Introdução
O objetivo de nossa pesquisa é fazer um estudo sobre a Formação do Orador e sua inserção dentro da política romana, no contexto de crise da República do século I a. C., em que o livro objeto de estudo fora escrito. Veremos como Cícero resgatou as idéias dos filósofos da Grécia antiga, como o Estoicismo, (doutrina que propõe viver de acordo com a lei racional da natureza e aconselha a indiferença em relação a tudo que é externo ao ser) o influenciou. O Estoicismo influiu sobre a justiça romana, e Cícero foi um dos idealizadores do Direito Romano, tornando-se o maior representante na antiguidade clássica.
Biografia do autor
Marco Túlio Cícero nasceu em Árpino, um localidade próxima de Roma, no seio de uma família abastada em 13 de janeiro de 106 a.C. e morreu em 7 de dezembro de 43 a.C. em Formia, Itália. Recebeu aprimorada educação, com os maiores oradores e jurisconsultos de sua época. Viveu num período especialmente turbulento da história de Roma. Cícero foi advogado, orador, senador, escritor e se aprofundou no conhecimento das leis e doutrinas filosóficas. Cícero foi um dos idealizadores do Direito Romano.
O pai de Cícero proporcionou aos seus dois filhos, Marco, o mais velho, e Quinto, uma educação muito completa, sendo que Marco Túlio Cícero, após ter aprendido na escola pública e ter chegado à maioridade, foi entregue aos cuidados do célebre senador e jurista romano Múcio Cévola que o pôs a par das leis e das instituições políticas de Roma.
Durante a Guerra Social do princípio do século I a.C. (91-88 a.C.) Cícero passou brevemente pela vida militar, passo necessário para poder participar plenamente na vida política romana, tendo estado presente numa campanha militar sob o comando do cônsul Pompeu Estrabão, pai de Pompeu o Grande.
Regressado à vida civil, começou a estudar filosofia com Filão, o Académico, mas a sua atenção centrou-se na oratória que estudou com a ajuda de Molo, o principal retórico da época, e de Diodoto, o Estóico. Cícero é considerado o primeiro romano que chegou aos principais postos do governo com base na sua eloquência, e ao mérito com o qual exerceu as suas funções de magistrado civil.Em 76 a.C. foi eleito questor para servir na Sicília, fazendo-se respeitar pelo povo como administrador justo. Sua reputação cresceu em 70 a.C., com a acusação ao ex-governador da Sicília, Caio Licínio Verres, por extorsões. Pouco depois foi eleito edil (69 a.C.) e pretor (66 a.C.).
No fim da sua atuação como pretor, decidiu concorrer ao consulado, tendo por isso recusado a nomeação para o governo de uma província do império, o pagamento normal para o exercício do cargo de pretor. Foi eleito cônsul em 62 a.C., para o exercício do ano seguinte. Nesse cargo conseguiu destruir a Conjuração de Catilina, tendo sido declarado Pai da Pátria por essa atuação em defesa das instituições republicanas.
Para realizar seu propósito de estabelecer a política do “acordo entre as classes”, necessitava de forte apoio político e pensou encontrá-lo em Pompeu, mas este se uniu no primeiro triunvirato a César e Crasso, permitindo a eleição de Clódio, inimigo político de Cícero, para o tribunato. Ameaçado por Clódio, que substituía César em Roma durante a guerra na Gália, Cícero exilou-se na Grécia.Quando regressou (57 a.C.), o Senado foi recebê-lo às portas da cidade, sendo a sua entrada quase uma procissão triunfal. Cícero permaneceu afastado da política por quase dois anos, elaborando suas obras filosóficas.Seis anos mais tarde (51 a.C.), devido a uma lei de Pompeu, que obrigava os senadores de nível consular ou pretoriano a dividirem as províncias vagas entre si, foi governar a Cilícia. Lutou vitoriosamente no antigo centro da pirataria do Mediterrâneo oriental na Ásia Menor contra tribos rebeldes das montanhas, recebendo dos seus soldados o título de Imperator.Demitiu-se e regressou a Roma por volta do ano 50 a.C., com intenção de reclamar a realização de um triunfo. Mas o começo das lutas entre Pompeu e César, que deram origem à Guerra Civil, impediram a sua efetivação.Foi o período mais crítico do ponto de vista moral e político da vida de Cícero.
Querendo manter-se neutral na feroz luta política da época tentou agradar aos dois campos, sem conseguir agradar a nenhum deles. Mas manteve-se sempre mais perto de Pompeu, e do partido senatorial, do que de César, e do partido popular, e de facto acabou por se decidir, mas muito timidamente, pelo campo senatorial. Cícero passou então a dedicar-se integralmente à filosofia e à literatura, sendo desta época o tratado De Republica.Os empréstimos feitos a Pompeu, naturalmente não pagos, empobreceram-no, tendo necessidade de pedir a assistência do seu velho amigo Ático, e de se divorciar da sua mulher, Terência, casando com Publilia, uma jovem de meios. Nesse período, Túlia, filha do seu primeiro casamento, morreu, o que provocou o divórcio da sua segunda mulher, que não terá mostrado suficiente pesar pela morte da enteada. Estes factos provocaram a publicação de De Consolatione. Em 44 a.C., contudo, o assassinato de César permite a ascensão de Marco Antônio, cujas ambições ditatoriais Cícero denuncia nas veementes "Filípicas". Na última das "Filípicas", ele exalta a vitória de Otávio, filho adotivo de César, cujas reivindicações estimularam contra Marco Antônio. Otávio, no entanto, vencedor na guerra constitui com Marco Antônio e Lépido o segundo triunvirato. Seguem-se as execuções dos oposicionistas, e Cícero é um dos primeiros a cair, em dezembro de 43. Sua cabeça e suas mãos decepadas, por ordem de Antônio, são expostas ao povo nas tribunas dos oradores no fórum romano.
Cícero teve um caráter indeciso, além de exagerada vaidade, e cometeu numerosos erros políticos. Sempre subestimou seus oponentes e exagerou as virtudes dos amigos. Parecia não compreender a debilidade fundamental da administração da república romana: ausência de mecanismos asseguradores da lei e da ordem e o controle dos exércitos. Mas sua honestidade, patriotismo e dons intelectuais são incontestáveis. De temperamento moderado e oportunista, soube mostrar grande energia ao debelar a conspiração de Catilina e opor-se a Marco Antônio, no fim da vida.
Cícero: Estoicismo e Lei Natural
Após o período clássico grego (Sócrates/Platão/Aristóteles), a filosofia passa por um momento de pluralismo próprio da queda da dominação helênica. Os Romanos, conquistadores da Grécia, assimilaram sua cultura e filosofia, praticamente copiando suas idéias e pensamentos, adequando-os ao espírito e interesse próprio de Roma. Costumava-se dizer que, se Roma conquistou o mundo pelas armas, a Grécia conquistara pelas idéias. Entretanto, enquanto a cultura dos gregos era mais voltada para a contemplação filosófica, dada a influência platônica de mundo extra-sensível, o pensamento romano era mais voltado para a práxis, ou seja, para o dia-a-dia. O romano era mais imediatista, administrador, prático e belicoso. O espírito de conquista dos romanos, muitas vezes, forçou um ideal de imposição de seus sistemas de leis aos povos conquistados. Enquanto a filosofia grega era de abstração, contemplação, a filosofia romana era e utilidade, voltada para a prática e para as artes lógicas, de oratória, literatura, etc. É nesse meio que Marcus Tullius Cícero (106 a 43 a.C.) surge como maior representante desse período áureo da civilização romana. Por ser o principal nome desse período, vamos deter nosso estudo nesse pensador. Sua filosofia está distante do ideal contemplativo grego e volta-se para questões políticas, patrióticas e de caráter prático pessoal do cotidiano do império. Das suas obras, as que mais nos interessam são De legibus (das Leis); De oficiis (Dos trabalhos) e De finibus malorum et bonorum (Dos fins aos bons e aos maus) entre outras.
Vale lembrar que Cícero está influenciado pelo Estoicismo, por isso vale a pena explica-lo: O Estoicismo é a doutrina filosófica que surgiu após a difusão da filosofia grega pelo império romano. Vem do nome: stoá=jardim e significa a doutrina filosófica que preza por um estado de imperturbabilidade da alma humana a fim de alcançar um estágio de serenidade de corpo e espírito a fim de alcançar a felicidade do ser humano. Trata-se de estabelecer uma independência do ser humano a tudo que o cerca, tornando-o livre para descobrir suas afinidades e possibilidades, enfim, a verdade.
A ética estóica é da ataraxia que condiz com um estado de harmonia corporal que o ser humano busca dentro do universo, conhecendo suas limitações em vistas de distinguir o bem do mal. A ataraxia é o ápice do viver estóico, onde o ser humano consegue não se deixar perturbar por nada que é excessivamente bom nem mau, descobrindo em plenitude a sua interioridade. Nada do que é externo perturba o seu ser.
Todavia, apesar de buscar a imperturbabilidade de espírito, o estoicismo volta-se para a prática, buscando um estado de ação que permita tal condição de vida. É aqui que surgem os discursos de Cícero defendendo um Estado de leis que permita ao homem alcançar a harmonia propícia aos estoicos. Trata-se de pensar um sistema legislativo que permita ao ser humano viver sem se incomodar com as mudanças e as ações que estão a sua volta. Além disso, como foi dito, o Estoicismo voltava-se para a harmonização do homem com o cosmos e, nesse cenário, a natureza ganha destaque. Se o ser humano deve se pautar pelo equilíbrio e pela harmonia que a natureza oferece para não se deixar perturbar, deve, então, existir leis naturais que preexistem e que permitem aos seres humanos se relacionarem num estado harmonioso. Cícero busca assim os fundamentos naturais de uma legislação. Quer mostrar que a reta razão contém em si um ideal, uma lei absoluta, imutável e soberana que deveria pautar a vida dos cidadãos. O parâmetro para a conduta humana seria a observância da lei natural. Daí derivaria a felicidade e a paz na república. Homem sábio será aquele que descobrir em si esta lei natural. Para isso, ele precisará estar sem perturbações externas, e sem vícios, voltando-se para sua natureza íntima e harmônica, em identificação com o cosmos. As leis não brotam mais de convenções humanas, mas sim de uma Lei Natural, dada como parâmetro para a conduta dos indivíduos. As leis humanas só podem surgir derivadas das leis naturais. Seguindo tais leis, chegar-se-á, inevitavelmente, na justiça.
A filosofia jurídica de Cícero tem como fim a justificação da República romana. Para ele, a lei natural só tem sentido na República, pois ela é o espaço propício para a vivência harmônica entre o homem e sua natureza. Assim: A República pressupõe o Direito, o Direito pressupõe as leis e as leis pressupõem as leis naturais que, em última instância, pressupõe a Deus. O pensamento de Cícero vai influenciar profundamente toda a Filosofia do Direito daí para frente. A idéia de Lei Natural influenciará a Idade Média e, posteriormente, o jusnaturalismo e toda filosofia renascentista.
A obra – “ Dos Deveres”
A obra “Dos Deveres” foi escrita em uma época de crise política, visto que Júlio César havia acabado de ser assassinado no ano de 44 a.C. Esta obra foi a última obra filosófica escrita por Cícero, na qual ele formula os valores políticos e éticos da sociedade romana, a partir do seu ponto de vista de homem do Estado.
A atuação pública de Cícero, que unia a reflexão filosófica à ação política, sobretudo em defesa dos princípios da república, exerceu grande influência em um fase crucial da história romana. Esta obra aborda o assunto moral.
Este tratado é constituído por três livros: livro I, II e III.
O livro I exalta a natureza e a essência da honestidade, a conservação da sociedade humana, a grandeza da alma, o valor civil e o militar, a tutela governamental, o pudor e o decoro na vida pública, os deveres segundo as idades, o dever do cidadão, a conversação e a habitação. Este primeiro livro apresenta a existência de uma hierarquia dos deveres e que é necessário saber escolher um mais do que o outro para preservar a sua honra. O principal dever é respeitar a honestidade fundada na prática das virtudes essenciais: a sabedoria, a moderação, a justiça, a firmeza. Uma vez que há um conflito aparente entre a justiça e a moderação, a noção de escolha intervém.
O livro II mostra a função do que é útil, que nunca deve ser confundido com o honesto nem com a aparente utilidade que não passa de esperteza. São sempre atuais as páginas sobre a natureza das coisas úteis, a conquista do favor popular, o poder da Justiça, a origem do poder, efeitos da corrupção, liberalidades, lei agrária e abastecimento, virtudes do homem público. Cícero demonstra que as noções de utilidade e de honestidade são indissociáveis: se o útil se torna nocivo a alguém, então deixa de ser honesto. Em caso de escolha, é preciso preferir o que apresenta mais honestidade.
O livro III mostra a função do que é útil, considerando que a honestidade deve sempre prevalecer. Exibe os percalços na separação do útil e do honesto, os casos de prevalência nesse confronto, as consequências do juízo honesto com aparência de útil, a oposição de certos prazeres à virtude. Cícero inova em relação ao seu modelo, supõe um eventual conflito entre o útil e o honesto. Este conflito não é mais do que teórico já que, de fato, tudo o que é bom e honesto é igualmente útil e vice-versa. Porém, é preciso saber distinguir o “útil aparente” do “útil real”, o primeiro, mal definido, é gerador de confusão e de discórdia; o segundo, só continua de acordo com a honestidade.
A parte da filosofia que mais atrai Cícero é a ética. De um lado, ele é levado a admirar, sobretudo a moral estóica, ou seja, uma moral que tem como característica fundamental a austeridade, de outro lado, faz concessões à moral acadêmica e à peripatética, isto é, a moral embasada nas indagações e nos conhecimentos platônicos e aristotélicos.
Na obra “Dos Deveres”, Cícero considera que “nada em nossa vida escapa dos deveres”. Para ele os deveres seriam amizade, justiça, caridade, honestidade, verdade, temperança, mas só para os cidadãos romanos.
Para Cícero, “a igualdade brilha por si mesma, a dúvida é sempre presunção de injustiça”. Ele define que a injustiça pode ser cometida de duas formas: pela violência e pela fraude. As duas formas são indignas do homem, mas a fraude é a mais desprezível. O fato de uma pessoa se passar por um homem de bem e enganar as outras pessoas é considerado totalmente abominável.
Os homens devem se organizar com suas tarefas e com o seu futuro, pois isso demonstra inteligência e também demonstra que são prudentes e sábios.
Cícero aconselha que os homens se afastem daqueles que acreditam que é necessário odiar seus inimigos e que creem que isso demonstra uma alma forte e grande, pois é louvável um coração que esquece as ofensas.
Outro alerta que Marco Túlio faz é sobre o orgulho, visto que quando temos tudo o que queremos e quando o dinheiro nos é fácil, devemos nos proteger com mais cuidado de sermos pessoas orgulhosas e arrogantes.
O bom senso, a amizade e o dever são exemplos de deveres que Cícero chama a atenção e quais são as condutas apropriadas para cada uma dessas situações.
Conclusão
Do nosso trabalho podemos concluir que a Cicero devemos o conhecimento de muitas doutrinas, que de outro modo estariam perdidas. Conceitos como “qualidade”, “individual”, “indução”, “elemento”, “definição”, “noção” e outros, foram introduzidos por ele na língua latina.
A ele atribuímos a definição de certos valores que perduram até os dias atuais em nossa sociedade. Valores que, apesar de serem conhecidos e aprovados, nem sempre são postos em prática.
Por “Dos Deveres” ser uma obra de caráter moral, ele faz uma reflexão filosófica, unido a ação política, sobretudo em defesa dos princípios da república, e exerceu grande influência na pedagogia da moral para os sacerdotes. Teve também, reflexos na formação do pensamento Cristão, a partir do momento que Cicero aprova um coração que saber perdoar (assemelhando-se ao Conselho de Cristo de perdoar seu irmão até setenta vezes sete vezes). Cicero, juntamente com Aristóteles, é considerado uma “suprema autoridade antiga” no âmbito religioso (católico).
Não podemos deixar de lado a relação de Cicero com o Estoicismo, doutrina na qual ele busca os fundamentos naturais de uma legislação. A filosofia jurídica de Cícero tem como fim a justificação da República romana. Para ele, a lei natural só tem sentido na República, pois ela é o espaço propício para a vivência harmônica entre o homem e sua natureza. Assim: A República pressupõe o Direito, o Direito pressupõe as leis e as leis pressupõem as leis naturais que, em última instância, pressupõe a Deus. O pensamento de Cícero influenciou profundamente toda a Filosofia do Direito daí para frente.
Bibliografia
Dos Deveres - Marco Túlio Cícero