Publicada no Diário Oficial da União de 1º de agosto de 2003, a Lei Complementar 116/03, contrariando forte corrente doutrinária e jurisprudencial em sentido oposto, manteve como local de pagamento do ISS o município do prestador de serviços, independentemente do local da efetiva prestação, salvo casos específicos, tais como importação de serviços do exterior, serviços de construção civil, demolição, varrição e coleta de lixo, tratamento e controle de efluentes, contenção de encostas, reflorestamento, fornecimento de mão-de-obra, vigilância de bens e pessoas, etc.
Desse modo, nas hipóteses excepcionadas pelos incisos I a XXII do artigo 3º da LC 116/03, o ISS deve ser pago para o município onde será realizada a prestação, e não para onde se situa o estabelecimento prestador.
Conjugando com essa regra sobre o local do pagamento, temos o §2º do artigo 6º da citada lei complementar, que versa sobre os casos em que sujeito passivo do ISS não é o próprio prestador do serviço, mas sim o tomador ou intermediário dos mesmos, ou seja, trata-se de um caso de responsabilidade por substituição tributária, onde o tomador retém e recolhe o imposto devido pelo prestador de serviços.
Numa primeira leitura, poderíamos pensar que há identidade entre a regra de local de pagamento do ISS (município da prestação) e a referente ao sujeito passivo (tomador), de modo que, nas hipóteses em que o imposto fosse devido para o local da prestação, caberia ao tomador, geralmente estabelecido no mesmo município onde ocorre a prestação, reter e recolher o ISS devido pelo prestador do serviço.
Todavia, numa leitura mais apurada, verificamos que há casos onde o ISS deverá ser pago para o município onde ocorre a prestação, mas pelo próprio prestador de serviços, e não pelo tomador, como, por exemplo, nos serviços de jardinagem e decoração, limpeza e dragagem de rios e lagos, guarda e estacionamento de veículo, armazenamento e guarda de bens, serviços de diversão e lazer, transporte intramunicipal, serviços portuários, rodoviários, ferroviários e metroviários.
Esse é o primeiro cuidado que as empresas devem tomar quando prestarem serviços sujeitos ao ISS fora de seu município, ou seja, verificar se o imposto deverá ser pago pela prestadora ou pelo tomador de serviços (sujeito passivo) e para onde o tributo deverá ser recolhido (município do prestador, da prestação ou do tomador de serviços).
Como se isso não bastasse, a maior controvérsia sobre a LC 116/03 reside na data de vigência das novas regras de retenção do ISS pelo tomador de serviços. Explicando, o artigo 9º determina que a LC 116/03 entra em vigor na data de sua publicação, ou seja, 01/08/2003. Todavia, sendo um imposto não elencado no artigo 150, §1º, da CF, o ISS sujeita-se ao princípio da anterioridade tributária, sendo vedado ao município cobrar tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou. Tal princípio é intimamente ligado ao da legalidade.
De acordo com Paulo de Barros Carvalho (in Curso de Direito Tributário, Editora Saraiva, 14ª edição, página 60), "diríamos, em linguagem técnica, que criar um tributo corresponde a enunciar os critérios da hipótese - material, espacial e temporal - sobre os critérios da conseqüência - subjetivo (sujeito ativo e passivo da relação) e quantitativo (base de cálculo e alíquota)".
Segundo o saudoso professor Aliomar Baleeiro (in Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 7ª edição, Editora Forense), "os artigos 150, I e 5º, II, da Constituição vigente, referem-se à legalidade, como princípio necessário à instituição e majoração de tributos, tanto do ponto de vista formal – ato próprio, emanado do poder legislativo – como do ponto de vista material, determinação conceitual específica, dada pela lei aos aspectos substanciais dos tributos, como hipótese material, espacial e temporal, conseqüências obrigacionais, como sujeição passiva e quantificação do dever tributária, alíquotas e base de cálculo), além das sanções pecuniárias, dos deveres acessórios, da suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário".
Já Sacha Calmon Navarro Coelho (in Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, 8ª edição, Editora Forense) enuncia que: "A lei fiscal deve conter todos os elementos estruturais do tributo: o fato jurígeno sob o ponto de vista material, espacial, temporal e pessoal (hipótese de incidência) e a conseqüência jurídica imputada à realização do fato jurígeno (dever jurídico). Equivale dizer que a norma jurídico-tributária não pode ser tirada do ordo júris nem sacada por analogia, deve estar pronta na lei, de forma inequívoca, obrigando o legislador a tipificar os fatos geradores e deveres fiscais".
Poderíamos então concluir que, alterando o local de pagamento (critério espacial) e/ou o sujeito passivo (critério subjetivo), estaríamos criando uma nova regra-matriz de incidência tributária que, no caso específico, corresponde ao ISS retido pelo tomador de serviços, diferentemente da regra-matriz de incidência relativa ao ISS pago pelo prestador em razão dos serviços prestados. A diferença pode ser observada nos critérios material (tomar X prestar serviços), espacial (local do pagamento), pessoal (sujeito passivo).
Assim, analisando a questão sob a ótica do tomador, podemos entender que houve a criação de uma nova obrigação tributária (nova regra-matriz, relativa ao ISS retido). No tocante ao prestador de serviços, em geral, haverá majoração do tributo (em especial, a alíquota), pois a prestação usualmente ocorre no município de São Paulo (mercado consumidor, com alíquota de 5%) enquanto o prestador normalmente está estabelecido em outros municípios no interior de São Paulo, ou mesmo em outros Estados, onde a tributação do ISS é menor (municípios considerados como paraísos fiscais, com alíquotas de 0,5%).
Além disso, como seria possível a uma empresa tomadora de serviços, obrigada à retenção do ISS na fonte, recolher esse imposto sem que haja previsão em lei ordinária municipal (exigida pelo princípio da autonomia dos entes federados), nem regulamentação do procedimento (documentação, prazo e código de recolhimento)?
Pelo exposto, concluímos que, devido ao princípio constitucional da anterioridade tributária, as novas hipóteses de retenção do ISS pelo tomador de serviços (responsável) e os casos em que esse imposto passa a ser devido para o município onde ocorre a prestação (e não para o local do prestador), deveriam vigorar no exercício subsequente ao da publicação da lei ordinária municipal, ou seja, apenas a partir de 01/01/2004, e não desde a data da publicação da LC 116/03 em 01/08/2003.
Sendo o assunto controverso e ainda não decidido pelas prefeituras dos milhares de municípios do Brasil, gostaria de apresentar a presente questão e abrir a discussão sobre o assunto, esperando a colaboração de todos os interessados na solução de tal controvérsia.