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Direitos de cidadania: um estudo de casos sobre as implicações da copa do mundo na população em situação de rua do Município de Salvador

O presente artigo trata da problemática da população em situação de rua do município de Salvador, relacionando com a ocorrência da Copa do Mundo de Futebol em 2014.

   

  

RESUMO: O presente artigo trata da problemática da população em situação de rua do município de Salvador, relacionando com a ocorrência da Copa do Mundo de Futebol em 2014. Objetiva analisar as implicações do Mundial nos direitos de cidadania, dentre eles o direito de permanecer dessa população, com base em estudo de casos sobre a remoção destes indivíduos das zonas fronteiriças ao Centro Histórico desta cidade-sede. O procedimento na análise dos dados é realizado mediante pesquisa de campo subjetiva, com questionários qualitativos em setores relacionados ao tema. Ao final, conclui-se com evidência as ações repressivas de alguns atores de natureza pública em proporcionar uma “higienização social” dos locais mais frequentados por visitantes diversos ao município, demonstrando sérias violações aos direitos fundamentais atinentes a essa população.   

  

Palavras-Chave: População em situação de rua. Copa do Mundo de futebol. Direitos de cidadania. Higienização social.   

1. INTRODUÇÃO  

Este artigo apresenta a análise dos resultados obtidos sobre a implicação da Copa do Mundo nas populações em situação de extrema pobreza, procurando avaliar as práticas de “higienização social” direcionada à população em situação de rua do município de Salvador, cidade-sede do Mundial de Futebol. Enfatizam-se os aspectos jurídicos como os direitos de cidadania, dentre eles o direito de permanecer dessa população, com base em análise dos casos de remoção destes indivíduos das zonas fronteiriças ao centro histórico do município.   

A ocorrência de megaeventos de cunho capitalista carece de análises sobre eventuais impactos negativos a toda a população. Quando se trata de populações caracterizadas por situação de vulnerabilidade, cabe ao poder público promover medidas de precaução capazes de inibir previsíveis violações, partindo do pressuposto fático das vivências desses grupos em determinada localidade.  

Os problemas desenvolvidos nesta pesquisa procuraram comprovar a existência da retirada forçosa da população em situação de rua das zonas fronteiriças ao Centro Histórico de Salvador, motivadas pela suposta garantia de segurança aos frequentadores do evento, combinado com a tentativa de proporcionar uma imagem dissimulada acerca da existência de populações vulneráveis. Pretende-se também comprovar se há inércia do poder público em proteger essa população, com base em duas hipóteses: a primeira está relacionada a existência de dificuldades burocráticas, no que tange a conseguir reunir quantitativamente indivíduos que declarem a ocorrência das violações de direitos; enquanto a segunda hipótese busca cientificar se há ausência de interesse, do poder público competente, em promover a defesa desses cidadãos.  

É relevante tratar a “(des)preocupação” do poder público em amparar os segmentos sociais  carentes e vulneráveis, mais precisamente as populações em situação de rua, no período que permeia a realização do megaevento. A partir desta pesquisa, pretende-se contribuir socialmente para inovar em alguns conceitos referentes à visão marginalizada que a sociedade destina à população em situação de rua, na tentativa de sensibilizar pessoas, que deste texto tenham acesso, sobre a importância de zelar pela manutenção e pelo reconhecimento dos direitos que também pertencem a esses indivíduos.  

A metodologia utilizada para comprovar os quesitos propostos foi a realização de pesquisa de campo, com entrevistas a órgãos públicos e movimentos sociais do município de Salvador, referentes à ocorrência dos jogos da Copa do Mundo FIFA em 2014. O método utilizado foi a revisão de bibliografia e legislações, combinado com estudo de casos com base em questionários subjetivos e pesquisa de campo qualitativa.    

Na estruturação do texto, o primeiro tópico trata dos Direitos Constitucionais assegurados à população em situação de rua frente à Copa do Mundo em Salvador. Já o segundo, do direito emergencial à moradia da população em situação de rua. Enquanto o terceiro trata da síntese sobre os relatos da atuação do poder público em defesa da população em situação de rua. Ao final, são apresentados os resultados efetivos da pesquisa, assim como assinalamos críticas pertinentes ao tema. Recomendações concernentes ao universo pesquisado também são apontadas nessa fase final.   

2. DIREITOS CONSTITUCIONAIS ASSEGURADOS À POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA E A COPA DO MUNDO EM SALVADOR  

A Copa do Mundo é um evento futebolístico, que reúne inúmeros países em torno de uma competição com finalidade esportiva e, na oportunidade, é concedido o mérito de campeão à Seleção que melhor representa o futebol. Este megaevento é organizado pela FIFA (Féderátion International de Football Association) e acontece de quatro em quatro anos. Há inúmeros interesses pleiteados pelo país escolhido para ser sede da Copa, dentre eles destaca-se a possibilidade de impulsionar a economia local, devido à recepção de diversos turistas, especulação imobiliária, ganhos infraestruturais e outros benefícios. Além disso, o país sede tem a oportunidade de estreitar laços com outras nações, através da promoção de uma visibilidade externa positiva.   

O Brasil foi escolhido em 2007, através de sua candidatura única, para sediar a Copa do Mundo da FIFA, no ano de 2014. Como resultado disto, o país precisou se reorganizar estruturalmente, cumprindo alguns requisitos mínimos de exigência para então recepcionar a grandiosidade deste evento esportivo, como construção de novas arenas de futebol, reforma de aeroportos e vias urbanas, a fim de proporcionar uma mobilidade urbana mais eficaz.   

Vale salientar que outras modalidades de reorganizações foram realizadas nos centros urbanos em que ocorrera a concentração dos jogos. Em um estudo sobre as implicações que os megaeventos causam nas populações mais vulneráveis, foram constatadas algumas violações de direitos, fruto de possíveis manobras realizadas pelo poder público para garantir uma análise externa positiva sobre o funcionamento do país.  

A capital baiana, Salvador, foi palco da realização de inúmeros jogos da Copa do Mundo no Brasil. Acolheu turistas internos e externos, não apenas na Arena Fonte Nova, mas também em alguns Centros Históricos e locais turísticos como o Pelourinho, Farol da Barra e entre outras localidades, igualmente procuradas pelos turistas. Em virtude desta grande circulação de pessoas, prevista pelo município, durante os aproximados trinta dias de evento, algumas transgressões de direitos – tutelados pela Constituição Federal de 1988 - foram registradas em defesa das populações mais vulneráveis residentes na Capital. Em se tratando da população em situação de rua 3 do município de Salvador, foi registrado tentativas de “(re)organizar” o espaço urbano da cidade, promovendo a remoção destas pessoas para localidades distantes das concentrações dos expectadores do mundial.   

De acordo com o artigo 3º da Lei no 12.947, de 10 de fevereiro de 2014 a população em situação de rua é definida nos seguintes termos:   

Considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de estadia e de sustento.  

Igualmente, o Decreto Municipal de Salvador de nº 23.836, de 22 de março de 2013 define em seu artigo 1º, parágrafo único, que:   

Para fins deste Decreto, considera-se população em situação de rua o grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória.  

Ambas as legislações, elaboradas próximas ao período de realização dos jogos, propõem o objetivo de zelar pelos direitos e instituir políticas de assistência e ouvidoria às eventuais violações de direitos, advindas da ocorrência dos jogos. Percebe-se que houve preocupações, no que tange a tutelar os direitos dessa população frente à ocorrência do Mundial, através de institutos legislativos. Além disso, outros projetos foram desenvolvidos por órgãos de defesa, como o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado, em prol da manutenção da dignidade da pessoa humana, representada por este segmento populacional.   

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Dessa maneira, dizemos que a população em situação de rua configura-se como o resultado de pessoas que sofreram dificuldades diversas e a rua, restou como última, e talvez única, alternativa para dar prosseguimento ao ciclo vital. Maria Lúcia Santos Pereira, integrante líder do “Movimento da População de Rua” de Salvador, afirma em entrevista concedida para fins desta pesquisa, que as pessoas em situação de concentram a figura:    

“da criança órfã; do idoso debilitado, que não encontra cuidados no seio familiar; da mulher em situação de pobreza e abandono, que não conseguiu constituir família em um lar compatível com o modelo da atualidade; do homem rejeitado pelo mercado de trabalho; do usuário de substância psicoativa; do indivíduo rejeitado pela família devido a sua orientação sexual. Assim, todas essas figuras reúnem-se em uma só, que é a da população em situação de rua e, além disso, são também indivíduos muitas vezes não amparados pela tutela do Estado”.   

Neste sentido, a Constituição Federal elenca no seu artigo 6º, caput, os direitos sociais que são inerentes aos cidadãos brasileiros, assim posto: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição.”.    

De acordo com o relato supracitado e o disposto na Carta, nota-se que há ineficácia social no comando dessa norma constitucional, uma vez que se relacionarmos o conteúdo desta com a realidade fática das pessoas em situação de rua, isto é, sem moradia, constata-se que a lista de garantias fundamentais, dispostas no referido artigo, não se estende, na prática, a esses indivíduos, embora a norma constitucional não faça qualquer restrição à quais indivíduos essa garantia deve ser destinada. Há universalidade na invocação dos direitos dispostos na Carta Magna. Sobre este dispositivo constitucional, Eudes Pessoa, em artigo publicado no site Âmbito Jurídico, discorre que:   

Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a equalização de situações sociais desiguais, são, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade.  

Diante do exposto, nota-se a existência de violações de outros direitos de cidadania. Isso decorre da ausência de participação da população em situação de rua, no que tange a não gozar de forma completa dos direitos fundamentais expressos na Norma Suprema, através do seu artigo sexto, em comparado com a ocorrência dos jogos do Mundial em Salvador. Cabe ressaltar que o megaevento não deu origem às violações de direitos desses indivíduos, elas já existiam.   

Em depoimento prestado aos integrantes desta pesquisa, a Defensora Pública do Estado, Drª Fabiana Almeida Miranda, responsável pela Equipe Multidisciplinar de Atendimento à População em Situação de Rua, declarou que houve um registro significativo de denúncias, de setembro de 2013 a junho de 2014, “evidenciando práticas higienistas com a população em situação de rua para receber os turistas da Copa do Mundo”. A defensora pontua que “antes da realização dos jogos, as denúncias tinham conteúdo semelhante, algo orquestrado pela prefeitura”, sem contar na quantidade consideravelmente relevante, cerca de “cinqu enta casos”.   

Nos relatos das denúncias, segundo Drª Fabiana, houve repetição na existência de alguns elementos utilizados nas remoções dessa população dos centros urbanos, como: um caminhão da LIMPURB4, acompanhado de duas viaturas postas uma de cada lado do caminhão, outro veículo utilizado para transportar as pessoas e um carro “despadronizado” com supostos assistentes sociais. Os pertences eram colocados no caminhão, como se fossem lixo. Algumas vezes as pessoas sofriam agressões físicas e até mesmo jatos de água eram direcionados a atingi-los, sendo que essa ação sempre era realizada durante a madrugada.   

Com base nesta descrição, fica notório também a violação do artigo 5º, inciso III da CF/88 que descreve “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Não bastasse a condição insalubre a qual vive a população em situação de rua, foi verificado que, em prol do “embelezamento” de referência capitalista dos centros urbanos, esta população fora submetida a tratamentos que acentuam a vulnerabilidade das suas vivências na capital baiana. O direito de permanecer desses indivíduos não foi protegido. Ao contrário, verifica-se, através de algumas ações o quanto esta população é considerada como um segmento social que não faz jus a universalidade dos direitos e, em face disso, as violações são consideradas inexistentes.   

3. O DIREITO EMERGENCIAL À MORADIA DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA  

A moradia digna é um dos direitos constitucionalmente previstos pelo atual Estado Democrático de Direito e, além disso, constitui um dos direitos mais urgentes para a população em situação de rua. Da mesma forma, a Lei 11.1245, de 16 de junho de 2005 regulamenta a utilização prioritária de terrenos de propriedade do  Poder Público para a implantação de projetos habitacionais de interesse social.  Mas, as políticas habitacionais adotadas pelo Brasil se mostram insuficientes para a solução do déficit quantitativo de moradias, tendo em vista a comprovação da existência de indivíduos que, por diversos motivos e sem alternativas, instalam-se nas ruas e realizam neste espaço todas as suas atividades quotidianas.  

 A representante do “Movimento População de Rua” de Salvador declarou em dezembro de 2013, no XIII Encontro Estadual de Direitos Humanos, realizado pela Fundação Instituto de Direitos Humanos, que o projeto social Minha Casa, Minha Vida6 ainda é insuficiente para atender à demanda de uma quantidade significativa de indivíduos ocupantes das ruas. Essa insuficiência, segundo Lúcia, é gerada, principalmente, porque a população em situação de rua não é o único grupo social que se encontra em estado de vulnerabilidade, e o sorteio das casas é objetivado a cumprir requisitos de prioridades.   

Nos meses que antecederam a efetiva realização dos jogos da Copa do Mundo em Salvador algumas atitudes confirmaram o propósito de limpeza sóciovisual realizado contra a população em situação de rua foram desempenhadas utilizando-se de propostas aleivosas de que existiria o cumprimento do direito à moradia. De acordo com o Dossiê da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa intitulado “Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil”:  As estratégias utilizadas uniformemente em todo o território nacional se iniciam quase sempre pela produção sistemática da desinformação, que se alimenta de notícias truncadas ou falsas, a que se somam propaganda enganosa e boatos  (2011, p.14).     

Durante a ocorrência da Copa das Confederações, evento-teste da Copa do Mundo, o Ministério Público do Estado e a Defensoria Pública do Estado realizaram investigações acerca da remoção dessa população para a antiga Casa de Saúde Ana Nery, um ambiente em que já viviam 26 famílias em situações de insalubridade, com péssimas condições de higiene, riscos de incêndio e, ainda, foi superlotada com cerca de 600 pessoas - de acordo com os relatos da Defensoria Pública e do Movimento da População de Rua de Salvador, prestados com a finalidade desta pesquisa.   

Em virtude dessas infrações, o Ministério Público instaurou uma Ação Civil Pública7e foi verificada a redução na quantidade de pessoas alojadas na referida Casa de Saúde. Dra Fabiana Miranda e Lúcia confirmam que as pessoas foram levadas para a antiga Casa de Saúde, impulsionadas pela promessa de pleitear vaga no programa social “Minha Casa, Minha Vida” e que não foram realizados quaisquer cadastros, referente à habitação dos indivíduos no local. No boletim informativo, ano II, nº 04 divulgado no mês de junho pelo Ministério Público, através do Centro de Apoio Operacional a Cidadania (CAOCI), o promotor de justiça Rogério Queiroz afirma que só a justiça pode autorizar internações compulsórias e as leis existem para dar o norte, mas quando não há cumprimento o MP precisa ser notificado para proceder em prol da execução da lei.   

É importante salientar que, nos casos em que a população em situação de rua se recusar a sair desta, estará fazendo uso do seu direito de ir e vir e, como conseqüência, o de permanecer, sendo criminosos quaisquer atos que incitem cercear de alguém tais direitos preservados pela Constituição vigente neste país. A população em situação de rua poderá ser removida para outra localidade, desde que o local de destino proporcione condições devidamente adequadas à vivência, e desde que essa população não faça recusa às propostas. Neste sentido, a CF/88 afirma no artigo 5o, inciso XV que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.  

Após as diversas ações ajuizadas em defesa da população em situação de rua, o município de Salvador realizou a desapropriação de dois motéis, segundo o relato prestado pela Defensora Fabiana Miranda, localizados nos bairros de Pau da Lima e Itapuã, a fim de conceder abrigo a essa população. Verifica-se, portanto, que assim como na Casa de Saúde Ana Nery esses “hotéis sociais” não se caracterizam por apresentar estrutura adequada para moradia, mas podem ser classificados como uma espécie de “depósitos de pessoas” que estrategicamente foram destinadas a conviver amontoadas como resultado da “(re)organização” urbana proporcionada com a escolha de Salvador como uma das cidade-sede do mundial do futebol.   

4. RELATOS SOBRE A ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO EM DEFESA DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA  

As diversas fontes utilizadas nesta pesquisa foram visadas com o compromisso de responder aos questionamentos realizados, com base na proporção do mundial e sua relação com as populações vulneráveis, em Salvador. Durante a efetiva ocorrência dos jogos, no mês de junho, os relatos dos entrevistados demonstram que poucas violações de direitos foram registradas. Alguns casos excepcionais ocorreram, mas as atitudes desumanas foram atenuadas. Isso significa que, as principais denúncias foram prestadas antes da abertura oficial do evento futebolístico.   

De acordo com a Defensoria Pública, alguns populares se alojaram próximo à Arena Fonte Nova durante o período de realização dos jogos e então, a FIFA contatou o Movimento da População em Situação de Rua, com a finalidade de, o Movimento, dialogar com as pessoas, aconselhando-as a retirar-se das proximidades do estádio. A Defensoria foi então notificada pelo Movimento, informalmente, e um plantão foi realizado, a fim de impedir eventuais tentativas de retiradas forçosas da população daquela localidade. Conquanto, durante o plantão, os membros da Defensoria encontraram o grupo em outra localidade fronteiriça ao estádio, e eles alegaram o afastamento por receio de sofrer qualquer tipo de agressão.   

A Defensoria Pública do Estado ajuizou uma Ação Civil Pública, para coibir as práticas de higienistas destinadas à população em situação de rua, que se configuravam de forma gradativa com a aproximação dos dias dos jogos do Mundial em Salvador. Através deste procedimento foram ouvidas oitenta pessoas, aproximadamente, no entanto, apenas doze indivíduos assinaram o documento, dificultando assim a reunião de provas. Drª Fabiana afirmou que “o juiz analisou o pedido liminar e declarou que não tinha elementos suficientes para caracterizar práticas higienistas, negando assim o pedido”. Esta ainda perpetra em tom crítico a seguinte conclusão: “o juiz desconsiderou cerca de dezoito depoimentos em prol de apenas um, o da Prefeitura municipal de Salvador”. Em virtude disso, a Defensoria aguarda o término da Copa do Mundo para tentar interpor Agravo de Instrumento8, caso seja possível congregar novas provas.   

Drª Fabiana relatou que tratar da defesa da população em situação de rua é algo muito característico. Na maioria das ocasiões o órgão esbarra em burocracias jurídicas, que dificultam a reunião de provas relevantes. Embora o número de denúncias registradas, próximo ao acontecimento do megaevento esportivo, tenha sido consideravelmente relevante, as chances de ocorrer o relato dessas denúncias perante o juiz é ignóbil, haja vista que a população em situação de rua encontra-se assustada com os acontecimentos, e ainda, não conseguem compreender os procedimentos judiciais, morosos em sua maioria, adequados para coibir as violações, aqui relatadas. A atuação do Movimento da População em Situação de Rua é imprescindível, para que haja esclarecimentos a respeito dos direitos inerentes a esse grupo de pessoas.   

Em depoimento, a representante do Movimento da População de Rua de Salvador declara que, as maiores violações de direitos, a essa população, ocorreram nos meses que antecederam a realização efetiva dos jogos. A retirada das pessoas dos logradouros públicos realizava-se mediante utilização de jatos de água, ora direcionados para a população ora para seus pertences, com a tentativa de conseguir destiná-los a localidades distantes. Após a tomada dos pertences, inclusive a destruição de documentos pessoais, formou-se um cenário de horror e vulnerabilidade que se tornou alvo de promessas, realizadas por agentes de órgãos vinculados ao executivo municipal, sem qualquer propósito de cumprimento. Essa ausência de efetivação de promessas pode ser constatada, uma vez que a população em situação de rua manteve contato com o Ministério Público e a Defensoria Pública, com a finalidade de, esses órgãos, lhes assegurar direitos básicos, como o direito de permanecer nas vias públicas, por exemplo.   

Com a finalidade de apurar a veracidade da ocorrência de violação de direitos a essa população, foi realizado, no mês de março de 2014, o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Estadual para a População em Situação de Rua, reunião instituída pela Lei 12.947/2014 nos termos do seu artigo oitavo. Neste encontro, vários representantes de segmentos da sociedade soteropolitana reúnem-se para discutir políticas vinculadas a esse grupo. No comitê foram relatadas as violações, no entanto, os membros representantes da prefeitura municipal de Salvador declararam não ter tido quaisquer envolvimentos com os fatos e que estaria pondo a situação em averiguação, não permitindo que estas práticas se reiterassem, em caso de constatação fática. Após esse encontro, a Defensoria Pública do Estado, representada pela defensora Fabiana Miranda, afirmou que a quantidade de denúncias diminuiu.    

A fim de obter maiores informações acerca da eventual retirada forçosa da população em situação de rua, pleiteamos dialogar com algumas secretarias municipais e estaduais, como a Secretaria Municipal de Promoção Social e Combate a Pobreza (SEMPS) e a Secretaria Estadual para Assuntos da Copa do Mundo FIFA no Brasil (SECOPA-BA). No entanto, não foi possível contatá-las para esclarecer os assuntos abordados neste texto.     

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS  

Tendo em vista a realização da Copa do Mundo no Brasil, foram investigadas as causas das remoções da população em situação de rua do centro antigo de Salvador, buscando compreender a atuação dos diferentes segmentos das instituições públicas neste processo.  

Com referência, principalmente, em pesquisas de campo, legislações oficiais e revisão bibliográfica foi possível constatar o grau de preocupação do poder público em elaborar dispositivos de lei a fim de melhor proteger os indivíduos em situação de vulnerabilidade, contrastando com a efetiva verificação de práticas “higienistas”, devido à realização do Mundial em Salvador.  

Foi possível perceber que com a atuação repressiva de órgãos, como o Ministério Público do Estado e a Defensoria Pública do Estado, o quantitativo de denúncias prestadas reduziu significativamente, evidenciando a presumível redução, subsequente, da atuação violenta do município contrária à permanência dessa população em locais públicos, como o centro histórico e as zonas fronteiriças à Arena Fonte Nova.  

Conjectura-se que, um dos principais motivos de ter existido a remoção forçosa da população em situação de rua, foi para garantir a segurança dos frequentadores do evento. Todavia, as ações desempenhadas nessa pesquisa não foram suficientes para constatar esta hipótese. Neste sentido, recomendamos novos estudos pertinentes a esta vertente. Outras indicações para prosseguir este tema, diz respeito a investigar o devido esclarecimento jurídico da população em situação em situação e a sua relação com as crenças das reais possibilidades de solucionar o problema pela via legal, haja vista a insuficiência desta pesquisa em alcançar este desdobramento específico.  

Destarte, foi possível constatar que as práticas denominadas “higienistas” evidenciaram a intenção de proporcionar uma imagem dissimulada acerca da existência da população em situação de rua, nas localidades mais centrais e festivas o município de Salvador. Isto é, com a retirada dessa população das localidades supracitadas, os olhares visitantes do evento não teriam contato com a vivencia da população em situação de rua, no município.  Foi notoriamente importante a atuação de órgãos essenciais à justiça na tutela e garantia dos direitos dessa população marginalizada, principalmente, no que tange a coibir tentativas de realocar estas pessoas para as periferias, com a finalidade de manter livre o espaço dos grandes centros urbanos para os diversos turistas. Os órgãos do Sistema de Justiça agiram em prol da garantia do livre acesso ao espaço público à população vulnerável.  

Embora esta pesquisa seja limitada, geograficamente, ao perímetro de Salvador, foi possível notar que esse município serviu apenas como espaço amostral para esta pesquisa, possibilitando que outras investigações acadêmicas possam ser realizadas, no empenho de, juntamente com as autoridades competentes, coibir atos de violência, seja ela física ou verbal, acometida contra os cidadãos. Houve uma atuação relevante na promoção de medidas repressivas contra essas práticas abusivas, em Salvador, mesmo com a existência de dificuldades em reunir provas para confirmar a titularidade, bem como a autoria dos comandos para a realização das violações nos fatos aqui explicitados.   

Por outro lado, ficou perceptível que parte do poder público se exime de uma tarefa precípua de proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana, enquanto outras instituições públicas atuam com responsabilidade no acolhimento de tais flagelados. Isso pôde ser evidenciado na dicotomia: enquanto determinadas instituições públicas zelam pelo cumprimento dos direitos, outras sequer compreendem a realidade aqui exposta e incitam o desprezo de garantias humanas essenciais.   

Uma das aspirações deste artigo concentra-se na tentativa de provocar, também, outras reflexões, acerca da necessidade de proteger e promover garantias aos direitos de indivíduos que se encontram em conjuntura semelhante a da população em situação de rua. Então, acreditamos que ainda existe uma necessidade relevante de promover ações defensivas, com interesse de coibir práticas violadoras de direitos a indivíduos que se encontram em situação de maior desamparo.   

  

6. REFERÊNCIAS  

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BRASIL. Lei nº 11.124 de 16 de junho de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11124.htm>. Acesso em: 16.jul.2014  

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SILVA, Maria C. de Alencar. Saúde Pública: suporte à saúde dos turistas durante a copa. Disponível em:  <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/13178> Acesso em:  29.mai.2014   

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Sobre os autores
Thaís Menezes

Advogada formada pela Universidade do Estado da Bahia, Pós-Graduanda em Direito Processual Civil, atuante nas áreas Trabalhista e Cível Empresarial, com experiência no suporte de empresas no Contencioso Trabalhista e também atuante na advocacia consultiva e de prevenção de crises. Experiência em análises e confecções de contratos, dentro outros serviços relativos à assessoria empresarial. E-mail: thaismenezzesadvocacia@gmail.com; Tel.: (71) 9 9969 - 0188; Perfil no Instagram: @advogadaumsonho.

Bruno de Sena Costa

Graduando em Direito pela UNEB

Manuela Lima Mota

Graduanda em Direito pela UNEB

Matheus Rodrigues Nunes

Graduando em Direito pela UNEB

Anhamona Silva de Brito

Professora do componente curricular Seminário Interdisciplinar de Pesquisa e Direito Agrário e Ambiental na UNEB

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