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Análise crítica da Lei nº 12.846/2013:lei anticorrupção

Agenda 19/10/2015 às 19:35

Análise explanatória e crítica acerca da chamada "lei das empresas limpas", de 1º de agosto de 2013.

 INTRODUÇÃO

Em resposta às manifestações de junho de 2013, o Governo Federal entendeu por bem promulgar a lei nº 12.846/2013, popularmente conhecida como Lei Anticorrupção. O diploma legal trata da responsabilização objetiva de pessoas jurídicas, nas esferas administrativa e civil, pela prática de atos lesivos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. A referida lei está em vigor desde 29 de janeiro de 2014 e, portanto, não se aplica a atos praticados antes dessa data.

CAMPO DE APLICAÇÃO ULTRATERRITORIAL DA LEI

O parágrafo único do artigo 1º da lei determina seus destinatários, ou seja, sobre quais sujeitos a lei pode recair: todas as sociedades empresárias e sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.

Nesse sentido, dispõe também o artigo 28 que a lei se aplica aos atos lesivos praticados por pessoa jurídica brasileira contra a administração pública estrangeira, ainda que cometidos no exterior.

Inicio este artigo tecendo considerações importantes sobre os artigos supra, por meio dos quais se conclui que a Lei Anticorrupção possui aplicação ultraterritorial. Como se nota, os referidos dispositivos não limitam o campo de aplicação da lei pelos critérios de territorialidade do ato lesivo e/ou nacionalidade do infrator, tampouco à entrada do sujeito no território brasileiro ou ao fato de ser o crime também punível no país em que foi praticado.

Infere-se, portanto, que lei anticorrupção aplicar-se-ia, por exemplo, a um ato de corrupção praticado por empresa estrangeira no Brasil, bem como a uma prática corrupta cometida no exterior por empresa brasileira. Pode-se inclusive cogitar, pautando-se unicamente pela leitura dos referidos artigos, que a lei aplicar-se-ia a um ato corrupto praticado no exterior por empresa estrangeira que tenha mera representação no Brasil.

No entanto, seria absolutamente irrazoável pensar que o objetivo do legislador era o de adotar um regime de ultraterritorialidade ilimitada para a lei anticorrupção. Isso porque a ausência de limites expressos para a aplicação da lei implicaria clara ofensa à soberania de outros Estados, gerando, assim, um impasse entre nações. Consequentemente, esse impasse poderia gerar grande dificuldade na obtenção de provas no âmbito de uma investigação de corrupção em outro país, além dos chamados “blocking statutes”, que são leis de bloqueio promulgadas em uma jurisdição com o objetivo de impedir a aplicação de leis ultraterritoriais de outra jurisdição.

A título exemplificativo, a Inglaterra promulgou, em 1980, o chamado “British Protection of Trading Interests Act” para, dentre outros objetivos, bloquear a aplicação ultraterritorial ilimitada da norma anticorrupção dos Estados Unidos, qual seja, o “Foreign Corrupt Practices Act”.

Além de uma grave ofensa à soberania de outros Estados, a aplicação ultraterritorial da lei anticorrupção em caráter ilimitado também resultaria em violação às Convenções contra a corrupção já ratificadas pelo Brasil, quais sejam, (i) a Convenção Interamericana contra a Corrupção (OEA); (ii) a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção; e (iii) a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nota-se que tal impasse poderia gerar, inclusive, a responsabilização do país por violação ao Direito Internacional.

Com isso em mente, Modesto Carvalhosa, em seu livro “Considerações sobre a Lei Anticorrupção das Pessoas Jurídicas” adotou a teoria de ultraterritorialidade condicionada, teoria esta já consagrada pelo direito penal brasileiro no artigo 7º, parágrafo 2º, do Código Penal, segundo o qual a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: 

(i) entrar o agente no território nacional; 

(ii) ser o fato punível também no país em que foi praticado; 

 

(iii) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição;

 

(iv) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; 

(v) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a    punibilidade, segundo a lei mais favorável.

Modesto Carvalhosa concluiu que o Estado pode aplicar a Lei Anticorrupção sobre três tipos de conduta, contanto que observe os limites previstos no artigo 7º, § 2º do Código Penal e consulte o Direito estrangeiro quanto à natureza dos atos praticados sobre seu território. Os três tipos de conduta sobre as quais a Lei Anticorrupção poderia incidir são: (i) atos de corrupção que ocorrem dentro do território brasileiro, (ii) atos de corrupção praticadas por seus nacionais, e (iii) condutas corruptas externas que gerem impacto efetivo sobre o Brasil.

O que seria então um impacto efetivo no país? Para Modesto Carvalhosa, não basta tão somente um efeito em potencial, como aquele previsto no artigo 2º da Lei do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE – Lei Federal nº 12.529/2011), segundo o qual se aplica a referida lei às práticas cometidas no todo ou em parte no território nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos. Na visão de Carvalhosa, a incidência da Lei Anticorrupção na terceira modalidade de condutas mencionadas acima somente seria possível se da conduta resultasse um impacto grave e já concretizado no território nacional.

Por outro lado, Vicente Greco Filho, em seu livro “O combate à corrupção e comentários à Lei de Responsabilidade de Pessoas Jurídicas: Lei 12846, de 1 de agosto de 2013”, adota uma outra posição, segundo a qual o campo de incidência da Lei Anticorrupção dependeria da punição imposta. Para este doutrinador, a depender da punição, será atingida a filial/representação ou a própria pessoa jurídica estrangeira. Por exemplo, se a punição for multa, responde, além da filial, a pessoa jurídica a que pertence. No entanto, se a pena for dissolução compulsória, atingirá somente a filial/representação no Brasil, por falta de jurisdição brasileira sobre a sede ou outras filiais/sucursais estabelecidas no exterior.

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CONCEITOS PRÓPRIOS DA LEI 

Outra questão interessante de se notar a respeito da Lei Anticorrupção é que o legislador utilizou conceitos próprios na lei, tais como “administração pública estrangeira”, sem definir exatamente o que faz parte de tal instituição. 

Igualmente, a Lei Anticorrupção define se uma empresa é controlada por um Estado estrangeiro, sem ao menos ponderar se tal Estado estrangeiro considera a empresa em questão como parte de sua administração pública.

Observa-se, ainda, que não há uma definição de “agente público” na Lei Anticorrupção. Ouso concluir que isso seria uma falha do legislador, tendo em vista que todas as condutas vedadas pelo referido diploma legal dizem respeito a atos intentados com a participação de um agente público. 

ATOS LESIVOS

O artigo 5º da Lei Anticorrupção elenca, de maneira taxativa, os atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, ou seja, todos aqueles atos praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Os atos lesivos são definidos da seguinte forma:

I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;

II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;

III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;

IV - no tocante a licitações e contratos:

a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;

b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;

c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;

d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;

e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;

f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou

g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;

V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

RESPONSABILIZAÇÃO

A Lei Anticorrupção inovou, em seu artigo 2º, ao estabelecer o regime de responsabilidade objetiva, segundo o qual as pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.

Isso quer dizer que as empresas serão responsabilizadas independentemente da comprovação de ter havido dolo ou culpa na prática do ato lesivo, ou seja, a sociedade poderá ser responsabilizada ainda que seu conselho de administração não tivesse ciência inequívoca do ato em questão, bastando tão somente que a conduta tenha sido praticada no interesse ou benefício da empresa. Um exemplo clássico de ato corrupto praticado em benefício de uma sociedade seria um agente intermediário, agindo em nome da empresa, que suborna agentes públicos para obter licenças ambientais.

Há de se ressaltar que o legislador se omitiu em relação a diversas situações que podem ocorrer na vida prática. Reflitamos: seria razoável uma empresa inteira ser responsabilizada nos termos da Lei Anticorrupção (cuja respectiva sanção de multa pode corresponder a até 20% do faturamento bruto da empresa) por atos de corrupção praticados por terceiros agindo em nome da companhia, ainda que sem o conhecimento de seu conselho de administração? Não me parece justo.

Dispõe o artigo 3º da Lei Anticorrupção que a responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes, administradores ou de qualquer pessoa natural que tenha agido como autora, coautora ou participante do ato ilícito.

Isso significa que as pessoas físicas envolvidas no ato lesivo poderão ser processadas na esfera criminal ainda que já estejam respondendo pelo crime, no âmbito da Lei Anticorrupção, por meio de processo administrativo de responsabilização.

Desta feita, observa-se que a persecução criminal às pessoas físicas envolvidas no ato ilícito é autônoma e não depende de prévia responsabilização nos âmbitos civil e administrativo.

O parágrafo 1º do artigo 3º corrobora o entendimento acima, determinando que a pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput.

Nesta toada, determina o parágrafo 2º do mesmo artigo que os dirigentes ou administradores da sociedade somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade.

O artigo 4º da Lei Anticorrupção determina ainda subsistir a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária. No entanto, tal responsabilidade será restrita a obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não sendo aplicáveis as demais sanções decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados.

O parágrafo 2º do artigo 4º adota o regime de responsabilidade solidária em relação à cadeia de sociedades a qual a empresa em questão está ligada, nos seguintes termos:

§ 2o  As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado.

Verifica-se, portanto, que as sociedades controladoras, controladas, coligadas e consorciadas são responsáveis solidárias em relação ao ato lesivo em questão. Para uma melhor compreensão do regime de responsabilidade solidária adotada na lei em tela, há de se estabelecer uma distinção entre os conceitos mencionados acima.

Sociedades controladas são definidas como aquelas na qual a empresa controladora (ou “empresa-mãe”) possui direitos que a habilitam a ter preponderância nas deliberações sociais e eleger a maioria dos administradores.

Já as coligadas são aquelas sociedades em que o investidor possui influência significativa, que ocorre quando o investidor exerce o direito de participar nas decisões da empresa investida, sem controlá-la. Nesse sentido, uma influência significativa seria uma porcentagem de 20% ou mais de ações com direito a voto.

Há de se frisar, contudo, que o legislador não deixou explícito até que ponto da cadeia de sociedades controladoras/afiliadas/consorciadas a Controladoria Geral da União (“CGU”), no âmbito da esfera federal poderia atingir com o objetivo de recuperar  o montante desviado pela corrupção.

Dessa forma, pairam ainda muitas dúvidas no que diz respeito ao parágrafo 2º do artigo 4º da Lei Anticorrupção, o que enseja uma verdadeira insegurança jurídica pois, pelos termos da lei, a CGU poderia buscar a reparação do dano e pagamento de multa em qualquer empresa pertencente à cadeia, desde que a sociedade imediatamente anterior não tivesse condições de arcar com o montante respectivo.

A título de exemplificação, se a empresa “A” é acionista majoritária da empresa “B”, a qual, por sua vez, é acionista majoritária da empresa “C”, sendo esta última acionista controladora da empresa “D”. Digamos que a empresa “D” cometa um ato de corrupção, vindo a ser processada nos termos da Lei Anticorrupção. Pergunta-se: nesse caso, se a empresa “D”, “C” e “B” não tivesse condições de arcar com o montante respectivo da multa e reparação do dano, poderia a CGU buscar esse valor com a empresa “A”?

Outro exemplo, desta vez mais complexo: digamos que uma empresa “XPTO”, membro de um determinado consórcio, pratique um ato de corrupção em 30/01/2015, sem que as outras empresas consorciadas tivessem conhecimento do fato. Posteriormente, a mídia divulga a ocorrência da corrupção, momento em que as demais consorciadas tomam ciência do evento. Nesse caso, poderia a CGU arrolar a empresa “Y” como responsável solidária da empresa “X”, ainda que ela não tivesse conhecimento dos fatos?

Para dirimir esta questão, a partir de uma interpretação sistemática da Lei Anticorrupção, bem como analogia ao disposto no artigo 2º do referido diploma legal, pode-se concluir que, para ambos os exemplos acima, a CGU teria que demonstrar haver evidências de que o ato corrupto em questão foi praticado no benefício ou interesse da empresa controladora/controlada/coligada/consorciada. Esta foi a interpretação dada por Flávio Rezende Dematté, coordenador geral de responsabilização de entes privados da Controladoria Geral da União, em artigo publicado em março de 2014.

SANÇÕES

O artigo 6 elenca o rol de penalidades administrativas que podem ser aplicadas, alternada ou cumulativamente, no âmbito da Lei Anticorrupção, quais sejam: (i) multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação, e (ii) publicação extraordinária da decisão condenatória, a qual ocorrerá em formato de extrato de sentença ou em publicação de grande circulação nacional.

A respeito da penalidade administrativa de multa prevista na Lei Anticorrupção, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto   da pessoa jurídica, a multa corresponderá a um valor compreendido entre de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).

Mister ressaltar que eventual imposição de sanção advinda da esfera administrativa não afasta a possibilidade de responsabilização na esfera judicial. A propósito, dispõe o artigo 19 da Lei Anticorrupção que as seguintes sanções poderão ser igualmente impostas pela prática de atos lesivos ali previstos: (i) perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, (ii) suspensão ou interdição parcial de suas atividades, (iii) dissolução compulsória da pessoa jurídica, e (iv) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos. Tais penalidades também poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa.

A dissolução compulsória da pessoa jurídica, penalidade mais grave prevista na Lei Anticorrupção, só poderá ser determinada se restar comprovado que a empresa se utilizou de sua personalidade jurídica, de maneira habitual, para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos previstos na lei ou, ainda, se tiver sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.

Deve-se notar que eventual condenação, se no âmbito judicial, resulta ainda em obrigação de reparação integral do dano.  Para esse fim, a Lei Anticorrupção prevê ainda que o Ministério Público, a Advocacia Pública ou outro órgão de representação judicial do ente público poderá requerer a indisponibilidade de bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento, ressalvado o direito do terceiro de boa-fé.

Em relação às formas de imposição das penalidades acima mencionadas, na esfera administrativa, a apuração da responsabilidade da pessoa jurídica será efetuada por meio de processo administrativo de responsabilização - PAR, cuja competência para instauração e julgamento cabe à autoridade máxima da entidade em face da qual o ato lesivo houver sido praticado ou, em caso de órgão da administração pública direta, caberá ao respectivo Ministro de Estado. É o que dispõe o artigo 3 do Decreto Federal n. 8.420, de 18 de março de 2015, o qual regulamentou a Lei Anticorrupção.

Há de se fazer uma observação no que diz respeito a competência para instauração e julgamento do PAR: não soa um pouco estranho que a autoridade máxima da em face da qual o ato lesivo é praticado seja aquela competente para instaurar e julgar o processo administrativo de responsabilização? Vejamos.

É de ampla notoriedade que o suposto esquema cartelizado de pagamentos de propina objeto de investigação da Lava-Jato, apelidado de "Petrolão", foi praticado em desfavor da maior empresa petrolífera do país, a Petrobras. Além disso, sabemos que a instância máxima da Petrobras, que é uma sociedade de economia mista, são o seu CEO e o presidente de seu conselho de administração. Pensemos: não seria absolutamente estranho que o próprio CEO da Petrobras fosse o responsável por processar e julgar os ex-diretores de sua própria empresa, envolvidos no Petrolão? Me parece que isso poderia configurar, inclusive, uma situação de impunidade.

Para sanar essa contradição, ao menos na esfera do Poder Executivo Federal, o Decreto Federal n. 8.420/2015 estipulou, em seu artigo 13, que a Controladoria Geral da União possui competência concorrente para instauração e julgamento do processo administrativo de responsabilização. Dessa forma, se a instância máxima da entidade contra a qual o ato foi praticado decidir por bem não intentar o processo, a CGU se tornará responsável por instaurá-lo.

Na esfera judicial, será adotado o rito previsto na Lei  no 7.347, de 24 de julho de 1985, a qual dispõe sobre as ações civis públicas. Além disso, a competência para instauração de tal processo será da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial (ou equivalentes), bem como do Ministério Público.

ACORDO DE LENIÊNCIA

A Lei Anticorrupção prevê, em seu Capítulo V, a possibilidade de a pessoa jurídica responsável pela prática do ato lesivo em questão celebrar um acordo de leniência com a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública respectiva, ou seja, aquela que intentou a ação.

O Decreto Federal n. 8.420 complementou tal previsão dispondo que a Controladoria Geral da União tem competência exclusiva para celebrar acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo Federal, bem como nos casos de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.

Para fazer jus à celebração do acordo de leniência, a pessoa jurídica infratora deve colaborar efetivamente com as investigações e com o processo administrativo de responsabilização, sendo que desta colaboração deverá necessariamente resultar: (i) a identificação dos demais envolvidos na infração, se aplicável, e (ii) a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

Além disso, o acordo de leniência somente poderá ser celebrado se preenchidos, necessária e cumulativamente, os seguintes requisitos:

(i) ser a primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração de ato lesivo específico, quando tal circunstância for relevante;

(ii) ter cessado completamente seu envolvimento no ato lesivo a partir da data da propositura do acordo;

(iii) admitir sua participação na infração administrativa;

(iv) cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo e comparecer, sob suas expensas e sempre que solicitada, aos atos processuais, até o seu encerramento; e

(v) fornecer informações, documentos e elementos que comprovem a infração administrativa.

Uma vez cumprido o acordo de leniência pela pessoa jurídica, serão declarados um ou mais dos seguintes efeitos:

(i) isenção da publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora;

(ii) isenção da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicos e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo Poder Público;

(iii) redução do valor final da multa aplicável em até 2/3;

(iv) isenção ou atenuação das sanções administrativas previstas nos art. 86 a art. 88 da Lei no 8.666, de 1993, ou de outras normas de licitações e contratos.

> BIBLIOGRAFIA 

- CARVALHOSA, Modesto. Considerações sobre a Lei Anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei 12846/2013;

- GRECO FILHO, Vicente / RASSI, João Daniel. O combate à corrupção e comentários à Lei de Responsabilidade de Pessoas Jurídicas: Lei 12846, de 1 de agosto de 2013;

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