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Teoria geral das imunidades tributárias:o mínimo que você deve saber

Agenda 18/09/2015 às 14:58

Sabe-se que o Direito Tributário, com a promulgação da Constituição da República de 1988, passou a constituir-se de diversas normas-princípios. Parte delas, são chamadas de imunidades tributárias, tema essencial, cujo enfoque passamos a dar.

  1. Considerações Gerais

    1. Poder Tributário

Antes de adentrar-se em qualquer tema ou problemática afeta ao Direito Tributário e/ou ao Direito em geral, nunca soa desagradável uma breve incursão à compreensão do Direito enquanto manifestação e limitação excelente do poder do Estado.

Daí já se infere que, o Direito – conjunto de normas e princípios postos –, por uma visão preliminar (logo, não peremptória) pode ser vislumbrado sob duas faces: a primeira, como regramento imposto pelo Estado a seus súditos cuja finalidade é trazer ordem à sociedade1; a segunda, como regulação do próprio poder estatal, de modo a limitá-lo e, bem por isto, dar-lhe legitimidade.

Naquele primeiro víeis, tem-se que o Estado acaba se confundindo com o próprio Direito, do qual acaba sendo fonte única. Becker (1972, p. 190), com brilho inofuscável, averba:

Contra a conclusão de que o Estado com o seu Poder é a única fonte do Direito, costuma-se objetar que haveria contradição lógica denunciada pelo fato de o Estado estar submetido às próprias regras jurídicas. Na verdade, o Estado está subordinado às regras jurídicas por ele mesmo criadas, contudo isto não invalida o que foi dito sobre a única fonte de juridicidade. Esta subordinação é perfeitamente compreensível porque todo o Estado ao criar suas regras jurídicas constitucionais, necessariamente sofre limitação. “L’Etat ne se limite point, il nait limite”.

O poder é fenômeno que atina à Ciência Política, mas quando é exercido pelo Estado, principalmente por um que se auto-proclama Democrático de Direito (aqui as iniciais maiúsculas, não por acaso), tem reflexos na ordem jurídica, porquanto é nela que ele (o poder estatal) se conforma; com ela que guarda sintonia; e, acaso destoante dela, restará, inevitavelmente, caprichoso e ilegítimo.

Mello (2010, p. 49), um dos mais lúcidos publicistas brasileiros, neste ponto, averba: “Ninguém ignora que o Estado de Direito é um gigantesco projeto político, juridicizado, de contenção do Poder e de proclamação da igualdade de todos os homens.”

Quer-se com isso tudo, trazer à baila, a necessária compreensão de que a simples conduta do Estado, em obrigar um cidadão seu a transferir-lhe uma parcela de sua riqueza, nada mais nada menos, constitui-se em pura manifestação do poder estatal: é o Estado se valendo da sua supremacia para suprimir parte do patrimônio particular do sujeito – calhando advertir que o desenvolvimento de tal poder será sempre alicerçado nas normas jurídicas. Neste aspecto, bem por envolver a transferência obrigatória de riqueza de um dado patrimônio ao do Estado, tratar-se-á do denominado Poder Tributário.

Indica o poder tributário, na sua concepção moderna, o poder geral do Estado, aplicado a um setor determinado da atividade estatal – a tributação (“imposizione”).

Em suma, o poder tributário é considerado, como o poder de polícia, o poder penal, o poder judiciário, uma das múltiplas manifestações do poder geral do Estado. [...]

Cumpre, finalmente, salientar que a inexistência de uma terminologia uniforme, sem maiores repercussões doutrinárias contudo, assinala a divergência dos autores sobre a denominação do fenômeno que ora nos preocupa.2 (BORGES, 1980, p. 16)

Segundo Becker (1972, p. 242), o poder tributário “não é um poder ‘sui generis’ que teria características próprias e específicas. O ‘Poder Tributário’ é simplesmente uma manifestação do Poder estatal.

Poder tributário é, geral e majoritariamente, definido como a faculdade jurídica do Estado em instituir e arrecadar tributos. (BORGES, 1980, p. 14) De modo que, dissecando seu conceito, ele pode ser vislumbrado em dois vieses, como afirma Alessi (apud ATALIBA, 2009, p. 66):

O poder tributário pode ser considerado em dois distintos planos jurídicos, em cada um dos quais dá origem institutos e situações diversas: a) acima de tudo, pode ser considerado de um plano abstrato em relação a uma coletividade de sujeitos indeterminados, a respeito dos quais ele se desenvolve. Neste plano abstrato “exação coativa” significa simplesmente “instituição abstrata de uma contribuição coativa”; a atuação do poder tributário, aqui, significa somente emanação de normas jurídicas com base nas quais são instituídas as várias contribuições coativas. [...] o poder tributário pode, por outro lado, ser considerado de um plano concreto, em relação a determinados membros singulares da coletividade. Aqui “exação coativa” significa “contribuição concreta”, em aplicação concreta da norma que institui o tributo em abstrato [...].

Borges (1980, pp. 13-14), porém, aborda o poder tributário somente sobre o primeiro plano acima referido por Alessi, pois com a edição da norma, e instituição do tributo, aí cessaria o poder, caso em que, a partir de então, o Estado só velaria pela efetividade daquelas normas:

No Estado constitucional moderno, o poder tributário deixa de ser um poder de fato, mera relação tributária de força (“Abgabegewaltverhältnis”) para converter-se num poder jurídico que se exerce através de normas. Esgota-se a relação de poder a partir do momento em que o Estado exerce, no âmbito da Constituição, o seu poder tributário e o faz por meio do instrumento de lei formal e material, ato do poder legislativo.

A produção de normas jurídicas é a eficácia, o modo de atuação do poder tributário.

Uma vez emanadas as normas, entretanto, o poder tributário se exaure no sentido de que, a partir de então, o ente público deixa de exercer faculdades tributárias e limita-se a dar efetividade, pelos seus órgãos administrativos, a pretensões tributárias concretas juridicamente fundamentadas.3

Competência Tributária

O poder tributário não é irrestrito, incontrolável e/ou ad infinitum. Em Estados visceralmente plasmados sob ventos democráticos e assentados incondicionalmente a ordens jurídicas (Estados Democráticos de Direito), tal poder de tributar é pontualmente desenhado pela Constituição respectiva, quer sejam elas prolixas ou concisas.4

E à medida que a forma do Estado se entremostra estratificada, no qual haja descentralização interna do exercício do poder – na sua intimidade havendo a presença de entidades políticas autônomas – avulta a necessidade do referido desenho constitucional da atuação do poder tributário. Refere-se aí, à Competência Tributária.

A repartição do poder tributário caracteriza o princípio da competência tributária. Esta exerce-se ordinariamente através de lei.

Competência tributária significa, na lição de Hensel, a faculdade de exercer o poder tributário, do ponto de vista material, sobre um setor determinado. Assim, a distribuição constitucional do poder de gravar – delimitação formal e material do poder tributário – vincula a criação das regras jurídicas tributárias. (BORGES, 1980, p. 18)

Para Coêlho (2007, p. 39):

Assim, se por um lado o poder de tributar apresenta-se vital para o Estado, beneficiário da potestade, por outro a sua disciplinação e contenção são essenciais à sociedade civil ou, noutras palavras, à comunidade dos contribuintes.

Nos Estados politicamente organizados em repúblicas federativas, a Constituição não apenas institui o poder de tributar como também deve reparti-lo entre as pessoas políticas que convivem na federação.

Dá-se, assim, uma repartição de competências tributárias e também, sob uma outra ótica, uma repartição de receitas tributárias, processos constitucionais que se entrecruzam, embora um não se identifique com o outro, certo que a repartição de competência, temática mais rica, não se limita a uma simples repartição de receitas. Esta se contém naquela ou dela deriva.

A competência tributária, no Brasil, está exaustivamente definida na Constituição Federal de 1988 (Título VI, Capítulo I – Do Sistema Tributário Nacional), como não poderia deixar de ser, visto que as normas positivas constitucionais são as sedes próprias à disciplina de tais matérias, principalmente em consideração à forma federativa adotada (arts. 1º c/c 18, CF/88).

Em face do até aqui exposto, resulta que o poder tributário só será legítimo e, portanto, constitucional, se e quando, exercido em conformidade com as normas de competência tributária, porquanto, segundo arremata Borges (1980, p.19), “A competência tributária consiste, pois, numa autorização e limitação constitucional para o exercício do poder tributário.”

    1. Hipótese de Incidência Tributária

Como mencionado, o poder tributário é a potestade estatal em instituir tributos. A competência tributária, a seu turno, é a faculdade de exercer o poder tributário dentro de determinado âmbito. Tais fenômenos são exteriorizados, na República Federativa Brasileira, incondicionalmente, por meio de lei. É o postulado do princípio da legalidade tributária, princípio esse comum nas democracias republicanas modernas.

Os tributos, sobre já instituídos legalmente, e a conseguinte relação jurídico-tributária, só surgem se e quando há a ocorrência de um fato que se encaixe fielmente à previsão abstrata da lei. O fato material, por se amoldar perfeitamente nos quadrantes legais tributários, sofre a incidência desta, cuja conseqüência é o engendro da obrigação tributária pertinente a quem guardou relação com a factualidade.

Portanto, os tributos, sempre aparecem, antes de mais nada, previstos abstrata e hipoteticamente na lei. A norma tributária, como qualquer outra, é norma jurídica. Tem idêntica compostura. Compõe-se de uma hipótese, de um mandamento e de uma sanção. A hipótese é a descrição em abstrato de um fato que, se verificado enseja a impulsão do mandamento que, tão-logo descumprido, faz surgir uma sanção a quem deu causa à desobservância normativa.

Sabemos que não somos obrigados a obedecer a todos os milhões de comandos jurídicos em vigor. Na verdade, cada um de nós só é obrigado a obedecer aos mandamentos cujas hipóteses nos contemplam inequivocamente. Só quando uma hipótese legal colhe uma pessoa, é ela obrigada a obedecer ao respectivo mandamento.

Com efeito, a estrutura das normas jurídicas é complexa, não é simples, não se reduz a conter um comando pura e simplesmente. Toda norma jurídica tem hipótese, mandamento e sanção. Verificada a hipótese, o mandamento atua incide.

Acontecido o fato previsto na hipótese da lei (hipótese), o mandamento, que era virtual, passa a ser atual e se torna atuante, produtivo dos seus efeitos próprios: exigir inexoravelmente (tornar obrigatórios) certos comportamentos, de determinadas pessoas. (ATALIBA, 2009, p. 42)

A essa descrição legal e abstrata do fato a ser tributado, denomina-se hipótese de incidência tributária. Ao fato já ocorrido no mundo fenomênico, correspondendo perfeitamente àquela mesma descrição dá-se o nome de fato imponível. Ressalte-se, por oportuno, que o Código Tributário Nacional se utiliza indiscriminadamente e de forma errônea, da terminologia fato gerador, para designar, tanto a hipótese abstrata de um fato, como a sua própria realização.

Ataliba (2009, p. 54), em trabalho monográfico de mão e sobre mão, talvez um dos pilares científicos da dogmática tributária nacional, tece as seguintes acotações:

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A doutrina tradicional, no Brasil, costuma designar por fato gerador tanto aquela figura conceptual e hipotética – consistente no enunciado descritivo o fato, contido na lei – como o próprio fato concreto que, na sua conformidade, se realiza, hit et nunc, no mundo fenomênico.

Ora, não se pode aceitar essa confusão terminológica, consistente em designar duas realidades tão distintas pelo mesmo nome.

Não é possível desenvolver trabalho científico sem o emprego de um vocabulário técnico rigoroso, objetivo e unívoco. Por isso parece errado designar tanto a previsão lega de um fato, quanto ele próprio, pelo mesmo termo (fato gerador).

Tal é a razão pela qual sempre distinguirmos estas duas coisas, denominando “hipótese de incidência” ao conceito legal (descrição legal, hipotética, de um fato, estado de fato ou conjunto de circunstâncias de fato) e “fato imponível” ao fato efetivamente acontecido, num determinado tempo e lugar, configurando rigorosamente a hipótese de incidência.

Uma vez o fato material configurando rigorosamente a previsão legal, exsurge o fenômeno da subsunção, que tem por corolário a incidência da norma e de seus efeitos no fato ocorrido. Nesse diapasão, é a norma tributária. Ela incide quando há a subsunção de um fato realizado a uma hipótese tributária. (Vide capítulo abaixo, que trata do assunto com um pouco mais de detença)

Ataliba (2009, p. 45) averba “Costuma-se designar por incidência o fenômeno especificamente jurídico da subsunção de um fato a uma hipótese legal, como conseqüente e automática comunicação ao fato das virtudes jurídicas previstas na norma.”

E prossegue o ínclito autor:

Com as cautelas que as comparações impõem, é fenômeno parecido com uma descarga elétrica sobre uma barra de ferro. Recebendo a descarga, a barra passa a ter a força de atrair metais. Substancialmente, a barra persistirá sendo de ferro. Por força, entretanto, da descarga, adquirirá a propriedade de ser apta a produzir esses específico efeito de ímã. Incidência é a descarga elétrica.

A incidência do preceito normativo torna jurídico um fato determinado, atribuindo-lhe conseqüências jurídicas. [...]

A norma tributária, como qualquer outra norma jurídica, tem sua incidência condicionada ao acontecimento de um fato previsto na hipótese legal, fato este cuja verificação acarreta automaticamente a incidência do mandamento.

Ocorrido o fato “João receber honorários”, incide o mandamento “quem receber honorários pagará 10% ao estado”. (ATALIBA, 2009, pp. 45-46)

  1. Incidência tributária

Para a completa e cabal compreensão do que seja imunidade tributária, bem assim daquilo que se lhe diferencia a isenção, faz-se compulsório preliminar estudo a respeito do que se entende por incidência. É que tal compreensão, cuja importância transcende aos lindes do saber tributário, é o âmago da natureza jurídica dos institutos que epigrafam o presente tópico.5

[...] no estudo das isenções, uma exata caracterização do fenômeno da incidência é de capital importância.

Somente partindo do estudo da incidência será possível remover os erros e imprecisões que geralmente contaminam a exposição da matéria no âmbito doutrinário. (BORGES, 1980, p. 150)

Toda regra jurídica, em rigor, é passível de incidir sobre fatos que, se encaixam perfeitamente em sua previsão abstrato-hipotética. Esse encaixe, a grosso modo mencionado, é designado por subsunção.

Lapidar é o conceito de Ataliba (2009, p. 69), para quem “Subsunção é o fenômeno de um fato configurar rigorosamente a previsão hipotética da lei. Diz-se que um fato se subsume à hipótese legal quando corresponde completa e rigorosamente à descrição que dele faz a lei.

A incidência é fenômeno que depende – é claro – da subsunção do fato à norma hipotética, fato esse que não será mais um reles evento material. Subsumido o fato à norma, esta automaticamente unta-o com suas conseqüências jurídicas, passando, pois, ao status de um fato jurídico. Neste sentido, assevera Borges (1980, p. 148-149), segundo o qual “A incidência da regra jurídica é sobre fatos e, com o incidir, a regra os torna fatos jurídicos.” Acrescente-se ainda que, “O direito seleciona os fatos que torna jurídicos, delimita o jurídico e o aquém ou além do jurídico, que é o não-jurídico, procedendo, deste modo, a uma esquematização do mundo físico (princípio da esquematização do fático)

Portanto incidir é comunicar ao fato subsumido, as virtudes jurídicas previstas para tanto. (ATALIBA, 2009, p. 45)

A norma tributária, como qualquer outra norma jurídica, tem sua incidência condicionada ao acontecimento de um fato previsto na hipótese legal, fato este cuja verificação acarreta automaticamente a incidência do mandamento.

Ocorrido o fato “João receber honorários”, incide o mandamento “quem receber honorários pagará 10% ao estado”. (ATALIBA, 2009, p. 46)

Agregue-se, por oportuno, que a incidência é fenômeno infalível. Para Borges (1980, p. 148), “A incidência da regra jurídica é infalível [...]. Sendo fato do mundo dos pensamentos, a incidência da regra jurídica nada tem com o seu atendimento e independe do conhecimento da regra jurídica por alguém.”

A infalibilidade (ou automatismo) da incidência da regra jurídica não deve ser confundida com a respeitabilidade dos efeitos jurídicos que se irradiam depois da incidência.

A incidência da regra jurídica é infalível, o que falha é o respeito aos efeitos jurídicos dela decorrentes. Não existe regra jurídica “ordenando” a incidência das demais regras jurídicas; a regra jurídica incide porque o incidir infalível (automático) é justamente uma especificidade do jurídico como instrumento praticável de ação social.6 (BECKER, 1972, p. 280)

Portanto, o que se quer aqui pontificar, é que em direito tributário, a obrigação tributária, ou o tributo, é decorrência infalível da incidência da norma tributária, a dado fato material, que, em concreto realizou sua hipótese.

De conseguinte, toda relação tributária só surge à medida que haja tal dinâmica: de hipótese de incidência tributária legalmente prevista, fato material (fato imponível), subsunção, incidência, obrigação de levar o dinheiro aos cofres públicos (obrigação tributária ou somente tributo).

Partindo da assimilação da incidência jurídico-tributária, surge a necessidade e oportunidade da consideração de instituto correlato, que é a não-incidência (tributária).

Não-incidência, basicamente, é a situação de tal ou qual fato escapar ou não conseguir se enquadrar no desenho legal, vale dizer, ser estranho à hipótese legal. Segundo lição de Becker (1972, p. 276), “A expressão ‘caso de não-incidência’ significa que o acontecimento deste ou daqueles fatos são insuficientes, ou excedentes, ou simplesmente estranhos para a realização da hipótese de incidência da regra jurídica de tributação.

Borges (1980, p. 156), afirma que, “Ocorre não-incidência quando os requisitos previstos na lei tributária não se verificam concretamente, de modo que não surge para o contribuinte a obrigação tributária.” Ainda, segundo o mencionado autor:

Não-incidência é conceito correlacionado com o de incidência. Ocorre incidência da lei tributária quando determinada pessoa ou coisa se encontra dentro do campo coberto pela tributação; dá-se não-incidência, diversamente, quando determinada pessoa ou coisa se encontra fora do campo de incidência da regra jurídica de tributação. (BORGES, 1980, p. 156)

Ante o até aqui exposto, verifica-se que a não-incidência, a princípio, revela um caráter negativo, pois há sua presença em todos aqueles fatos que não estejam descritos como hipóteses de incidência. Não cabe à lei dizê-la. É por raciocínio a contrario sensu. Isto porque, de acordo com Borges (1980, p. 157), a não-incidência é “considerada como o equivalente ao campo remanescente ou residual do campo da tributação.

Por fim, cumpre destacar que, a não-incidência pode se apresentar positivamente, ou seja, a própria norma, explicitamente, retira ou protege certos fatos da incidência tributária. É a não-incidência qualificada que, ao contrário da não-incidência pura ou natural (COELHO, 2007, p. 187), geraria verdadeiro direito subjetivo público.

Em face do que acima ficou exposto, compreende-se por que é inaceitável a lição do erudito Hely Lopes Meirelles, no sentido de que a não-incidência é um direito, de todos aqueles que estão fora do campo tributário da lei.

Não é definir-se genericamente a não-incidência como um direito do contribuinte. Os fatos intributáveis, porque situados fora do campo de competência do poder tributante, são estranhos ao mundo jurídico tributário, parte do mundo jurídico total; naquele penetram e, pois, não originam direitos.

Se, ao contrário, a não-incidência é qualificada, legal ou constitucionalmente, aí, sim, cabe falar em direito à não-incidência. (BORGES, 1980, p. 157)

Costuma-se afirmar que a não-incidência poderia ser de qualificação legal ou constitucional. A legal respeitaria às isenções; enquanto que a constitucional, às imunidades. Ocorre que, como se verá abaixo, tal afirmação não é verdadeira totalmente quando ao seu último ponto: as imunidades.

    1. Imunidades

Imunidade é norma constitucional que limita o poder de tributar. Ela rechaça a competência tributária quanto à instituição de tributos em relação a dados sujeitos ou objetos.

Do ponto de vista jurídico, em geral, todos se põem de acordo em que a imunidade:

1. é regra jurídica, com sede constitucional;

2. é delimitativa (no sentido negativo) da competência dos entes políticos da Federação, ou regra de incompetência;

3. obsta o exercício da atividade legislativa do ente estatal, pois nega competência para criar imposição em relação a certos fatos especiais e determinados. 7 (BALEEIRO, 1998, p. 225)

Borges (1980, p. 180), antes de afirmar que a “imunidade é um princípio constitucional de exclusão da competência tributária”, averba:

Ao proceder à repartição do poder impositivo, pelo mecanismo da competência tributária, a Constituição Federal coloca fora do campo tributável reservado à União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios certos bens, pessoas e serviços, obstando, assim – com o limitar o âmbito de incidência da tributação –, o exercício das atividades legislativas do ente tributante. Em última análise, ao estabelecer imunidades, a Carta Magna delimita a competência tributária de cada uma das entidades da Federação brasileira.8

Coêlho (2007, p. 171), considera que “As imunidades expressas dizem o que não pode ser tributado, proibindo ao legislador o exercício da sua competência tributária sobre certos fatos, pessoas, ou situações [...]”. Martins (1998, p. 31), a seu turno, diz que “As imunidades, no direito brasileiro, exteriorizam vedação absoluta ao poder de tributar no limites traçados pela Constituição. Das seis formas desonerativas da imposição tributária, é a única que se coloca fora da obrigação nem do crédito tributário, por determinação superior. Por vontade do constituinte.” Desta forma – prossegue o mencionado autor:

A imunidade, portanto, descortina fenômeno de natureza constitucional que retira do poder tributante o direito de tributar, sendo, pois, instrumento de política nacional que transcende os limites fenomênicos da tributação ordinária. Nas demais hipóteses desonerativas, sua formulação decorre de mera política tributária do poder público, utilizando-se de mecanismos ofertados pelo Direito.9 (MARTINS, 1998, p. 32)

Para Machado (1997, p. 81), “O instituto da imunidade tributária está visceralmente ligado à supremacia constitucional. Sendo, como é, uma limitação constitucional ao poder de tributar, a imunidade tributária somente existe se albergada por norm de plano hierárquico superior.”

Outrossim, expressa Amaro (1998, p. 144), que, “As imunidades tributárias, a exemplo dos demais instrumentos de limitação do poder de tributar, têm, pois, como função, atuar coordenadamente com a norma constitucional que atribui a competência no sentido de demarcar, delimitar, fixar fronteiras ou limites ao exercício do poder de tributar.” Assim sendo:

São, por conseguinte, instrumentos definidores (ou demarcadores) da competência tributária dos entes políticos. Ultrapassadas essas fronteiras, o que se passa não é que a competência seja vedada, ela simplesmente inexiste. A lei que pretendesse tributar situação imune estaria exercendo competência tributária que não lhe é autorizada pela Constituição. [...]

A técnica da imunidade, com a qual a Constituição complementa o desenho do campo sobre o qual será exercitável a competência tributária, mantém, portanto, fora do alcance do poder de tributar certas pessoas, ou bens, ou serviços, ou situações.10 (AMARO, 1998, pp. 144-145)

Posto ad nauseam o conceito, depreende-se que, em se tratando de imunidades, descabida é qualquer menção ou preocupação, no que concerne a obrigação ou crédito tributários, posto que, tais institutos, componentes da dinâmica e do itinerário da imposição tributária, requerem, precedentemente, incidência de norma legal, que, pelo visto, nunca haverá, porquanto sequer existirá competência tributária. É o que vislumbra magistralmente Bastos (1998, p. 241), quando adverte que “Na imunidade não há o nascimento da obrigação fiscal, nem do crédito, em virtude de sua substância fática estar localizada fora do âmbito de atuação dos poderes tributantes. Ela é, portanto, uma limitação a esse poder. Na imunidade não há fato gerador [...].”

Como dito, grande parte da doutrina tributária sói considerar a imunidade como hipótese de não-incidência qualificada constitucionalmente. Mas tal conceituação não resta satisfatória, visto que a não-incidência qualificada, ou seja, a não-incidência explícita na lei de forma positiva, pressupõe necessariamente anterior hipótese de incidência que, com o surgimento daquela norma deixará de incidir aos fatos por ela protegidos.

A imunidade, a seu turno, é norma de estatura constitucional, cuja finalidade é restringir o exercício da competência tributária e, assim sendo, não havendo parcela do poder tributário para instituir tributos em relação a certos fatos, sequer se estará cogitando de lei e, a fortiori, de hipótese de incidência. Logo, seria ilógico falar-se em não-incidência qualificada quando sequer houvesse uma hipótese de incidência anterior. A propósito, propugna Moraes (1997, p. 121):

[...] não aceitamos a conceituação da imunidade tributária como uma não incidência constitucionalmente qualificada, visto que essa “não-incidência” nada mais é do que uma conseqüência ou efeito (vedando a tributação, a imunidade tributária não admite a lei tributária em questão e sem lei não há incidência fiscal).

Neste sentido, propugna Alves (1998, p. 268):

As normas que conferem imunidade situam-se fora do campo de incidência da obrigação tributária. São normas constitucionais que antecedem ao instante do nascimento da própria obrigação tributária. O texto constitucional já delimita a área em que o poder tributante não poderá atuar. Por isso afirmar-se que, na imunidade, diferentemente do que ocorre na isenção, não há nascimento de qualquer obrigação tributária.

Em relação à imunidade observa-se que a norma exonerativa impede a criação da hipótese de incidência por ela limitada. Não há incidência porque não há, aliás, não pode haver, hipótese prevista.

A diferença básica entre imunidade e as demais formas exonerativas, é que naquela há um impedimento permanente e superior, emanado do texto constitucional, impedindo qualquer ingerência estatal no âmbito por ela traçado. Independe, assim, da vontade legislativa das competências outorgadas pela Constituição. (RODRIGUES, 1995, p. 27)

Segundo revela Scaff (1998, p. 488), na Idade Média já existia a idéia de imunidade (imunitas). Naqueles tempos de antanho, a Igreja juntamente com os nobres eram imunes ao poder tributário, porquanto, afinal, o eram com relação ao próprio poder soberano do Estado. Mas,

Posteriormente, o caráter de pessoalidade foi alargado para as cidades, que passaram a ter imunitas em face do poder central. Este caráter de intributabilidade absoluta da nobreza e da Igreja (especificamente Católica) permaneceu até o advento do liberalismo, quando os privilégios foram abolidos. (SCAFF, 1998, p. 489)

Assevera, ainda, o mencionado autor que, foi com as revoluções burguesas havidas no séc. XVIII, que as imunidades tributárias passaram de regalias da igreja e da nobreza a verdadeiras garantias individuais de todos os cidadãos.

Com as revoluções burguesas (século XVIII), os privilégios acima referidos passaram do colégio de nobres e da Igreja Católica par todos os cidadãos, se constituindo, então, em verdadeiras garantias individuais.

Os aspectos tributários também seguiram esta mesma linha. A imunidade, que antes significava um privilégio de nobres e da Igreja Católica frente ao Rei, passou a significar uma garantia de que certas atividades estariam afastadas da esfera do poder de tributar da classe dirigente, sendo que tal escolha seria estabelecida pelo conjunto dos cidadãos. (SCAFF, 1998, p. 489)

Pois bem. Passado a conceituação e o breve recorte histórico, cumpre localizar no texto da Constituição Federal de 1988, as imunidades tributárias.

As principais imunidades encontram-se no art. 150, inciso IV, da CF/88, que para os fins aqui propostos denominaremos de imunidades genéricas, uma vez estabelecidas frente à competência tributária de todos os entes políticos. Induvidosamente, são as mais conhecidas, tanto por sistematicamente estarem inseridas na Seção II – Das Limitações do Poder de Tributar, como porque, conforme trataremos abaixo, tais imunidades participam da própria eficácia e proteção de valores inquebrantáveis do Estado constitucional brasileiro.

Para além do aludido art. 150, inciso IV, restam espalhadas em outros pontos do articulado constitucional, várias normas imunizantes, como no art. 149, § 2º, I (receitas decorrentes de exportação quanto às contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico); art. 153, § 3º, III (exportação de produtos industrializados quanto ao IPI); art. 153, §4º, II (pequenas glebas rurais, definidas em lei, exploradas por proprietário que não possuía outro imóvel com relação ao ITR); e, art. 155, § 2º, I (transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital no que toca ao ITBI), dentre várias outras, respeitantes a impostos, taxas e contribuições especiais.

À guisa de fecho, importa anotar que o entendimento das ideias acima alinhavadas, é essencial para aquele que deseja lidar com o direito tributário. Mais ainda, convém pinçar os precedentes jurisprudenciais oriundos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, os quais, em maior ou menor grau, moldam a aplicação das normas de imunidade tributária.

1 Fantástica e bem vertiginosa é a averbação de Monaco (2008, p. 83) , o qual, à pena de ouro, escreve: “O direito é a tentativa, somente em parte bem sucedida, de construir uma ilha de ordem e de sentido no meio do caos e da brutalidade dos acontecimentos humanos.”

2A expressão ‘poder de tributar’ não é uniforme, encontrando-se: ‘poder tributário’ (Giuliani Fonrouge, Antonio Berliri); ‘poder fiscal’ (Rafael Bielsa, Dino Jarach); ‘poder de imposição’ (Gustavo Ingrosso, Ernst Blumenstein); ‘poder impositivo’ (Linhares Quintana) etc.” (MORAES apud BORGES, 1980, p. 16). Sobre o fundamento do poder de tributar, leciona Coêllho (1997, p. 2): “Em primeiro lugar, verifica-se que várias são as pessoas políticas exercentes do poder de tributar e, pois, titulares de competências impositivas: a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios. Entre eles será repartido o poder de tributar. Todos recebem diretamente da Constituição, expressão da vontade geral, as suas respectivas parcelas de competência e, as exercendo, obtêm as receitas necessárias à consecução dos fins institucionais em função dos quais existem (discriminação de rendas tributárias). O poder de tributar originariamente uno por vontade do povo (estado democrático de direito) é dividido entre as pessoas políticas que formam a Federação.

3Nessa fase, é plena a subsunção da atividade tributária ao ordenamento jurídico, dissipando-se, aí, a idéia de poder para dar entrada aos conceitos de direito e obrigação. A atividade administrativa de arrecadação, no sentido amplo da aplicação das normas para tornar efetiva a prestação tributária, não constitui, a rigor, um atividade tributante, porém meramente gestora; não se dirige a instituir o tributo – já instituído e regulado por lei – mas simplesmente a arrecadá-lo.” (BORGES, 1980, p. 14)

4Quanto à extensão, classificam-se as Constituições em concisas e prolixas. [...] Diz-se em geral que uma Constituição é concisa quando abrange apenas princípios gerais ou enuncia regras básicas de organização e funcionamento do sistema jurídico estatal, deixando a parte de pormenorização à legislação complementar ou orgânica. Via de regra nesses textos deve entrar somente, de modo sucinto, o que é matéria constitucional, em sentido estrito. [...] As Constituições prolixas, cada vez mais numerosas, são em geral aquelas que trazem matérias por sua natureza alheia ao direito constitucional propriamente dito. Trata-se ora de minúcias de regulamentação, que melhor caberiam em leis complementares, ora de regras ou preceitos até então reputados pertencentes ao campo da legislação ordinária e não do direito constitucional, em cuja esfera entram apenas formalmente, por arbítrio do legislador constituinte, para aferir garantias que só a Constituição proporciona em toda amplitude.” (BONAVIDES, 1999, p. 73)

5 Segundo Borges (1980, p. 149), “No campo do direito tributário poucos assuntos foram tratados com tanta superficialidade teórica como o da incidência. Esta superficialidade é responsável pelos erros em que incorreu a análise das isenções.”

6 Prossegue o inolvidável publicista: “A incidência ocorre para todos e todos devem respeitar os efeitos jurídicos (eficácia jurídica) dela decorrentes; porém a sujeição coercitiva (vinculatória) aos efeitos jurídicos ocorre apenas para e entre o sujeito passivo e o sujeito ativo da relação jurídica. A ignorância dos indivíduos quanto a existência da regra jurídica válida, ou no tocante a realização de sua hipótese de incidência, não é obstáculo à incidência da regra jurídica, nem dispensa a sujeição à eficácia jurídica (efeitos jurídicos); a regra jurídica incide e a eficácia jurídica é coercível, ainda que os sujeitos da relação jurídica desconheçam a existência da regra jurídica válida. A infalibilidade da incidência não entra em contradição com o que foi dito sobre atitude mental jurídica; e não contradiz, porque se os sujeitos da relação jurídica ignoram a regra jurídica ou a conhecem defeituosamente (interpretação errônea), então, simplesmente não há atitude mental jurídica. E justamente porque houve a incidência da regra jurídica e a irradiação da eficácia jurídica, sem que tenha havido (no cérebro de determinado indivíduo) a correspondente atitude mental jurídica, é que existe a Doutrina Jurídica, o Advogado, o Órgão Judiciário e a intervenção do Órgão Executivo mediante regulamentos, e portarias; tudo isto existe para provocar a atitude mental jurídica que não ocorreu, mas que deveria ter ocorrido pela simples incidência da regra jurídica sobre sua hipótese de incidência.” (BECKER, 1972, pp. 280-281)

7 “A imunidade é regra constitucional expressa (ou implicitamente necessária), que estabelece a não-competência das pessoas políticas da federação para tributar certos fatos e situações, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução parcial, a norma de atribuição de poder tributário. A imunidade é, portanto, regra de exceção e de delimitação de competência, que atua, não de forma sucessiva no tempo, mas concomitantemente. A redução que opera no âmbito de abrangência da norma concessiva de poder tributário é tão só lógica, mas não temporal.” (BALEEIRO, 1998, p. 228)

8 “É a imunidade uma limitação constitucional ao poder de tributar. Mais precisamente ainda: a eficácia específica do preceito imunitório consiste em delimitar a competência tributária aos entes públicos. Porquanto consiste numa limitação constitucional, a imunidade é uma vedação negativa, uma inibição para o exercício da competência tributária.” (BORGES, 1980, p. 180)

9Na imunidade, portanto, há um interesse nacional superior a retirar, do campo de tributação, pessoas, situações, fatos considerados de relevo, enquanto nas demais formas desonerativas há apenas a veiculação de uma política transitória, de índole tributária definida pelo próprio Poder Público, em sua esfera de atuação. E porque, na imunidade há esta vedação absoluta ao poder de tributar? Por que o constituinte coloca uma muro a imposição de forma insuperável, a não ser por emenda constitucional? É que a imunidade, nas hipóteses constitucionais, constitui o instrumento que o constituinte considerou fundamental para, de uma lado, manter a democracia, a liberdade de expressão e a ação dos cidadãos e, por outro lado, atrair os cidadão a colaborarem com o Estado, nas suas atividades essências, em que, muitas vezes, o próprio Estado atua mal ou insuficientemente, como na educação, na assistência social etc.” (MARTINS, 1998, p. 32)

10 Amaro (1998, pp. 143-144), endossando entendimento unânime, ressalta que, as imunidades adentram no contexto constitucional como espécies de limitações ao poder de tributar: “A competência tributária que a Constituição Federal atribui aos entes políticos não é sem fronteiras. Além de buscar uma demarcação tanto quanto possível nítida das áreas de atuação de cada ente político, através da partilha da competência tributária, a Constituição fixa vários balizamentos, que resguardam valores por ela reputados relevantes, com atenção especial para os direitos e garantias individuais. O conjunto dos princípios e normas que disciplinam esses balizamentos da competência tributária corresponde às chamadas limitações do poder de tributar, cuja face mais visível se desdobra nos princípios constitucionais tributários e nas imunidades tributárias, técnica por meio da qual, na definição do campo sobre que a Constituição autoriza a criação de tributos, se excepcionam determinadas situações, que ficam, portanto, fora do referido campo de competência tributária. As imunidades tributárias, a par de um complexo de balizamentos fundado na Constituição, delimitam a competência, vale dizer, traçam fronteiras do campo que é exercitável o poder de tributar.

Referências bigliográficas

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Sobre o autor
Márcio Carneiro de Mesquita Júnior

Advogado. Pós-graduando em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MINAS.

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