Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Construindo junto:os desafios de ensinar a mediação para futuros advogados

Exibindo página 1 de 2
Agenda 22/10/2015 às 15:31

O artigo apresenta a experiência em sala de aula, quando do ensino de mediação de conflitos para alunos da graduação de Direito.

INTRODUÇÃO

Neste ano de 2014, um gabaritado professor universitário, reuniu três alunos de pós-graduação com experiência prática em diferentes áreas da mediação de conflitos e lhes trouxe um desafio.

A oportunidade consistiria em dividir a responsabilidade pelas aulas da disciplina Direito Privado e Resolução de Conflitos, que seriam ministradas para futuros juristas. Destaque-se que a proposta da disciplina pretende dar ênfase ao estudo da mediação.

Aceito o desafio, deu-se início a um projeto pedagógico. Em uma primeira reunião, o professor e sua equipe, composta de uma educadora de carreira com experiência em mediação de conflitos junto á núcleos universitários de prática jurídica (escritórios modelo), um jurista de formação com experiência em mediação comunitária e outro jurista de formação com experiência em mediação familiar, combinaram que o ensino, dentro do possível, deveria buscar apresentar aos alunos um pouco da obra de Jürgen Habermas, suscitando reflexões sobre comunicação e ética no contexto da mediação e demais resoluções alternativas a composição judicial de conflitos.

Em paralelo, o grupo teria duas outras instigantes tarefas. A primeira delas é a de vencer a barreira de uma lógica de ensino universitário pautado em aulas expositivas, na qual o professor ensina, ministra uma palestra ofertando seu conhecimento. Dentro desta dinâmica o aluno tem dúvidas e faz perguntas e por sua vez o professor como detentor da verdade e do conhecimento revela o verdadeiro ensinando e tirando dúvidas.

Transpassar esse muro didático significa fazer um esforço para introduzir no ensino jurídico os quatro pilares da educação para o século XXI, trazidos pela UNESCO como fruto de trabalho conjunto realizado por uma comissão de renomados educadores.

Capítulo 4. Os quatro pilares da educação

Pistas e recomendações

• A educação ao longo da vida baseia-se em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

• Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente ampla, com a possibilidade de estudar, em profundidade, um número reduzido de assuntos, ou seja: aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo da vida.

• Aprender a fazer, a fim de adquirir não só uma qualificação profissional, mas, de uma maneira mais abrangente, a competência que torna a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Além disso, aprender a fazer no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho, oferecidas aos jovens e adolescentes, seja espontaneamente na sequência do contexto local ou nacional, seja formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho.

• Aprender a conviver, desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências – realizar projetos comuns e preparar-se para gerenciar conflitos – no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz.

• Aprender a ser, para desenvolver, o melhor possível, a personalidade e estar em condições de agir com uma capacidade cada vez maior de autonomia, discernimento e responsabilidade pessoal. Com essa finalidade, a educação deve levar em consideração todas as potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se.

• No momento em que os sistemas educacionais formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento das outras formas de aprendizagem, é mister conceber a educação como um todo. Essa perspectiva deve no futuro inspirar e orientar as reformas educacionais, seja na elaboração dos programas ou na definição de novas políticas pedagógicas.(DELORS, 2010,p.31-32)

A segunda tarefa consistiria em conectar pontos, buscando uma diferente forma de comunicação em sala de aula, que agregasse as ferramentas da mediação e as condições de diálogo habermasiana para tanto o desafio seria trazer a mediação de conflitos não só como conteúdo de sala de aula, mas também como metodologia de trabalho.

O presente artigo, “escrito a quatro mãos”, visa dividir a experiência que vem sendo vivida em sala de aula, junto aos alunos da graduação do curso de direito. Os três mediadores e agora professores, aceitaram os desafios propostos e hoje, em conjunto aos futuros juristas, vêm desenvolvendo a experiência de ter um contato mais íntimo com a mediação. E a cada dia de aula surge uma agradável surpresa com a grandiosidade do poder deste instrumento simples e transformador que, nas singelas palavras da mediadora portuguesa, nada mais é do que uma forma de comunicação entre os seres humanos tão antiga como a existência do homem na terra. (LIMA, 2006, p. 06).

Como metodologia será utilizada a tríplice impressão(dos mediadores-professores) colhida ao longo das aulas e das reuniões de planejamento, aliado as obras de Jürgen Habermas, que compõe a chamada plataforma discursiva habermasiana, além é claro das ferramentas teóricas e práticas da mediação de conflitos.

Para organizar o raciocínio vamos apresentar, em breves linhas, o que chamamos de plataforma discursiva habermasiana; em seguida, narraremos algumas experiências em sala de aula, que serão comentadas a luz das ferramentas da mediação; e, por fim, faremos nossas considerações finais, apresentando os desafios de despertar nos alunos de graduação, do curso de Direito, uma nova forma de comunicação que batizaremos ao final deste artigo.


1. A plataforma discursiva habermasiana

O vínculo que nos une nesta empreitada é o curso de pós-graduação interdisciplinar que apresenta um forte vínculo com as obras de Jürgen Habermas. Nesse passo cabe, mesmo que a grosso modo, apresentar alguns conceitos e interpretações que compõem a plataforma discursiva habermasiana. Este conjunto de reflexões se propõe a dissecar, pela razão, alguns comportamentos humanos entre eles as correlações existentes entre pensamento, fala e ação.

Nas palavras do filósofo alemão, em duas passagens distintas, temos que “a ética do Discurso vai inserir-se, então, no círculo das ciências reconstrutivas que têm a ver com os fundamentos racionais do conhecer, do falar e do agir.” (HABERMAS, 1989, p.121). “A plena responsabilidade pressupõe uma auto-relação refletida da pessoa com o que ela pensa, faz e diz” (HABERMAS, 2004, p.102).

Como ponto de apoio para que possa ser instalada uma plataforma comunicativa que alinhe pensamento, fala e ação, surge a Teoria do Discurso, que analisa o meio ideal para circulação de fala e ideias. Desse estudo surgem quatro condições que, juntas, compõem uma situação ideal de fala.

A primeira delas é a esfera pública, espaço em que:

todos os participantes potenciais em um discurso devem ter igual oportunidade de empregar atos de fala, de modo que a qualquer momento possam tanto iniciar um discurso, como perpetuá-lo mediante intervenções e réplicas, perguntas e respostas (REESE-SHÃFER, 2008, p.24).

A segunda condição é a distribuição equitativa dos direitos de comunicação: esse requisito pressupõe um comportamento que oportunize a todos formular interpretações, afirmações, recomendações, dar explicações, refutar outras pretensões de modo que nenhuma fala se perca ao longo do discurso (REESE-SHÃFER, 2008, p.24).

A terceira condição é a autenticidade que consiste em iguais oportunidades de fala, permitindo uma livre expressão de posições, sentimentos e desejos.

Como quarta e última condição, temos a não-violência: esta vislumbra que os falantes devem ter “a mesma oportunidade de mandar e opor-se, de permitir e proibir, de fazer e retirar promessas, de prestar e pedir contas” (REESE-SHÃFER, 2008, p.24).

Fazendo uma analogia com a construção civil, uma vez construído o alicerce podemos começar a levantar nossa casa, que no caso é a plataforma em si.Edificando esse modelo que tece relações racionais entre pensamento, fala e ação, Habermas constrói o conceito de ética discursiva que envolve a teoria do agir comunicativo, que perpassa quatro formas de comportamento: a) agir teleológico, ação estrategicamente orientada para uma finalidade, b) agir normativo, ação pautada em valores socialmente construídos e constituídos como normas por determinado grupo, c) agir dramatúrgico, ação de autorrepresentação, comportamento autêntico e d) agir comunicativo, é a ação voltada para o consenso, para o entendimento discursivo (MEDEIROS, 2011, p.83).

Desenvolvendo a relação entre fala e ação surge o conceito do agir comunicativo, no qual o referido filósofo, completa que a ação comunicativa se pauta em uma fala com quatro características, que seguem transcritas nas próprias palavras do mestre:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

a) a enunciar de uma forma inteligível; b) a dar (ao ouvinte) algo que este compreenderá; c) a fazer-se a si próprio, desta forma, entender; d) a atingir o seu objectivo de compreensão junto de outrem (HABERMAS, 2002, p.12).

Caso pensamento, fala e ação estejam alinhados temos uma das três formas de agir (teleológico, normativo ou dramatúrgico), caso estes se desalinhem fatalmente o agente entrará em contradição performativa, que o senso comum chamaria de falar uma coisa e fazer outra. Se pensamento, fala e ação, além de alinhados, se orientam para um entendimento mútuo, entramos na esfera do agir comunicativo, que assume um contorno intersubjetivo e se pauta em uma ética discursiva (HABERMAS, 1989).

Chamamos de plataforma discursiva habermasiana o ferramental teórico que nos guia para buscarmos um comportamento cada vez mais próximos do agir comunicativo. Neste artigo faremos algumas reflexões, buscando pontos de interseção entre o ensino jurídico, a mediação e o ferramental filosófico apresentado.


2. Experiências em sala de aula

Em julho de 2014, foram iniciadas as aulas e realizadas as devidas explanações e apresentações. O trabalho se iniciou no formato padrão com a leitura e explicação de texto trazendo a perspectiva filosófica sobre o conflito. A disposição da sala também seguia o formato clássico no estilo de palestra. Professor de um lado e alunos enfileirados do outro lado. Nesse passo, destaco a vantagem de sermos três e podermos observar as reações da turma quando da explanação do conteúdo; para tanto, nos foram úteis ferramentas de comunicação que trouxemos da mediação.

Destes recursos destacamos dois que são: atenção especial à linguagem verbal e não verbal e estar atento à qualidade de escuta dos participantes, que estão definidos no livro da mediadora Tania Almeida.

9 – Dedicar especial atenção à linguagem verbal e não verbal

Objetivos: Estar atento ao ânimo de todos os participantes do processo de diálogo, à sua linguagem verbal (falada) e não verbal (silêncio prolongado, expressões de agrado e desagrado, gestos, tom de voz, postura corporal) tem por objetivo ampliar informações, por entender a Mediação como um processo linguístico, ou seja, toda a produção comunicacional nele gerada diz respeito àquela interação e precisa ser considerada como forma de expressão.

[...]

13 – Estar atento à qualidade da escuta dos participantes

Objetivos: As escutas podem ser de distintas qualidades: inclusivas, quando admitem o ponto de vista do outro como possibilidade, e excludentes, quando o ponto de vista do outro é rejeitado, mesmo sem prévia análise, provocando um diálogo pautado na argumentação e na contra-argumentação ou simplesmente na oposição. Estar atento à qualidade excludente da escuta e nela intervir tem por objetivo possibilitar que esse elemento crucial à concretização do diálogo se dê com qualidade inclusiva.(ALMEIDA, 2014, p.78 e 84).

Enquanto um dos colegas fazia a explanação do conteúdo, os demais observavam atentamente a turma. A linguagem não verbal deixava cristalino que não havia qualquer escuta, poderíamos afirmar que menos de cinco por cento da turma prestava atenção no que estava sendo lecionado. Destacamos que, parte dos alunos, provavelmente, utilizava o espaço para atualizar projetos pessoais, ora mandando e lendo mensagens em seus celulares, ora se concentrando em leituras diversas. Outra parte dos alunos, depois de apresentar um incômodo como se nas cadeiras houvesse colônias de formigas, ia se retirando lenta e silenciosamente da sala; todavia, chamo especial atenção para dois alunos que no fundo da sala passavam o celular como quem brinca de Escravos de Jó1, como mediadores atentos a linguagem não verbal nítido era que os futuros juristas estavam entretidos em algum jogo virtual e era ainda mais evidente que a qualidade da escuta era péssima, pois os jogadores estavam com os ouvidos fechados para o conteúdo de sala de aula.

Diante do observado, percebemos que aquela dinâmica de aula, na qual o professor falava e apenas uma pequena parte dos alunos praticava um escuta inclusiva estava bem longe do que desejávamos pelas seguintes razões:

a) porque dentro da proposta habermasiana queremos alunos e professores atuando dentro de uma ética discursiva; logo, pensamento, fala e ação devem estar alinhados. Transpondo esse modelo para a sala de aula, o pensamento, a fala (linguagem verbal e não verbal) e a ação devem estar norteados para o conteúdo da aula, que naquele dia era o estudo do conflito. No entanto, boa parte do grupo se mantinha em contradição performativa, pois no plano da ação os alunos ficavam em sala de aula, porém seu pensamento e fala2 estavam desalinhados e voltados para outros interesses, que iam desde a conversa virtual até a estratégia de jogo no celular com o colega.

b) a mediação definida no projeto de lei brasileira, cuja íntegra segue no final deste parágrafo, apresenta em seu íntimo, como núcleo determinante do instituto, a ideia de construir junto. Transpondo essa técnica para a sala de aula não há como esse traço distintivo da mediação se vincular a ideia de um professor palestrante que anuncia a verdade.

Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial e sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. (BRASIL, 2011, art.1°§1°)

c) a dinâmica em que o professor fala, o aluno tem dúvidas e o mestre tira essas dúvidas evidencia uma hierarquia em que os atos de fala do professor são superiores aos atos de fala do aluno. Essa desigualdade impede que a sala de aula seja um ambiente próximo da esfera pública trabalhada por Habermas, como um espaço em que os participantes devem ter igual oportunidade de iniciar, perpetuar e intervir no discurso (REESE-SHÃFER, 2008, p.24).

Diante da principiologia habermasiana que nos norteia, somada a imensa vontade de trabalhar a mediação não só como conteúdo, mas também como metodologia de ensino, foi constatada uma grande falha discursiva nas primeiras aulas, o que nos fez refletir sobre a necessidade de mudar e, nas próximas aulas, buscamos agregar algumas ferramentas pedagógicas e da mediação para melhorar o diálogo em sala de aula.

Nesse espírito de mudança, trouxemos a ferramenta da escuta ativa, cuja definição pegamos emprestado novamente da obra da mediadora Tania Almeida.

1. Escuta Ativa

Objetivos: A Escuta Ativa apoia-se no tripé legitimação, balanceamento e perguntas e tem por objetivos: (i) oferecer uma qualidade de interlocução cujo acolhimento possibilite que as pessoas se sintam legitimadas em seus aportes e participação; (ii) conferir equilíbrio entre dar voz e vez aos integrantes da conversa e viabilizar uma escuta que inclua o ponto de vista do outro; (iii) oferecer perguntas que gerem informação, propiciem progresso e movimento ao processo de Mediação.

Operacionalização: Os mediadores devem demonstrar uma escuta e uma coordenação do diálogo atentas e acolhedoras, seja através da linguagem verbal, seja por meio da linguagem não verbal.

O exercício da escuta ativa do mediador assemelha-se à regência de um maestro diante de uma orquestra – dar vez e voz a cada instrumento; definir quando farão uma demonstração solo e quando integrarão o conjunto; articular a expressão dos que têm sons mais fortes ou graves com os que têm som mais frágil ou agudo; estimular momentos de expressão tanto quanto de escuta atenta; auxiliar os que voltam a reintegrar a música a fazê-lo em consonância com a melodia que antecedeu o seu retorno; intervir de modo que os instrumentos mantenham-se em diálogo fluido e harmônico.

O legitimar da escuta ativa se dá quando o mediador recebe o que está sendo trazido pelos mediandos (linguagem verbal e não verbal) de maneira (verbal e não verbal) que estes se percebam acolhidos e validados em seus discursos.

O balancear da escuta ativa se dá quando os mediadores conferem possibilidade equânime de expressão aos mediandos – tempos de fala, entrevistas privadas -, enquanto, simultaneamente, cuidam da qualidade de escuta destes.

O cuidado com o equilíbrio na oferta das próprias intervenções – numero de vezes, tempo de duração e qualidade – compõe, igualmente, o balanceamento que deve ser conferido ao processo.

O perguntar da escuta ativa se dá quando os mediadores ampliam as informações trazidas e geram novas informações nas reuniões por meio de questionamentos.(ALMEIDA, 2014, p.66-67).

A escuta ativa nos serviria como um novo norteador, para que deixássemos uma aula expositiva de lado e passássemos a fomentar a participação dos alunos, interpretando o conceito acima pela luz da sala de aula; passaríamos da posição de solistas em uma apresentação para a posição de maestros e, assim, ocuparíamos a nossa posição de origem, que seria a de professores mediadores e não de professores palestrantes.

Para operacionalizar esta mudança, precisávamos de um ritual, uma cerimônia que marcasse a transição proposta. Então, quando da aula sobre negociação, fizemos a revolução das cadeiras. Deixamos de um lado as cadeiras dispostas no modelo tradicional, ou seja, enfileiradas de frente para a mesa do professor. Do outro lado dispomos das cadeiras em círculo. Como contávamos com um espaço físico imenso, com muito mais cadeiras do que pessoas para ocupá-las, mantivemos os dois espaços: à direita as cadeiras em círculo e a esquerda as cadeiras no formato tradicional; e assim ficou bem marcado que a esquerda tínhamos um espaço do professor palestrante e à direita tínhamos o espaço do professor mediador.

Quando os alunos chegaram, os orientamos a se sentarem nas cadeiras dispostas da forma tradicional, porém informamos que teríamos um momento para trabalharmos em círculo. Como conteúdo de aula, iniciamos de forma tradicional, com uma breve revisão das aulas anteriores de maneira expositiva, no entanto buscamos implementar um viés mais prático, dando espaço ao segundo pilar da educação: aprender a fazer. Para acolher os nossos alunos, buscamos como artifício a ferramenta da mediação, que nos desperta para considerar as diferenças culturais dos participantes.

• Aprender a fazer, a fim de adquirir não só uma qualificação profissional, mas, de uma maneira mais abrangente, a competência que torna a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Além disso, aprender a fazer no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho, oferecidas aos jovens e adolescentes, seja espontaneamente na sequência do contexto local ou nacional, seja formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho.(DELORS, 2010,p.31-32)

5. Considerar atentamente as diferenças culturais entre os participantes

Objetivos: Esta ação tem por objetivo identificar o quanto as diferenças culturais interferem no processo de diálogo, constituindo-se, por vezes, em impasse – ao gerar dissonâncias, não entendimento, inibição, opressão, dentre outros impactos indesejáveis em diálogos autocompositivos. Essas diferenças podem ser evidentes – sujeitos de origem social e/ou econômico-cultural distintas -, ou sutis – o simples fato de serem dois indivíduos únicos, com histórias de vida e referencias ímpares.

Operacionalização: Os mediadores devem reconhecer as diferenças que podem gerar impasses à fluência do processo de diálogo e ao entendimento, e buscar equilibrá-las com naturalidade, utilizando os instrumentos mais adequados a cada situação. (ALMEIDA, 2014, p.72-73).

Para agregar estes dois instrumentos (aprender a fazer e considerar a diferença cultural entre os participantes) trouxemos, em paralelo ao ferramental teórico das aulas anteriores, um caso fictício. Para estudar o conflito e suas formas de resolução, apresentamos um caso envolvendo uma possível briga entre namorados. Acreditamos que um conflito dessa natureza se aproximaria bastante das rotinas dos nossos alunos, que são estudantes universitários entre 20 e 30 anos e, em sua quase totalidade, são solteiros e provavelmente se envolvam, com certa frequência, em namoros.

Na esperança de nos aproximarmos dos alunos e conseguir que estes falassem mais do que nos escutassem, criamos o caso de Eduardo e Mônica, um casal que namorava há três meses e teria que fazer uma escolha. O aniversário da mãe do Eduardo era exatamente no mesmo dia do casamento da prima da Mônica.

Realizadas as explicações iniciais para nortear a aula, chegou o momento de iniciar o trabalho em círculo. No inicio, um silêncio constrangedor, que atribuímos à quebra de rotina de sala de aula, agregado a todo um histórico de que em sala de aula o aluno assume o papel de figurante e não de protagonista; logo, só deve falar para perguntar e não para ter ideias ou compartilhar experiências.

Para romper com o silêncio e fomentar a participação dos alunos não fizemos uso de uma técnica de mediação, nem de uma técnica pedagógica, mas sim de uma técnica artística. Utilizamos os dons da quinta arte3 o teatro, e conseguimos “quebrar o gelo” representando. Para explicar a proposta da aula tínhamos em mente instigar os alunos a conseguir identificar em um diálogo quando a negociação seria por barganha ou por princípios, tendo como referencial teórico o livro Como chegar ao sim: negociação de acordos sem concessões (FISCHER, 2005, 21-32). Entregamos para os alunos um roteiro de observação com as características da barganha e da negociação por princípios, no entanto não colocamos os nomes dos institutos.

Em um primeiro passo, nós, os mediadores da aula, interpretamos personagens dialogando e negociando de diferentes formas em uma dada situação, com comentários intercalados, nos quais os alunos começaram a falar. Em um segundo momento, convidamos os alunos a participar de uma nova observação, em que parte deles iria interpretar o Eduardo e outra parte a Mônica, tendo os demais a missão de observar a fala e a identificar comportamentos dentro do roteiro proposto.

Assumindo o papel do casal em conflito (Eduardo e Mônica), os alunos efetivamente falaram e finalmente foi possível exercermos nossa escuta ativa: a aula se desenvolveu de forma surpreendente e a dificuldade passou a ser equilibrar as falas dos alunos, pois é natural que em uma turma tenham alunos mais extrovertidos, que falam muito, e outros que apresentam uma grande dificuldade em se expressar.

Apesar da timidez inicial, podíamos ver alegria no olhar dos alunos, naquela sala, começamos a equilibrar a relação mestre-aluno. Nós que éramos professores fomos tratados como iguais e juntos, como um grupo de concernidos, construímos conhecimento. De certa forma foram alinhados pensamento, fala e ação, sendo de grande valia o formato em círculo e a escolha de exemplos próximos da realidade dos alunos. Destacamos que, ao final da aula, era evidente o progresso alcançado, pois os alunos já faziam brincadeiras quanto a negociações diversas, já percebendo quando barganhavam e quando negociavam por princípios.

O grande diferencial dessa nova metodologia foi podermos oportunizar aos futuros juristas o prazer de dividir suas experiências, de poderem ser os protagonistas da construção de conhecimento, de poderem observar, tomar suas próprias conclusões e dividir estas impressões com um grupo, sem um professor para lhes cercear anunciando a verdade.

Na proposta de aula não havia certo e errado, e a nossa postura como mediadores era a de fazer uma escuta ativa com perguntas que gerassem reflexão, informação e progresso, na exata perspectiva da mediação e da comunicação habermasiana, que se volta para o “agir comunicativo que é a ação voltada para o consenso, para o entendimento discursivo”(MEDEIROS, 2011, p.83), que só é possível quando os concernidos (alunos e professores) estão em igualdade de fala, que é um dos alicerces da plataforma habermasiana.

Felizes com as mudanças positivas, mantivemos a arrumação da sala de aula (padrão à esquerda/círculo à direita). Dedicamos cada vez menos tempo à parte expositiva, privilegiando as atividades em círculo como melhor formato para buscamos a participação de todos. Para tanto, sofisticamos esse trabalho com elementos da inteligência coletiva.

Uma inteligência distribuída por toda parte: tal é nosso axioma inicial. Ninguém sabe tudo, todos sabem alguma coisa, todo o saber está na humanidade. Não existe nenhum reservatório de conhecimento transcendente, e o saber não é nada além do que o que as pessoas sabem. A luz do espírito brilha mesmo onde se tenta fazer crer que não existe inteligência: “fracasso escolar”, “execução simples”, “subdesenvolvimento” etc. O juízo global de ignorância volta-se contra quem o pronuncia. Se você cometer a fraqueza de pensar que alguém é ignorante, procure em que contexto o que essa pessoa sabe é ouro. (LÉVI, 2007, p.29)

Através da ideia de inteligência coletiva, partimos do pressuposto de que todos sabem alguma coisa. Deste modo, montamos as demais aulas tentando construir junto e tivemos grande sucesso ao trabalharmos as diferenças entre conciliação, mediação e arbitragem, na apresentação do conceito de mediação, e ao trabalharmos algumas características da mediação. Eduardo e Mônica como ícones do acolhimento dos alunos continuaram permeando nossas aulas, só que agora acompanhados de outros casos, reais e construídos.

A cada aula resgatamos a humanidade dos alunos como construtores de conhecimento: nesse processo, ensinamos, porém aprendemos muito mais; e nessa gostosa troca de conhecimento vivenciamos na pele o significado dos pilares “aprender a conviver e aprender a ser”.

• Aprender a conviver, desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das interdependências – realizar projetos comuns e preparar-se para gerenciar conflitos – no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz.

• Aprender a ser, para desenvolver, o melhor possível, a personalidade e estar em condições de agir com uma capacidade cada vez maior de autonomia, discernimento e responsabilidade pessoal. Com essa finalidade, a educação deve levar em consideração todas as potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se.(DELORS, 2010,p.31-32)

A título de exemplo, de momento de ensino, destacamos o divertido episódio em que o aluno se surpreendeu com a palavra barganha e confessou que passou muito tempo negociando daquela forma, mas desconhecia a palavra e muito menos que existiam estudos sobre ela.Já como exemplo de aprendizado, ressaltamos a surpreendente percepção dos alunos que atuam como estagiários em diversas áreas e percebem que podem colocar um pouco mais de mediação e da valorização do ser humano nas suas relações. Em especial a aluna que narrou episódio, ocorrido em seu estágio, no qual se mostrou frustrada com o descaso e indiferença para com pessoa humilde que estava na iminência de perder sua casa, caso não tomasse algumas providências. Ficamos aqui na expectativa de que quando, nossa aluna ocupar um cargo de comando, poderá e fará diferente.

Sobre o autor
Tiago Duque de Almeida

Mediador de Conflitos junto ao Grupo de Mediação do Ministério Público do Rio de janeiro. Advogado, Bacharel em Direito (2005) pela Universidade Federal Fluminense. Mestrando em Direito e Sociologia pela Universidade Federal Fluminense (PPGSD). Pós graduado com especialização em Direito Público e Privado (2009) através de convênio EMERJ (Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro) e Universidade Estácio de Sá. Experiência em Direito de Família com ênfase em Mediação e Resolução de Conflitos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!