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Evolução histórica da faixa de fronteira no ordenamento jurídico brasileiro.

Desdobramentos históricos do conceito e sua evolução nas diferentes Constituições

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Agenda 19/09/2015 às 13:02

Analisa-se a questão da aquisição de imóveis em terrenos localizados na faixa da fronteira, a região de 150 km de largura ao longo dos 15.719 km da fronteira brasileira.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi elaborado com o objetivo de demonstrar a importância do entendimento acerca do tema “Faixa de Fronteira”.

A necessidade de tal abordagem surgiu após a verificação da existência de diversas ações cujo tema se refere à questão da aquisição de imóveis em terrenos localizados nesta área.

Dessa forma, este trabalho compõe-se, além da presente introdução, de cinco capítulos, ao quais tratam da contextualização histórica do tema, dos conceitos relacionados à faixa de fronteira, da regulamentação relativa à aquisição de imóveis localizados nestas áreas, da discussão de um acórdão que trata especialmente da questão e, por fim, da conclusão a que se chega após tais abordagens.

Para se obter tais informações, a metodologia utilizada será a da pesquisa bibliográfica, através da qual serão analisados diversos textos e artigos referentes à matéria.

No capítulo I, traremos de mencionar a conceituação da expressão faixa de fronteira e o porquê da sua adoção.

Já no capítulo II, referente à evolução do tema, serão enumeradas as diversas modificações sofridas por este instituto ao longo da história, desde o seu surgimento, com a Lei nº 601, de 18 de dezembro de 1850, até os dias atuais, com a Constituição de 1988.

No capítulo III, será apresentada a regulamentação a ser obedecida quando tratamos de imóveis localizados na faixa de fronteira, de acordo com a Lei 6634/79 e o Decreto Lei 1414/75.

No capítulo IV, discutiremos o acórdão de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, através do qual a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não atendeu o pedido da União e acabou mantendo a decisão de segunda instância que reconheceu a aquisição originária de terra, localizada em faixa de fronteira, situada no município de Bagé (RS) por usucapião para duas mulheres.

Por fim, na conclusão, far-se-á uma retrospectiva dos assuntos tratados ao longo do trabalho.


FAIXA DE FRONTEIRA – CONCEITO

A região da Faixa de Fronteira caracteriza-se geograficamente por ser uma faixa de 150 km de largura ao longo de 15.719 km da fronteira brasileira, na qual abrange 11 unidades da Federação e 588 municípios divididos em sub-regiões e reúne aproximadamente 10 milhões de habitantes. A Faixa de Fronteira do Centro-Oeste é composta por 72 municípios dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

De acordo com José Cretella Júnior, a faixa ou zona de fronteira é “o segmento de terra contíguo aos limites terrestres do Brasil com países da América do Sul. (...) O fundamento da criação da faixa de fronteira, em nosso direito, é tríplice, resumindo-se nos desideratos expressos com três vocábulos: segurança nacional, progresso e nacionalização. O primeiro fundamento é claro, preciso, insofismável. O Brasil, país de extensa faixa lindeira, limitando com os demais países da América do Sul, exceto com o Equador e com o Chile, viu-se forçado a exercer severa vigilância na zona limítrofe, o que se traduziu, em concreto, no estabelecimento de colônia militares ou postos de observação, desde a época imperial. Entende-se também o segundo fundamento, porque é nas fronteiras que mais se faz sentir influência estrangeira desnacionalizante. Por isso, cumpre criar e desenvolver núcleos de população nacional, nos trechos situados defronte de zonas ou localidades prósperas do país vizinho e onde haja exploração de minas, indústria pastoril ou agrícola em mãos de estrangeiros do país limítrofe (...). Nesses aglomerados nacionais, verdadeiros centros de irradiação de nacionalismo, aos quais não faltarão núcleos cívicos e estabelecimentos de ensino – ‘escolas de fronteira’ –, serão incrementados os usos e costumes pátrios, o cultivo da língua brasileira, o amor à tradição, ao patriotismo. Longe da capital e dos centros populosos, à mercê de influências estrangeiras, a ‘zona de fronteira’ será a sentinela avançada, à qual não faltarão auxílios para que cumpra a finalidade que tem em mira. Estando, portanto, a ‘faixa de fronteira’ afastada dos centros de progresso do país, cumpre o incentivo de uma civilização brasileira forte para igualar, nesses pontos lindeiros, o país com os seus vizinhos” [1].

A zona de fronteira, portanto, é constitucionalmente definida como a faixa de até 150 (cento e cinquenta) km de largura, "ao longo das fronteiras terrestres, considerada fundamental para defesa do território nacional"(art. 20, §2º, CF), cuja ocupação e utilização sofrem restrições legais.


FAIXA DE FRONTEIRA - HISTÓRICO

“A Faixa de Fronteira resulta de um processo histórico que teve como base a preocupação do Estado com a garantia da soberania territorial desde os tempos da Colônia. A principal legislação em vigor sobre a Faixa de Fronteira foi promulgada em 1979, mas o espaço territorial de segurança paralelo à linha de fronteira existe desde o Segundo Império”[2].

De acordo com Ismael Marinho Falcão, a ocupação de terras no Brasil era praticamente livre até a elaboração da Lei nº 601, de 18 de dezembro de 1850, através da qual foi proibida a aquisição de terras devolutas por outro título que não o de compra. Tal proibição, porém, não era absoluta, pois na faixa de fronteira tais terras poderiam ser concedidas gratuitamente [3].

Art. 1º, Lei nº 601, de 1850:“Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra.

Exceptuam-se as terras situadas nos limites do Imperio com paizes estrangeiros em uma zona de 10 leguas, as quaes poderão ser concedidas gratuitamente”.

Primeiramente a largura estabelecida foi de dez léguas ou 66 quilômetros. Desde então, a extensão da Faixa de Fronteira foi sendo alterada, chegando, nos anos cinquenta aos 150 quilômetros, permanecendo até hoje. Tal modificação quanto à extensão da faixa de fronteira se deve ao ideal focado na defesa territorial. A Lei nº 6.634, de 1979 (anexo I), caracteriza-se por ser a referência jurídica sobre a Faixa de Fronteira, que corresponde à aproximadamente 27% do território Nacional com 15.719 km de extensão.

Importante destacar a diferença existente entre a faixa de fronteira e a faixa de segurança nacional, conforme menciona Marinho Falcão: “A Faixa de Fronteira, assim, originariamente, era de 66 quilômetros a partir da linha de fronteira para dentro do território nacional. Em 1934, no entanto, a Constituição Federal disse que nessa faixa, ao longo de 100 quilômetros, nenhuma concessão de terras ou de vias de comunicação e a abertura destas poderiam se efetivar sem a audiência do Conselho Superior de Segurança Nacional, órgão criado por aquela Carta, e daí em diante muitos passaram a entender que a Faixa de Fronteira que aludiu a Lei nº 601, de 1850, fora alterada em sua dimensão. De modo algum. A Constituição de 1934, como expressamente visto no seu art. 166, criou uma faixa de segurança nacional, e proibiu que nessa faixa os Estados concedessem títulos de terra sem audiência do Conselho Superior de Segurança Nacional. Vale dizer, a titularidade da terra permaneceria com os Estados-Membros, titularidade do domínio, mas a concessão delas dependeria de oitiva prévia do Conselho Superior de Segurança Nacional. A Faixa de Fronteira continuava a ser de 66 quilômetros e a faixa de segurança nacional, englobando a de fronteira, de 100 quilômetros. Em 1937 essa faixa de segurança nacional é elastecida para 150 quilômetros, mas a faixa de fronteira permanecia nos primitivos 66 quilômetros. (...) Houve assim, simultaneamente, duas faixas distintas, a Faixa e Fronteira ao longo do 66 quilômetros, e a Faixa de Segurança Nacional, ora de 100, ora de 150 quilômetros” [4].

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Os 150 quilômetros que compreendem a atual Faixa de Fronteira só foram reconhecidos pela Lei 2.597, de 12 de setembro de 1955, que estipulava em seu artigo 2º que:

Art. 2º, Lei 2.597 de 1955: “É considerada zona indispensável à defesa do país a faixa interna de 150 (cento e cinquenta) quilômetros de largura, paralela à linha divisória do território nacional, cabendo à União sua demarcação”.

Atualmente a base territorial das ações do Governo Federal para a Faixa de Fronteira, estabelece como áreas de planejamento três grandes Arcos, definidos a partir da proposta de reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (PDFF – 2005), com base na Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) do Ministério da Integração. O primeiro é o Arco Norte que compreende a Faixa de Fronteira dos Estados do Amapá, Pará, Amazonas e os Estados de Roraima e Acre, o segundo é o Arco Central, que compreende a Faixa de Fronteira dos Estados de Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e o terceiro é o Arco Sul, que inclui a fronteira dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Como nos outros Arcos, diferenças na base produtiva e na identidade cultural foram os critérios adotados para a divisão em sub-regiões.


DA AQUISIÇÃO DE IMÓVEIS EM TERRENOS LOCALIZADOS EM FAIXA DE FRONTEIRA

Primeiramente, é importante ressaltar que, de acordo com o artigo 20 da CF/88, § 2º, a faixa de fronteira é considerada bem da União, haja vista seu fundamental papel para a defesa do território nacional.

Em se falando de aquisição de imóveis em faixa de fronteira, faz-se mister destacar a Lei Federal n.º 6.634/79, a qual foi regulamentada pelo Decreto Federal n.º 85.064, de 26 de agosto de 1980.No artigo 2º, I, da referida lei, o legislador aponta que, sem o assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional, será vedada a alienação e concessão de terras públicas na faixa de fronteira. No tocante à aquisição de imóveis em faixa de fronteira por estrangeiros, o legislador destaca, no mesmo artigo, que salvo assentimento do Conselho Nacional de Justiça, as transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel, serão vedadas, bem como a participação, a qualquer título, de estrangeiro, pessoa natural ou jurídica, em pessoa jurídica que seja titular de direito real sobre imóvel rural (art. 2º, V, VI). Em suma, o assentimento do Conselho Nacional de Justiça é necessário para que se realize a aquisição de imóveis em faixa fronteiriça, seja por brasileiro, seja por estrangeiro.

A não observação do posicionamento do Conselho de Segurança Nacional implicará em nulidade de pleno direito dos atos praticados e imputarão aos responsáveis, multa de até 20% (vinte por cento) do valor declarado do negócio irregularmente realizado (art. 6º).

Uma vez comprovado o assentimento do Conselho de Segurança Nacional, a alienação e a concessão de terras públicas em faixas fronteiriças não poderão exceder o limite de 3000 ha (três mil hectares), sendo consideradas como uma só unidade as alienações e concessões feitas a pessoas jurídicas que tenham administradores ou detentores da maioria do capital comum. Ou seja, para pessoas jurídicas que possuam administradores ou detentores da maioria do capital comum, a alienação e concessão de terras em faixa de fronteira serão consideradas como uma só unidade, não podendo exceder o limite estipulado no artigo 8º da L. 6.634/79.

A autorização da alienação e a concessão de terras públicas acima do limite estabelecido neste artigo podem ser realizadas pelo Presidente da República, desde que haja manifesto interesse para a economia regional (artigo 8º, §1º).

Como diz o próprio artigo 1º do Decreto Federal 85.064/80 (o qual regulamenta a lei 6.634/79): “Este regulamento estabelece procedimentos a serem seguidos para a prática de atos que necessitem de assentimento prévio do Conselho de Segurança Nacional (CSN), na Faixa de Fronteira, considerada área indispensável à segurança nacional e definida pela Lei nº 6.634, de 2 de maio de 1979, como a faixa interna de cento e cinqüenta (150) quilômetros de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional”.

Vale a pena destacar os artigos do capítulo II de tal decreto, que dizem respeito à matéria em pauta, os quais:

Art.5º - Para a alienação e a concessão de terras públicas na Faixa de Fronteira, o processo terá início no instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Art. 6º - As empresas que desejarem adquirir terras públicas na Faixa de Fronteira deverão instruir seus pedidos com a cópia do estatuto ao contrato social e respectivas alterações além de outros documentos exigidos pela legislação agrária específica.

Art. 7º - Os processos para a alienação ou concessão de terras públicas na Faixa de Fronteira serão remetidos pelo INCRA à SG/CSN, com o respectivo parecer, sendo restituídos aquela autarquia após apreciados.

O § 2º do artigo 8º da L. 6.634/79 ressalta que a alienação e a concessão de terrenos urbanos reger-se-ão por legislação específica, sendo esta a lei 11.481/07.Segundo referida lei, não se dispensa a comprovação do efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante das terras cadastradas como da União, em faixa de fronteira (§ 2º do artigo 7º).

Dessa forma, interpreta-se que, para a ocupação de terras pertencentes à União em faixa de fronteira, é necessária a inscrição de ocupação e o pagamento anual de taxa de ocupação, ressaltando-se que tal inscrição de ocupação não pode ser realizada sem a comprovação do efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante. Há hipóteses em que tal comprovação é dispensada, dentre as quais não se encontra a da faixa de fronteira.


DISCUSSÃO – ACÓRDÃO

O acordão prolatado no Recurso Especial n. 674.558 – RS (Relator: Min. Luís Felipe Salomão) discute o interesse processual do INCRA em anular os títulos que foram emitidos invalidamente, ou seja, em desfavor dos ilegalmente titulados, pois a área expropriada já integrava o patrimônio do expropriante antes de tais emissões. Tal demanda foi opção por ser a ação de desapropriação por interesse social a única demanda possível que acarretaria a imediata imissão da posse pela União. O fato de serem nulos os títulos apresentados pelos expropriados e não ser demonstrada a posse nem exploração das terras, não acarreta necessidade de indenização por parte do INCRA aos mesmos.

Trata-se de conflitos em terras no oeste do Paraná, sendo uma remessa oficial interposta contra sentença que extinguiu, sem julgamento de mérito, nos termos do artigo 267 do CPC, uma ação de desapropriação proposta em 1979, as quais deram origem a titulações de extensas áreas pelo Governo do Estado que as classificara em terras devolutas na faixa de fronteira, cedendo tais terras as pessoas de suas relações e interesses. Porém, havia nessas terras pessoas que tiravam dela seu sustento sendo proprietários ou posseiros e da mesma forma impunha-se a preservação do Parque do Iguaçu na mesma região. Não demorou muito, os conflitos violentos começaram a aparecer. A solução encontrada pelo INCRA foi mover uma ação expropriatória.

É impossível ratificar os títulos de domínios outorgados pelo Estado do Paraná por serem absolutamente inválidos, visto que as terras situadas nessas de fronteira sempre pertenceram à União.

Para analisarmos esta controvérsia, seria necessária uma análise histórica das terras públicas no Brasil e do conceito de faixa de fronteira, pois só assim conseguiríamos decidir quem era o titular das terras do munícipio de Chopinzinho. A primeira referência que se faz às faixas de fronteira é da Lei 601 de 1850, que as delimita em 10 léguas, ou seja, 66 quilômetros. Excetuam-se as terras situadas nos limites do império com países estrangeiros em uma zona de 10 léguas, as quais poderão ser concedidas gratuitamente.

Art. 1º - “Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra”.

Já o Decreto n. 1.318, de 30 de janeiro de 1854, determinava:

Art. 82 - “Dentro da zona de dez léguas contíguas aos limites do império com países estrangeiros, e em terras devolutas, que o governo pretende povoar, estabelecer-se-hão Colônias Militares”.

Em 1851 a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil atribuiu aos Estados-Membros as terras devolutas situadas em seus respectivos territórios, cabendo à União a porção do território nacional necessária à defesa das fronteiras, assim explicitando:

Art. 64 - “Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais.

Parágrafo único - Os próprios nacionais, que não forem necessários para o serviço da União, passarão ao domínio dos Estados, em cujo território estiverem situados”.

A doutrina e a jurisprudência entendem que, por não fixar a dimensão da faixa de fronteira, a Constituição Federal de 1891 recepcionou o disposto na Lei Imperial n. 601, ou seja, 66 quilômetros.

Assim permaneceu até a promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, em 16 de julho de 1934, que fixou a faixa de fronteira em 100 quilômetros, nestes termos:

Art. 166 – “Dentro de uma faixa de cem quilômetros ao longo das fronteiras, nenhuma concessão de terras ou de vias de comunicação e a abertura destas se efetuarão sem audiência do Conselho Superior da Segurança Nacional, estabelecendo este o predomínio de capitais e trabalhadores nacionais e determinando as ligações interiores necessárias à defesa das zonas servidas pelas estradas de penetração.

§ 1 º - Proceder-se-á do mesmo modo em relação ao estabelecimento, nessa faixa, de indústrias, inclusive de transportes, que interessem à segurança nacional.

§ 2º - O Conselho Superior da Segurança Nacional organizará a relação das indústrias acima referidas, que revistam esse caráter podendo em todo o tempo rever e modificar a mesma relação, que deverá ser por ele comunicada aos governos locais interessados.

§ 3º - O Poder Executivo, tendo em vista as necessidades de ordem sanitária, aduaneira e da defesa nacional, regulamentará a utilização das terras públicas, em região de fronteira pela União e pelos Estados ficando subordinada à aprovação do Poder Legislativo a sua alienação”.

Porém, as terras da União continuam sendo aquelas dentro de 66 km da fronteira, porque o art. 20 assim dispunha:

Art. 20 – “São do domínio da União:

I - os bens que a esta pertencem, nos termos das leis atualmente em vigor”.

Logo, a concessão de terras devolutas situadas na faixa de 66 até 100 km da fronteira, poderia ser feita pelos Estados com audiência do Conselho Superior da Segurança Nacional, porque estas continuavam na propriedade estadual, mas estavam dentro da faixa necessária à defesa das fronteiras.

Em 1937, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil alterou a faixa de fronteira para 150 quilômetros:

Art. 165 - “Dentro de uma faixa de 150 quilômetros ao longo das fronteiras, nenhuma concessão de terras ou de vias de comunicação poderá efetivar-se sem audiência do Conselho Superior de Segurança Nacional, e a lei providenciará para que nas indústrias situadas no interior da referida faixa predominem os capitais e trabalhadores de origem nacional. Parágrafo Único - As indústrias que interessem à segurança nacional só poderão estabelecer-se na faixa de cento e cinquenta quilômetros ao longo das fronteiras, ouvido o Conselho Superior de Segurança Nacional, que organizará a relação das mesmas, podendo a todo tempo revê-la e modificá-la”.

E em seu artigo 36, relativamente aos bens da União, novamente manteve as leis em vigor.

Art. 36 - “São do domínio federal:

a) os bens que pertencerem à União nos termos das leis atualmente em vigor;

b) os lagos e quaisquer correntes em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a territórios estrangeiros;

c) as ilhas fluviais ou lacustres nas zonas fronteiriças”.

Isto é, a Constituição ampliou a faixa de fronteira para 150 quilômetros, mantendo a obrigatoriedade da audiência do Conselho Superior de Segurança Nacional para as concessões de terras nessa área, mas não passou para a União o domínio das terras devolutas situadas entre 66 km e 150 km. Continuaram dos Estados e estes somente poderiam concedê-las nos termos do artigo 165.

A Constituição Federal de 1946 atribuiu à União a porção de terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras em dispositivo assim redigido:

Art. 34 – “Incluem-se entre os bens da União:

II - a porção de terras devolutas indispensável à defesa das fronteiras, às fortificações, construções militares e estradas de ferro”.

E em nenhum dispositivo fixou a faixa de fronteira, estabelecendo no art. 180:

Art. 180 –“Nas zonas indispensáveis à defesa do País, não se permitirá, sem prévio assentimento do Conselho de Segurança Nacional:

I - qualquer ato referente à concessão de terras, à abertura de vias de comunicação e à instalação de meios de transmissão;

II - a construção de pontes e estradas internacionais;

III - o estabelecimento ou exploração de quaisquer indústrias que interessem à segurança do País.

§ 1º. A lei especificará as zonas indispensáveis à defesa nacional, regulará a sua utilização e assegurará, nas indústrias nelas situadas, predominância de capitais e trabalhadores brasileiros”.

Estabelecida à faixa de fronteira em 150 km em 1938, e passando para a União as terras devolutas necessárias para a defesa das fronteiras com a Constituição de 1946, não poderia o Estado vender terras situadas nesta faixa no ano de 1951, porque não lhe pertenciam.

O acordo celebrado entre a União e o Estado do Paraná não pode servir de suporte para este ato, pois não conferiu título algum ao Estado do Paraná, apenas tratou sobre terras devolutas que considerava serem do Estado do Paraná, e não pode ser contraposto ao ordenamento jurídico que estabelecia em sentido contrário.

Mesmo reconhecendo-se, ad argumentandum, a propriedade do Estado do Paraná sobre a área em controvérsia, a transferência para a fundação é nula, pois não contou com a anuência do Conselho de Segurança Nacional, nos termos do artigo 180 da Constituição Federal de 1946.

Nessas condições, é de se reconhecer que as terras controvertidas no caso dos autos, situadas na Colônia Dr. Afonso Camargo, Municípios de Santa Helena, Medianeira e São Miguel do Iguaçu, localizados na faixa de 66 quilômetros de fronteira, sempre foram domínio da União e assim é nula a venda a non domino procedida pelo Estado do Paraná.

O STJ a respeito dessa questão diz que tal alienação é considerada transferência a non domino, por isso que é nula. É uma máxima jurídica sedimentada que “ninguém pode transferir o que não tem” e tampouco uma entidade pública pode desapropriar seu próprio bem.

A expropriação é ação real e por isso o domínio é o seu tema central. A suposta propriedade do Paraná sobre os imóveis ilegalmente alienados impõe a formação de litisconsórcio necessário.  Não cabe ao ente público expropriar e indenizar aquilo que lhe pertence, ou, ainda, ao INCRA indenizar área pertencente à União.

O Ministro Evandro Lins e Silva do STF/PR disse que “o Estado concedente de terra devoluta na faixa de fronteira é parte legítima para rescindir os contratos de concessão com ele celebrados, bem como para promover o cancelamento de sua transcrição no Registro de Imóveis”.

Sob o mesmo ponto de vista relatou o Ministro Hermes Lima do STF/PR: “ora, no caso concreto, a justiça paranaense fez reverter para o Estado, as terras outrora vendidas à recorrente e integrantes da referida faixa. É verdade que essas terras foram vendidas pelo Estado, mas, isso significa que os seus títulos estão sujeitos à ratificação e retificação pela União que, no exercício do seu juízo discricionário, dirá se esses títulos continuam ou não continuam a ser válidos, através do reconhecimento que processar da legitimidade da concessão feita. E, as terras pertencem, incontestavelmente, ao domínio da União. É faixa de fronteira reservada expressamente há mais de um século aos serviços de defesa nacional, faixa esta, que hoje passou a ser de 150 Km, como em 1850 era de dez léguas”.

Sobre a usucapião o artigo 5° do Decreto Lei n.º 9.760 /1.946:

II –“Os bens públicos imóveis da União não podem ser adquiridos por usucapião”.

Ressalvados os casos de praescriptio longis simi temporis, a de 40 consumado antes de 1.917, e os do art. 5ªe do Decreto Lei 9.760 /46:

III – “A lei 2.437/55, como disposição geral, não alterou o prazo de 20 anos da disposição especial do art. 5º e do Decreto Lei nº 9.760 /46".

Em relação ao direito de indenização, não há o que se falar, pois os apelados não foram encontrados na posse e não foi verificada nenhuma atividade agrária em tais terras. É inequívoco o domínio da União, porque não há prova nos autos da posse nem de exploração do imóvel pelos apelados. 

Está ausente também neste caso o julgamento ultra petita, pois o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça manifestou apenas um caso análogo ao tema discutido neste acordão.

O STF não configura em tal caso por não haver risco de conflito federativo, isto é, quando houver situação que possa configurar instabilidade no equilíbrio federativo ou mesmo que rompa com a harmonia que deve prevalecer nas relações entre as entidades integrantes do Estado Federal. Nos termos do artigo 102, I, f, da Constituição Federal, há competência originária do Supremo Tribunal Federal para julgar as causas e conflitos entre a União e os Estados-membros, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta.

Quanto aos honorários advocatícios, os expropriados e o Estado do Paraná arcarão com a condenação e os ônus sucumbenciais de R$2.000,00 a serem pagos por eles em proporções iguais.

Conclui se, portanto que o processo foi extinto com resolução do mérito, julgando procedente a ação para consolidar a propriedade do INCRA sobre a área desapropriada, sendo nulos de pleno direito o título de propriedade dos apelados, não sendo lhes devida qualquer indenização.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Amanda. Evolução histórica da faixa de fronteira no ordenamento jurídico brasileiro. : Desdobramentos históricos do conceito e sua evolução nas diferentes Constituições. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4462, 19 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42661. Acesso em: 26 dez. 2024.

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