Enunciado nº 74 da II Jornada de Direito Comercial de 2015
Sumário:
1. Resumo ......................................................................................................................4
2. Introdução...................................................................................................................5
3. Desenvolvimento........................................................................................................6
3.1 Princípios Basilares do Instituto da Recuperação Judicial.................................6
3.1.1 Princípio da Função Social da Empresa...................................................7
3.1.2 Princípio da Preservação da Empresa......................................................8
3.2 Da Obediência dos Princípios na Recuperação Judicial....................................8
3.3 Análise do Enunciado nº 74 da II Jornada de Direito Comercial de 2015.........9
4. Conclusão..................................................................................................................15
5. Bibliografia...............................................................................................................17
Palavras-chave: Direito; Recuperação judicial; Crise da Empresa; Enunciado 74 da II Jornada de Direito Comercial de 2015; Princípios basilares da Recuperação Judicial; Suspensão da execução fiscal; Constrição do patrimônio do devedor; Análise pelo juízo recuperacional; Possibilidade; Princípio da preservação da empresa; Princípio da função social da empresa.
Key words: Law; Judicial recovery; Company crisis; Statement 74 II Commercial Law Day 2015; Basic principles of the Judicial Reorganization; Suspension of tax collection; Constriction of the assets of the debtor; Analysis by recuperacional judgment; Possibility; Principle of preservation of the company; Principle of the social function of the company.
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CRISE DA EMPRESA
1. Resumo
O presente estudo visa abordar um dos aspectos mais interessantes e passíveis de discussões calorosas no âmbito da recuperação judicial, qual seja, a possibilidade de constrição do patrimônio do devedor em razão da continuação da execução fiscal, mas no momento em que este requereu sua recuperação judicial nos termos da Lei 11.101/05 (Lei de Recuperação de Empresas e Falência).
Nesse sentido, a Lei 11.101/05, em seu artigo 6º, afirma que a partir do momento em que o Juízo de primeiro grau decreta a falência ou o processamento da recuperação judicial suspende-se o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor .
Todavia, o parágrafo 7º do mesmo dispositivo legal, afirma, veementemente, que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, além de colocar a ressalva quando houver a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica que poderá ser aplicada ao caso concreto .
Por conseguinte, visto que a própria Lei estabelece a regra e a exceção, a priori, não haveria dúvidas sobre esta aplicação nos casos que se verificarem no exercício destas funções, porém, a vida prática demonstra que não é bem assim. Portanto, torna-se evidente a relevância deste projeto de estudo e discussão sobre a matéria, a fim de cristalizar a aplicação deste dispositivo à luz do ordenamento jurídico pátrio e da própria Lei de Recuperação Judicial e Falência.
2. Introdução
Inicialmente, refletindo sobre a evolução histórica do instituto da recuperação de empresas, verifica-se que em 08 de março de 1595, foi promulgada uma Lei por Felipe II, que veio a ser o primeiro diploma que cuidou de matéria falimentar e que influenciou as Ordenações Filipinas, promulgadas oito anos depois, em 1603. Em seguida, no ano de 1756, o Marquês de Pombal outorgou o Alvará de 13 de dezembro, tratando do processo de falência. Após a proclamação da independência do Brasil, houve uma fase de estagnação legislativa, sendo que apenas em 25.06.1850 adveio a Parte III do Código Comercial, que passou a cuidar “Das Quebras”. Um ano depois da proclamação da República, veio à tona o Decreto 917, seguindo-se a Lei 859, de 16.08.1902. Por fim, ao término da ditadura de Getúlio Vargas, foi promulgado o Decreto-lei 7.661, de 21.06.1945, que, em fevereiro de 2005, foi substituído pela atual Lei 11.101/05.
A lei anterior à vigente era constantemente criticada pela doutrina, principalmente por Rubens Requião. Em breve síntese, afirmavam que o Decreto-lei não oferecia a possibilidade de solução do problema, uma vez que não propiciavam ao então comerciante, empresário ou sociedade empresária, em situação de crise, a possibilidade de se recuperar. Neste contexto, o falido nunca foi bem visto nem pelos credores, nem mesmo pelo Judiciário.
Assim, seria necessária a elaboração de um “pronto-socorro” , nas palavras de Manuel Justino Bezerra Filho, para as empresas em situação pré-falimentar, com a finalidade de oferecer-lhes uma possibilidade concreta de recuperação.
Um dos argumentos para que fosse conferida tal ajuda às empresas era o de que a manutenção da atividade empresarial guarda interesse social acentuado, como polo produtivo da economia. A empresa é fonte de renda, empregos, tecnologia e desenvolvimento social, sendo, portanto, razoável considerar que ela deva ser ajudada e/ou amparada num momento de crise, já que há um forte interesse social envolvido. Um dos precursores desse pensamento foi justamente Rubens Requião, ao afirmar que a empresa deve ser vista como uma verdadeira instituição social.
O ilustre doutrinador destacava que o escopo final do instituto falimentar não é outorgar ao Estado a função de assegurar a aplicação do “par condictio creditorum” entre os credores ou a segurança jurídica. Mais do que isso: visa-se o saneamento da atividade empresarial que constitui a finalidade principal do instituto da falência, nas concepções modernas de atuação judicial do Estado.
Portanto, nota-se que foi necessário o afastamento da antiga preocupação primordial de liquidação e pagamento de credores, a fim de que fosse iniciada uma busca de mecanismos que viessem a privilegiar a manutenção da empresa e a preservação do emprego de inúmeros benefícios sociais que a empresa propicia, daí a necessidade e pertinência do instituto da recuperação judicial.
3. Desenvolvimento
3.1 Princípios Basilares do Instituto da Recuperação Judicial
Os princípios basilares da Recuperação Judicial, via de regra, destinam-se a apoiar a empresa em situação de crise, para mantê-la “viva” no mercado e, assim, evitar que seja liquidada, pois a empresa é a base da economia, já que produz riqueza, trabalho e movimenta a sociedade como um todo, devendo, destarte, ser protegida e apoiada em momentos de crise.
Assim sendo, a Lei de Recuperação Judicial e Falência trouxe à tona alguns princípios gerais de apoio à empresa deficiente, ou seja, a Lei consolidou, em sua interpretação, os princípios da função social da empresa e da preservação da empresa, de modo que a própria Lei propicia formas de reerguimento da empresa para que esta consiga superar a sua situação de crise econômico-financeira, evitando, assim, a sua falência e posterior liquidação; com vistas a mantê-la no mercado para gerar riquezas, empregos e, também, felicidade, aquecendo a economia e ajudando no crescimento de toda nação.
Há alguns princípios envolvidos nesse enunciado que são relevantes para sua melhor compreensão, os quais passaremos a expor e analisar:
3.1.1 Princípio da Função Social da Empresa
O art. 47 da Lei 11.101 estabelece que a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Desse modo, a tentativa de recuperação está pautada no valor social da empresa em funcionamento, que deve ser preservado não só pelo incremento da produção, como, principalmente, pela manutenção do emprego, elemento de paz social. Mantida a atividade empresarial e o trabalho dos empregados, será possível então satisfazer os “interesses dos credores”.
Ato contínuo, o juiz deve sempre ter em vista, como orientação principiológica, a prioridade que a lei estabelece para a “manutenção da fonte produtora”, ou, em outras palavras, a recuperação da empresa.
Assim, tal princípio está intimamente relacionado com o princípio a seguir tratado e referido de forma expressa no enunciado em comento.
3.1.2 Princípio da Preservação da Empresa
A empresa é um organismo produtivo de suma importância social, a qual deve ser protegida e defendida, enquanto único instrumento de produção de (efetiva) riqueza, bem como instrumento fundamental de ocupação e de distribuição de riqueza. Da mesma forma, a empresa constitui um centro de propulsão do progresso, também cultural, da sociedade.
Com efeito, a própria Lei visa viabilizar a superação da crise da empresa, colocando como primeiro objetivo a “manutenção da fonte produtora” , o que, nos dizeres de Manoel Justino, significa a manutenção da atividade empresarial em sua plenitude tanto quanto possível, levando a sua possível manutenção e dos empregos dos seus trabalhadores.
Portanto, evidencia-se a essencialidade do referido princípio nos dias atuais, uma vez que a empresa possui uma função social, garantindo empregos, gerando riquezas e, na opinião de alguns, até mesmo felicidade.
3.2 Da Obediência dos Princípios na Recuperação Judicial
Diante da situação exposta acima e das interpretações doutrinárias, os princípios da função social e da preservação da empresa devem ser sempre observados em toda e qualquer recuperação judicial, sob pena de o instituto da recuperação perder completamente seu sentido, uma vez que o mesmo só existe para que a empresa em crise volte a exercer seu papel fundamental na sociedade moderna.
3.3 Análise do Enunciado nº 74 da II Jornada de Direito Comercial de 2015
O enunciado número 74 da II Jornada de Direito Comercial de 2015 afirma o seguinte: “Embora a execução fiscal não se suspenda em virtude do deferimento do processamento da recuperação judicial, os atos que importem em constrição do patrimônio do devedor devem ser analisados pelo Juízo recuperacional, a fim de garantir o princípio da preservação da empresa”.
Refletindo sobre o tema demonstrado no enunciado acima exposto, e que será o tema desta dissertação, pode-se considerar extremamente necessária uma conceituação e explicação sobre o instituto da recuperação judicial de empresas.
Destarte, analisando o “fato gerador” de tal normatização, constata-se que no âmbito empresarial podem coexistir várias crises que afetem a empresa no seu âmago econômico e financeiro, e em diversas intensidades e tipos.
As crises consideradas mais catastróficas à atividade empresarial são aquelas que podem desestruturar o empresário, causando-lhe ônus insuportáveis, de tal forma que poderá torná-lo inadimplente frente aos seus credores, o que, por sua vez, minará sua atividade profissional, provocando-lhe, na pior das hipóteses, sua falência.
Porém, há, também, crises não tão graves, que apenas ferem sua atividade negocial, sem causar-lhe desestruturação econômica e certa dificuldade financeira.
Entrementes, surge a figura da Recuperação Judicial, a qual tem por objetivo principal tentativa de manutenção da empresa, com o fim de viabilizar a superação da crise em que ela se encontra. Deste modo, trona-se evidente que a recuperação judicial é uma forma de manutenção da empresa, que interessa não só ao empresário, como também, aos diversos atores que serão, direta ou indiretamente, atingidos pela crise da referida empresa. Como bem leciona Sérgio Campinho, “a superação do estado de crise dependerá da soma de esforços entre credores e devedor, podendo ser reversível ou não, caso em que o caminho será a liquidação do ativo insolvente para ser repartido entre seus credores seguindo um critério especial de preferências – a falência” (Campinho, 2005) .
O supracitado instituto da recuperação judicial, como bem ensinado pelos Professores Manoel Justino Bezerra Filho e Ronaldo Vasconcelos, destina-se a possibilitar o reerguimento da empresa em situação de crise econômico-financeira, ou seja, a recuperação judicial nada mais é que a possibilidade de superação e reerguimento da empresa que, por ora, encontra-se em situação de crise econômico-financeira.
Nesse diapasão, vale lembrar o que seria a crise econômico-financeira.
Pode-se dizer que a crise financeira nada mais é que a momentânea iliquidez de determinada empresa, enquanto a crise econômica é a insustentabilidade do próprio modelo de gestão. Com efeito, quando a empresa possui dificuldades financeiras somadas a má gestão de seu negócio, suscitam, automaticamente, a crise econômico-financeira, a qual, por sua vez, provoca a recuperação judicial ou a falência.
Diante dessa consideração inicial acerca da recuperação judicial, passamos à análise mais detida sobre o enunciado já mencionado nesta presente dissertação.
Pois bem, o enunciado, primeiramente, faz referência ao artigo 6º da Lei 11.101/05, o qual estabelece que no caso de decretação de falência ou deferimento do processamento da recuperação judicial, as ações e execuções em face do devedor, inclusive a prescrição, serão suspensas.
Deste modo, a priori, pode-se afirmar que qualquer ação ou execução movida em face do devedor, que requereu o processamento da recuperação judicial ou a decretação da sua falência, serão suspensas, fazendo com que todos os seus credores tenham que habilitar seus créditos nas respectivas ações de recuperação judicial ou de falência.
Ademais, segundo o artigo 6º, parágrafo 4º, da própria Lei, essa suspensão das ações e execuções contra o devedor perdura durante o prazo de 180 dias, contados do deferimento do processamento da recuperação. Logo, a suspensão visa constituir uma “blindagem” a favor do devedor, impossibilitando que seus credores se valham dessas ações para satisfazerem seus créditos em detrimento do soerguimento da empresa então em crise.
Porém, o enunciado não para por aqui, ele continua e, frente à compreensão da descrição nele contida, observa-se que há uma exceção a essa regra, qual seja, a execução fiscal promovida contra o devedor não será suspensa em virtude da decisão judicial que conceder o processamento de sua recuperação judicial, de tal forma que sua fundamentação legal está contida no parágrafo 7º do referido artigo 6º. Esta exceção aplica-se exclusivamente às execuções de natureza fiscal em face do devedor.
Nesse diapasão, numa visão principiológica do referido dispositivo legal, verifica-se que a situação afasta, pelo menos parcialmente, o princípio da universalidade do juízo falimentar, ou também chamado de princípio da força atrativa da falência, porque tal exceção afasta a competência do juízo da recuperação judicial sobre a análise da execução fiscal, de modo que a competência para processar e julgar as execuções continuará sendo do juízo de execuções fiscais, municipais, estaduais ou federais.
Vale salientar que a própria exceção acima comporta a ressalva da possível concessão de parcelamento da dívida fiscal que originou a execução nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.
Com efeito, tratando-se de execução de natureza fiscal, não haverá a suspensão da execução contra o devedor, acarretando o seu regular processamento no respectivo juízo, desde que esta não seja objeto de parcelamento ou plano de refinanciamento dos débitos tributários, os quais suspenderão a exigibilidade daquele crédito enquanto perdurar o prazo legal de suspensão das ações e execuções na recuperação judicial.
Vale lembrar, ainda, que o artigo 52, do Diploma sob análise, estabelece a normatização legal da concessão do pedido de processamento da recuperação judicial, em que, caso a documentação esteja de acordo com o que a Lei manda (art. 51), o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, neste mesmo ato, deverá ordenar a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor, ressalvadas as ações previstas nos parágrafos 1º, 2º e 7º do artigo 6º da Lei de Recuperação Judicial e Falência, com fundamento no inciso III do artigo 52 do mesmo diploma legal. Assim, torna-se solidificado a disposição do direito material com sua forma processual de efetivação.
Avançando, agora, na leitura do enunciado, verifica-se que, por mais que as execuções fiscais não sejam suspensas pelo deferimento do processamento da recuperação judicial, como se viu, os atos que importem em constrição do patrimônio do devedor - que se encontra em fase de processamento da sua possível recuperação judicial - deverão ser analisados pelo Juízo recuperacional e não mais pelo Juízo executório, já que o objetivo aqui é evitar a expropriação dos bens do devedor, o que poderia impossibilitar a recuperação da empresa, uma vez que a finalidade é garantir o princípio da preservação dela, buscando-se sempre reerguê-la, porque ela é um dos pilares do capitalismo e do crescimento econômico nacional.
Nesse sentido entendeu o Superior Tribunal de Justiça em voto do Excelentíssimo Senhor Doutor Ministro Marco Aurélio Belizze, sobre o qual pedimos licença para transcrever um parágrafo do julgado, que, face os interesses coletivos conflitantes, a concessão de recuperação judicial não suspende as execuções fiscais em curso, mas impede os atos de alienação do patrimônio do devedor, in verbis, “De acordo com o entendimento jurisprudencial consolidado no âmbito da Segunda Seção desta Corte de Justiça, embora o deferimento do processamento da recuperação judicial não tenha, por si só, o condão de suspender as execuções fiscais, na dicção do art. 6º, § 7º, da Lei n. 11.101/05, a pretensão constritiva direcionada ao patrimônio da empresa em recuperação judicial deve, sim, ser submetida à análise do juízo universal, em homenagem ao princípio da preservação da empresa” .
Esse também é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no agravo de instrumento número 0124780-61.2013.8.26.0000, da Comarca de Araçatuba, o qual pedimos vênia para transcrever a passagem do Desembargador Araldo Telles, in verbis, “O crédito tributário não se submete ao processo de recuperação judicial; deve ser cobrado por meio de execução fiscal quando, então, o juízo da execução entender-se-á com o juízo da recuperação. Essa é a conclusão a ser extraída da jurisprudência, especialmente a do STJ, segundo a qual é da competência do juízo da recuperação judicial deliberar sobre o patrimônio da devedora” .
Assim sendo, verifica-se que fica evidente que o Juízo Falimentar detém a competência para analisar todos os atos de constrição do patrimônio do devedor em recuperação, a fim de garantir a preservação da empresa e assegurar a vis atrativa desse Juízo, uma vez que se visa resguardar o interesse público por traz da recuperação judicial, além de tentar recuperar de fato a empresa, já que o objetivo é a manutenção da unidade produtiva da empresa e consequentemente de seus postos de trabalho.
Diante de tais fatos, uma vez que o devedor requereu o processamento da recuperação judicial, pode-se afirmar que ele está em alguma situação de crise econômico-financeira que é capaz ou suficiente de levá-lo à inadimplência rapidamente, assim, qualquer ato de constrição do seu patrimônio acarretaria a destruição de sua atividade econômica e, por consequência, ao insucesso de sua recuperação, já que ele não teria como exercer sua atividade econômica para satisfazer suas dívidas e não teria como honrar com suas obrigações; por isso que se entende que, mesmo com a continuação das execuções fiscais, qualquer ato de constrição do patrimônio do devedor deve ser analisado pelo Juízo recuperacional, a fim de garantir que o devedor possa concretizar sua recuperação e voltar ao mercado, preservando, portanto, a higidez de sua empresa.
Insta ressaltar, além do mais, que o devedor em situação de crise pode requerer o parcelamento de seus débitos tributários frente ao Fisco. Todavia, isto deve ser regulamentado pelo Código Tributário Nacional e pela legislação específica, não abarcando a Lei de Recuperação Judicial e Falência, a qual apenas lhe cabe à lembrança dessa possibilidade.
Dito, exaustiva e minuciosamente, tudo o que acima se expôs, percebemos que o enunciado ora analisado está coberto de razão e aplica-se à realidade observada na prática do mundo jurídico em nosso País, pelos seguintes motivos:
Em primeiro lugar, caso se previlegiasse a execução fiscal ao ponto de não impor-lhe qualquer freio ou limitação, consequentemente isso faria com que os atos da Fazenda Pública em sede de Execução Fiscal levassem à constrição do patrimônio do devedor e, assim, frustrar-se-ia a própria Recuperação Judicial, uma vez que ao retirar todo o patrimônio da empresa em crise não haveria como se produzir mais nada, e muito menos conseguiria dar continuidade à sua atividade empresarial, o que, por sua vez, geraria a consolidação do inadimplemento desta frente aos seus credores, acarretando, inevitavelmente, a sua quebra com a convolação da recuperação judicial em falência.
Outra razão, predominante, aliás, para o enunciado nº 74 estar correto, no âmbito nacional de aplicação, é o fato de que ele foi atribuído como justificativa ao princípio da preservação da empresa, porque, como demonstrado acima, a empresa possui uma função social, garantindo empregos, gerando riquezas e, na opinião de alguns, até mesmo felicidade. Portanto, torna-se essencial a sua preservação.
Ora, nesse sentido, se a Fazenda pudesse executar a empresa devedora em sede de recuperação judicial, até que o débito tributário fosse quitado, o referido princípio cairia por terra e perderia sua força, haja vista que constrição do patrimônio da empresa devedora ocasionaria, sem embargo, a sua inevitável quebra.
Por fim, cumpre obtemperar que, tendo em vista as classes de credores envolvidas na recuperação judicial, verifica-se que a utilização desse enunciado sem o devido equilíbrio e justiça, na hipótese de adimplemento total da obrigação tributária, geraria a diminuição do crédito a receber dos credores (o que levaria o devedor a não saldar inteiramente, ou como prometido, as dívidas frente aos seus credores), bem como, em último estágio, a própria insustentabilidade da recuperação, causando, por sua vez, até a convolação em falência. Não seria justo, assim, satisfazer a Fazenda Pública em detrimento das classes de credores disciplinadas e enumeradas na própria Lei de Recuperação Judicial e Falência, podendo até ser considerada uma manobra de fraude à Lei, porque passaria o crédito do Fisco na frente dos demais, infringindo a ordem de preferência.
4. Conclusão
Diante de todo o acima exposto e do tema objeto do presente estudo, pode-se concluir que a empresa deve ser objeto de proteção e ajuda quando se encontrar em alguma situação de crise econômico-financeira.
Ademais, em atenção a todos os princípios tratados neste estudo e segundo o objetivo da recuperação judicial, a empresa deve ser ajudada a superar a sua crise, e, mesmo que as execuções fiscais não se suspendam com o deferimento da recuperação, toda e qualquer possível constrição do patrimônio dessa pessoa jurídica deve, necessariamente, e em última análise, ser bem ponderada pelo Juízo recuperacional, com vistas a proteger a empresa em situação de crise e propiciar que sua recuperação continue sem intercorrências até o atingimento de seu objetivo final, o qual se consolida na novação de suas dívidas frente aos credores, sem ocasionar a sua falência.
Isso tudo ocorre porque o objetivo da recuperação judicial tem como corolário a preservação da empresa, com vistas à sua continuidade no mercado, fazendo com que ela exerça sua função social e que seus credores sejam pagos, mas sem que isso signifique aniquilar por completo a sua existência.
Nesse diapasão, na hipótese de a Fazenda Pública executar a empresa devedora ao ponto de haver a constrição do patrimônio dela, os outros credores ficariam desolados, ou, numa expressão coloquial, “a ver navios”, uma vez que a empresa teria que parar sua atividade econômica para satisfazer única e exclusivamente os créditos tributários, fazendo com que ela cessasse a produção de riquezas e inviabilizasse seu plano de recuperação judicial, restando aos demais credores a liquidação de todo o patrimônio da empresa, o que, provavelmente, não satisfaria inteiramente seus créditos perante os credores habilitados na recuperação judicial.
Ademais, insta salientar que, no caso de a empresa se achar em dificuldades financeiras, a primeira coisa que ela fará será suspender o pagamento dos tributos, haja vista que se ela interromper o pagamento de seus fornecedores/credores, ou de seus empregados/trabalhadores, não haverá recuperação que salve mais esta empresa, porque, caso ela aja assim, não teria meios de produzir riqueza e jamais honraria suas dívidas.
Ante todo o exposto, resta cristalina a importância desse instituto e do Enunciado nº 74, exaustivamente mencionado, por tratar-se de uma regra de preservação da empresa, para que esta consiga se recuperar e beneficiar toda a sociedade, o mercado e a economia com a continuidade de suas atividades, gerando empregos, riquezas e, também, repita-se, a tão almejada felicidade.
5. Bibliografia:
- BEZERRA FILHO, Manoel Justino. “Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei 11.101/2005: comentada artigo por artigo”. 10ª edição, revisada, atualizada e ampliada. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2014.
- CAMPINHO, Sérgio. “Lei n. 11.101, de 9 fev. 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária”. Publicada em 9 fev. 2005. Diário Oficial da União, p. 1. Edição extra.