O processo de Reforma Constitucional
Segundo Karl Loewenstein, em seu livro Teoria de La Constitución, o primeiro passo é perguntar o que se deve fazer para se saber em que circunstâncias, ou em que momento, é necessária a reforma constitucional?
Responde o autor que não é possível estabelecer critérios gerais, pelo fato de que as modificações que dizem respeito às relações sociais, econômicas ou políticas são as responsáveis por fazer com uma norma constitucional tenha perdido a sua eficiência funcional. Isto se explica por um casuísmo, pois não se pode deduzir, teórico-constitucionalmente, uma lista de categorias gerais sobre a possibilidade de reforma constitucional.
A reforma constitucional pode ocorrer para corrigir as seguintes situações: realizar modificações(suplemento); suprimir algum dispositivo(supressão), ou substituir o texto existente por outro(mudança). O procedimento pode se estender a vários artigos ou somente a um dispositivo; a uma parte de um artigo ou várias palavras; ou apenas e tão somente a uma palavra dentro de uma frase.
Para Loewenstein, a reforma constitucional tem um significado formal e material. No sentido formal, entende-se a técnica sob a qual se modifica o texto, tal como existe no momento de se realizar a modificação da Constituição. No sentido material, é o resultado do procedimento da Emenda Constitucional, isto é, o objeto a que se refere o procedimento. Explicado em tese a reforma constitucional, quem detém o poder para fazê-la?
Para o professor Michel Temer, “...a competência reformadora se corporifica por meio de instrumento chamado Emenda à Constituição(...). O Congresso Nacional é o exercente dessa competência.” A cerca do procedimento, as propostas de reforma podem ser apresentadas pelo Presidente da República ou pelos membros do Congresso Nacional.
Na tradição democrática o Poder Constituinte derivado, ou instituído repousa sempre no Poder Legislativo ordinário. É o que tem ocorrido no Brasil, desde a implantação de sua primeira Constituição. Porém existem Constituições que atribuem tal incumbência a órgãos especiais, submetido, depois, o texto revisto a plebiscito.
Normalmente, porém, o Legislativo não necessita de poderes especiais para proceder à reforma constitucional, bastando-lhe seguir o processo estabelecido na Constituição. Dentro desse processo, algumas Constituições estabelecem diferença entre revisão e emenda. Habitualmente, as Constituições brasileiras não estabelecem diferença entre revisão e emenda.
Ferreira Filho, com base no direito comparado, aponta diversas técnicas de procedimento para se realizar a reforma constitucional. A primeira observação que ele faz é a de que o procedimento de revisão constitucional obedece a uma forma paralela à do procedimento legislativo comum, que é aquele pelo qual se estabelecem as leis ordinárias. No procedimento legislativo, o referido autor distingue determinadas fases. Duas delas, nós encontramos nitidamente nas revisões constitucionais. Uma é a fase introdutória ( a iniciativa). A outra é a deliberativa (quórum).
A primeira tem por finalidade desatar ou impulsionar a atividade dos mecanismos de reforma. E, na história contemporânea, vários são os sistemas que, de certa forma, se reconhecem as opções entre autocráticas e formas democráticas da criação do direito. São as seguintes:
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Iniciativa exclusiva do Poder Executivo: tem uma conotação autocrática e um sabor Bonapartista, já que se praticou durante os Impérios Napoleônicos que reservam unicamente para o governo a promoção das reformas constitucionais.
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Iniciativa exclusiva do poder legislativo: tem como compromisso democrático e um sabor pluralista.
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Iniciativa indistinta do Poder Executivo e do Poder Legislativo, inspirado na moderação e no equilíbrio dos poderes, mas que, na prática, tem sido degenerado em um predomínio da iniciativa executiva. Podemos afirmar que se assemelha ao modelo brasileiro dos dias de hoje.
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A iniciativa conjunta do Povo e do Poder Legislativo: é praticado na democracia direta e no regime representativo, que se expressa em forma semi-direta de democracia.
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Iniciativa de revisão automática pela própria Constituição: neste caso fixa-se uma periodicidade na reforma, cujos mecanismos deverão colocar-se em funcionamento a cada tantos anos.
Quanto à segunda fase – a deliberação -, está ligada ao estudo das chamadas Constituições rígidas, porque não podem ser modificadas da mesma maneira que as leis ordinárias. Ferreira Filho aponta o primeiro rol de Constituição que vincula a aprovação da emenda a uma maioria qualificada. Para tais Constituições, basta a maioria qualificada para aprovação de emenda. Como exemplo, cita-se a Constituição holandesa, que exige, para aprovação da emenda, proposta pela lei ordinária, a maioria de dois terços. Em alguns países da Europa, a proposta de emenda pode estar sujeita à referendum, como na Constituição Italiana, em que se a proposta tiver apenas a aprovação da maioria absoluta do Parlamento, deverá ser sujeita ao referendum popular.
Segundo o autor argentino Vanossi, deve-se examinar o aspecto do processo constituinte, separando os casos em que a reforma constitucional é matéria de decisão de órgãos especiais, daqueles em que o assunto compete a órgãos permanentes ou a poderes constituídos, por via de um procedimento diferenciado e agravado com relação ao procedimento legislativo ordinário.
Vanossi ensina que devemos considerar a questão tomando em conta – separadamente – os casos de diferença orgânica e os de simples diferença processual. Entende-se pelo primeiro a previsão da competência de um sujeito ou corpo que unicamente cumpre a função constituinte. Enquanto que o segundo aponta a predeterminação dos procedimentos “especiais” para a reforma a cargos de órgãos, cuja competência consiste no exercício de atribuições do poder constituinte ordinário (o Legislativo) e “extraordinariamente” assume o exercício da função constituinte.
Diferença orgânica. Cabe distinguir duas situações: trata-se de um órgão diferente em razão de sua eleição “ad hoc” (para fim específico) pelo povo com o fim de cumprir a função constituinte; ou então se trata de um órgão diferente cuja formação resulta da reunião ou integração a esses efeitos dos componentes de outros órgãos do Estado, e não de uma decisão especial. No primeiro caso, consideramos que se trata de uma Convenção Constituinte e no segundo de uma Assembléia Nacional.
Convenção Constituinte
A palavra convenção é a expressão técnica para uma corporação eleita com o encargo de elaborar o projeto da norma legal constitucional e que a expressão procede da revolução inglesa.
Assembleia Nacional
Neste sistema não se elege popularmente um órgão especial e “ad hoc” para produzir as reformas, pois em contrapartida se forma um órgão dessas mesmas características, valendo-se da reunião especial de outros órgãos existentes (que oportunamente foram eleitos pelo povo para cumprir funções do poder constituído).
Simples diferença processual. Trata-se, aqui, das reformas aprovadas pelo mesmo órgão legislativo ordinário, que ao proceder não perde sua “personalidade” própria, apenas requer um trâmite mais dificultoso que aquele seguido para aprovação das leis comuns. Noutras palavras, é o mesmo órgão que assume o poder legislativo e o poder constituinte reformador cuja diferença entre ambos é apenas por circunstâncias de caráter processual. Por isso podemos distinguir certas técnicas processuais, aplicadas neste critério de reforma, que podem ser classificadas segundo o nível crescente de sua complexidade.
Vanossi aponta as técnicas mais comuns encontradas no direito comparado, esclarecendo, todavia, que não há regra geral, elas as classificadas conforme o seu grau de complexidade.
Maioria Legal:
Tem lugar quando, para aprovação das leis comuns, se exige o voto da maioria dos membros do Corpo Legislativo (Parlamento ou Congresso, unicameral ou bicameral) com base naqueles que estão presentes bastando para assegurar o “quórum” de funcionamento. Todavia, para a aprovação de reformas ou emendas constitucionais, exige-se o voto da maioria, calculando-se esta com relação ao numero legal dos membros que compõe o Corpo.
Maioria Parlamentar Qualificada:
Tem cabimento quando, alem das exigências do “quórum” para cada uma das sessões válidas, se exige a maioria especial de votos calculada sobre o numero legal do Corpo Legislativo, correspondente à maioria superior exigida para a aprovação das leis comuns.
Além das maiorias parlamentares qualificadas, Loewenstein cita outras técnicas especiais:
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A adoção da reforma à emenda constitucional em uma sessão comum de ambas as Câmaras do Parlamento constituído.
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Outra modalidade de reforma: é aquela disposição segundo a qual uma reforma constitucional deve ser aprovada pelo Parlamento várias vezes em sessões consecutivas. Ou repetidamente dentro da mesma sessão, sendo também possível que se tenha que depender da adoção da emenda de aprovação da correspondente maioria legal, em lugar da constituída pelos membros presentes do Parlamento.
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Duas aprovações no mesmo período de sessão. Exige-se uma repetição do ato parlamentar de aprovação da reforma, com espaço de tempo, mas sempre dentro do mesmo período de sessões.
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Várias aprovações em períodos consecutivos. Tem a desvantagem de que pode ocasionar uma demora excessiva em circunstancias em que a reforma é necessária e urgente.
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Aprovação parlamentar com dissolução do Parlamento e repetida aprovação pelo novo Parlamento. O corpo legislativo aprova as reformas constitucionais, mas depois disso o Parlamento é dissolvido automaticamente e convoca a eleição popular para outro Parlamento que, uma vez reunido, aprova novamente as reformas tratadas pelo anterior.
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Aprovação parlamentar ou legislativa, com referendum facultativo. Pode ocorrer que, segundo a previsão constitucional vigente, ao mesmo tempo de realizar-se a reforma, esta mudança se sujeita à sua aprovação por via de referendum, onde se mede: pedido certo de cidadãos ou de certos órgãos do Estado; carência de certa maioria qualificada de votos na aprovação parlamentar.
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Referendum obrigatório. Existe na Suíça, Japão, Marrocos e Venezuela.
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Participação dos “Estados” ou “Províncias” nos Estados de forma federativa. Os “Estados” tem o poder de ratificação das reformas “introduzidas na Constituição Nacional”.
Por fim, uma passagem escrita por Loewenstein para falar sobre o processo de criação da reforma constitucional:
“... a ideologia do Estado Constitucional democrático exige que a competência para proceder à reforma constitucional não será o monopólio de um único detentor do poder, mas que deve estar a mais distribuída possível. Todos os detentores legítimos do poder – Governo, Parlamento e o Povo, organizados como eleitores devem poder participar na reforma. Através da máxima dispersão desta participação, a reforma constitucional realizada adquire o mais amplo consenso e com ela a mais elevada legitimidade.”
Nesse sentido, foi demonstrado como surge o texto constitucional e como ele é modificado.
Conclusão
Este trabalho nos proporcionou uma visão mais ampla em relação à estrutura do Estado, como este se formou, se organiza, funciona e quais são suas finalidades.
Com base nisso pudemos compreender a complexidade do universo que gira em torno do Poder Constituinte Originário e do Poder de Reforma Constitucional.
Além disso, esse estudo nos tornou capazes de fazer uma análise mais crítica e consistente sobre tudo que diz respeito a estes dois temas.
Concluímos ainda que o Estado é formado por inúmeras pessoas que são diferentes entre si e sua função é estabelecer uma ordem vigente que consiga proporcionar a coexistência pacífica entre os diferentes indivíduos. Ou seja, essa ordem tem que ter uma base forte o suficiente para controlar os desejos e interesses exclusivamente individuais e ao mesmo tempo, proporcionar o bem comum, de forma que os interesses da coletividade prevaleçam.
Através da pesquisa e leituras realizadas pelo grupo compreendemos que o Estado não poderá ser imutável, pois deverá acompanhar as alterações sociais. Dependendo da intensidade das mudanças, as alterações na ordem vigente num determinado Estado poderão ser mais ou menos profundas.
Bibliografia
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