRE foi constituído para servir como um “seguro” coletivo, participado por todas as usinas hidrelétricas a ele interligadas. Neste passo, é importante ressalvar que o MRE não é parte integrante ou integrada ao SIN, não significando dizer que todas as usinas ligadas do SIN são, obrigatoriamente, vinculadas ao MRE. Nem por isso deve ser entendido o MRE como um mecanismo auxiliar ou complementar; trata-se, na verdade, de mecanismo altamente relevante para as geradoras hidrelétricas, capaz de reduzir os riscos do negócio, compartilhando prejuízos hidro pluviométricos entre as geradoras. Atualmente, 70% da geração hidrelétrica nacional é vinculada ao MRE.   

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Em termos práticos, o MRE é responsável por adicionar à geração de certa usina hidrelétrica produtivamente deficitária a quantidade de energia necessária para que esta atinja a sua geração mínima (garantia física da usina), ou seja, trata-se de um mecanismo que visa equilibrar financeiramente e contabilmente a geração, comercialização e apuração de resultados financeiros entre as usinas participantes, tirando energia gerada de forma excedida de uma usina e realocando naquela que não atingiu a garantia física de geração.

Fica evidenciado, portanto, que a realocação de energia permite que todas as usinas integrantes sejam contempladas com médias de geração igual ou superior à garantia física calculada no momento da outorga da concessão, fazendo com que esta não aufira prejuízos quando da sua geração, não apenas para que sejam contempladas com médias iguais ou superiores, mas igualmente para que, em situações como a que vivenciamos neste momento, de falta de chuvas, os prejuízos também sejam rateados de forma proporcional entre cada agente gerador.

A garantia física - mencionada no parágrafo anterior - é normalmente definida nos atos de outorga das usinas e constitui, portanto, a quantidade máxima de energia elétrica que se pode comercializar de determinada usina.

A garantia física de uma usina corresponde à fração a ela alocada da Garantia Física do Sistema. A determinação da GF independe da geração real da usina e está associada às condições em longo prazo que cada usina pode fornecer ao sistema, assumindo um critério específico de risco do não atendimento do mercado (déficit), considerando a variabilidade hidrológica à qual uma usina está submetida; corresponde à máxima carga que pode ser suprida a um risco pré-fixado (de 5%) de não atendimento da mesma, obtida por meio de simulações da operação, utilizando séries sintéticas de energia afluente, conforme metodologia aprovada pela ANEEL.

Quando as geradoras não atingem a produção mínima arbitrada no momento da concessão (não geram o suficiente de energia para atingir a garantia física da usina), serve o Mecanismo de Realocação de Energia - MRE como instrumento de aporte de energia na referida unidade, equilibrando, dentro do mecanismo, a produção entre as geradoras participantes para que os prejuízos sejam repartidos.

Além do MRE, outro mecanismo que visa garantir segurança ao investidor do setor é o Generation Scaling Factor – GSF.


3. O Generation Scaling Factor - GSF

O GSF é o índice que expressa a razão entre o somatório de toda a energia produzida pelas usinas integrantes do Mecanismo de Realocação de Energia – MRE e o somatório das garantias físicas desse mesmo conjunto, considerando a razão de 100% como a normalidade do conjunto de operação de todas as usinas interligadas ao mecanismo, ou seja, o valor do índice deve ser, para fins de aproveitamento hídrico financeiramente interessante, sempre igual ou maior que 100%, quando a soma das gerações de todas as usinas supera as garantias físicas destas; nesta hipótese, os investimentos no setor tornam-se lucrativos ao empresariado. 

O MRE e a metodologia de cálculo de garantia física convergem para o mesmo objetivo: assegurar receita líquida dos projetos de geração, fazendo com que o GSF superior a 100% seja o usual, eis que decorrente da conformação e da operação do Sistema.

Numa concessão de 30 anos, fatalmente haverá momentos hidrológicos favoráveis e desfavoráveis. Entende-se que o principal objetivo do MRE não é manter GSF superior a 100%, já que isto é puramente uma questão de hidrologia (geração real / garantia física, quando esta última é um valor já calculado e típico da instalação, fazendo com que a única variável em questão seja a geração real). A meta do MRE é, sim, de mitigar o risco hidrológico. Todos os agentes envolvidos mergulham no mesmo pool, sujeitos ao mesmo risco de maneira igual, de modo que o risco global diminui para cada um deles (e o investimento torna-se mais atraente, menos arriscado).

Ocorre que, por atos estatais omissivos e permissivos, o índice GSF vem sofrendo quedas históricas nos últimos anos, gerando prejuízos expressivos aos investidores de geradoras hidrelétricas; mesmo sendo feita a realocação de energia a partir da implantação do MRE, o setor hidrelétrico vem sofrendo perdas absurdas, consequência de atos estatais prejudiciais e totalmente contrários aos termos do regramento estabelecido nos leilões abertos para concessão do direito de aproveitamento das usinas.


4. Os atos estatais que causam prejuízos aos titulares de usinas hidrelétricas no Brasil

Nos últimos anos, com o aumento do consumo de energia elétrica e considerando os períodos de secas observados no Brasil, os entes públicos vêm viabilizando e, inclusive, financiando, a concessão de geradoras termelétricas, o que culminou na perda econômica e financeira para os titulares de usinas hidrelétricas. A geração térmica ganhou muito espaço no cenário nacional, crescendo sua participação, nos últimos 12 anos, em aproximadamente 15% na matriz energética nacional. Registra-se que em 2003 a geração de energia elétrica através de fontes térmicas correspondia a 12% do consumo brasileiro, enquanto que em 2013 esse número pulou para mais de 27%.

Apesar de se tratar de energia produzida de forma mais cara e mais poluente (fala-se que o custo do MW/H gerado por térmicas corresponde ao dobro do custo da produção hidrelétrica), abriu-se grande espaço para a concessão de geradores térmicos, o que já culminou em perda financeira substancial para as geradoras hidrelétricas.

Em paralelo e concomitantemente ao aumento da participação da geração termelétrica na matriz energética nacional, o Operador Nacional do Sistema aumentou o acionamento de geração térmica de forma desproporcional e desarrazoada, sendo criadas, inclusive, modalidades de despacho que não observam a ordem de mérito de custo, ou seja, não observam a otimização do uso dos recursos eletroenergéticos. Os montantes de despacho térmico fora da ordem de mérito correspondiam a menos de 0,6% do consumo em 2003. Em 2013, superaram 5% do consumo nacional, ou seja, mais de oito vezes o que se verificava em 2003.

Como mencionado acima, o despacho corresponde ao poder de determinar a quantidade de energia que cada uma das usinas irá gerar. O Operador Nacional do Sistema despacha com base, principalmente, no volume de energia consumida pelo país, solicitando a geração e transmissão de mais energia quando o mercado assim necessita. Contudo, para que seja emitido o pedido, deve-se observar a ordem de mérito, fator determinante para que haja equilíbrio entre as geradoras de energia do país.

Os despacho térmicos fora da ordem de mérito (atos estatais realizados através do ente público ONS), portanto, prejudicam as geradoras hidrelétricas por não obedecerem os limites e regramento determinados no momento da participação dos leilões vencidos. Ato contínuo e simultâneo, a evolução das geradoras térmicas, cumulados com a carência de água nos reservatórios das usinas hidrelétricas, acabam por desequilibrar as concessões assinadas com os investidores do ramo hidrelétrico, gerando prejuízos na produção energética hidráulica, o que carece indenização e reformulação emergenciais.

Além dos problemas estruturais supra indicados, ainda são percebidas falhas estatais nos aspectos conjunturais, de comunicação, de planejamento e legislativo. Tem-se como exemplo a assinatura descabida e desastrada da Medida Provisória 579/12.

No dia 11 de setembro de 2012, o Governo Federal editou a MP n. 579, que tinha como objetivo principal a redução das tarifas de energia elétrica em 20%, em média. Quatro dias antes, no dia 7 de setembro, em cadeia nacional de rádio e televisão, a Presidente Dilma Rousseff anunciava que o Brasil era o único país do mundo em que, simultaneamente, eram baixadas as tarifas e aumentada a produção de energia elétrica, e que não faltaria energia em momento algum. Sinalizou, portanto, que a população poderia consumir energia elétrica à vontade, porque o produto estava mais barato e a oferta seria abundante.

Paradoxalmente, no dia 18 de outubro seguinte, apenas pouco mais de um mês depois, o Governo determinou que todas as usinas térmicas disponíveis – que geram energia a preços no mínimo mais de duas vezes mais caros que as usinas hidrelétricas – passassem a operar, para economizar água nos reservatórios das hidrelétricas, num claro sinal de que havia preocupação com a escassez de energia. Ou seja, se havia escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas (do contrário, não se teria despachado usinas térmicas), o correto teria sido elevar a tarifa, de maneira coerente com o aumento do custo de produção, para atenuar o desequilíbrio entre oferta e demanda, em vez de reduzi- la.

Além do ato irresponsável supra, verificou-se que nos primeiros meses do ano de 2015 o Ministério de Minas e Energia publicou atos para elevar a oferta de energia elétrica no SIN, fazendo com que a concorrência das geradoras seja cada vez mais acirrada e as concessões gradativamente desequilibradas. Frisa-se que as medidas tomadas pelo Governo Federal para ampliar a oferta de energia elétrica, por serem concentradas quase que exclusivamente no aumento da capacidade de geração térmica, reduzem o espaço para geração hidrelétrica, contribuindo para os baixos valores do GSF.

Com a sinalização de baixos índices de GSF percebe o empresariado do setor que o lucro presumido a partir da assinatura dos leilões está sendo esvaziado. O caos natural decorrente da falta de chuvas, risco inerente ao negócio, acaba sendo potencializado por atos do Estado que, de forma arbitrária e ilegal, apresenta manobras permissivas de despacho de energia térmica fora da ordem de mérito, prejudicando diretamente a venda de energia hidrelétrica, cominando em efetiva perda financeira aos titulares de usinas hidrelétricas.


5. O dever do Estado em prestar indenização aos investidores

Como registrado em parágrafos anteriores, a consequência do declínio do índice GSF é a desvalorização do investimento privado em usinas hidrelétricas que têm prejuízos acumulados a cada mês, sendo cabível, com fito nos princípios legais da igualdade contratual, a regularização e equilíbrio da concessão e o pagamento de indenização pelo Estado dos prejuízos suportados nos últimos meses (especialmente a partir do ano de 2014).

O Direito ora arguido tem fundamentação na Constituição Federal de 1988, notadamente em seu art. 37, XXI e no art. 65, inciso II, alínea “d” da Lei n. 8.666/93 (Lei de Licitações), que narram:

Constituição Federal:

“Art. 37. […]

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

Lei de Licitações:

“Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

 II - por acordo das partes:

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.”

Ainda mais importante e enfática é a legislação constituinte da Agência Nacional de Energia Elétrica, Decreto n. 2.335, de 6 de outubro de 1997, que em seu art. 3° prevê:

“Art. 3º - A ANEEL orientará a execução de suas atividades finalísticas de forma a proporcionar condições favoráveis para que o desenvolvimento do mercado de energia elétrica ocorra com equilíbrio entre os agentes e em benefício da sociedade, observando as seguintes diretrizes: (...)

V – criação de ambiente para o setor de energia elétrica que incentive o investimento, de forma que os concessionários, permissionários e autorizados tenham asseguradas a viabilidade econômica e financeira, nos termos do respectivo contrato.”(grifei)

Nota-se que o Estado buscou, a partir da criação da ANEEL e da publicação do Decreto indicado no parágrafo anterior, mostrar ao empresariado, até então desconfiado com o setor elétrico, que a Agência, autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energias, seria responsável por propiciar controle e segurança no ambiente de produção e comercialização de energia elétrica no Brasil. O Estado, com isso, objetivou a captação de novos recursos e investimento, oferecendo, claramente, a proteção daqueles que investissem o capital no negócio energético do país.

Contudo, o que se vê atualmente é o descumprimento de regras criadas e ofertadas ao empresariado. A ANEEL, através do ONS, ordena a geração e venda de energia alternativa, térmica, mais cara e mais poluente, desprotegendo e prejudicando os titulares de usinas hidrelétricas. Ressalta que este ato estatal é contrário à disposição do Decreto 2.335/97, vez que não assegura a viabilidade econômica ou financeira do negócio aos produtores hidráulicos.

Os investimentos são realizados tendo como base fundamentações lógicas mercadológicas, comerciais e jurídicas. Caso haja o rompimento ou desfazimento de algum desses fatores, ocorrerá o prejuízo, desarrazoadamente, do titular da usina geradora.

Ora, se,  no momento da participação da licitação e da concessão da outorga da exploração do aproveitamento hidrelétrico da usina, as estipulações contratuais eram aquelas, deve-se manter o regramento até ulterior entendimento convencionado entre as partes, sob pena de haver ali uma alteração unilateral prejudicial à parte hipossuficiente da relação (neste caso, o investidor, por não ter arbítrio e poder de decisão frente ao poderio estatal).

É observada no presente estudo, a incidência da Teoria da Imprevisão. Considerando novos fatos, relevantes, que prejudicam a relação contratual formalizada entre o investidor privado e o Estado, dever-se-á ser ressarcido o ente privado face ao desequilíbrio econômico financeiro da concessão. Cabe, neste passo, o reconhecimento do Estado da existência de eventos novos, imprevistos e imprevisíveis, não imputáveis às partes, que acabaram refletindo na economia e na execução do contrato. Tido isso, deverá restar autorizada a revisão dos termos da concessão para ajustá-la às circunstâncias supervenientes.  

Para que seja reconhecida a razão ora intentada, é de frisar que percebemos aqui, também, a presença do elemento jurídico chamado de Fato do Príncipe.

Fato do príncipe é uma ação ou omissão do Estado que não possui relação direta ou objetiva com o contrato, concessão, leilão ou ato administrativo em particular, mas que produz efeitos sobre ele de forma a onera-lo demasiadamente, dificultando ou impossibilitando o cumprimento de determinadas obrigações, tendo como consequência o seu desequilíbrio econômico-financeiro. Trata-se de atos estatais prejudiciais que acabam por agravar economicamente a relação contratual.

Neste particular, vemos aqui que o Estado, ao despachar energia térmica fora de ordem de mérito, comprando-a com preços mais elevados e sem prévia justificativa legal ou estrutural, acaba por prejudicar objetivamente o índice GSF, fazendo-o despencar. Por consequência, em efeito cascata, acaba-se por prejudicar a geração e transmissão de energia hidrelétrica, fazendo com que os investidores do setor tenham prejuízos acumulados a cada novo mês. Assim, nem mesmo o mecanismo de realocação de energia, criado para rateio de riscos hidrológicos entre as usinas hidrelétricas, é suficiente para afastar o péssimo desempenho das geradoras.

A previsão legal de que o MRE teria o propósito de viabilizar o compartilhamento hidrológico entre as usinas hidrelétricas participantes do mecanismo (contribuindo para a previsibilidade de lucro na geração); o conhecimento e aprovação da metodologia utilizada para cálculo da garantia física da usina; a exigência legal de otimização do uso dos recursos eletroenergéticos, viabilizada pelos modelos computacionais mediante os quais possibilita elencar a ordem de geração destes recursos ao menor custo; e as previsões legais associadas ao custo do déficit e ao racionamento de energia são regras que protegem os geradores hidrelétricos, limitando o risco hidrológico nos cenários em que o custo da energia está elevado. Estas diretrizes, e outras, foram levadas em consideração pelo empresário que analisara, à época, a possibilidade de investir e mobilizar o seu capital neste negócio.

A tomada da decisão de participação da concorrência aberta pelo Estado, então, é diretamente vinculada e determinada pelos fatos acima relacionados, os quais, data vênia, não podem ser alterados unilateralmente de forma a mudar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Ou seja, o contratado tem a garantia de que o ente estatal observará a margem de lucro contratada. Isso quer dizer que a margem de lucro não poderá ser alterada pela Administração Pública.

No caso em discussão, as regras contratuais foram alteradas substancialmente a partir de 2014. A otimização do uso dos recursos eletroenergéticos foi prejudicada com a instituição de modalidades de despacho térmico fora da ordem de mérito, prejuízo esse agravado com o aumento da participação da fonte térmica na matriz energética nacional. A ampliação da oferta de geração térmica e o aumento da quantidade de geração térmica fora da ordem de mérito são inequívocos exemplos de movimentos estatais que, embora realizados com vistas ao aumento da confiabilidade de suprimento, prejudicam os geradores hidrelétricos, pois o sistema suporta valores de GSF mais baixos.

Além destes fatores, contribuíram para a redução do GSF e a compressão do espaço para geração hidrelétrica, também, a geração de energia de reserva e os atrasos em obras de transmissão por atos omissivos do poder público.

Com isso, hoje, os titulares de usinas hidrelétricas participam do jogo de investimento sem a devida proteção contratual, sendo submetidos a regramento diferenciado e prejudicial, tendo que arcar mensalmente com prejuízos que superam a casa dos milhões de reais.


Conclusão

O Estado, através dos seus entes políticos e autarquias vem agindo nos últimos anos de forma omissiva e permissiva, prejudicando a continuidade dos contratos de concessões firmados com o empresariado do setor de geração elétrica a partir da força da água. Os atos estatais provocam o desequilíbrio econômico dos contratos, causando como consequência a perda de valores investidos.

Tratando-se de nítido nexo de causalidade entre os comandos estatais e o visível prejuízo ao investidor do setor, entende-se caber aqui responsabilidade objetiva do Estado para fins de reparação do dano percebido. O titular de usina hidrelétrica, ao que nos parece, encontra proteção na teoria da responsabilidade objetiva do Estado, prevista no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal:

“§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Entende-se que o Estado é responsável pelos atos ou omissões de seus agentes, de qualquer nível hierárquico, inclusive aqueles exauridos pelos Ministérios, Agências reguladoras ou órgãos a estes vinculados,  independentemente de terem agido ou não dentro de suas competências.

Para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado não se exige culpa ou dolo, mas apenas uma relação de causa e efeito entre o ato praticado pelo agente e o dano sofrido por terceiro. Também não é necessário que o ato praticado seja ilícito, muito embora deva ser antijurídico. Ora, no caso estudado, não resta dúvida de que os comandos direcionados pelos entes estatais foram em sentido contrário ao quanto contratado nas concessões assinadas pelos agentes hidrelétricos, prejudicando, assim, o lucro da operação de investimento; havendo, então, culpa objetiva do Estado.

Trazendo como complementação a proteção Constitucional supra indicada, entende-se que cabe trazer à baila, também, os princípios jurídicos desprezados pelo Estado na relação mantida com os geradores, quais sejam, os princípios da segurança jurídica, da boa-fé, da confiança, da cooperação, da lealdade e da não surpresa dos atos estatais. Estes fundamentos deveriam ter sido observados no sentido de flexibilizar o dever legal de otimização do uso dos recursos eletroenergéticos, reduzir as tarifas em cenário de custo elevado de geração e subverter a configuração hidrotérmica do Sistema. Contudo, não o foram, acabando por prejudicar os investidores do ramo, os quais merecem ressarcimento e indenização do Estado por conta dos prejuízos suportados. 

Sobre o autor
Felipe Guimarães Pereira

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador/Ba. Pós Graduado em Direito do Trabalho pela Faculdade Baiana de Direito, Salvador/Ba. Pós Graduando em Direito de Negócios pela FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo/SP. E-mail: fplawfirm@hotmail.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Felipe Guimarães. Desequilíbrio econômico das concessões e os prejuízos enfrentados pelos investidores de usinas hidrelétricas no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4439, 27 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42105. Acesso em: 2 nov. 2024.

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