Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A nova velha questão da ultra-atividade das normas coletivas e a súmula nº 277 do Tribunal Superior do Trabalho

Agenda 08/11/2015 às 19:55

O presente artigo busca analisar a nova velha questão da ultra-atividade das normas coletivas e a Súmula nº277 do TST sobre a ótica dos professores Roberto Freitas Pessoa e Rodolfo Pamplona Filho

Introdução

Denomina-se a questão de “velha” por ser objeto de reflexão há muitos anos, e esta “velha questão” ganhou nova roupagem e nova solução com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004.

Ultra-atividade ou Ultratividade? Evitando uma crítica desnecessária

Em relação ao assunto abordado, a expressão ultra-atividade parece ser mais adequada, com a explicitação do prefixo “ultra”, para a demonstração de se tratar de uma hipótese de produção de efeitos além do originalmente previsto.

Inclusive, na jurisprudência regional, encontramos referência expressa ao termo supracitado, como, por exemplo, o Enunciado da Súmula nº 2 do TRT da 5ª Região.

Em que consiste a ultra-atividade das normas coletivas trabalhistas?

A ideia básica da ultra-atividade das normas coletivas trabalhistas consiste no reconhecimento de situações em que, esgotado o prazo previsto de vigência da norma, esta deve continuar a produzir efeitos até que outra posterior determine sua cessação.

O processo de negociação coletiva importa sempre avanços e concessões, em que cada conquista consolida um posicionamento e uma garantia da categoria.

Dessa forma, será razoável que, a cada negociação coletiva, se tenha que “reinventar a roda”, com a negociação partindo do zero, de cada ponto que a categoria tradicionalmente já tinha se diferenciado em relação aos demais trabalhadores?

Vale ressaltar que a jurisprudência consolidada no Tribunal Superior do Trabalho, embora reconheça a existência do instituto, rechaça a sua aplicação.

A Súmula nº 277 do Tribunal Superior do Trabalho

Estabelece a Súmula nº 277 do Tribunal Superior do Trabalho:

“Súmula nº 277. Sentença normativa. Convenção ou acordo coletivos. Vigência. Repercussão nos contratos de trabalho (Redação alterada na sessão do Tribunal Pleno, em 16.11.2009 – Resolução nº 161/2009, DJe divulgado em 23, 24 e 25.11.2009)

I – As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho.

II – Ressalva-se da regra enunciada no item I o período compreendido entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigorou a Lei nº 8.542, revogada pela Medida Provisória nº 1.709, convertida na Lei nº 10.192, de 14.02.2001.”

Ou seja, o TST reconheceu a possibilidade jurídica de incorporação das cláusulas normativas ao contrato de trabalho, mas a limitou ao período de 23.12.1992 e 28.12.1995, em que vigorou a Lei nº 8.542, revogada pela Medida Provisória nº 1.709, convertida na Lei nº 10.192, de 14.02.2001.

Isto porque, no campo do direito infraconstitucional, o art. 1º, § 1º, da Lei nº 8.542/1992 consagrou o princípio ultra-ativo, como se pode ver a seguir:

“Art. 1º A política nacional de salários, respeitado o princípio da irredutibilidade, tem por fundamento, a livre negociação coletiva e reger-se-á pelas normas estabelecidas nesta lei.

§ 1º As cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser reduzidas ou suprimidas por posterior acordo, convenção ou contrato coletivo de trabalho.

(...)”

Esse dispositivo teve sua vigência revigorada pela Lei nº 8.880/1994, cujo art. 26 preceituou:

“Art. 26. Após a conversão dos salários para URV, de conformidade com os arts. 19 e 27 desta lei, continuam asseguradas a livre negociação e a negociação coletiva dos salários, observado o disposto nos §§ 1º e 2ª do art. 1º da Lei nº 8.542, de 1992.”

O sobredito dispositivo foi evidente preparatório para a nova concepção daquilo que se convencionou chamar de Contrato Coletivo de Trabalho, tendo sobrevivido incólume até a 37ª edição da Medida Provisória, convertida na Lei nº 10.192/2001.

O poder normativo da justiça do trabalho após a Emenda Constitucional nº 45/2004

A Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004, modificou substancialmente as regras básicas de competência da Justiça do Trabalho, e a atuação desta foi visivelmente ampliada.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A EC 45 deu nova conformação aos Dissídios Coletivos, enfatizando, porém, que a atuação do Poder Judiciário Trabalhista, na espécie, deverá respeitar “as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente”.

Se o que for decidido pelo Poder Judiciário, no exercício do seu poder normativo, terá sempre eficácia temporal limitada, o mesmo não deve ser dito das normas pactuadas no exercício da autonomia coletiva da vontade. E é assim porque há, efetivamente, a ultra-atividade dessas cláusulas, enquanto não sobrevier negociação coletiva que resulte em sua supressão.

Inclusive, há categorias profissionais e econômicas (a exemplo dos Rodoviários e Empresas de Transporte Rodoviário do Estado da Bahia) que, tradicionalmente, consagram na data-base o princípio ultra-ativo das cláusulas normativas, reduzindo ou revisando aquelas destinadas à correção salarial ou mesmo percentual de horas extras, intervalo intrajornada, etc.

A razoabilidade da necessidade de revisão da Súmula nº 277

O próprio Tribunal Superior do Trabalho vem admitindo a ultra-atividade em casos em que a vantagem foi mantida após a extinção do convênio. É o caso, por exemplo, da Orientação Jurisprudencial nº 41 da SBDI-1 – Subseção I Especializada em Dissídios Individuais.

E mais recentemente, a sobredita Subseção de Dissídios Individuais, em acórdão da lavra do Ministro Augusto César de Brito, firmou tese proclamando o efeito ultra-ativo de uma cláusula normativa, assecuratória de indenização na resilição contratual, mesmo após expirado o prazo de vigência da convenção coletiva que a instituiu, citando, o eminente Relator, precedentes da pré-citada Subseção.

Além disso, diante da possibilidade do reconhecimento constitucional da pós-eficácia das normas coletivas, vale relembrar que esse posicionamento é perfeitamente constitucional com a concepção doutrinária assentada sobre o prazo de validade dos instrumentos normativos trabalhistas.

Com efeito, os opositores à corrente doutrinária que proclama o efeito “ultratemporal” das cláusulas estatuídas em instrumentos normativos provocam o debate, acenando para a disposição contida no § 3º do art. 614 da CLT, pois, segundo essa linha de raciocínio, o legislador fixou, por esse dispositivo, o limite de duração das normas coletivas, vedando uma transposição para os contratos de trabalho pactuados individualmente durante a vigência por tempo indeterminado.

Argumentam que, se assim não fosse, inconsistente seria a obrigação de se estipular, no instrumento normativo, a validade de, no máximo, dois anos, pois é vedado se fixar prazo superior.

A fonte doutrinária resolve a controvérsia apontando as diferenças existentes entre as cláusulas instituídas nos respectivos instrumentos, mediante classificação de obrigacionais ou normativas.

Assim, cláusulas normativas são aquelas que correspondem ao conceito de condições de trabalho, aptas a se tornarem parte integrante de contratos individuais, conceito esse que se reflete no art. 611 da CLT. Enquanto as cláusulas obrigacionais dos instrumentos normativos (Acordo – Convenção) são definidas como aquelas que geram direitos e obrigações entre as partes convenentes, e dividem-se em cláusulas típicas e atípicas.

Pode-se concluir neste tópico que apenas as cláusulas obrigacionais perdem eficácia após o prazo de vigência estipulado na convenção diante da sua natureza contratual, enquanto as demais, de conteúdo normativo, ganham corpo reflexivo sobre os contratos individuais por força atrativa advinda da sua projeção.

Considerações finais

Ante o exposto, é possível sistematizar as seguintes conclusões:

A tese da ultra-atividade das normas coletivas oriundas da fonte de produção autônoma teve previsão legal específica de aplicação no período compreendido entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigorou a Lei nº 8.542, revogada pela Medida Provisória nº 1.709, convertida na Lei nº 10.192, de 14.02.2001;

A Súmula nº 277 do Tribunal Superior do Trabalho buscou uniformizar a interpretação sobre o tema, adotando teoria negativa da aplicabilidade ante a revogação expressa da previsão legal autorizadora;

Com o advento da nova redação do art. 114 da CF, por força da Emenda Constitucional nº 45/2004, o seu § 2º traz, como novidade, a referência ao respeito às disposições mínimas convencionadas anteriormente, o que significa nova fundamentação normativa para acolhimento da tese da ultratividade das normas coletivas;

Considerando o fato novo, decorrente do exercício do poder constituinte derivado, á razoável reconhecer-se a necessidade de revisão da Súmula nº 277;

A adoção da teoria da ultra-atividade das normas coletivas, além de estimular a negociação coletiva e atuação sindical, mostra-se perfeitamente compatível com a legislação estrangeira, afinando-se o Brasil com outros sistemas normativos correlatos.

Conclusão e comentários:

A reforma trazida pela Emenda Constitucional 45/2004 procurou dar maior relevo à autonomia privada coletiva no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho, apontando fortemente para a extinção do Poder Normativo da Justiça do Trabalho.

Ocorre, porém, que a estrutura sindical brasileira ainda é muito frágil, especialmente em relação aos seus dirigentes os quais, acostumados à luta por aumentos salariais, se veem incapacitados à reivindicação de outros direitos.

Estimular a autocomposição é salutar, porém, em um país onde as entidades sindicais se viram tuteladas por mais de sessenta anos pelo Poder Normativo, é necessária muita cautela na retirada dessa proteção.

Ao dispor que as partes “de comum acordo” irão ajuizar o dissídio coletivo caso não atinjam solução amigável, o legislador ignorou por completo a realidade brasileira, criando uma situação plenamente frutífera para vácuos jurídicos, estimulando a inércia como meio de fraudar as conquistas dos trabalhadores.

É certo que o instituto da ultra-atividade das normas coletivas traduz-se em ferramenta eficiente que deve ser assegurada às categorias dos trabalhadores, assim como a greve ou outros meios de pressionar a balança e deixar mais equilibrada a relação entre capital e trabalho.

Também é sabido, por força da Súmula 277 do TST, que o Tribunal Superior do Trabalho tem entendimento formado a respeito e que uma proposta como a que por ora se apresenta é difícil.  Contudo, não é por isso que o debate deve deixar de existir. Antes pelo contrário, estimulados quem sabe pela rigidez jurisprudencial é que os juristas e aplicadores do direito devem buscar novos horizontes, teses e temas para debate, além de visualizar o que já está dado com outros olhos

Olhar o novo com olhos do novo e não do que passou. Olhar os direitos sociais trabalhistas com olhos também na Constituição brasileira de 1988 e não apenas nos moldes liberais tão em voga no presente. Conclui-se, desta forma, que as normas coletivas, assim como qualquer relação entre privados, devem-se ater aos parâmetros traçados pela Carta de 1988 quando trata dos direitos fundamentais. E não se diga que não há aplicar direitos fundamentais em relações interprivadas.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!