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IPTU, zona urbana e alíquotas perante o sistema federativo e a emenda constitucional N. 29/2000

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Agenda 30/10/2003 às 00:00

3. Conclusões finais

3.1. Critério Espacial do IPTU.

Núcleo urbano não deve ser tomado como sinônimo de zona urbana, mas para que haja a cobrança do IPTU deverá o Município, no exercício fiscal anterior zonear, delimitar as áreas abrangidas pelos imóveis existentes em seu território, para, com isso, instituir a obrigação de forma regular.

Igualmente, diante do que ficou sobredito, nenhuma lei, federal ou estadual, ordinária ou complementar poderá definir zona urbana para efeitos de tributação do IPTU, pois tal atitude ferirá a autonomia municipal, uma vez que foi conferido constitucionalmente aquele cabedal de prerrogativas constitucionais ao Município, como ficou patente não seria sob o fundamento do art. 146, I, da CF, que seria possível editar lei complementar que contrariasse a própria constituição em tantos outros dispositivos, como acima referidos, a título de pacificar conflitos de competência, quem possui tal competência é o próprio ordenamento municipal, sendo que o CTN e demais legislação complementar possuem função meramente residual.

3.2. Critério Quantitativo do IPTU.

O instituto da progressividade parte de uma presunção legal, presunção de natureza relativa, haja vista que o mesmo princípio de progressividade contida no art. 145, parágrafo 1º da Carta Magna tem sua base no dado da realidade econômica efetiva vivida pelo contribuinte, logo, uma vez feita a prova de que a progressividade excede a capacidade econômica do contribuinte, a aplicação de tal regime de progressividades, fiscais, extrafiscais e seletivas, acabam por ferir o direito do mesmo, criando a necessidade de se minorar a seu impacto patrimonial.

Numa perspectiva positivista e formalista poderíamos sustentar a constitucionalidade de tais critérios quantitativos no que diz respeito às alíquotas do IPTU, pois existe emenda constitucional e até prova em contrário é o que vale no sistema positivo; ora, tal prova deve ser feita com base na tese que procure demonstrar a ofensa ao princípio da vedação de bitributação haja vista que as hipóteses de progressividade fiscal, extrafiscal e seletiva do IPTU incidiriam sobre a base de cálculo dos demais tributos incidentes sobre a propriedade imóvel, mas, mais não me estenderei por haver explanado sobre tal assunto em artigo anterior, e, neste ensejo, socorro-me de algumas palavras do mesmo:

Concluímos, finalmente, que a aplicação progressiva do IPTU significa uma forma de bitributação velada e espúria, pois equipara o valor venal do imóvel à renda e ao preço, como se eventual valorização nominal representasse renda nova ou transmissão em potencial de titularidade, quando, na verdade, é mero valor presumido, passível de dimensionamento para baixo no momento da transação de compra e venda de imóveis, e, por outro lado fere o direito de propriedade, pois o transforma em peso economicamente proibitivo, configurando confisco, além, é claro, de ferir o direito à igualdade, pois o valor do imóvel não é medida confiável para aferimento da capacidade contributiva ensejadora de progressividade, a progressividade requer riqueza nova realizada ou por realizar, atual ou iminente, portanto; ou seja, riqueza pecuniária e não meramente contábil.

E, como última observação, não devemos esquecer que a capacidade econômica do contribuinte só poderá ser graduada em função do caráter pessoal quando for possível , e, como se observou no presente estudo, em relação à propriedade imóvel isto é impossível, em virtude da própria sistemática adotada pela Assembléia Nacional Constituinte ao desdobrar a tributação sobre o direito de propriedade entre esferas de competências secantes, fronteiriças, adjacentes de tal forma que a expansão de uma provocará bitributação em relação às demais. 18(grifos no original)

Por outro lado, creio que houve excesso na criação de alíquotas seletivas, portanto, minha opinião é a de que só deveriam prevalecer as progressividades do art. 182. e do art. 156, parágrafo 1º, I, ambos da CF, pois ambos partem de critérios plausíveis, seja em razão do valor do imóvel, seja em razão do descumprimento da função social da propriedade, por outro lado, o subjetivismo e a discricionariedade presentes na idéia de alíquotas seletivas do IPTU implicam numa quebra da segurança jurídica e, potencialmente, do direito de propriedade do cidadão.

A instituição de IPTU cumulativamente progressivo, fiscal e extrafiscal, e, concomitantemente seletivo em razão do lugar e do uso é formalmente constitucional, pois está previsto no art. 156, parágrafo 1º, II da CF, mas, materialmente, são feridos princípios maiores como a igualdade e a propriedade privada, pois a seletividade é uma hipótese de extrafiscalidade que se presta a políticas de desenvolvimento econômico e de política industrial, já no âmbito municipal é uma porta aberta para a possibilidade de uma "especulação imobiliária por meio tributário" ao talante do Município que pode se justificar por meio de qualquer razão extrafiscal imaginável. Mas como tudo é relativo nesta vida, até a seletividade poderia ser utilizada como instrumento de desenvolvimento econômico, digamos, se empresas se instalaram em determinado distrito terão alíquotas reduzidas em 90%, quem sabe? Mas creio ser muito difícil.

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Para finalizar consideramos a presente orgia de espécies de alíquotas como um fenômeno plenamente inconstitucional, porque a propriedade imóvel é parte do aspecto estático do patrimônio, não suscetível de revelar a real capacidade econômica atual do contribuinte, é valor imobilizado que uma vez investido torna-se uma base patrimonial cujo valor tende a ser constante, podendo eventualmente sofrer valorizações ou desvalorizações em virtude de fatos alheios à vontade do contribuinte, e, só esta valorização, por si só, já bastaria para tornar o valor do IPTU proibitivo a ponto de fazer com que o contribuinte se desfizesse do seu patrimônio, por ficar o mesmo além de sua capacidade econômica efetiva.

Que dizer do contribuinte que além de vir a sua obrigação subir com a valorização natural do imóvel, ainda ter que arcar com a sobrevalorização de sua obrigação em virtude da simples valorização virtual do bem, como se tal riqueza nova fosse, de imediato, resgatável na forma de dividendos, na verdade, com tal progressividade fiscal o contribuinte fica pobre duas vezes mais rápido, pois uma coisa é o patrimônio liquido crescer nominalmente, outra é este patrimônio ser convertido em caixa, é como se o Município não estivesse tributando a propriedade, mas, sim, a sua futura transmissão, ou futura renda.

Pior ainda é a história das alíquotas seletivas em função do lugar e do uso, de um lado é dar uma terceira chibatada em quem tem um imóvel valorizado, pois via de regra o local mais valorizado é o que sofrerá a incidência seletiva, e de outra parte, com absoluta certeza será a atividade produtiva, comercial ou industrial que será agraciada com a seletividade do uso (leia-se: alíquotas maiores), para não dizer de outras hipóteses possíveis que surgirem na imaginação estatal.

Em síntese, a progressividade fiscal e as seletividades ferem a igualdade e a capacidade contributiva, pois criam discriminações odiosas em função do exercício do direito de propriedade, é quase como se a propriedade fosse um crime ou uma contravenção, no mínimo um ilícito civil, a serem desestimuladas, atrevo-me a lançar a campanha "propriedade faz mal para a saúde financeira: gera imposto ".


Bibliografia

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BRASIL. Lei 10.336, de 19 de dezembro de 2001. Diário da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, pág. 2, col. 3, 20/12/2001.

BRASIL. Lei 9636, de 15 de maio de 1998. Diário da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, pág. 2, col. 2, 18/05/1998.

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 Diário da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, pág. 1, col. 1, 11/01/2002.

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Carvalho, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 13. ed. ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2000.

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Santos, Rosita de Sousa. Terras da marinha, Rio de Janeiro: Forense, 1985.


Notas

1 Não devemos esquecer que a norma jurídica pode apresentar-se na forma consuetudinária mediante práticas reiteradas de atos jurídicos cuja inobservância implicam em sanções jurídicas. Podemos, inclusive, afirmar que esta é a natureza do Poder Constituinte originário em sua essência, pois tal poder em virtude de sua natureza inaugural de uma nova ordem jurídica define-se numa convenção social costumeira de se atribuir a uma Assembléia Nacional Constituinte o Poder Político de dizer o Direito Constitucional, estando o poder jurídico de coagir presente na própria soberania da Assembléia, não esqueçamos que o fenômeno constitucional originário traz em si a força de uma revolução política que suplanta uma ordem precedente para inaugurar novo cosmos normativo.

2 O Apóstolo Paulo em sua Primeira Carta aos Coríntios, 14, 10-11, assim se refere quanto à linguagem: "No mundo existem não sei quantas espécies de linguagem, e não existe nada sem linguagem. Ora, se eu não conheço a força da linguagem, serei como estrangeiro para aquele que fala, e aquele que fala será um estrangeiro para mim"

3 Conforme Paulo Barros de Carvalho em sua obra Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 2.ª ed., Saraiva, São Paulo, 1999, p. 32. "Apresentada em notação simbólica, a norma secundária apareceria da seguinte forma: D[(p.-q)® S]. E com o desdobramento de S: (S’ R S’’’), em que p é a ocorrência do fato jurídico; ".", o conectivo conjuntor, -q a conduta descumpridora do dever; "® ", o operador implicacional; e S a sanção, desdobrada em S’, como sujeito ativo (o mesmo da relação da norma primária: R, o relacional deôntico; e S’’’, o Estado-Juiz, perante quem se postula o exercício da coatividade jurídica. A Teoria Geral do Direito refere-se à relação jurídica prevista na norma primária como de índole material, enquanto a estatuída na norma secundária seria de direito formal (na acepção de processual, adjetiva."

4 Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 13. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2000, às páginas 239 e seguintes define em profundidade a teoria da regra-matriz de incidência tributária, mas, é sua obra capital; Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, 2.ª ed., Saraiva, São Paulo, 1999, que se faz estudo científico e aprofundado desta verdadeira fórmula geral para a compreensão da norma jurídica, haja vista que o horizonte da teoria da regra-matriz abrange todo o fenômeno normativo e não somente o tributo.

5 Paulo de Barros Carvalho, Curso..., p. 327.

6 Paulo Barros de Carvalho, op. cit., p. 36, ensina que: "São normas de conduta, entre outras, as regras-matrizes de incidência dos tributos e todas aquelas atinentes ao cumprimento dos deveres instrumentais ou formais, também chamados de ‘obrigações acessórias’. E são tipicamente regras de estrutura aquelas que outorgam competências, isenções, procedimentos administrativos e judiciais, as que prescrevem pressupostos etc. Entre as normas que estipulam competência, incluamos as regras de imunidade tributária (grifamos)".

7 O Art. 32. do CTN sugere os critérios definidores da zona urbana a estarem presentes na lei municipal competente, nos seguintes termos:

"Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município."

"§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:"

"I - meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;"

"II - abastecimento de água;"

"III - sistema de esgotos sanitários;"

"IV - rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;"

"V - escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado."

"§ 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior."

8 Rosita de Sousa Santos, Terras da marinha, Rio de Janeiro : Forense, 1985, p. 61.

9 Op. cit., p. 79.

10 Op. cit., p. 86.

11 Op. cit., p. 59.

12 Na mesma medida outro não fora o mandamento do artigo 694, in fine, do Antigo Código Civil, de 1916, que determinava: "A [enfiteuse] dos terrenos de marinha e acrescidos será regulada em lei especial."

13 Relacionado a esta interessante questão da determinação da Linha Média do Premar de 1831, Paraguassú Éleres, Intervenção territorial federal na Amazônia. – Belém: Imprensa Oficial do Estado, 2002, p. 75, diz que "A referência é de natureza altimétrica, contada a partir da Linha de Preamar Médio de 1831 (LPM) havendo, contudo, a hipótese de que seja medida a partir da Linha Média do Preamar Atual (conforme o art. 3º do Decreto-Lei 4.120/1942), o que parece muito mais lógico e praticável para determiná-la topograficamente, no terreno.".

14 Paraguassú Éleres, op. cit., p. 77-8, ao tratar das alterações legislativas mais recentes sobre a matéria disciplinadora dos terrenos de marinha alude que "com a Medida Provisória 1.657-3/97, de 15 de maio de 1997, depois Lei 9.636, de 15 de maio de 1998, que permite que a União convenie com os Estados, Municípios e até com a iniciativa privada na partilha da administração desses espaços territoriais, podendo haver daí uma participação nas receitas de arrecadação de foros e taxas de ocupação [...] De qualquer forma, ainda que o Estados e Municípios participem da receita de arrecadação e sobre essas áreas possam cobrar IPTU, ainda assim, a jurisdição, o poder de decisão é federal, que pode destinar terras nos perímetros urbanos sem qualquer satisfação aos Governos Municipais[...].".

15 Aires F. Barreto, Imposto predial e territorial Urbano, in Direito Tributário, coordenador Ives Granda da Silva Martins, 7. ed., Saraiva: São Paulo, 2000, pp. 701. e ss.

16 Paulo de Barros Carvalho, em seu Curso de Direito Tributário, p. 336. assim perora a respeito da alíquota e sua possível classificação: "[...]as alíquotas podem assumir duas feições: a) um valor monetário fixo, ou variável em função de escalas progressivas da base de cálculo [...]; ou b) uma fração, percentual ou não, da base de cálculo[...]."

"Aparecendo em forma de fração (b), a alíquota pode ser proporcional invariável (p. ex.: 1/25 da base da cálculo, seja qual for o seu valor monetário); proporcional progressiva (aumentando a base de cálculo, aumenta a proporção) ou proporcional regressiva (aumentando a base, diminui a proporção). Além disso, as alíquotas proporcionais progressivas podem aumentar por degraus ou escalões (caso do nosso IR – pessoa física) ou de maneira contínua e ininterrupta, até o limite máximo que a lei indicar."

17 A Lei 10.336, de 19 de dezembro de 2001, que instituiu a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool etílico combustível, em seu art. 5º instituiu alíquotas fixas diretamente relacionadas com a quantidade do produto, que veriam entre a alíquota de R$501,10 (quinhentos e um reais e dez centavos) para cada metro cúbico de gasolina até a alíquota de R$25,90 (vinte e cinco reais e noventa centavos) para o querosene.

18 Werner Nabiça Coelho, IPTU associado à progressividade fiscal resulta em bitributação. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4102/iptu-associado-a-progressividade-fiscal-resulta-em-bitributacao>. Acesso em: 23 jun. 2003.

Sobre o autor
Werner Nabiça Coêlho

Advogado, especialista em direito tributário pela UNAMA/IBET

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COÊLHO, Werner Nabiça. IPTU, zona urbana e alíquotas perante o sistema federativo e a emenda constitucional N. 29/2000. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 120, 30 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4388. Acesso em: 24 nov. 2024.

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