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A responsabilidade pela má administração dos recursos públicos pelo gestor municipal

Agenda 28/08/2015 às 18:34

O presente artigo científico jurídico estuda a responsabilidade do gestor público municipal, pela má administração dos recursos públicos sob a ótica dos princípios constitucionais da administração pública, com foco no Decreto-lei n. 201/67.

RESUMO

O presente artigo científico jurídico estuda a responsabilidade do gestor público municipal, pela má administração dos recursos públicos sob a ótica dos princípios constitucionais da administração pública, insculpidos no art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil. Com o objetivo de demonstrar e identificar os meios adequados para fiscalizar a gestão pública municipal, pelos seus munícipes e órgãos fiscalizadores; abordar, ainda, como responsabilizar o gestor público municipal por crimes de responsabilidade e estuda a cassação de mandato do prefeito, nos termos do Decreto-Lei n. 201/67. O texto fez uma análise dos princípios constitucionais que regem a administração pública, abordando a eficácia e o cumprimento destes. O artigo analisou a busca por uma melhor administração pública municipal, pois se respalda no posicionamento dos doutrinadores administrativistas acerca do tema. Dessa forma, o presente artigo concluiu que os gestores municipais devem ser responsabilizados nos termos da legislação especifica, quando agir em desarmonia com os princípios e com a lei ao administrar os recursos públicos.          

Palavras-chave: Direito Administrativo. Gestão Municipal. Princípios Constitucionais. Administração Pública. Crime de Responsabilidade.

1 INTRODUÇÃO

O Estado tem como papel principal a garantia e a satisfação das necessidades coletivas, por esse motivo os gestores públicos devem agir conforme os preceitos da administração pública. A sociedade atualmente tem vivenciado grandes corrupções e atos ímprobos praticados por gestores municipais. Estes gestores têm empregado os recursos públicos em outros fins que não a administração pública, com isso a urbe padece por esta má administração. O gestor, por ser o gerenciador desses recursos, tem o dever de probidade, ou seja, honestidade perante a sociedade que o dotou desse poder, mas por essa má-fé perde sua descrença, por isso deve ser responsabilizado pela má administração dos recursos públicos.

É do conhecimento de todos, que nos últimos anos tem-se assistido a vários escândalos, como corrupção; mau uso do dinheiro público; improbidade administrativa, dentre outros, e na maioria das vezes estes escândalos são praticados pelo gestor municipal, que fazendo jus do seu mando, enquanto chefe da Cidade se locupleta dos recursos, não dando o destino correto, ficando assim os munícipes e a comunidade em geral desprovida e desamparada, sem saber o que fazer, por que lhes falta o conhecimento adequado sobre como proceder ou por que são coagidos a ficarem inertes.

Por esse motivo se faz jus uma detida análise acerca da gestão municipal, no que tange a responsabilidade pela má administração dos recursos públicos pelo seu gestor, in casu o prefeito municipal.

O presente artigo visa à análise dos princípios constitucionais que regem a administração pública, posto que todo administrador público deve se basilar pelos princípios da administração pública, consagrados no art. 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil,  promulgada em 05 de outubro de 1988, tendo em vista que estas regras são de “[...] observância permanente e obrigatória para o bom administrador”.[1]

Com isso, o artigo pretende também definir a responsabilidade do prefeito, enquanto gestor local, discutindo, ainda, como se dá a perda de mandato por crime de responsabilidade, nos termos do Decreto-Lei n. 201/67; que dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos, quando o administrador não cumpre com suas obrigações financeiras para com a comunidade local, a fim de explorar a legislação específica ao caso em tela, para se chegar aos meios adequados para os munícipes fiscalizarem essa má administração da res pública.

Nessa esteira de pensamento, a discussão do presente tema se faz necessário, tendo em vista o cenário atual, com o fito de levar ao conhecimento dos munícipes, bem como à sociedade, quais os meios de fiscalizar e responsabilizá-los por tais atos, fazendo uso dos instrumentos coercitivos adequados.

Ademais, para corroborar com o presente, colaciona-se, em anexo, o decisum do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, o qual reconheceu a Constitucionalidade do Decreto-Lei 201/67.

Por derradeiro, ressalte-se que a metodologia aplicada neste trabalho é de cunho bibliográfico, pois se baseia na pesquisa em obras de doutrinadores, bem como periódicos, artigos retirados da internet, com arrimo ainda em jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

2 O MUNICÍPIO

2.1 SUA ORIGEM

O Município tem sua etimologia do Latim municipium, e que por sua vez teve sua gênese no Direito Romano, com o surgimento da República Romana. É nesse sentido que nos ensina Hely Lopes Meirelles o patrono do Direito Municipal Brasileiro ao dizer que:

O Município, como unidade político-administrativa, surgiu com a República Romana, interessada em manter a dominação pacifica das cidades conquistadas pela força de seus exércitos. Os vencidos ficavam sujeitos, desde a derrota, às imposições do Senado, mas, em troca de sua sujeição e fiel obediência às leis romanas, a República lhes concedia certas prerrogativas, que variavam de simples direitos privados (jus connubi, jus commerci etc.) até o privilégio político de eleger seus governantes e dirigir a própria cidade (jus suffragii). As comunidades que auferiam essas vantagens eram consideradas Municípios (municipium) e se repartiam em duas categorias (municipia caeritis e municipia foederata), conforme a maior ou menor autonomia de que desfrutavam dento do Direito vigente (jus italicum).[2]

Ensina, ainda, Meirelles acerca da Administração das Cidades que:

A administração de tais cidades efetivava-se por um colégio de dois a quatro magistrados investidos de supremo poder e particularmente da administração da justiça (duumviri juridicundo ou quatuorviri juridicundo), auxiliados por magistrados inferiores, encarregados administrativos e de polícia (aediles). Além destes, integravam o governo municipal o encarregado da arrecadação (quaestor ou exactor), o encarregado da fiscalização dos negócios públicos (curator), o defensor da cidade (defensor civitatis), os notários (actuarii) e os escribas (scribae), que auxiliavam os magistrados.[3]

Com o passar do tempo, bem como com as revoluções globais, o Município passou por mudanças, alcançando um status privilegiado na órbita político-administrativa. Passando a exercer funções que dantes não lhes era outorgado; editando suas próprias leis; desempenhando funções politicas e com atribuições administrativas.

Com efeito, o surgimento do Município e sua consequente evolução trouxe um grande avanço para a sociedade Antiga. Chegando assim, “o regime municipal à França, Espanha e Portugal, e paulatinamente se foi modificando, sob a dominação bárbara que sucedeu à hegemonia romana”.[4]

Foi graças a esse avanço e suas respectivas modificações que ocorreram ao longo do tempo, que propiciou que o regime municipal também pudesse desaguar no Brasil.

2.2 NO BRASIL

No Brasil, o município teve por base jurídica as Ordenações reinóis durante o período colonial. Sabe-se que o poder local na colônia portuguesa fazia-se representar através de Câmaras Municipais eleitas pela sociedade, embora fossem notavelmente influenciadas pelos interesses das elites fundiárias e, obviamente, não conheciam a moderna divisão dos poderes, visto que as mesmas autoridades exerciam funções de qualquer natureza.[5]

O termo Cidade aparece pela primeira vez no art. 167 da primeira Constituição do Brasil, a Constituição Politica do Império do Brazil, de 25 de março de 1824, que também conferiu autonomia política aos Municípios, restritamente, conforme art. 169, daquela Constituição, regulamentada pela Lei 1 de outubro de 1828.

Somente após o advento da primeira Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, que o Município passou a ter autonomia lato sensu, como se depreende do art. 68 ao declarar que “os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”.

Nesse contexto, rompendo o regime ditatorial surge em 1988 a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro, pelo presidente da Constituinte Ulysses Guimarães, sendo considerada a “Constituição Cidadã”, que trouxe em seu bojo um capítulo exclusivo para os Municípios, versando sobre sua autonomia e peculiaridades, trata-se do art. 29, inserido no Capítulo IV do Título III, vide “o Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos [...]”.

Nesse sentido, preleciona Michel Temer, ao ensinar que:

O art. 29 do Texto Magno estabelece que o Município “reger-se-á por lei orgânica...”, uma espécie de Constituição Municipal, o que indica, por si, a sua autonomia, mas ainda acrescenta a previsão de Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores (autoridades próprias), escolhidas em eleições diretas (art. 29, I e II), de competências próprias.[6]

Com outras palavras, o Município é a pessoa jurídica de direito público interno; que tem vida própria e diferencia-se das entidades de direito privado. Pois tem capacidade para construir patrimônio próprio, gerir seus bens, administrar seus interesses, adquirir direitos, contrair obrigações, agir em juízo, ou fora dele, e responder civilmente pelos atos de seus representantes.

É nesse sentido a lição de Meirelles:

O Município brasileiro é entidade estatal integrante da Federação. Essa integração é uma peculiaridade nossa, pois em nenhum outro Estado Soberano se encontra o Município como peça de regime federativo constitucionalmente reconhecida. Dessa posição singular do nosso Município é que resulta sua autonomia politico-administrativa, diversamente do que ocorre nas demais Federações, em que os Municípios são circunscrições territoriais meramente administrativas.[7]

Ademais, é o Município quem cuida diretamente de vários aspectos práticos da vida da população, como registro de imóveis, de logradouros públicos menos importantes, no caso das ruas, asfaltamento das vias locais, a fiscalização do trânsito nos logradouros sob sua jurisdição, embora a legislação do trânsito seja de âmbito Federal.

Provê, ainda, o ensino básico em suas escolas, mantém postos de saúde para a sua população, controla e fiscaliza o transporte público municipal, notadamente os táxis, ônibus urbanos e outros meios de transporte coletivo, bem como provê e/ou fiscaliza a coleta de lixo domiciliar, controla e fiscaliza as feiras livres.

Outrossim, é o Prefeito o Chefe do Poder Executivo Municipal, dirigente da Prefeitura e representante máximo do Município. O prefeito é agente político, investido em mandato por eleição para o exercício das atribuições constitucionais que lhe são conferidas (art. 29, I, CRFB/88), e acrescidas daquelas expressas na Lei Orgânica Municipal, posto que “os agentes políticos são os integrantes dos mais altos escalões do Poder Público, aos quais incumbe a elaboração das diretrizes de atuação governamental, e as funções de direção, orientação e supervisão geral da administração pública”.[8]

Por ser o Prefeito o Gestor do Município e consequentemente seu representante, este se vincula nos atos e relações civis, criminais, administrativas, políticas, ativas e passivas em juízo.

Com isso, o Gestor Público tem como função primatia gerir, administrar de forma ética, técnica e transparente a coisa pública, seja esta órgãos, departamentos ou políticas públicas visando o bem comum da comunidade a que se destina e em consonância com as normas legais e administrativas vigentes.[9]

3 OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Segundo a mais clássica doutrina acerca do tema, notadamente para Hely Lopes Meirelles, os princípios da administração pública estão consubstanciados em doze regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador e na interpretação do Direito Administrativo, pois segundo o Supremo Tribunal Federal, os princípios constitucionais devem presidir e orientar a interpretação do Direito Administrativo, como seus fundamentos constitutivos e normativos, não podendo ocorrer contradição entre a norma e os princípios. A norma deve adequar-se aos princípios.[10]

Ainda corrobora com esse entendimento o professor José Maria Pinheiro Madeira, ao dizer que “[...] os princípios impõem a realização de algo na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes”.[11]

Assim, para Meirelles, os princípios básicos da administração pública são: legalidade, moralidade, impessoalidade ou finalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, motivação e supremacia do interesse público.[12]

Meirelles aduz, ainda, que os cinco primeiros princípios estão expressamente previsto no art. 37, caput, da CRFB/88; e os demais, embora não mencionados, decorrem do nosso regime politico.[13]

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Todavia, analisaremos apenas os cinco primeiros (expressos), que emanam da nossa Carta Magna, consigna-se que será abordado na sequencia Constitucional.

Nesse sentido, podemos então dizer que “os princípios determinam o alcance e o sentido das regras de um subsistema do ordenamento jurídico, balizando a interpretação e a própria produção normativa”.[14]

3.1 DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O principio da legalidade é o primeiro princípio elencado no caput do art. 37, da CRFB/88, assim o Constituinte originário quis exaltar o presente principio, a fim de que todo aquele que está dotado de um múnus público esteja sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum. Pois toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito.

Assim, preceitua Meirelles, que:

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é licito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.[15]

Nesse diapasão, também é o entendimento do professor Carvalho Filho que ao lecionar sobre o tema dispôs que “tal postulado, consagrado após séculos de evolução política, tem por origem mais próxima a criação do Estado de Direito, ou seja, do Estado que deve respeitar as próprias leis que edita”.[16]

É esse o entendimento dos professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, ao prescrever que “o princípio da legalidade é o postulado basilar de todos os Estados de Direito, consistindo, a rigor, no cerne da própria qualificação destes (o Estado é dito “de Direito” porque sua atuação está integralmente sujeita ao ordenamento jurídico, vigora o “império da lei”)”.[17]

Compreendemos por ora que, este princípio tem que estar intrínseco à pessoa do gestor público, posto que tem o dever de cumprir o comando legal, Dura Lex, Sed Lex.[18]

3.2 DO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE OU FINALIDADE

A impessoalidade por sua vez, é o principio que busca afastar o interesse pessoal do administrador público, a fim de que se volte exclusivamente para o interesse público para que o mesmo não favoreça terceiros por interesses particulares.

Para alguns administrativistas, em especial Meirelles, tal princípio também é conhecido como principio da finalidade, “o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal”.[19]

Meirelles, ainda, complementa ao dizer:

O que o principio da finalidade veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade. Esse desvio de conduta dos agentes públicos constitui uma das mais insidiosas modalidades de abuso de poder [...].[20]

Pode-se se extrair ainda do estudo dos professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, o que se segue:

A impessoalidade da atuação administrativa impede, portanto, que o ato administrativo seja praticado visando a interesses do agente ou de terceiros, devendo ater-se à vontade da lei, comando geral e abstrato em essência. Dessa forma, impede perseguições ou favorecimentos, discriminações benéficas ou prejudiciais aos administrados. Qualquer ato praticado com objetivo diverso da satisfação do interesse público será nulo por desvio de finalidade.[21]

Ainda, esclarece os professores ora citados que: “A finalidade da atuação da administração pode estar expressa ou implícita na lei. Há sempre uma finalidade geral, que é a satisfação do interesse público, e uma finalidade específica, que é o fim direto ou imediato que a lei pretende agir”.[22]

Nesta esteira fica evidente que a não observância ao principio supra, implicaria em improbidade administrativa, posto que o gestor estaria desviando sua finalidade precípua, assim colho a regra do direito romano trazida por Pietro Cogliolo que diz jus publicum privatororum pactis mutari non potest. (Não pode o Direito Público ser substituído pelas convenções particulares – D; II, 14, 38).[23]

3.3 DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE

A palavra Moral se deriva do latim mores, que quer dizer "relativo aos costumes"[24], dessa forma sustenta Carvalho Filho que “o principio da moralidade impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto”.[25]

Com efeito, o comando do principio em voga “torna jurídica a exigência de atuação ética dos agentes da administração pública. A denominada moral administrativa difere da moral comum, justamente por ser jurídica e pela possibilidade de invalidação dos atos administrativos que sejam praticados com inobservância deste princípio”.[26]

Meirelles, quando se refere ao princípio da moralidade, escreve:

Por considerações de Direito e Moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos: “nom omne quod licet honestum est”. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum”.[27]

Dessa forma, para uma boa gestão pública, o prefeito terá que ter convicções éticas e morais, a fim de que empregue bem os recursos públicos a ele confiado enquanto gestor local. Pois não deve somente obedecer aos preceitos vigentes, mas também a moral comum e administrativa para se ter o status de bom administrador.

3.4 DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

A Carta Magna de 1988 trouxe em seu corpo normativo, consagrando como garantia fundamental o direito ao acesso à informação, estabelecendo a publicidade como regra e o sigilo como exceção, art. 5º, XXXIII, verbis “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

A publicidade tem por finalidade trazer às claras, ou seja, tornar público e visível os atos praticados pela gestão pública, para que assim o povo, detentor do poder, posto que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, art. 1º, parágrafo único, da CRFB/88, possa fiscalizar os fins dos recursos públicos.

Impende destacar que “essa acepção, derivada do principio da indisponibilidade do interesse público, diz respeito à exigência de que seja possibilitado, da forma mais ampla possível, o controle da administração pública pelos administrados”.[28]

Na lição de Meirelles a publicidade “é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e inicio de seus efeitos externos. Daí por que as leis, atos e contratos administrativos que produzem conseqüências jurídicas fora dos órgãos que os emitem exigem publicidade para adquirirem validade universal, isto é, perante as partes e terceiros”.[29]

Como já vimos alhures o principio da publicidade prima pela transparência dos atos públicos.

De Carvalho Filho colhe-se que o princípio da publicidade:

[...] Indica que os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do principio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos. Só com a transparência dessa conduta é que poderão os indivíduos aquilatar a legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se revestem.   

É para observar esse principio que os atos administrativos são publicados em órgãos de imprensa ou afixados em determinado local das repartições administrativas, ou, ainda, mais modernamente divulgados por outros mecanismos integrantes da tecnologia da informação, como é o caso da internet.[30]

É nesse sentido a jurisprudência da Suprema Corte brasileira:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E DA TRANSPARÊNCIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À INTIMIDADE E À PRIVACIDADE. DISTINÇÃO ENTRE A DIVULGAÇÃO DE DADOS REFERENTES A CARGOS PÚBLICOS E INFORMAÇÕES DE NATUREZA PESSOAL. OS DADOS PÚBLICOS SE SUBMETEM, EM REGRA, AO DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À INFORMAÇÃO. DISCIPLINA DA FORMA DE DIVULGAÇÃO, NOS TERMOS DA LEI. PODER REGULAMENTAR DA ADMINISTRAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O interesse público deve prevalecer na aplicação dos Princípios da Publicidade e Transparência, ressalvadas as hipóteses legais. II – A divulgação de dados referentes aos cargos públicos não viola a intimidade e a privacidade, que devem ser observadas na proteção de dados de natureza pessoal. III – Não extrapola o poder regulamentar da Administração a edição de portaria ou resolução que apenas discipline a forma de divulgação de informação que interessa à coletividade, com base em princípios constitucionais e na legislação de regência. IV – Agravo regimental a que se nega provimento.

(RE 766390 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 24/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 14-08-2014 PUBLIC 15-08-2014).

3.5 DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

Por derradeiro, se extrai ainda da dicção constitucional o principio da eficiência, que visa à qualidade do serviço prestado. Este princípio preconiza a predisposição do gestor público em desempenhar suas funções de administrador, com as finalidades prescritas nas Leis, tendo como destinatário final a comunidade local, qual seja a Cidade pela qual foi eleito para exercer a administração pública.  

Sobre este princípio, Meirelles observa que:

O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.[31]

Ainda de acordo com Carvalho Filho “o núcleo do princípio é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional”.[32]

Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo analisando o princípio da eficiência nos ensinam que:

A ideia básica é que os controles a que está sujeita a administração pública, e os métodos de gestão que utiliza, acarretam morosidade, desperdícios, baixa produtividade, enfim, grande ineficiência, em comparação com a administração de empreendimentos privados. Propõe-se, por essa razão, que a administração pública se aproxime o mais possível da administração das empresas do setor privado. É esse o modelo de administração pública, em que se privilegie a aferição de resultados, com ampliação de autonomia dos entes administrativos e redução dos controles de atividades-meio (controles de procedimentos), que se identifica com a noção de “administração gerencial”, a qual tem como postulado central exatamente o principio da eficiência.[33]

O Prefeito Municipal, desta forma, deve se calçar com este princípio, uma vez que é o gerenciador do dinheiro público local. Assim, deve o Prefeito aplicar os recursos públicos em prol das necessidades dos munícipes, não desviando sua finalidade, nem tampouco gerar dano ao Erário.

3.6 DA PROBIDADE ADMINISTRATIVA

Cabe ressaltar, que se extrai da dicção constitucional, ainda que não esteja previsto expressamente na Carta Maior, mas que surge de forma tácita, o que chamaremos de princípio da probidade administrativa, como se vê do art. 37, § 4º, ipsis verbis: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Nas palavras de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo “o dever de probidade exige que o administrador público, no desempenho de suas atividades, atue sempre com ética, honestidade e boa-fé, em consonância com o princípio da moralidade administrativa”.[34]

Sobre o dever de probidade Meirelles escreve:

O dever de probidade está constitucionalmente integrado na conduta do administrador público como elemento necessário à legitimidade de seus atos. O velho e esquecido conceito romano do probus e do improbus administrador público está presente na nossa legislação administrativa, como também na Constituição da República, que pune a improbidade na Administração com sanções políticas, administrativas e penais, nos seguintes termos: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao Erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (art. 37, § 4º).[35]

Com o advento da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa – LIA, que regulamentou o § 4º do art. 37, ao dispor sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, previu em seu art. 11, os atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública.

A referida Lei surgiu com o fito de responsabilizar os gestores pela má administração dos recursos públicos, tendo em vista que o Administrador Público deve zelar pela coisa pública, que é o bem do povo. 

4 DOS CRIMES E PENALIDADES APLICADAS AO PREFEITO MUNICIPAL

Preliminarmente cumpre trazer a baila o conceito de responsabilidade. Assim, convém mencionar a lição do professor Sergio Cavalieri Filho que nos ensina:

O principal objetivo da norma jurídica, afirmou San Tiago Dantas, é proteger o licito e reprimir o ilícito. Vale dizer: ao mesmo tempo em que ela se empenha em tutelar a atividade do homem que se comporta de acordo com o Direito, reprime a conduta daquele que o contraria (Programa de Direito Civil, v. I/341, Ed. Rio). Podemos sintetizar a lição desse Mestre dizendo que o Direito se destina aos atos lícitos; cuida dos ilícitos pela necessidade de reprimi-los e corrigir os seus efeitos nocivos.[36]

O Legislador ao editar a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), exaltou o tema responsabilidade ao reservar o Título IX – Da Responsabilidade Civil, responsabilizando assim todo aquele que comete ato ilícito contra outrem.

Nesse diapasão, podemos dizer que o gestor municipal, enquanto estiver dotado do seu mando tem a obrigação (dever jurídico originário) de empregar os recursos públicos para os seus fins específicos em prol da urbe, assim, se ele deixar de prestar os serviços públicos, ou seja, deixar de cumprir com suas obrigações enquanto administrador da coisa pública, estará violando o dever jurídico originário, surgindo daí a responsabilidade (que é um dever jurídico sucessivo, consequente à violação do primeiro).[37]

É de sabença geral que quem comete ato ilícito deve ser responsabilizado pelos seus atos, assim dispõe o Código Civil de 2002, diferente também não o é no âmbito da Administração Público, posto que todo aquele que está investido de um múnus público deve ser responsabilizado pelos seus atos de gestão.

Recepcionado pela Carta Ápice brasileira, o Decreto-Lei n. 201/1967, que dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, e dá outras providencias, trouxe eu seu bojo os crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, todos elencados no art. 1º, do Decreto supra.

Meirelles que foi o autor do projeto do presente Decreto-Lei esclarece que “os prefeitos municipais, como agentes políticos, podem incidir em crimes comuns e em infrações político-administrativas (estas infrações é que podem, na tradição do Direito Brasileiro, ser chamadas de crimes de responsabilidade – nesse sentido: RTJ 159/694). Por aqueles, serão processados na forma do Dec.-lei 201, de 27.2.67”.[38]

Na órbita infraconstitucional alibi o Decreto-Lei n. 201/1967 elencou em seu art. 1º, os crimes de responsabilidade praticados por Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, bem como as infrações político-administrativas, elencado no art. 4º, sendo estas sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato.

4.1 DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE ELENCADOS NO DECRETO-LEI N. 201/67

Os crimes elencados no rol do art. 1º do Decreto-Lei n. 201/67, notadamente os incursos nos incisos I; II e III são os crimes mais comuns praticados pelo gestor público municipal, são estes também os que mais prejudicam a comunidade local, visto que versam sobre os recursos financeiros, são estes que causam dano ao Erário, verbis:

I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;

Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos;

Ill - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;

Estes crimes são punidos com maior rigor, vez que o próprio Decreto no seu § 1º expressamente assegurou que “os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos”.

Fica evidente que o legislador quis dar segurança jurídica, bem como quis dar a comunidade local a garantia de que os maus gestores não sairiam impunes, quando comprovado seus atos de má gestão dos recursos públicos.

O legislador ainda prescreveu no § 2º que a condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos no art. 1º, daquele Decreto acarreta a perda de cargo e a inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.

Quanto ao julgamento dos gestores, Pedro Lenza ao lecionar sobre o tema ensina que os crimes comuns tipificados no art. 1º do Decreto supracitado são de “competência originária do TJ, na medida em que referidas tipificações têm natureza criminal”, em outras palavras o julgamento será perante o juízo singular criminal.[39]

É este o posicionamento mais remoto do administrativista Meirelles “o Prefeito responde, agora, por crime comum perante o Tribunal de Justiça (CF, art. 29, VIII[40]) e por infrações político-administrativas, perante a Câmara de Vereadores, na forma estabelecida pelas leis orgânicas municipais”.[41]

Assim é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que ao editar a Súmula persuasiva 702, afirmou:

A competência do Tribunal de Justiça para julgar Prefeitos restringe-se aos crimes de competência da Justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau.

Cumpre destacar que ao receber a denúncia o Juiz deverá se manifestar, de forma obrigatória e fundamentada, sobre a possibilidade de prisão preventiva do acusado, para as condutas apenadas com reclusão. Deve manifestar-se-á, também, acerca do afastamento do Prefeito, no tocante ao exercício do cargo, durante a instrução criminal, em todas as hipóteses.

É nesse sentido o julgado abaixo, da Segunda Turma do STF:

CRIMINAL. CRIMES DE RESPONSABILIDADE COMETIDO POR PREFEITO. DECRETO-LEI N. 201, DE 27.2.67, ART. 1, INCISOS V, IV E V, COMBINADOS COM ARTIGOS 298 E 299 C/C ARTS. 25 E 51, DO CÓDIGO PENAL. AFASTAMENTO DO CARGO. RECEBIDA A DENUNCIA, O DESPACHO QUE DECRETAR A PRISÃO PREVENTIVA DO PREFEITO, OU SEU AFASTAMENTO DO CARGO DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL, HÁ DE SER MOTIVADO, ISTO E, JUSTIFICADA E APOIADA EM ELEMENTOS OBJETIVOS QUE CONVENCAM DA SUA UTILIDADE PARA O NORMAL ANDAMENTO DO PROCESSO E APLICAÇÃO DA PENA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

(STF - RE: 113997 PR , Relator: CARLOS MADEIRA, Data de Julgamento: 07/06/1988, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 12-08-1988 PP-19518 EMENT VOL-01510-05 PP-01004)

            Ainda a guisa de conhecimento, cabe ressaltar que o art. 3º, do diploma legal em apreço aduz que incorre nas mesmas responsabilidades e se sujeita às mesmas penas o Vice-Prefeito ou quem substituir o Prefeito, mesmo que finda a substituição.

4.2 DAS INFRAÇÕES POLITICO-ADMINISTRATIVAS DOS PREFEITOS MUNICIPAIS

O art. 4º do Decreto ora em analise prevê também as infrações político-administrativas, que são sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato, notadamente os crimes incursos nos incisos “[...] III - Desatender, sem motivo justo, as convocações ou os pedidos de informações da Câmara, quando feitos a tempo e em forma regular; IV - Retardar a publicação ou deixar de publicar as leis e atos sujeitos a essa formalidade; V - Deixar de apresentar à Câmara, no devido tempo, e em forma regular, a proposta orçamentária; VI - Descumprir o orçamento aprovado para o exercício financeiro, VII - Praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática; VIII - Omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à administração da Prefeitura; X - Proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo”.

Diferentemente dos incisos elencados no art. 1º, os elencados no art. 4º são julgados perante a Câmara dos Vereadores, enquanto que aqueles são perante o Tribunal de Justiça, como já visto.

É nesse sentido o ensinamento do professor Pedro Lenza que ao lecionar sobre o tema esclarece que nas hipóteses dos incisos retro o Prefeito será julgado pela Câmara de Vereadores.[42]

Consigna-se que as infrações político-administrativas do prefeito, nas palavras de Meirelles, são matérias de competência da lei orgânica local. Assim, o Prefeito como agente político local, no desempenho do mandato se sujeita a sansão especial de natureza política, qual seja, cassação de mandato.[43]

5 A CASSAÇÃO DE MANDATO POR CRIME DE RESPONSABILIDADE

Acerca da cassação de mandato por crime de responsabilidade, o Decreto-Lei, em seu art. 4º assegurou que “são infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato”.

A perda de mandato ou cassação de mandato, que “é a decretação da perda de mandato por ter seu titular incorrido em falta funcional definida em lei e punida com essa sanção”, neste caso, por crime de responsabilidade é a punição aplicável ao Prefeito Municipal, quando comprovado suas infrações político-administrativas.[44]

Como já vimos os crimes político-administrativos são julgados pela Câmara dos Vereadores, e tem como punição a perda de mandato. A instauração do processo de cassação e julgamento compete ao Plenário da Câmara Legislativa local, e a declaração de extinção do mando será proferia pelo Presidente da Mesa, que deverá atender os ritos previstos no art. 5º, do Diploma Legal em apreço.

Meirelles ao lecionar sobre o tema, na sua obra Direito Municipal Brasileiro, bem salientou ao dizer que:

É de se observar que a cassação de mandato pela Câmara não se confunde com perda do mandato por condenação criminal com aplicação desta pena acessória, nem com o perecimento do mandato por suspensão dos direitos políticos. Nem, tampouco, com a perda da função pública, e a suspensão dos direitos políticos decorrentes de atos de improbidade administrativa, consoante previsão da Lei 8.429/1992. Cada uma dessas hipóteses assenta em atribuição diversa e é atribuída a Poderes diferentes. A cassação de mandato pela Câmara é sanção político-administrativa ou ético-parlamentar, da competência exclusiva do Legislador local; a perda de mandato por condenação criminal é sanção penal, da privativa competência do Poder Judiciário, que atinge indiretamente o eleito, pela aplicação da pena acessória. Por sua vez, a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos por atos de improbidade administrativa são também cominações aplicáveis pelo Poder Judiciário em ação proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada (art. 17 da Lei 8.429/1992).[45]

 

Desta forma, observa-se que a má administração dos recursos públicos; desvia de finalidades; omissão de prestação de contas; não cumprimento da lei, dentre outros estará o Gestor Público Municipal sujeito à perda de mandato, conforme previsto nos incisos do art. 1º, já analisados do Decreto-Lei n. 201/67.

Nesse sentido o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial n. 945.828 – PR (2007/0092363-5), entendeu que as penas de perda do cargo e de inabilitação para o exercício de cargo ou função pública, previstas no art. 1.º, § 2.º, do Decreto-Lei n.º 201/67, são autônomas em relação à pena privativa de liberdade, sendo distintos os prazos, verbis:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. PREFEITO MUNICIPAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PERDA DO CARGO E INABILITAÇÃO PARA EXERCÍCIO DE CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA. PENAS AUTÔNOMAS EM RELAÇÃO À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PRAZOS PRESCRICIONAIS DISTINTOS. RECURSO PROVIDO. 1. As penas de perda do cargo e de inabilitação para o exercício de cargo ou função pública, previstas no art. 1.º, § 2.º, do Decreto-Lei n.º 201/67, são autonômas em relação à pena privativa de liberdade, sendo distintos os prazos prescricionais. Precedentes. 2. Quanto à necessidade de fundamentar a imposição dessa pena, esta Corte entende que a aplicação é automática, decorrente da própria condenação. 3. Recurso provido. Processo REsp 945828 / PR RECURSO ESPECIAL 2007/0092363-5 Relator(a) Ministra LAURITA VAZ (1120) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 28/09/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 18/10/2010.

Meirelles finaliza o estudo sintetizando quanto à perda do mandato que o gestor público municipal, que tiver decretada a cassação do mandato, este se tornará “inelegível para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foi eleito e nos oito anos subseqüentes ao termino da legislatura (cf. Lei Complementar 64/1990, art. 1º, I, “b”, com a alteração introduzida pela Lei Complementar 81/1994”.[46]

Cabe esclarecer, a guisa de conhecimento, que a Lei Complementar 135/2010, mais conhecida como a “Lei da Ficha Limpa”, alterou a Lei Complementar 64/1990, trazendo novas hipóteses de inelegibilidade, dentre elas a condenação por crimes eleitorais, contra o meio ambiente e a economia popular.

Desta forma, dentre outras penalidades, a penalidade a qual cassa e consequentemente declara a perda de mandado do Prefeito Municipal, é a de maior relevância, além do ressarcimento do Erário, pois é nessa sansão que os munícipes podem ver a “Justiça sendo feita”, vez que não mais terão, mesmo que por um lapso temporal, um mau administrador gerindo os bens, e administrando os recursos públicos da comunidade local.

6 DOS MEIOS DE FISCALIZAÇÃO

Na esteira dos meios de fiscalização, sustenta o professor Carvalho Filho que o controle da Administração Pública é “o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas do Poder”.[47]

 É nesse sentido que a nossa Constituição Cidadã ao declarar no parágrafo único do seu art. 1º, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, trouxe em seu Capítulo IV – Das Funções Essências à Justiça a figura do Ministério Público, que consoante o art. 127, caput, daquela Constituição (1988), “é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

O Ministério Público é configurado, no Brasil, como instituição autônoma e independente, que não está subordinada aos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, o que lhe garante condições de fiscalizar de forma mais efetiva o cumprimento da lei.

 A finalidade de sua existência, como diz o próprio texto constitucional, é a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, isto é, a função de defesa da sociedade no regime democrático instituído pela Constituição de 1988, tendo sua atuação comprometida com a defesa da cidadania e da dignidade da pessoa humana.[48]

No que se refere à fiscalização dos atos ímprobos e a má gestão dos recursos públicos pelo gestor municipal, o art. 129, da Carta Magna em seu inciso III, reservou ao Parquet dentre outras funções fiscalizadoras a de promover o inquérito e a ação civil pública, verbis “III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.

Com essa prerrogativa constitucional, quis o Constituinte originário garantir a autonomia do órgão fiscalizador, para que pudesse defender os interesses da coletividade, sem nenhuma interferência de outros órgãos. A essa não ingerência de outros órgãos, chamamos de freios e contrapesos ou separação de poderes, insculpido na obra clássica “A República”, de Platão.

Com efeito, no que concerne ao Ministério Público Estadual os Promotores de Justiça, são os agentes da lei e da sociedade na defesa da cidadania e do interesse social. Desta feita, são estes os competentes para fiscalizar o cumprimento da Lei.

Dessa forma o Cidadão que ao observar o descumprimento dos preceitos legais, e no caso em tela, a má administração e/ou a má gestão dos recursos públicos pelo gestor municipal, notadamente ao descumprimento do Decreto-Lei ora em analise, tem o dever e o foro de denunciar ao Ministério Público tais atos.

O Parquet no uso das suas atribuições legais, uma vez instado pelos munícipes, não pode se quedar inerte, por isso deve propor as medidas cabíveis ao caso concreto, devendo assim oferecer denúncia ao Poder Judiciário, que irá perquirir os fotos narrados na denúncia.

Assim sendo, se si tratar de atos de improbidade praticados pelo gestor público que atentem contra os princípios da administração pública deverá aplicar o art. 11 c/c 22, da Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa); se si tratar de má gestão fiscal, aplicará o art. 59, da Lei n. 101/01 (Lei de Responsabilidade Fiscal), neste caso como custus legis.

Outrossim, se si tratar dos crimes incursos no art. 1º do Decreto-Lei n. 201/67, deverá aplicar o § 1º, do artigo retro, ajuizando assim a Ação Penal Pública, que seguirá os ritos do Código de Processo Penal Brasileiro, observado as modificações inseridas nos incisos I; II e III do Decreto supra.

Ademais, os munícipes ainda podem fazer jus da Ação Popular (Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965) que regula a ação popular contra ato de imoralidade administrativa.

Deste modo, os munícipes e a comunidade local estarão calçados de todos os mios legais, para, querendo, responsabilizar o gestor púbico municipal pela má gestão dos recursos públicos.

7 CONCLUSÃO

Levando-se em consideração esses aspectos, pretendeu-se neste artigo científico jurídico proporcionar, de forma muito sintética, mas objetiva e estruturante, uma familiarização com os principais constitucionais que circundam a Administração Pública, notadamente os inseridos no art. 37, caput, da CRFB/88, levando-se ao estudo destes princípios focando na administração pública Municipal, no tocante à responsabilidade do gestor público local pela má administração dos recursos públicos.

Percebe-se que no que tange à Administração Pública da urbe, o gestor público, no caso o Prefeito, é o responsável pela aplicação dos recursos públicos, sendo este responsabilizado pelos seus atos de má gestão; desvio de finalidade, bem como descumprimento de leis, respondendo por estes nos termos do Decreto-Lei n. 201/67, por crimes de responsabilidade (art. 1º) e por infrações político-administrativas (art. 4º).

Pode-se extrair deste artigo resultados e contribuições significativas para a sociedade em geral, tendo em vista que a pesquisa esclarece dúvidas e indagações que permeiam vários munícipes por falta de informações adequadas quanto ao tema estudado. Ademais, o presente artigo contribui ainda para o mundo jurídico, posto que traz relevante reflexão acerca da aplicação de legislação especifica ao caso concreto, com a observância dos princípios constitucionais, consubstanciado na mais clássica doutrina administrativista.

A existência do Decreto-Lei 201/67 é um grande arcabouço jurídico para o norteamento das condutas praticadas pelo prefeito, uma vez que é este o instrumento normativo que dá as regras de condutas a serem observadas pelo gestor municipal, assim, a sua não observância reverte-se em crimes de responsabilidade e/ou infrações político-administrativas. Agora, urge fazer com que a sociedade tenha conhecimento dessa norma, bem como dos meios adequados para utilizá-la, a fim de que os gestores públicos municipais não se escondam, atrás desta mesma legislação, fazendo-a oculta à sociedade.

Por fim, conclui-se que a relevância social deste tema impõe-se uma aplicação prática imediata na sociedade, que tanto padece neste ato, qual seja, a má gestão dos recursos públicos pelo gestor municipal. O artigo serve para, como um farol, indicar o caminho a ser seguido tanto pelo gestor municipal, quanto para os munícipes daquela localidade em que o caso se adequa ao presente estudo.

ANEXO

Decisão do Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, o qual reconheceu a Constitucionalidade do Decreto-Lei 201/67. HABEAS CORPUS Nº 70671-1 PIAUÍ, da Relatoria do Min. Carlos Velloso.

referências

[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 88.

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 33.

[3] Ibidem, p. 34.

[4] Ibidem, p. 34.

[5] WIKIPEDIA. Município. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Munic%C3%ADpio>. Acesso em: 13 abr. 2015.

[6] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 107.

[7] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, op. cit., p. 779.

[8] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 22. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2014, p. 128.

[9] WIKIPEDIA. Administração Pública. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Administra%C3%A7%C3%A3o_p%C3%BAblica#Gestor_p.C3.BAblico>  Acesso em: 13 abr. 2015.

[10] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35. ed. São Paulo: Malheiros. 2009, p. 88.

[11] MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração Pública. Tomo I. 11. ed. São Paulo: Campus Jurídico, 2010, p. 3.

[12] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, op. cit., p. 88.

[13] Ibidem, p. 88.

[14] ALEXANDRINO; PAULO, op. cit., p. 187.

[15] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, op. cit., p. 89.

[16] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 20.

[17] ALEXANDRINO; PAULO, op. cit., p. 193.

[18] Expressão em Latim que quer dizer: A lei é dura, mas é a lei.

[19] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, op. cit., p. 93.

[20] Ibidem, p. 94.

[21] ALEXANDRINO; PAULO, op. cit., p. 198.

[22] Ibidem, p. 198.

[23] COGLIOLO, Pietro. Apud NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 98.

[24] WIKIPEDIA. Moral.  Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Moral>. Acesso em: 23 abr. 2015.

[25] CARVALHO FILHO. op. cit., p. 21-22.

[26] ALEXANDRINO; PAULO, op. cit., p. 196.

[27] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, op. cit., p. 90.

[28] ALEXANDRINO; PAULO, op. cit., p. 202.

[29] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, op. cit., p. 95-96.

[30] CARVALHO FILHO, José dos Santos.  op. cit., p. 26.

[31] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, op. cit., p. 98.

[32] CARVALHO FILHO, José dos Santos.  op. cit., p. 31.

[33] ALEXANDRINO; PAULO, op. cit., p. 212.

[34] Ibidem, p. 225.

[35] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, op. cit., p. 110.

[36] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 13.

[37] Ibidem, p. 14.

[38] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, op. cit., p. 77.

[39] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 758.

[40] Inciso renumerado pela Emenda Constitucional n. 1, de 31-05-1992, leia-se: CF, art. 29, X.

[41] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. op. cit., p. 780.

[42] LENZA, Pedro. op. cit., p. 759.

[43] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. op. cit., p. 728.

[44] Ibidem, p. 727.

[45] Ibidem, p. 732-733.

[46] Ibidem, p. 733.

[47] CARVALHO FILHO, op. cit., p. 953.

[48] MPRJ, Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. O que é o Ministério Público?. Disponível em: <http://www.mprj.mp.br/institucional/historia;jsessionid=Id19WigbZ94a7rZrTK2QzM9-.node1>. Acesso em: 04 maio 2015.

Sobre o autor
DR. JACKSON VIEIRA

Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá, Campus Menezes Cortes - RJ. Estagiário na Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras. Realizou estágio nos seguintes Órgãos: Caixa Econômica Federal. Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. ex-Presidente da Câmara Municipal de Eldorado do Carajás. Pós-Graduado em Direito Público. Advogado.

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