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Criação de Joint Venture por Empresas de TV radiodifusão para licenciamento de programação televisiva às prestadoras do serviço de TV por assinatura

Agenda 26/10/2015 às 12:59

As empresas de televisão por radiodifusão SBT, Record e Rede TV criaram, em conjunto, uma operação de joint venture para atuar no licenciamento de conteúdo da programação televisiva para as empresas prestadoras do serviço de TV por assinatura.

As empresas de televisão por radiodifusão SBT, Record e Rede TV criaram, em conjunto, uma operação de joint venture para atuar no licenciamento de conteúdo da programação televisiva para as empresas prestadoras do serviço de TV por assinatura.  

O tema é interessante porque envolve a articulação entre o Direito da Concorrência e o Direito Regulatório das Comunicações, particularmente a aplicação do Marco Regulatório da TV por assinatura, bem como a legislação aplicável às empresas concessionárias dos serviços de televisão por radiodifusão do setor privado.

O fundamento jurídico para a criação da joint venture entre as empresas de TV por radiodifusão encontra-se na Lei n. 12.485/2011, que dispõe sobre os serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado. Esta Lei da TV por assinatura, embora predominantemente aplicável aos serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado, contém alguns preceitos relativos aos serviços de TV por radiodifusão.[1]

A legalidade da criação da operação de joint venture  das empresas de TV por radiodifusão está sob a apreciação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, órgão que tem a competência para verificar a licitude do ato de concentração econômica na hipótese de duas ou mais empresas celebrarem contrato associativo, consórcio ou joint venture.[2]

Segundo o pedido das redes de TV por radiodifusão formulado perante o CADE: "... as emissoras poderão pleitear remuneração das Operadoras que desejam obter e distribuir seus canais sob o novo padrão tecnológico. Esse sistema é conhecido pelo mercado como 'retransmission consent', uma vez que as Operadoras devem obter a permissão das emissoras antes de carregar suas programações".

A Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) e a Sky impugnaram o ato de concentração econômica, sob o argumento dos efeitos negativos da criação da joint venture para o mercado de TV por assinatura. Alegam que a joint venture tem o potencial de aumentar os preços das assinaturas dos serviços de TV por assinatura, bem como os preços da publicidade comercial.

Enfim, o CADE iniciou o julgamento do processo administrativo de controle dos atos de concentração econômica, especificamente da criação da joint venture das empresas de TV por radiodifusão. No CADE, a questão em análise a ser verificada, com base na Lei da Concorrência, é se existem prejuízos significativos à concorrência no setor de TV por assinatura que porventura impeçam a criação da joint venture entre as empresas de TV por radiodifusão ou que demandam restrições à operação associada entre as empresas.

Uma vez que o fundamento da criação da joint venture, baseia-se na Lei da TV por assinatura,  cabe destacar que o STF está ainda julgando a constitucionalidade de seus dispositivos. O Rel. Min. Luis Fux concluiu pela constitucionalidade da Lei n. 12.485/2011, à exceção da inconstitucionalidade do art. 25 que trata da contratação de agência de publicidade brasileira, na hipótese de veiculação de publicidade contratada no exterior. Este voto do Min. Relator Fux foi seguido pelos Ministros Luis Roberto Barroso, Teori Zavascki e Rosa Weber, à exceção do Min. Fachin que votou pela constitucionalidade do art. 25 da referida lei.  Ainda faltam votar os demais Ministros do STF, até o momento da conclusão deste artigo não há data para retomada do julgamento definitivo da  constitucionalidade da Lei da TV por assinatura.

Uma vez declarada a constitucionalidade da Lei da TV por assinatura,  especialmente  o art. 32 e respectivos incisos (regra de distribuição obrigatória canais de programação), cabe então verificar a interpretação da regra legal que trata do direito das empresas de TV por radiodifusão de licenciar sua programação, com a cobrança de remuneração das empresas de TV por assinatura.

Pela Lei n. 12.485/2011, as prestadoras do serviço de acesso condicionado (prestadoras do serviço de TV por assinatura) estão obrigadas a distribuir, obrigatoriamente, canais de programação das estações geradoras locais de radiodifusão de sons e imagens, transmitidos em tecnologia analógica, nos limites territoriais da área de cobertura da concessão.[3]  Além disto, a mesma Lei da TV por assinatura dispõe que a cessão às distribuidoras das programações das geradoras será feita a título gratuito e obrigatório.[4]

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Mas, o art. 32, §12º, da Lei da TV por assinatura  dispõe que a geradora local de radiodifusão de sons e imagens de caráter privado poderá, a seu critério, ofertar sua programação transmitida em tecnologia digital para as distribuidoras de forma isonômica e não discriminatória, as condições comerciais entre as partes e nos termos técnicos estabelecidos pela Anatel. Nesta hipótese de pactuação entre as partes, é facultada à prestadora do serviço de acesso condicionado a descontinuidade da transmissão da programação com tecnologia analógica, prevista no inc. I do art. 32 da Lei n. 12.485/2011.[5]

Segundo a interpretação da Anatel, a regra que trata do carregamento obrigatório dos canais de radiodifusão, pelas empresas de TV por assinatura, prevista na Lei n. 12.485/2011, refere-se ao período de transição entre a tecnologia analógica e digital, e não da extinção da obrigação do carregamento. Trata-se de uma regra de proteção ao conteúdo e não à escolha da tecnologia utilizada pelas geradoras de televisão por radiodifusão para a transmissão de sua programação.[6]

Da interpretação da Lei n. 12.485/2011 é possível concluir pelo direito da empresa de TV por radiodifusão por optar pelo carregamento de seu canal de programação televisiva, na tecnologia digital, inclusive com a possibilidade de cobrar remuneração pela cessão de sua programação às empresas de TV por assinatura. Ao que parece, cabe às empresas de televisão por radiodifusão o direito de impedir o acesso à sua programação pelas prestadoras de serviço de acesso condicionado, na hipótese de inexistência de autorização expressa quanto ao licenciamento de sua programação às empresas de TV por assinatura.[7] 

A negociação entre as empresas de TV por radiodifusão e as empresas de TV por assinatura, sobre as cláusulas de retransmission consent,  é que definirá os preços pelo licenciamento da programação dos canais de televisão por radiodifusão, a serem ofertados na programação dos canais de TV por assinatura. Esta negociação empresarial deve observar como parâmetros os princípios da lealdade, boa-fé, da não discriminação, entre outros princípios jurídicos.

Com efeito, os serviços de TV por radiodifusão e os serviços de TV por assinatura, ora objeto de regulação setorial, estão inseridos na Comunicação Social, capítulo da Constituição. Daí a responsabilidade das empresas de comunicação social para a concretização dos direitos fundamentais à livre iniciativa, informação e comunicação, e acesso à cultura brasileira, bem como as garantias constitucionais da livre concorrência. Neste contexto, a regra must carry, prevista na Lei da TV por assinatura, que assegura a distribuição obrigatória dos canais de televisão por radiodifusão do setor privado, é um instrumento de política pública de disseminação de conteúdo de interesse coletivo, especialmente de conteúdo cultural brasileiro.

Em síntese, o tema da criação da joint venture pelas empresas de TV por radiodifusão para licenciamento de sua programação para as empresas de TV por assinatura integra o Direito Concorrencial, mas também deve ser analisado sob a perspectiva do Direito Regulatório das Comunicações, o qual abrange o marco regulatório dos serviços de comunicação audiovisual de acesso condicionado, bem como a legislação aplicável às concessionárias dos serviços de televisão por radiodifusão.

[1] Cf. 1º da Lei n. 12.485/2011.

[2] Cf. Art. 90, da Lei n. 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica.

[3] Cf. Art. 32, inc. I, da Lei n. 12.485/2011.  Além dos canais privados, a Lei da TV por assinatura obriga o carregamento dos Canais Estatais (Câmara dos Deputados, Senado Federal, Legislativo municipal/estadual, Supremo Tribunal Federal; Emissora Oficial do Poder Executivo, canal para prestação de serviços de radiodifusão pública pelo Poder Executivo), Canais Públicos (educativo e Cultural, Comunitário, Cidadania e Universitário). Sobre o tema, Scorsim Ericson. Lei da Comunicação Audiovisual: análise dos serviços de distribuiçao dos canais de programação obrigatórios e as implicações no setor de radiodifusão. Revista de Direito das Comunicações, v. 5, p. 65-96, 2012.

[4] Cf. Art. 32, §2º, da Lei n. 12.485/2011.

[5] A Lei da TV por assinatura dispõe que se não alcançado acordo quanto às condições comerciais previsto no §12, do art. 32 a geradora local de radiodifusão de sons e imagens de caráter privado poderá, a seu critério, exigir que sua programação transmitida com tecnologia digital seja distribuída gratuitamente na área de prestação do serviço de acesso condicionado, desde que a tecnologia de transmissão empregada pelo distribuidor e de recepção disponível pelo assinante assim o permitam, de acordo com critérios estabelecidos em regulamentação da Anatel, conforme preceitua o art. 32, §13º, da Lei n. 12.485/2011.

[6] Cf. Anatel, Proposta de realização de Consulta Pública para alteração do Regulamento do Serviço de Acesso Condicionado (Seac), Processo n. 53500.008950/2014, Rel. Conselheiro Marcelo Bechara de Souza Hobaika, em 06/03/2015.

[7] Aqui, a proteção ao direito de propriedade e o direito autoral da empresas de televisão por radiodifusão sobre sua programação audiovisual, cuja produção demanda custos e investimentos em equipamentos, tecnologias e pessoal.

Sobre o autor
Ericson Meister Scorsim

Advogado e Consultor em Direito Público, com foco no Direito das Comunicações (Telecomunicações e Internet). Sócio Fundador do Escritório Meister Scorsim. Mestre em Direito pelo UFPR. Doutor em Direito pela USP.

Informações sobre o texto

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