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O direito de licitar como poder jurídico

Agenda 30/08/2015 às 20:32

O presente artigo tem como escopo analisar, à luz da Teoria Geral do Processo, a tese da existência de um direito subjetivo do particular de apresentar uma proposta perante a Administração Pública, bem como à admissibilidade de restrições a este exercício

1 A TESE DA EXISTÊNCIA DE UM DIREITO DE LICITAR

A lei estabelece que não é possível a distinção entre as empresas brasileiras e estrangeiras nos procedimentos licitatórios, sendo obrigatória a definição de condições equivalentes de pagamento entre empresas brasileiras e estrangeiras.

Ademais, o texto da lei define, em seu artigo 42, que nas concorrências de âmbito internacional, o edital deverá ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigências do órgão competente, sendo que sempre que for permitido ao licitante estrangeiro cotar preço em moeda estrangeira, igualmente o poderá fazer o licitante brasileiro. Trata-se do respeito básico ao princípio de isonomia.

Da mesma forma, em garantia ao princípio da isonomia, o texto da lei estabelece que as garantias de pagamento ao licitante brasileiro serão equivalentes àquelas oferecidas ao licitante estrangeiro e que, para fins de julgamento da licitação, as propostas apresentadas por licitantes estrangeiros serão acrescidas dos gravames consequentes dos mesmos tributos que oneram exclusivamente os licitantes brasileiros quanto à operação final de venda.

Nesse sentido, brasileiros e estrangeiros em situação regular estariam em paridade de oportunidades para contratar com a administração pública. Em tese.

O que ocorre é que isso não impede a exigência de condições discriminatórias, destinadas a assegurar que a administração pública selecione um contratante idôneo, titular da proposta mais vantajosa, ou a incentivar fins juridicamente relevantes.

É comum a afirmativa de que todos possuem, em tese, direito de contratar com a Administração Pública. Para Marçal Justen Filho (p. 533, 2014), a afirmativa deve ser entendida em termos, pois somente terá direito de contratar com a Administração Pública aquele que tiver sido selecionado no procedimento licitatório, após exauridos todos os trâmites da atividade administrativa. Senão vejamos:

(...) Até se encerrar a licitação, nenhum particular é titular de direito à contratação mas o que se reconhece a todos é o direito de participar da licitação. Não se confunde o direito de contratar com o direito de participar da licitação. O direito de contratar é reconhecido ao particular cuja proposta foi classificada como vencedora. O direito de participar da licitação consiste na faculdade de formular perante a administração uma proposta de contratação. O chamado direito de licitar é reconhecido a todos quando preencham os requisitos de idoneidade e capacitação para executar o contrato.

Buscando subterfúgio na Teoria Geral do Processo, podemos afirmar que o direito de licitar é um direito público subjetivo de natureza abstrata, assim como o direito de ação, que também se caracteriza como um direito de natureza abstrata. A teoria da ação como direito abstrato, formulada pelo alemão Degenkolb e pelo húngaro Plósz, define o direito de ação como o direito público que se exerce contra o Estado e em razão do qual o réu comparece em juízo. Não se confunde com o direito privado arguido pelo autor, sendo concebido com abstração de qualquer outro direito. O conteúdo primordial desta teoria foi o mérito de reconhecer a existência de um direito público, subjetivo, preexistente ao processo e desvinculado do direito material, ao permitir que o autor, no exercício de seu direito de ação, fizesse apenas referência a um interesse seu, levando o Estado a proferir uma sentença por meio da atividade jurisdicional, ainda que contrária aos interesses autorais.

Adda Pellegrini, ao discorrer sobre a teoria da ação, afirma que:

“Caracteriza-se a ação, pois, como uma situação jurídica de que desfruta o autor perante o Estado, seja ela um direito (direito público subjetivo) ou um poder. Entre os direitos públicos subjetivos, caracteriza-se mais especificamente como direito cívico, por ter como objeto uma prestação positiva por parte do Estado (obrigação de dare, jacere, praestare): a facultas agendi do indivíduo é substituída pela facultas exigendi. Nessa concepção, que é da doutrina dominante, a ação é dirigida apenas ao Estado (embora, uma vez apreciada pelo juiz, vá ter efeitos na esfera jurídica de outra pessoa: o réu, ou executado). Nega-se, portanto, ser ela exercida contra o adversário isoladamente, contra este e o Estado ao mesmo tempo, ou contra a pessoa física do juiz.”

Dessa forma, Trata-se de direito ao provimento jurisdicional, qualquer que seja a natureza deste – favorável ou desfavorável; justo ou injusto – e, portanto, direito de natureza abstrata.

Pode ser feito um paralelo entre o direito de ação e licitação, na qual o licitante, quando apresenta sua proposta, exercita um direito abstrato de agir, podendo comparecer frente a Administração Pública e apresentar sua proposta, não podendo haver supressão desse direito.

A despeito disso, esse direito, ainda que abstrato, não é absoluto, já que podemos admitir a existência de restrições ao exercício concreto da atividade de licitar, já que este se subordina ao preenchimento de certas exigências, requisitos denominados como condições do direito de licitar.

Ainda no entendimento de Marçal Justen Filho:

“No plano não jurídico, qualquer pessoa pode ter interesse (de fato) em formular proposta de contratação perante a Administração Pública. Mas o próprio princípio da República exige que somente sejam consideradas propostas de contratação formuladas por quem esteja em condições de executar satisfatoriamente a proposta formulada por quem não detenha condições de sua execução. Juridicamente, apenas é titular de direito de licitar aquele que evidenciar condições de satisfazer as necessidades públicas, preenchendo os requisitos previstos na lei e no ato convocatório.”

Ainda em um paralelo com a Teoria Geral do Processo, podemos afirmar que a ação como um direito concreto, para a teoria do direito concreto de ação (teoria concreta)[1]que vê nesta um direito de obter no processo um resultado favorável, só existindo se o demandante tiver razão no plano do direito substancial (tal direito existe , é óbvio e só quem demonstre ter razão, no plano do direito substancial, faz jus a um provimento favorável), corresponderia ao exercício concreto da atividade de licitar, que significa o exercício do direito de contratar com a administração (ou seja, direito à sentença favorável ou direito concreto à tutela jurisdicional), reconhecido ao particular cuja proposta foi classificada como vencedora, subordinado ao preenchimento de certas exigências, previstas na lei e no ato convocatório,uma vez que somente serão consideradas as propostas de contratação formuladas por quem esteja em condições de executá-las satisfatoriamente

Dessa forma, o exercício concreto da atividade de licitar pode sofrer restrições, em virtude da exigência de determinadas condições ou requisitos (habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal, regularidade trabalhista, etc.).

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Esse exercício concreto, é importante observar, não é absoluto, uma vez que o direito à adjudicação não se confunde com o direito à contratação.

Conforme Marçal Justen Filho [2], “adjudicação decorre da conveniência da proposta e a contratação pressupõe decisão da Administração no sentido de formalizar a avença”.

Adjudicar é dar ao vencedor o título em um fase na qual se declara oficialmente o vencedor. A administração não está obrigada a contratar. Havendo qualquer situação de interesse público, ela não precisa realizar o contrato, apenas adjudica e expõe as razões de não estar contratando. No entanto, a adjudicação vincula a Administração, pois caso resolva contratar só poderá fazê-lo com o adjudicatário- princípio de adjudicação compulsória.

Já o licitante vencedor tem a obrigação de contratar com a administração. Assim a adjudicação obriga a empresa vencedora a contratar quando convocada, desde que dentro do prazo de 60 dias contados do momento em que a proposta foi aberta (fase de classificação). Caso o contrato não seja celebrado. Caso o contrato não seja celebrado, a lei estabelece que a Administração deverá chamar o 2º colocado para contratar na proposta do 1º; caso este se recuse, deverá chamar o 3º colocado e assim sucessivamente, sempre dentro da proposta do 1º

.2 O CONCEITO DE PODER JURÍDICO

Para Windscheid, jurista do século XIX ,direito subjetivo é aquele que existe e continua existindo a despeito da vontade do titular ou contra essa vontade. Imagine-se  como exemplo o caso de um credor de uma importância que não se disponha a cobrá-la. O direito positivo lhe dá a cão para efetivar seu direito. O credor, no entanto, por um motivo qualquer, de amizade ou por mero espírito altruístico não exerce seu direito e tão pouco se preocupa com ele.

Há portanto, uma carência de vontade, mas isto não implica uma extinção do direito subjetivo. Para todos os efeitos, o credor continua sendo o titular de um direito subjetivo.

Outras vezes, o direito subjetivo existe contra a vontade do agente. Um exemplo típico está no Direito do Trabalho. O direito às férias é um direito subjetivo inerente ao trabalho, de tal maneira que existe para o operário, até mesmo quando ele concorda em abrir mão delas.

O direito à estabilidade no emprego é outro de tal ordem que existe mesmo contra a vontade do operário, que, por escrito, renuncia à estabilidade adquirida. A renúncia a um emprego, garantido por estabilidade, só produzirá efeitos válidos, se obedecidas certas formalidades, tendentes a impedir abusos. Eis aí casos em que o direito subjetivo existe ou subsiste a despeito da vontade ou contra a vontade de seu titular.

Outrossim, aos incapazes e mesmo aos nascituros correspondem direitos, sem que, evidentemente, possam ser considerados "expressão de sua vontade", tanto assim que são exercidos por seus representantes, quando não por órgãos do Estado.

Pode vir a constituir-se um direito subjetivo perfeito sem que o titular dele tenha conhecimento. Pelo Código Civil opera-se a transferência dos bens para os herdeiros no instante mesmo em que se verifica o falecimento da pessoa, cuja sucessão se abre. Que acontecerá se morrer o pai de alguém que esteja em viagem em lugar desconhecido? A morte produz incontinenti a transferência de um patrimônio para quem ignora a ocorrência do fato. No mesmo instante em que se verifica o falecimento surge um feixe de direitos subjetivos de que é titular o herdeiro necessário. Eis aí mais uma demonstração de que o direito subjetivo não se vincula à vontade no seu sentido psicológico.

Windscheid, posteriormente, deu à sua doutrina uma segunda feição, esclarecendo que ele não entendia a palavra "vontade" no seu sentido estritamente psíquico, mas só em sentido lógico, como vontade normativa, isto é, como poder jurídico de querer. Para ele, o direito subjetivo passou a ser a concretização da vontade abstrata que se contém na norma jurídica.

Enquanto para Windscheid o direito subjetivo é um fenômeno da vontade, para Jhering, é algo de objetivo porque é o interesse que, por seu caráter social, o Direito protege.

Eis aí, pois, claramente contrapostas, duas teorias: uma, a da vontade, e outra, a do interesse. O século XIX dividiu-se entre essas duas grandes correntes, até que surgiu, como sói acontecer, uma terceira escola tendente à conciliação desses dois grupos. É a chamada teoria eclética, cujo grande mestre foi Georg Jellinek. Jellinek achou que havia um antagonismo aparente entre a teoria da vontade e a do interesse, porque, na realidade, uma abrange a outra. Nem o interesse só, tampouco apenas a vontade, nos dão o critério para o entendimento do que seja direito subjetivo. O conceito de direito subjetivo implica a conjugação desses dois elementos, motivo pelo qual ele dizia: direito subjetivo é o interesse protegido que dá a alguém a possibilidade de agir. É, portanto, o interesse protegido enquanto atribui a alguém um poder de querer. É a teoria mais aceita até hoje.

Finalmente, podemos afirmar que, o direito de licitar trata-se de um direito subjetivo. Isso porque a todos os particulares é dada a possibilidade de formular proposta de contratação perante a administração pública, ou seja, um direito protegido pelo Estado que dá a alguém a possibilidade de agir para, participar  de uma licitação formulando uma proposta perante a Administração, e ter reconhecido o direito de contratar com esta caso saia vencedor. O chamado direito de licitar é admitido a todos, desde que atendam as exigências de idoneidade e habilidade para executar o contrato. Assim é, um direito público subjetivo de natureza abstrata.

Para alguns doutrinadores estudiosos da teoria da ação no âmbito do direito processual,a  ação não deve ser encarada como um direito subjetivo e sim como poder jurídico, ao qual corresponde, em contrapartida, uma ideia de dever jurídico.

O direito de licitar pode ser afirmado então como um poder jurídico, já que os interesses do particular e do estado são opostos. Não se pode olvidar que, na celebração de contrato administrativos, estão presentes vontades contrastantes, quais sejam, o interesse público, buscado pela administração e o lucro, almejado pelo particular contratado.

Assim, no procedimento licitatório, ao passo em que há uma busca pela  proposta mais vantajosa pela Administração, que não pode abrir mão dessa melhor proposta (que nem sempre é a mais barata) em virtude da indisponibilidade do interesse público,  há uma busca do lucro pelo particular, que tem uma garantia de que, haja o que houver, será mantida pelo ente estatal a margem de lucro contratada, ou seja,a margem de lucro inicialmente contratada jamais poderá ser alterada pela Administração Pública unilateralmente.O núcleo dessa garantia, para Marçal Justen Filho (p.1003) reside na intangibilidade da equação econômico financeira do contrato administrativo, garantias que não são afastadas pela invocação da supremacia do interesse público.

3 A AMPLITUDE DO DIREITO DE LICITAR

O direito subjetivo se decompõe em 3 elementos fundamentais: sujeito, objeto e relação jurídica. Sujeito é o titular do direito. É aquele a quem a ordem jurídica assegura a faculdade de agir. Sendo o direito um poder de vontade, não se pode admitir a sua existência com a abstração do sujeito, de vez que é ontologicamente inconcebível uma vontade cujo poder é assegurado pela ordem legal sem o portador desta mesma vontade. Toda vontade pressupõe um agente. Todo querer se prende essencialmente a alguém que possa exercê-lo. Daí dizermos e os fazermos com a ênfase ligada à definição de uma corrente de pensamento: não há direito sem sujeito.

Tal afirmativa, porém, merece ser analisada com maior cautela, já que, como fora mencionado, juristas como Ihering, Windscheid, sustentam e existência como abstração do sujeito. Normamente, o tem, argumentam, mas haverá casos, como retromencionado, que não existe, o elemento subjetivo não seria da essência do direito. Como assinala Oerttman, o sujeito não necessita ter mais que uma realidade psicológica, da mesma forma que o próprio direito não tem uma existência material, senão que vive no plano ideológico. O sujeito existe embora o ordenamento jurídico se contente que, transitoriamente, permaneça em estado potencial.

É aceitável a tese de que existe um sujeito do direito de licitar? Qualquer pessoa pode formular uma proposta perante a administração pública. Assim, podemos afirmar que o sujeito do direito de licitar é um sujeito abstrato e indeterminado, porém determinável, uma vez que somente serão consideradas propostas formuladas por quem possua condições de executá-la. O direito de licitar, que é um direito abstrato, significa o direito de participar da licitação, reconhecido a todos. Mas somente poderá contratar com a administração aquele que tiver sido selecionado no procedimento licitatório, preenchidos os requisitos de idoneidade e capacitação para executar o contrato. Assim, até que reste concluído o procedimento licitatório, com a homologação e adjudicação, o sujeito do direito de contratar permanece em estado potencial, embora exista.

Sujeito do direito é a pessoa humana destinatária da norma jurídica.

Caio Mário (p. 34), ao discorrer sobre o tema, afirma que:

A complexidade das relações civis exige do direito a formulação de certas situações em que aparece um ente abstrato como sujeito de um direito, com o reconhecimento de personalidades a seres coletivos, com o nome de “pessoa jurídica”. Em razão do interesse humano ligado a tais entes ( sociedade, associações, fundações) o poder de ação etiologicamente pertencente às pessoas, pode ser realizado por tais individualidades coletivas ou patrimoniais, como se fosse pelo próprio indivíduoe assim, tal e qual, são eles sujeito de direitos.

Também não é necessário que o sujeito seja sempre certo e determinado. Casos há em que inteiramente se admite sujeito incerto. Cunha Gonçalves lembra o do legado instituído com cláusula de substituição, no qual o destinatário pode ser substituído em consequência de um fato condicional: transitoriamente o sujeito é indeterminado, mas num dado momento é materializado e se fixa em pessoa certa: indeterminado porém determinável.

3.1  O objeto do direito de licitar

Objeto do direito trata-se de uma prestação de fato que o sujeito passivo da relação jurídica deve. O objeto é a base material sobre a qual se assenta o direito subjetivo, desenvolvendo o poder de fruição da pessoa.

 Consiste na faculdade jurídica específica que o sujeito/titular possui e na possibilidade de exigência/imposição daquilo que a norma lhe atribui como direito próprio,o que se faz através de procedimentos normativamente garantidos no ordenamento jurídico vigente.

Se funda no próprio bem ou interesse juridicamente tutelado, que corresponderia ao direito de, formulando uma proposta, poder contratar com a Administração.

Para Marçal Justen Filho (p.534), o direito de licitar assegura a qualquer pessoa a formulação de uma proposta de contratação perante a Administração Pública, sujeito passivo do direito de licitar reconhecido aos particulares, segundo as condições fixadas na lei e no ato convocatório.

No caso do direito público subjetivo, rol no qual se enquadra o direito de licitar, Eduardo García de Enterría esclarece que:

 (...) apesar da figura subjetiva se originar no Direito Civil, sua aplicação é possível no âmbito do Direito Administrativo, “tanto em favor da Administração (...) como, o que agora nos interessa mais, em favor do administrado, o qual pode ser, como efeito, titular de direitos subjetivos dessa natureza comum, frente à Administração”.

3.2 O direito de licitar como poder jurídico

Correlata à ideia do direito subjetivo define-se a do dever jurídico. A concepção do poder jurídico não está completa sem a correspondência de um dever. Se o direito subjetivo traduz um vínculo, é indispensável a noção de um ente abstratamente ligado àquele que tem o poder de realização de um direito. Direito e dever se completam.

Havendo na relação jurídica dois lados, um positivo e um negativo, há de haver igualmente uma dualidade de sujeitos, um ativo, outro passivo. Um que tem o poder jurídico e outro assume o dever jurídico. Um que pode exigir a realização, outro contra quem é dirigida a vontade do primeiro. O sujeito ativo tem a faculdade de reclamar o comando normativo. O sujeito passivo sofre a imposição da norma.

Ao direito subjetivo de participar da licitação, enquanto poder jurídico, corresponde o dever da Administração no tocante à observância do procedimento licitatório.

A delimitação conceitual do direito de licitar como direito subjetivo, e portanto atrelado à concepção de poder jurídico, pode ser verificada nas disposições do artigo 4º da lei 8666, verbis:

 Todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos.

Portanto, ao consignar a observância do pertinente procedimento, a lei suprimiu qualquer disponibilidade acerca da matéria. Por se tratar de um direito público subjetivo, é faculdade que não se insere na órbita da disponibilidade privada.

Não é uma faculdade renunciável. O interesse na observância do procedimento é público, antes de ser privado.

O sujeito ativo de uma relação jurídica exerce um poder, que esta configurado na noção de direito subjetivo.

 Assim, a ideia de licitação como poder jurídico está ligada á possibilidade de sua exigibilidade pelo particular, que dispõe de garantias aptas a assegurarem a resposta do estado.

Chiovenda, mestre italiano e discípulo de Wach, formulou a teoria de que a ação é um direito autônomo, conforme proclamava a doutrina alemã. Para ele, a ação não se dirige contra o Estado, mas contra o adversário: é o direito de provocar a atividade jurisdicional contra o adversário. Não existe um direito de ação contra o Estado. O titular do direito de ação tem o direito, que é, ao mesmo tempo, um poder de produzir em seu favor o efeito de fazer funcionar a atividade jurisdicional do Estado em relação ao adversário, sem ele obstar aquele efeito. O direito de ação é um direito potestativo, um direito de poder, tendente à produção de um efeito jurídico a favor de um sujeito e com ônus para outro, o qual nada deve fazer. Segundo esta teoria, a ação é o poder jurídico de realizar a condição necessária para a atuação da vontade da lei.

Assim, podemos concluir pela viabilidade do direito de licitar como poder jurídico, já que este deriva do direito subjetivo e legitima o direito de ação. Contudo, o direito subjetivo não é absoluto, uma vez que condicionado aos requisitos da lei. O poder de licitar equivale ao poder de apresentar proposta perante a Administração. Tal poder só existiria após o preenchimento dos requisitos de habilitação. No entanto, caso o particular entenda que preenche os requisitos de habilitação e isso não foi observado pela Administração, pode acionar o Judiciário.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm. Acesso em 01/07/20105

CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA. Instituições de direito civil, v. I. Introdução ao direito civil. Teoria geral de direito civil. 26. ed. rev. e atual. por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil- Vol. 1. 18ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

ENTERRÍA, Eduardo Garcia de & FERNÁNDEZ, T. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, RTs, 1990.

GIUSEPPE CHIOVENDA. Instituições de direito processual civil, v. I. Os conceitos fundamentais – A doutrina das ações. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1965.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo/ Marçal Justen Filho. --10 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2014.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: RT, 2014.

MIGUEL REALE. Lições preliminares de direito. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1987.


THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 42. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. 1


[1]  Para os defensores da ação como direito concreto à tutela jurisdicional, este direito público subjetivo, embora diverso do direito material lesado, só existe quando também exista o próprio direito material a tutelar. Em outras palavras, para essa corrente, embora o direito material seja agora desvinculado do direito de ação, aquele é pressuposto para esse. Assim, a ação seria o direito à sentença favorável, isto é, o direito público voltado contra o Estado, de obter uma proteção pública para o direito subjetivo material. Os maiores expoentes dessa teoria foram, entre outros, Wach, Bulow, Hellwig e Chiovenda (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 65).

E foi Wach, ainda na Alemanha que elaborou a teoria do direito concreto à tutela jurídica. Para ele, a ação é um direito autônomo, não pressupondo necessariamente o direito subjetivo material violado ou ameaçado, como demonstram as ações meramente declaratórias em que o autor pode pretender uma simples declaração de inexistência de uma relação jurídica. Entretanto, como a existência de tutela jurisdicional só pode ser satisfeita através da proteção concreta, o direito de ação só existiria quando a sentença fosse favorável. Nesse mesmo contexto, Bulow afirmava que a exigência de tutela jurisdicional é satisfeita pela sentença justa (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 272-3).

[2]  JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 16. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 816.

Sobre o autor
Savio César

Advogado inscrito nos quadros da OAB-DF, pós-graduado em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público- IDP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo realizado como trabalho final da disciplina "Licitações Públicas", ministrada pelo ilustre jurista Marçal Justen Filho no curso de pós-graduação lato sensu em Direito Administrativo, no Instituto de Direito Público Brasiliense-IDP.

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