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Dos contratos internacionais de comércio:

uma abordagem dos seus aspectos conceituais e positivos

Agenda 24/09/2015 às 16:45

Há uma série de princípios que funcionam como arcabouço das relações contratuais no comércio internacional.

NOÇÕES PRELIMINARES

A conceituação dos contratos internacionais do comércio parte dos pressupostos fáticos, encaminhando-se, na medida do possível, para a sintetização, tecnicamente assimilada, de seus principais elementos. Essa sintetização, por vezes, é extravasante de sua própria significação lógica, porque não existe, ainda, a possibilidade de reunir, topicamente, todas as circunstâncias que envolvem a problemática dos contratos internacionais do comércio.

Do que não se tem dúvida, porém, é de que os contratos internacionais do comércio, cada vez mais, isolam-se das figurações doutrinárias clássicas e válidas, segundo as tradições dos Direitos Nacionais, cuja universalização se expressa em meras identidades, mas que não servem para satisfazer as exigências peculiares do comércio internacional.

O comércio internacional, exatamente por compor-se de especializações e subespecializações, submete-se a exigências instrumentais que evoluem ao sabor dos pactos e convenções, cuja natureza reflete necessidades concretas, nascidas de uma criatividade impositiva.

A noção de contrato internacional estabelece, como primeira relação, a ideia de que, no conceito de internacional, devem estar qualificadas as situações nas quais se manifesta o fenômeno da existência de uma pluralidade de Estados.

É do caráter do Direito Comercial, genericamente concebido, a procura de sistematização da técnica jurídica adequada às operações de transformação e de circulação de bens ou de serviços no mercado.

As necessidades da economia moderna, impondo a produção em série, para atendimento das exigências do consumo em massa, acarretam a ampliação e o aprimoramento do mercado, gerando novas técnicas negociais, que se consubstanciam em normas integradas e novos institutos jurídico-mercantis.

A autonomia técnica dos contratos internacionais adquire progressivamente viabilidade afirmativa, principalmente a partir da consolidação da teoria lex mercatoria, e, sobretudo, pela criatividade decorrente das operações do comércio internacional, desenvolvidas a latere dos Direitos Nacionais, e rapidamente aceita, sem discussão. Válida, igualmente, a ideia de que os praticantes do comércio internacional constituem uma comunidade, que procura elaborar as suas próprias regras.

No plano dos contratos internacionais, deve-se entender por eficácia a força jurídica de execução deduzida da forma e da substância dos ajustes convencionais.

A eficácia corresponderia, nessas circunstâncias, ao poder de titularidade, do que se dotariam as partes contratantes para fazer valer seus direitos territorial ou extraterritorialmente., salientando que, pelo envolvimento de pelo menos dois sistemas estranhos entre si, poderão, por consequência, gerar divergências de qualificação.

A eficácia dos contratos internacionais não pode ficar na dependência de padrões universais. Há premissas indispensáveis, que dependem, entretanto, da análise dos standards jurídicos. Exatamente esse postulado que torna maior a responsabilidade dos contratualistas internacionais, inevitavelmente dependentes de formação especializada, porquanto nenhuma experiência de Direito Interno fornecerá subsídios suficientes para tal desempenho. Não significa, porém, essa postura, que a eficácia dos contratos internacionais repousa numa abstração, sem tecnicidade. Ao contrário, um contrato internacional será tanto mais eficaz quanto mais técnico.


SISTEMA MULTILATERAL DO COMÉRCIO

No século XXI, o pano de fundo do comércio internacional compõe-se de três pressupostos fundamentais: a consideração supranacional dos mercados, o fluxo de investimentos estrangeiros e as estratégias das empresas transnacionais. Entretanto, a internacionalização da economia e seu consequente efeito de liberalização do comércio exterior não se fizeram acompanhar pelo surgimento de novas instituições e mecanismos supranacionais capazes de atuar, de maneira eficiente, na correção dos desequilíbrios e instabilidades ocorridos nos últimos tempos. Na prática, apesar do discurso mundial, pouca coisa mudou.

Sabe-se que uma transação internacional possui, ao menos, duas características básicas: ela pressupõe que a mercadoria atravesse uma fronteira, o que historicamente sempre representou uma dificuldade e, ainda, implica o uso de várias moedas, sendo necessária a criação de um mercado de câmbio, que promova a conversão de divisas. Para que ambas possam ocorrer, um mínimo de regramento deve existir.

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O Acordo Geral de Tarifas e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade, GATT) foi estabelecido em 1947, tendo em vista harmonizar as políticas aduaneiras dos Estados signatários. Está na base da criação da Organização Mundial de Comércio. É um conjunto de normas e concessões tarifárias, criado com a função de impulsionar a liberalização comercial e combater práticas protecionistas, regular, provisoriamente, as relações comerciais internacionais. Durante décadas, os princípios do Gatt permaneceram inalterados e foram as diretrizes da regulamentação do comércio internacional.

PRINCÍPIOs

Há uma série de princípios que funcionam como arcabouço das relações contratuais no comércio internacional. Dentre elas destacam-se:

Princípio da não discriminação: Um Estado deve oferecer o mesmo tratamento em relação a todos os seus parceiros comerciais, cumprindo duas cláusulas expressas no acordo: a) cláusula da nação mais favorecida, em que os países membros devem estender a todos os signatários qualquer concessão comercial feita em benefício de um deles, não podendo conceder a outro vantagem em detrimento dos demais; b) cláusula de igualdade de tratamento, que os produtos importados devem receber o mesmo tratamento que seus similares nacionais (tributário, especialmente).

Princípio da transparência: Decorrente do princípio pacta sunt servanda (os acordos devem ser respeitados e cumpridos), o princípio estabelece que, se houver necessidade de proteção a determinados setores da economia nacional, esta deverá ser concretizada pelo uso de tarifas diferenciadas, que representam um indicador claro e inequívoco do grau de protecionismo almejado, sem a utilização de subterfúgios ou barreiras não alfandegárias.

Princípio da redução geral e progressiva das tarifas: Tem como objetivo aumentar o intercâmbio comercial entre as partes contratantes, criando uma base sólida e estável de negociação, com o estabelecimento de alíquotas máximas para determinados produtos, de acordo com o pactuado nas diferentes rodadas. Isso possibilitou drástica redução nas alíquotas médias incidentes sobre as mercadorias.

Princípio da proibição de medidas não alfandegárias: Este princípio veda a adoção de barreiras não tarifárias, como as restrições quantitativas às importações (sistema de cotas), as restrições voluntárias às exportações e o dumping (venda de produtos no mercado externo a preços mais baixos do que no mercado interno do país exportador). Este princípio não é absoluto, admitidas restrições como para prevenir ou minorar situações críticas, como desabastecimento de produtos, quanto à classificação de controle de qualidade, entre outros.

Princípio da previsibilidade: Referente à estabilidade das relações jurídicas, criando um ambiente competitivo saudável e transparente, capaz de incentivar os investimentos e gerar oportunidades. A existência de compromissos obrigatórios e de normas capazes de torná-los efetivos contribui para o aumento da segurança jurídica das relações comerciais.

Princípio da concorrência leal: Seu objetivo é no combate às práticas abusivas ao comércio, notadamente os casos de dumping e da concessão indiscriminada de subsídios. Nesse contexto, foi fundamental a criação do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, foro apto a analisar, discutir e propor medidas efetivas de compensação contra os agentes responsáveis.

Princípio do tratamento diferenciado para países em desenvolvimento: Reconhece a necessidade, para os países subdesenvolvidos (mais de ¾ de seus membros), de recorrer com mais felxibilidade à proteção tarifária a fim de facilitar seu desenvolvimento econômico, o que permite a quebra de reciprocidade em relação aos países mais ricos nas negociações dessa natureza, isto é, autoriza a adoção de tarifas diferentes conforme a origem dos produtos.

Princípio da flexibilização em caso de urgência: Permite a adoção de medidas excepcionais em determinadas situações. Como exemplo, cláusula de salvaguarda e as cláusulas do tipo waiver, em que um país pode solicitar isenção de compromisso ou obrigação constante do acordo, consideradas legítimas medidas necessárias à proteção da moralidade pública, proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais e à preservação dos vegetais, proteção de valores de tesouros nacionais, arqueológicos, etc.

Princípio da ação coletiva: Visa impedir que os países adotem medidas unilaterais, que, ao prejudicarem os interesses de terceiros, possam originar uma reação protecionista em cadeia. As medidas propostas no âmbito do GATT devem ser fruto da cooperação de todos os membros, evitando-se qualquer atitude isolada.

Princípio do reconhecimento dos processos de integração: Reconhece a formação de blocos regionais, desde que obedecidas certas condições, como a não imposição de novas barreiras e a proibição de aumentos nas tarifas ou restrições para países externos à região.

FORMAÇÃO DOS  CONTRATOS  INTERNACIONAIS

A formação do contrato internacional se dá por meio de todas as fases que tem por finalidade a estipulação da manifestação de vontade, que por sua vez geram efeitos e consequências jurídicas vinculativos ao instrumento do contrato internacional, desde os momentos iniciais até os efeitos posteriores de sua estipulação.

Para muitos doutrinadores a formação dos contratos internacionais é considerada a etapa mais expressiva da exteriorização de vontades. Uma vez que, é nesse momento em que inicia-se o contato entre as partes, assim como a delineação das consequências e efeitos do contrato firmado.

Por claros motivos estruturais, a fase inicial de formação do contrato se determina do encontro dos agentes, ou seja, das partes interessadas na conformação do negocio jurídico. No que tange ao comercio internacional, as complicações podem ser muitas, dentre algumas o próprio contato entre as empresas e os interessados. Devido a este fato que diversos recursos de interação e intermediação entre prováveis interessados surgiram, tanto por iniciativa privada quanto publica, além das instituições intermediadoras bancarias, como p. ex., câmaras de comercio, boletins, anuários e empresas especializadas nesse tipo de interação.

EXECUÇÃO DOS CONTRATOS  INTERNACIONAIS

Entende-se como a fase de execução aquele momento posterior à fase de formação do contrato em que este, com devido arcabouço legal, passa a conduzir os compromissos avençados pelas partes já na seara concreta, isto é, no campo da ação.

Esses compromissos avençados – que nada mais são que as relações negociais, criadas pela vontade expressa das partes contratuais – têm natureza jurídica controversa, de modo que a extensão e a força das relações negociais também podem ser objeto de controvérsia, podendo levar as partes a um impasse que terá de ser dirimido mediante arbitragem ou até pelas vias ordinárias de justiça.

Alguns princípios, entretanto, existem no afã de evitar maiores controvérsias, sobretudo num campo de grande dinamismo e celeridade em suas operações, como é o caso do comércio internacional. Mercadal e Janin elencam dois fatores importantes  nesta esteira: a duração da relação contratual e a sua data de expiração.

Sobre a duração, é cediço que as partes podem definir livremente a data na qual o contrato entrará em vigor, havendo inclusive a possibilidade de se avençar este fator “a termo”, ou levando em consideração a ocorrência de evento futuro e certo. Não é raro subordinar o adimplemento de determinadas obrigações a uma condição suspensiva (a evento futuro e incerto), que é retroativamente eficaz em sua realização e, em sua não efetivação, retroativamente desfaz o contrato e todos os seus efeitos. Menos comum – mas igualmente possível – é o ato de submeter o contrato a condição resolutiva.

Em relação a data de expiração, os contratos podem ser de prazo determinado ou indeterminado, em razão da fixação ou não de termo. Em suma, a diferença que enseja esta distinção reside na ideia de que, na hipótese do contrato de prazo indeterminado, qualquer um dos contratantes pode denunciá-lo a qualquer momento, enquanto no outro há a imperatividade no tocante ao fiel cumprimento do termo fixado.

No contexto da data de expiração, cabe ressaltar que a possibilidade de resilição unilateral nos contratos de prazo indeterminado não decorre de um texto formal, na maioria dos casos. Sua possibilidade deriva de princípio geral que considera inadmissível qualquer vinculação perpétua.

Ainda sobre a força das relações negociais, deve-se considerar que há cláusulas com diferentes graus de força, bem como há requisitos indispensáveis sem os quais o contrato internacional não consegue validar-se. Sabe-se, também, que muitos desses princípios ou arcabouços são oriundos de usos e costumes validados pela lex mercatoria, de viés consuetudinário e não vinculada diretamente a nenhum ordenamento jurídico nacional ou supranacional.

Ponto importante a ser mencionado da fase de execução contratual é o das prestações a cumprir. Dentre as mais notórias estão o fornecimento de coisa, a prestação de serviço e o pagamento. Não resta dúvidas que o cumprimento das prestações estipuladas faz-se imprescindível em qualquer contrato. Ocorre que, no caso dos contratos internacionais de comércio, há a excusa justificada da chamada non-performance, que pode isentar uma parte de sua responsabilidade. Contudo, essa isenção não é bem delimitada na seara do comércio internacional por nenhum princípio.

Ora, numa comparação entre o comércio empresarial realizado internamente e o comércio internacional, nota-se que a observância a certos aspectos nesta segunda modalidade têm maior importância.

O prazo é um destes aspectos que exige fundamental atenção, cujo descumprimento pode gerar consequências jurídicas de dimensão invulgar (embora se resolvam, geralmente, em perdas e danos), posto que não está sujeito apenas à vontade dos contratantes, mas expressa também consequência do objeto do contrato, além de interferir na própria substância do negócio travado entre os contratantes.

Já que o prazo perdeu seu sentido de mera medida temporal no comércio internacional, impõe-se a ele regime especial nos contratos, sendo que muitas vezes o prazo assemelha-se às cláusulas modais, ou seja, o prazo seria definido em observância a procedimentos tecnicamente descritos e caracterizados para apresentar resultados preestabelecidos. Cláusulas de non-performance são frequentemente estipuladas em contratos substancialmente vinculados a prazos.

Por fim, pode-se mencionar o pagamento como condição precípua dos negócios jurídicos, sejam eles comerciais ou civis. Na seara do comércio internacional, ainda que se trate de operações entre entes privados, faz-se imprescindível pontuar que, pelos inúmeros vínculos negociais operados com a participação dos Estados destes mesmos entes privados, o pagamento recebe atenção especial no campo dos contratos comerciais internacionais.

É possível ilustrar essa complexidade maior no comércio internacional ao se mencionar a problemática da moeda neste campo. A insegurança monetária obriga os contratantes a definir uma moeda contábil, que lhes garanta uma segurança, isto é, que trabalhe no afã de manter sem grandes mudanças o valor das prestações contratuais (que gerariam insegurança jurídica, inclusive). Diversas fórmulas foram elaboradas para evitar e resolver problemas dessa natureza.

Aos contratantes, resta, basicamente, a possibilidade de se estabelecer laço de unidade de valor com os seguintes elementos: ouro, moedas estrangeiras, mercadorias e índices econômicos, definidos por meio de cláusulas.


BIBLIOGRAFIA

NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa. São Paulo, Saraiva, 2011;

STRENGER, Irineu. Contratos Internacionais do Comércio. São Paulo, Ed. RT, 2003.

Sobre o autor
Ricardo Gonçalves e Sousa

Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES E SOUSA, Ricardo. Dos contratos internacionais de comércio:: uma abordagem dos seus aspectos conceituais e positivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4467, 24 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42670. Acesso em: 23 dez. 2024.

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