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A prática da cláusula earnout em compra e venda de empresa ou operações de fusões e aquisições

Agenda 25/11/2015 às 12:38

Com o earnout, a fixação final do preço de aquisição é postergada para momento futuro, que melhor traduzirá o valor da empresa adquirida.

Numa negociação de fusão e aquisição ou compra e venda de empresa, a cláusula earnout pode ser muito útil para eliminar a diferença entre a percepção do vendedor do valor de sua empresa e o desejo do comprador de não pagar pelo negócio mais do que ele vale.

Divergências quanto ao valor de empresas são inevitáveis porque os empresários costumam ser otimistas na percepção de valor de seus negócios, mesmo quando o histórico da operação é limitado ou insuficiente, e, por outro lado, os compradores são conservadores nas projeções de crescimento quando o assunto é preço.

Com o earnout, a fixação final do preço de aquisição é postergada para momento futuro, que melhor traduzirá o valor da empresa adquirida. O mais comum é condicionar o pagamento de parcela adicional do preço a determinado crescimento das vendas, do lucro ou do EBTIDA, num determinado espaço de tempo.

Em outras palavras, por meio do earnout, o pagamento de parcela do preço de aquisição fica condicionado ao cumprimento ou à realização de futura performance financeira ou não financeira da empresa alvo, num determinado período, que as partes fixarão conforme as características da negociação.

Além do gatilho financeiro, no seu viés não financeiro, através do earnout o pagamento de parte adicional do preço pode ficar condicionado à obtenção de licenças administrativas ou de registros de patentes, à permanência de pessoal “chave” ou à obtenção de fundos para investimentos.

Earnout não se confunde com cláusula de ajuste de preço. Nesta o preço é ajustado para refletir mudanças nos ativos, no capital de giro líquido ou em outra métrica financeira entre a data dos primeiros balanços e o closing. O ajuste de preço pode reduzi-lo ou aumentá-lo. O earnout apenas aumenta o preço se realizada a condição prefixada.

Também se diferencia das condições de fechamento, condições precedentes ou “closing conditions”, porque estas fazem com que a eficácia de toda a operação dependa da verificação de condições que as partes entenderam como essenciais para o negócio. O earnout condiciona apenas o pagamento suplementar de parte do preço.

Faz parte da cláusula o “earnout period”, entendido como o prazo em que as condições para o pagamento do preço contingente deve (ou não) se realizar. A maioria se estende por período de um a três anos, e, em muitos casos, um período de até dois anos será suficiente para demonstrar a futura capacidade de performance da empresa.

Porém, se de um lado a cláusula earnout pode servir de ponte para unir os interesses divergentes das partes, de outro, ela pode tornar-se fonte importante de litígio. Para preveni-lo, alguns cuidados devem ser observados para que os riscos sejam adequadamente endereçados.

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Por exemplo, normalmente, o comprador pretenderá alterar alguns aspectos específicos da empresa para integrá-la ao seu negócio. Em sentido contrário, o vendedor desejará manter o controle operacional para maximizar o earnout ou tornar mais fácil a realização dos fatos que condicionam o pagamento do preço adicional.

Pode ocorrer também que a empresa adquirida gere sinergia para o comprador e, em razão disso, pode haver disputa quanto à alocação de receitas adicionais. Novos pedidos de linha de produto comum, de clientes da target, devem ser alocados para esta. Pedidos de clientes da compradora ou pedidos de novos clientes devem ser objeto de negociação.

O ponto mais crítico, porém, é que, regra geral, após o closing o comprador assume controle da empresa e pode ocorrer que o comprador adote comportamentos maliciosos que podem colocar em risco a verificação das condições do earnout e, assim, evitar o recebimento pelo vendedor do preço de performance.

Quando o pagamento adicional depender, por exemplo, da obtenção de determinado volume de lucro, um desses comportamentos maliciosos é o comprador realizar investimentos para abater o lucro gerado e com isso eliminar sua obrigação de pagar o earnout.

Por isso, há três grupos de matérias que devem ser observadas por ocasião da redação do contrato: (a) uma definição clara dos fatos que ensejarão o pagamento do preço adicional, (b) a definição dos deveres de comportamento e cooperação entre as partes, (c) instituição de mecanismos de controle da atividade da empresa[1].

Sob o ponto de vista do vendedor, se o comprador passar a operar o negócio, o vendedor deve exigir que sejam incluídas nas declarações (covenants) dispositivos estipulando que o negócio será operado pelo comprador como uma empresa independente e de modo consistente com a prática gerencial anterior (durante o período do earnout).

O vendedor pode também exigir declaração que o comprador irá operar a empresa adquirida de modo a maximizar a ocorrência das condições do earnout ou que ele irá utilizar esforços razoáveis para que as condições do pagamento contingente se realizem.

Por fim, o vendedor pode ainda exigir que sejam estipuladas que determinadas decisões de investimentos dependam de sua anuência ou que aquele (vendedor) se mantenha nos órgãos de gestão durante o período do earnout.


Nota

[1] Fernando Oliveira e Sá. A determinação contingente do preço de aquisição de uma empresa através da cláusula de earn-out. In Aquisição de empresa, 1ª edição, fevereiro de 2011, Coimbra Editora S.A.

Sobre o autor
Vicente de Paula Marques Filho

Advogado, sócio do escritório Marques Filho Advogados Associados. Doutor em Direito pela PUC/SP. Atua nas áreas do Direito Comercial e Civil, com ênfase em Fusões e aquisições e Recuperação judicial

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES FILHO, Vicente Paula. A prática da cláusula earnout em compra e venda de empresa ou operações de fusões e aquisições. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4529, 25 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42486. Acesso em: 23 dez. 2024.

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