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Serviço de correspondência jurídica:será que vale a pena?

Agenda 15/09/2015 às 22:58

Algumas considerações a respeito da viabilidade ou não do serviço de correspondência jurídica utilizado no mercado jurídico brasileiro.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo discorrer acerca da correspondência jurídica, como a mesma vem sendo tratada no mercado de trabalho atual e a viabilidade de sua prática.

Os serviços de correspondência jurídica bem como a multiplicação de sites visando à contratação de profissionais com este fim têm se mostrado cada vez mais frequentes há alguns anos. Com o intuito de facilitar o trabalho de escritórios que, geralmente, possuem um grande volume de processos, porém estão localizados longe da comarca onde deve ser feita a diligência, os serviços prestados por advogados que possuem uma estrutura física mais próxima ao local desejado por essa modalidade de clientes se tornaram essenciais, consagrando-se, principalmente, pela sua praticidade e economia.

Através do serviço de correspondência, um escritório de advocacia ou empresa contratam advogados localizados nas proximidades do local onde pretendem realizar uma determinada diligência (uma audiência de instrução, cópia de processo etc.), evitando-se, desta feita, o deslocamento de seu próprio pessoal para uma localidade distante, o que seria bem mais cansativo e dispendioso. Grandes escritórios de advocacia possuem muitos processos em várias localidades, em vários Estados, porém, nem sempre possuem funcionários lotados em todos os lugares onde atuam. Do mesmo modo, existem escritórios de advocacia com lotação apenas na capital dos Estados, sem filiais nas regiões interioranas e que necessitam do apoio desses correspondentes para realizar serviços por essas áreas. Enfim, tudo se resume a uma questão de distância física e gastos menores. O serviço de correspondência proporciona uma grande economia a quem os contrata. E o correspondente, por sua vez, trabalha como um profissional terceirizado, auferindo honorários pelo serviço realizado. Quanto mais solicitações, mais honorários. E tudo seria perfeito, se fosse tão simples assim.

É por isso mesmo que quando se trata dessa modalidade de serviço, é necessário tomar alguns cuidados, pois, apesar de parecer uma boa oportunidade para o profissional do Direito ganhar uma renda extra, existem vários aspectos negativos que permeiam os serviços de correspondência jurídica:

O PREÇO VIL PRATICADO POR MUITOS CONTRATANTES E OS PROFISSIONAIS QUE AVILTAM OS SEUS HONORÁRIOS – UM MAL QUE DEVERIA SER ELIMINADO PERMANENTEMENTE

Infelizmente os serviços de correspondência jurídica se tornaram palco para o aviltamento de honorários, bem como para uma maior prostituição da advocacia brasileira. O que se verifica comumente em situações cotidianas é que cada vez mais aparecem empresas querendo pagar menos pelo serviço do correspondente e que trabalham com tabelas de preços já previamente fixados para cada diligência. Um detalhe: trata-se de preços vis e, por que não dizer, vergonhosos.

Lembro-me, uma vez, de ter recebido uma ligação de um cliente me oferecendo o valor de R$ 25,00 para realizar o protocolo de uma petição gigantesca. Eu, ainda, deveria imprimir a petição e os documentos que a acompanhavam. Como se pode ver, o valor oferecido não compensa nem mesmo o gasto com a tinta da impressora e com o papel. Quando eu atuava na Comarca de Salgueiro-PE, recebi, ainda, uma ligação de um escritório que estava representando um Banco, me solicitando a realização de um protocolo de petição na Comarca de São José do Belmonte (distante 70,9km de Salgueiro), propondo o valor, também, de R$ 25,00. Rejeitei ambas as propostas. 

O que é pior em si, não é a conduta praticada pelos clientes que buscam o serviço de correspondência, mas sim a conduta de muitos profissionais do Direito que, literalmente se vendem para praticar essas diligências. E se vendem por valores minúsculos que não servem sequer para pagar uma conta de telefone. Existem advogados que praticam serviço de correspondência pelos preços que mencionei ao norte. É algo, no mínimo, desanimador, porque é vergonhoso, tanto para a empresa que oferece essa quantia por uma diligência, quanto para o profissional que a aceita.

O problema é que não falta nesse ramo gente que se venda e que prostitua a profissão. Sempre tem alguém que trabalhe por um preço vil no ramo da correspondência jurídica.

Aqueles que buscam contratar um correspondente costumam afirmar que o importante em si não é o valor, mas sim o volume de diligências, o que, no fim, resultará em uma remuneração significativa. O problema é que nada disso é garantido. Nem o volume de serviço e nem a quantia vultosa no dia do pagamento. Muitos ligam para o correspondente com esse argumento. E, por conseguinte, esses últimos acabam se frustrando porque o serviço em grande escala acaba não aparecendo e eles acabam trabalhando, despendendo seu tempo e tendo gastos com combustível e outras despesas de escritório para ganhar um valor irrisório.

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O fato é que essas empresas jamais deveriam tabelar preços, pois quem fornece o valor da diligência é o correspondente. Mas, a prática reiterada de conduta contrária a essa por profissionais que trabalham a preços vis e sucateiam seus serviços tem dado azo para que escritórios e pessoas jurídicas que buscam a advocacia de apoio paguem o preço que bem entendem. É como você contratar um pedreiro para erguer sua casa e pagar a ele o preço que você deseja e não o que ele atribui. Ora, como é possível que seja o cliente a fixar o preço do trabalho do profissional autônomo ao invés deste último? 

Ora, o serviço de correspondência não é um contrato de adesão. Pelo contrário, é um contrato paritário. Como é que esses escritórios e empresas, então, elaboram termos com preços já previamente tabelados?

A FORMA COMO OS CLIENTES PAGAM O CORRESPONDENTE

            Como dito anteriormente, algumas empresas trabalham com verdadeiros contratos de adesão em seus sites, ficando o correspondente jurídico vinculado àqueles termos (que, por muitas vezes, lhe são desvantajosos). Mencionei, ao norte, que muitas empresas trabalham com preços tabelados. Como se isso já não fosse ruim, também laboram com datas de pagamento pré-fixadas. Em outras palavras, eles não pagam o correspondente, tão logo realizada a diligência. Existem prazos para pagamento que, sinceramente, configuram uma verdadeira ofensa ao profissional contratado. Algumas empresas pagam no quinto dia útil do mês subsequente, outras, acredite, pagam com dois meses da diligência. Absurdo, ainda é pouco pra definir, pois isso, não raro, descapitaliza o correspondente, o qual fica com verba reduzida (ou simplesmente sem ela) para novas despesas durante a semana, o mês etc.

            O pior é que isso é algo que, até onde sei, só existe no mundo da correspondência jurídica. E é algo completamente atentatório à Lei e ao exercício da profissão. O profissional liberal que trabalha e cumpre a diligência deve receber seus honorários logo após sua realização e não um mês, dois meses depois. Todos os profissionais dessa espécie trabalham assim. Exceto, os correspondentes.

O PRINCIPAL ARGUMENTO A FAVOR DA CORRESPONDÊNCIA JURÍDICA

            Como sempre, quando se trata de se posicionar a favor do serviço de correspondência, o argumento que eu mais costumo ler ou escutar é o de que, apesar do baixo valor, o que realmente importa é o volume de diligências realizadas pelo correspondente.

            A título de exemplo, tive conhecimento de que, no Rio de Janeiro, existem correspondentes que realizam audiências pelo preço de R$ 20,00 a R$ 25,00.  Parece irrisório. Mas, para um correspondente que faz várias audiências em um único dia, pode se tornar rentável, principalmente no fim do mês. Esse é o argumento. Ocorre que essa renda é satisfatória, tão somente, a título de complemento. Acredito que todos concordem que não se pode viver inteiramente da advocacia de apoio.

            De qualquer modo, ainda que se admita que um correspondente tenha realizado, por exemplo, 100 diligências em um mês (número este que me parece praticamente impossível, tendo em vista o vasto número de advogados que trabalham com isso no mercado, considerando-se que a oferta é bem maior do que a demanda), praticando atos pelo preço de R$ 20,00, esse advogado com certeza se desgastaria demais para ganhar uma remuneração que, nos tempos atuais, não significa muito. Porém, já li em alguns artigos que advogados chegam a receber salário de estagiários em várias localidades. Claro, isso não é novidade, mas o fato é que o correspondente que tivesse um volume gigantesco de diligências ganharia mais do que esse profissional.

            A questão é que, conforme já mencionei, para ter uma renda considerável, o correspondente deve realizar muitas diligências. Para ter uma renda de R$ 2.000,00, trabalhando a R$ 20,00, ele deve atender 100 solicitações. Isso entre audiências de instrução, cópia de processos gigantescos, viagens etc. Saliente-se que existem empresas que NÃO PAGAM TAXA DE DESLOCAMENTO, essa cláusula, inclusive, já vem no contrato de adesão delas.

            Outra, o pagamento das diligências é feito randomicamente, ou seja, esse correspondente não receberá R$ 2.000,00 no final do mês, pois existem empresas que pagam somente depois de transcorridos dois meses do ato. Esse dinheiro vai ser recebido em migalhas se o correspondente prestou serviço para vários clientes, pois cada um vai ter uma data pré-fixada para pagamento, a não ser que ele preste todas as diligências para um cliente fixo, com uma data, somente, para o pagamento (porém, acredito ser impossível um único cliente ter 100 diligências num único mês, principalmente, considerando a morosidade do Judiciário e o número de processos que ficam emperrados).

            Portanto, o custo-benefício para trabalhar nessas condições, mesmo com um bom volume de diligências, não me parece compensatório. Saliente-se, ainda, que correspondência jurídica é algo incerto. Existem meses em que o correspondente poderá cumprir 30 diligências, outros em que realizará, apenas, 05. Será mesmo que compensa fazer uma audiência pelo preço de R$ 20,00, nessas condições?

            Enfim, a tese do volume de diligências não é convincente. Não compensa, por exemplo, viajar para outra cidade para fazer um protocolo pelo preço de R$ 25,00. Nem tirar uma xérox de um processo volumoso por R$ 30,00. Aliás, o serviço de xérox é um dos mais desgastantes e menos compensatórios possíveis. Se o advogado gastar do próprio bolso para tirar xérox do processo, só será ressarcido muito depois. Fica, portanto, descapitalizado para outras diligências no mesmo sentido. Mesmo que digitalize diretamente o processo, ao invés de tirar xérox, a não ser que tenha um bom scanner que seja muito rápido (essas máquinas, por sinal, custam, em torno de R$ 1.700,00, acima), o serviço se torna desgastante. Agora se você quer fazer um teste, experimente digitalizar 150 folhas de um processo utilizando um scanner portátil, ou essas máquinas mais lentas que custam em torno de 400,00 a R$ 600,00.                

ENFIM, VALE A PENA TRABALHAR COMO CORRESPONDENTE?

            Acredito que o serviço de correspondência jurídica pode ser bastante proveitoso para o profissional do Direito, no entanto, desde que eliminados os pontos negativos ressalvados anteriormente. Primeiro, é necessário abolir os preços vis e qualquer conduta, seja das empresas contratantes ou dos correspondentes que se posicionem dessa forma. É necessário postura, não apenas de um, mas de todos no sentido de se evitar o aviltamento de honorários advocatícios, respeitando, por conseguinte, não apenas a profissão, como também os outros colegas que não se submetem ao regramento imposto pelos contratantes na forma de um absurdo contrato de adesão. Segundo, os clientes desses advogados devem pagar os honorários, tão logo realizada a diligência. Acredito que o assunto poderia ser disciplinado, inclusive, por Lei.

            Enfim, trabalhar como correspondente jurídico pode valer a pena, desde que haja essa negociação entre contratante e correspondente, um valor justo e um pagamento realizado de forma célere. Aliás, quando o advogado demonstra sua eficiência e é procurado de novo, formando, assim, uma cartilha de clientes fixos, a correspondência se mostra como um retorno financeiro satisfatório, a título de renda extra. Mas, repito: é necessário abolir esses contratos de adesão impostos pelas empresas contratantes, eliminar o leilão dos serviços de advocacia de apoio e compeli-las a realizar o pagamento logo após a diligência, pois se trata de uma contratação de caráter paritário dos serviços de um profissional liberal.  Se não for dessa forma, entendo não ser viável. Infelizmente, enquanto não houver uma fiscalização rigorosa nessa questão, o aviltamento de honorários vai continuar.

Recentemente li um artigo de um colega de classe, que dizia ser impossível a fiscalização, porque a correspondência jurídica é matéria de direito privado, que não admitiria a intervenção direta do Estado ou da OAB nos contratos celebrados entre os correspondentes e seus clientes. No mais, seria impossível fiscalizar todas as relações contratuais havidas entre as estes e a advocacia de apoio. Devo concordar, em certo ponto. Mas, se não se pode fiscalizar tudo, acredito que seria interessante, pelo menos, o controle dos sites de correspondência que emitem contratos de adesão, no mínimo, reprováveis, e que impõem preços irrisórios aos correspondentes. Já vi a ideia ser abordada por alguns colegas de classe que escreveram sobre o assunto. Aliás, uma multa exemplar contra essas empresas e escritórios de grande porte para aprenderem a respeitar o advogado correspondente, seria um bom começo.

 Mas, há outras soluções: a OAB vem agindo em algumas localidades, de modo a, pelo menos, amenizar essa situação. A OAB/ES já vem adotando uma tabela de preços para serviços de advocacia de apoio. A Subseccional da OAB/PE, localizada no Município de Salgueiro também vem adotando a mesma postura. O conteúdo das tabelas não é obrigatório, porém, serve de parâmetro para os colegas controlarem os preços que cobram de seus clientes. Não penso que haja necessidade de seguir essas tabelas rigorosamente, desde que o advogado estipule um preço justo para sua diligência e não avilte os seus honorários.

No entanto, a solução não gira em torno das tabelas propostas pela OAB, mas sim na união da classe. Como o mercado de correspondentes é muito grande e é sempre possível encontrar um e outro que faça uma diligência por um preço vil, existe um medo que é muito recorrente nos advogados que laboram com correspondência: o de perder o cliente para outro colega que faça a mesma coisa, por um valor mais baixo. Com base nesses dados, a Advocacia de Salgueiro-PE vem adotando uma postura muito interessante: sabemos que Salgueiro é uma cidade pequena. Quando a tabela foi publicada pela OAB, todos os advogados (ou, pelo menos, a grande maioria deles), resolveram segui-la. Houve receio no início, mas, a partir do momento em que todos estavam praticando o mesmo preço, os clientes começaram a perceber que já não estava adiantando muito procurar um profissional que trabalhasse por um valor menor. Apesar do bom número de advogados, a Comarca de Salgueiro, como dito, é pequena e esse número não se aproxima ao das grandes capitais. Conclusão: muito menos advogados para explorar e escravizar. Não adianta fazer pesquisa de preço, pois todos trabalham com o mesmo valor. Muitas empresas começaram a pagar o preço da tabela, pois não tinham como pechinchá-lo. A estratégia deveria ser seguida em outras localidades, principalmente nas grandes capitais.

Uma boa solução, portanto, seria a união da classe no sentido de se fixar uma tabela de honorários a ser seguida por todos, tornar essa tabela pública e de fácil acesso, visando, assim, sua visualização pelos clientes. Uma tabela que apresentasse preços justos, equilibrando a relação contratual entre as partes. Mas, assim como aconteceu com Salgueiro, essa solução não surte efeito a curto prazo, sendo necessário um período de adaptação e, acima de tudo, persistência da classe devendo os colegas se voltar não para seus interesses pessoais, mas sim, para o benefício da advocacia brasileira de apoio, em geral. Além disso, a persistência na questão, passado o período de adaptação, traria benefícios para todos, pois todos os correspondentes estariam laborando com remunerações dignas. E, não, isso não é impossível. A advocacia de apoio brasileira encontra-se desvalorizada há um bom tempo, mas, não apenas por causa de fatores externos, mas também por causa da conduta adotada por muitos profissionais que a compõem e que se deixam explorar. No entanto, é possível reverter esse quadro. Talvez a união de todos nesse sentido seja utópica, talvez não. As pessoas costumam se unir diante de crises e problemas de grave repercussão. A exploração da advocacia de apoio é um desses problemas. Mas não é nada impossível de se resolver. A solução é básica, só precisa ser adotada por todos. É, simplesmente, se livrar de um mau costume. A advocacia de apoio começou a ser escravizada por causa da conduta de profissionais que sucatearam seus serviços e baixaram demais os preços, dando azo às grandes empresas e escritórios que arbitram o valor das diligências a seu bel prazer, com seus absurdos contratos de adesão. É só mudar esse costume e adotar uma posição contrária. Se teve resultado em uma cidade pequena, pode funcionar, também, no País inteiro. Mas é algo que tem de partir de todos. Isso funciona, inclusive, na democracia, apesar de a população não saber utilizar bem esse poder. Mas a verdade é que aquilo que o povo unido não fizer ninguém mais pode fazer. Se as pessoas se unem em grande escala e com um propósito, então a coisa acontece. A mesma regra vale aqui. Adotando-se essa postura, a correspondência jurídica deixará de ser um serviço leiloado e se tornará algo digno de ser praticado pelo advogado.

 

BIBLIOGRAFIA:

GIESELER, Maurício, Blog Portal Exame da Ordem, disponível em:  http://blog.portalexamedeordem.com.br/blog/2015/02/oabes-cria-pioneira-tabela-de-diligencias-para-advogados-correspondentes/, acessado em 07 de setembro de 2015.

 GIESELER, Maurício, Blog Portal Exame da Ordem, disponível em:   http://blog.portalexamedeordem.com.br/blog/2013/10/o-fundo-do-poco-a-realidade-de-um-mercado-em-que-um-advogado-recebe-r-2000-para-fazerem-uma-audiencia/, acessado em 07 de setembro de 2015.

 


 

Sobre o autor
Filipe Augustus Pereira Guerra

Formado em Direito no ano de 2007 pela Faculdade de Ciências Humanas de Pernambuco; Pós-graduado em Direito Processual pela Faculdade de Ciências Humanas de Pernambuco; Pós-graduado em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito.

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