Resumo
Este artigo consiste em um texto descritivo com base na obra “Pedagogia da Indignação: Cartas Pedagógicas e Outros Escritos” de Paulo Freire (2000), analisando as suas contribuições conceituais para o ensino e a educação contemporânea. A opção metodológica foi pela revisão bibliográfica.
Palavras-Chave: Educação Contemporânea, Paulo Freire.
Sumário
1 Primeiras Reflexões; 2 Reconhecimento dos limites e convivência democrática; 3 Reconhecimento do ser humano como Projeto e estímulo à ação humana transformadora; 4 A educação não deve se resumir a um papel de treinamento humano; 5 Reflexões acerca das demais cartas freirianas; Referências.
1 Primeiras Reflexões
Inicialmente, frisa o autor sobre a necessidade de que o processo educativo desperte a consciência humana para a certeza das mudanças no mundo, para a naturalidade da transformação das realidades, uma vez que se apresenta óbvio e fundamental o fato de que não existem cultura e história imóveis.
Dessa consciência, seriam extraídas as condições elementares para o desenvolvimento de uma relevante capacidade crítica no ser humano, jamais sonolenta, mas, evidentemente, desperta à inteligência do novo (FREIRE, 2000, p. 16).
A consideração de impossibilidade de existência da cultura e da história sem inovação, sem criatividade, sem liberdade, viabiliza, ainda, a compreensão de que ambas dependeriam do risco, assumido ou não, mais ou menos consciente.
O risco, aliás, na perspectiva freireana, serviria como critério objetivo elementar da formação da subjetividade do ser humano, pois, consciente dos riscos que correrá pelo simples fato de existir, preparar-se-á para viver nesse contexto, isto é, tornando-se, enfim, apto a enfrentá-lo, através do estabelecimento de um desempenho eficaz na relação com ele (FREIRE, 2000, p. 16).
Nessa conjectura, não seria correto, por intermédio da educação, estimular as pessoas a temerem ou evitarem os riscos, mas, distintamente, capacitá-las para reconhecê-los, compreendê-los e desafiá-los, bem como as já relatadas mudanças, que não ocorrem necessariamente de forma involuntária, mas que podem ser derivadas da iniciativa consciente das pessoas (agentes transformadores do mundo).
Nesse sentido, é possível destacar:
[...] na medida em que nos tornamos capazes de transformar o mundo, de dar nome às coisas, de perceber, de inteligir, de decidir, de escolher, de valorar, de, finalmente, eticizar o mundo, o nosso mover-nos nele e na história vem envolvendo necessariamente sonhos por cuja realização nos batemos. Daí então, que a nossa presença no mundo, implicando escolha e decisão, não seja uma presença neutra (FREIRE, 2000, p. 17).
Assim, a postura ativa, de luta, do ser humano em prol da transformação do mundo seria algo basilar.
2 Reconhecimento dos limites e convivência democrática
Há de se destacar, por outro lado, que, segundo Freire (2000), o reconhecimento de limites por parte dos sujeitos tornaria as suas ações autênticas, em face de discursos ditos lúcidos e de práticas democráticas. Dessa feita, o processo educativo careceria também da necessidade de estímulo à convivência democrática, o que passaria pelo reconhecimento da relação complementar entre a liberdade e a autoridade, ou seja, do incentivo ao respeito às limitações impostas a cada um em prol da convivência em sociedade. Enfatiza:
A disciplina da vontade, dos desejos, o bem-estar que resulta da prática necessária, às vezes difícil de ser cumprida, mas que devia ser cumprida, o reconhecimento de que o que fizemos é o que devíamos ter feito, a recusa à tentação da autocomplacência nos forjam como sujeitos éticos, dificilmente autoritários ou submissos ou licenciosos. Seres mais bem dispostos para a confrontação de situações limites.
A liberdade que, desde cedo, veio aprendendo, vivencialmente, a construir a sua autoridade interna pela introjeção da externa é que vive plenamente suas possibilidades (FREIRE, 2000, p. 18).
Diante disso, o processo educativo deve ser banhado pelo equilíbrio entre autoridade e liberdade, de maneira que a prevalência de uma ou de outra, proporcionaria a deformação subjetiva do educado, dificultando a sua atuação enquanto agente transformador do mundo, ética e solidariamente.
3 Reconhecimento do ser humano como projeto e estímulo à ação humana transformadora
Outro ponto fundamental do tratado livro seria o reconhecimento do ser humano enquanto projeto, o que remontaria ao coerente entendimento de que não é uma obra acabada, isto é, podendo reformular-se e reavaliar-se no decorrer da vida, o que, por interpretação, requer a aceitação de que as suas mutantes facetas e ações são instrumentos de transformação do mundo. Com esse raciocínio, Freire (2000) estabelece importante crítica ao que chama de discurso de ordem da impossibilidade de se mudar o mundo.
Por consequência, ao preparar o ser humano para reconhecer e enfrentar as infindáveis mudanças e, paralelamente, os riscos, bem como para incorporar a autonomia de agir, a educação atua como estimuladora do sonho de transformação positiva do mundo e da percepção de sua viabilidade, ainda que diante dos desafios, que deverão ser encarados.
Dessa forma, prega-se o estímulo à ação transformadora do ser humano, em detrimento da visão determinista de que as coisas são como deveriam e que, portanto, nada se pode fazer. A ascendência e o exercício de uma educação estimuladora da autonomia humana e de sua possibilidade de intervenção transformadora no mundo confrontar-se-ia com o tema da desproblematização do futuro:
A desproblematização do futuro, numa compreensão mecanicista da história, de direita e de esquerda, leva necessariamente à morte ou à negação autoritária do sonho, da utopia, da esperança. É que, na inteligência mecanicista, portanto determinista da história o futuro é já sabido. A luta por um futuro já conhecido a priori prescinde de esperança. A desproblematização do futuro, não importa em nome de que, é uma ruptura com a natureza humana, social e historicamente constituindo-se.
O futuro não nos faz. Nós é que nos refazemos na luta para refazê-lo (FREIRE, 2000, p.27).
4 A educação não deve se resumir a um papel de treinamento humano
Reconhece-se, igualmente, que a educação, pela necessidade de incentivo a um comportamento atuante das pessoas, nos moldes já descritos, não deve resumir-se a um papel de mero treinamento humano. Isto porque deve atuar notadamente como instrumento fomentador da curiosidade crítica, que vise à compreensão das razões de ser dos fatos e a atuação progressista do educado, o que, de certo, o qualificaria para exercer o direito e cumprir com o seu dever de mudar o mundo (para melhor).
As bases teóricas para o pensar de Freire (2000), encontram-se nas cartas “Do espírito deste livro” – que resume os principais pensamentos do livro em tela – e “Do direito e do dever de mudar o mundo”. As demais cartas buscam, em óticas diversificadas, reforçar esses pensamentos.
5 Reflexões acerca das demais cartas freirianas
Com relação à carta “Do assassinato de Galdino Jesus dos Santos - índio pataxó”, transfigura a ideia de indignação soerguida pelo título da obra (Pedagogia da Indignação). Nela o autor salienta a necessidade de agregar aos processos educativos valores éticos e morais propriamente ditos, sem os quais fica enfraquecida a educação voltada para a transformação do mundo.
Na carta “Descobrimento da América”, esclarece a confusão entre os termos descobrimento e invasão, evidenciando que faz mais sentido a comemoração da luta contra a invasão portuguesa do que necessariamente comemorar a chegada (invasão) dos portugueses no Brasil. Na visão do autor, o período de luta contra essa invasão, deve ser comemorado por representar um período de aprendizado para o povo brasileiro.
Na carta “Alfabetização e miséria”, salienta ser a miséria uma violência e não uma forma de manifestação da preguiça popular contra qual todos devem lutar. Para tanto, reafirma a necessidade de a educação atender ao seu papel de estimular o ser humano ao seu papel de transformador do mundo, o que redundaria, com a afirmação da autonomia e responsabilidade do oprimido, a expulsão do opressor do seu interior. Nesse intento, não poderia a educação atuar como ação impositiva, mas estimuladora auto-reavaliação social do oprimido. Nesse contexto,
Não se trata obviamente de impor à população espoliada e sofrida que se rebele, que se mobilize, que se organize para defender-se, vale dizer, para mudar o mundo. Trata-se, na verdade, não importa se trabalhamos com alfabetização, com saúde, com evangelização ou com todas elas, de simultaneamente com o trabalho específico de cada um desses campos desafiar os grupos populares para que percebam, em termos críticos, a violência e a profunda injustiça que caracterizam a situação concreta. Mais ainda, que sua situação concreta não é destino certo ou vontade de Deus, algo que não pode ser mudado (FREIRE, 2000, p. 37).
Na carta “Desafios da educação de adultos ante a nova reestruturação tecnológica”, o cerne do texto fixa-se na crítica à visão tecnicista e mecanicista da educação, que a reduz ao puro treino, à pura transferência de conteúdo, a um quase adestramento do ser humano, a um puro exercício de adaptação ao mundo. Nesse sentido, para o autor, a intervenção crescente da compreensão crítica da tecnologia, na qual a educação deve estar vinculada, dever ser necessariamente submetida a crivo político e ético.
Na carta “A alfabetização em televisão”, enfatiza que essa metodologia de educação envolve duas questões fundamentais: a curiosidade humana e a leitura do mundo. Defende, outrossim, que a comunicação recebida por esse meio, por mais atraente que possa parecer, não pode desprezar a postura crítica e desperta do telespectador, já que muitas vezes pode estar associada ou subserviente à leitura do poder dominante.
Nas cartas “Educação e esperança” e “Denúncia, anúncio, profecia, utopia e sonho”, o autor revela que a esperança, notadamente, é algo vinculado à prática educativa. Para embasar o seu entendimento, afirma:
o que quero dizer é o seguinte: uma coisa é a ação educativa de um educador desesperançado e outra é a prática educativa de um educador que se funda na interdisciplinaridade. O primeiro nega a essência de sua própria prática enquanto o segundo explícita uma certa opção metodológica e epistemológica (FREIRE, 2000, p. 50).
Outro aspecto agregado pelo autor refere-se à necessidade do educador esperançoso mover-se pelo indispensável valor de transformação do mundo, enquanto que o desesperançado ater-se ao projeto alienante de imobilização da história. Dessa forma, o vínculo da educação com a esperança seriam indispensáveis para a boa e crítica prática educativa.
Referência
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: Cartas Pedagógicas e Outros Escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.