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Danos morais e direitos da personalidade

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Agenda 31/10/2003 às 00:00

7. Tipos constitucionais dos direitos da personalidade e dos correspondentes danos morais

A Constituição federal brasileira, além do enunciado paradigmático do inciso X do artigo 5º, acima transcrito, em várias outras passagens cuida de tutelas específicas de direitos da personalidade, havendo sempre relação aos danos morais, explicita ou implicitamente.

É certo que a violação aos direitos da personalidade pode acarretar danos materiais, também previstos no inciso X do artigo 5º. O dano material é valor a menos, na relação entre a pessoa e o bem econômico. Como exemplo, a lesão à honra de alguém pode acarretar perdas de ganhos pecuniários decorrentes de atividade profissional. O Superior Tribunal de Justiça já resolveu, em seu âmbito, a admissibilidade da acumulação dos danos morais com os danos materiais, em decorrência do mesmo fato, conforme enunciado nº 37 de sua súmula. Mas, para os fins deste estudo, os danos materiais não serão considerados.

Em diversos preceitos, a Constituição remete implicitamente aos danos morais, não tendo sido necessária sua explicitação.

Os tipos expressos de direitos da personalidade na Constituição são variados, podendo ser encontrados nos seguintes artigos: art. 5º, caput (direito à vida; direito à liberdade) ; 5º, V (direito à honra e direito à imagem, lesados por informação, que possibilita o direito à resposta ou direito de retificação, como diz a doutrina italiana, acumulável à indenização pecuniária por dano moral) ; art. 5º, IX (direito moral de autor, decorrente da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística e científica 17) ; art. 5º, X (direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem) ; art. 5º, XII (direito ao sigilo de correspondências e comunicações) ; art. 5º, IXVI (impedimento da pena de morte e da prisão perpétua) ; art. 5º, LIV (a privação da liberdade depende do devido processo legal) ; art. 5º, LX (restrição da publicidade processual, em razão da defesa da intimidade) ; art. 5º, LXXV (direito à honra, em decorrência de erro judiciário ou de excesso de prisão 18) ; art. 199, § 4º (direito à integridade física, em virtude da proibição de transplante ilegal de órgãos, tecidos e substâncias humanas ou de sua comercialização) ; art. 225, § 1º, V (direito à vida, em virtude de produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias) ; art. 227, caput ( direito à vida, direito à integridade física e direito à liberdade das crianças e dos adolescentes) ; art. 227, § 6º (direito à identidade pessoal dos filhos, sem discriminação, havidos ou não da relação de casamento ou por adoção) ; art. 230. (direito à vida e à honra dos idosos).

Nessas normas é constante a remissão à dignidade humana, a demonstrar sua natureza de princípio fundamental ou de cláusula geral de conformação e, também, de parâmetro para as situações atípicas de direitos da personalidade.

Em suma estão previstos na Constituição, sem prejuízo dos direitos implícitos, os seguintes direitos da personalidade:

A Constituição refere, igualmente, ao direito à saúde (art. 196) e ao direito à igualdade (art. 5º). Entendo, todavia, que não se enquadram no conceito estrito de direitos da personalidade, como será demonstrado.

No caso da saúde, a Constituição a inclui no campo da ordem social, como espécie da seguridade social, no mesmo nível dos direitos à educação, à cultura, ao desporto, à ciência, à tecnologia, à comunicação social, ao meio ambiente, à família. Esses direitos são direitos relativos, pois apenas se concebem em situações externas às pessoas, em relação a outrem. São direitos fundamentais, mas não direitos (absolutos) da personalidade. Melhor se classificariam como direitos sociais, como o faz a Constituição no artigo 6º, segundo o programa do Estado providência ou social de direito. O caráter "social" que a Constituição empresta ao direito à saúde está a indicar que não é inato à personalidade, até mesmo porque seu exercício pode estar condicionado a determinado preço. Apenas indiretamente a saúde interessa aos direitos da personalidade, na medida que contribui para a afirmação do direito à vida, que é abrangente e inato à pessoa.

No caso do direito à igualdade, não se pode dizer que seja exclusivamente inato, porque apresenta pluridimensões, algumas voltadas à realização da justiça social ou da igualdade material (artigos 3º, III, e 170, VII, da Constituição: redução das desigualdades sociais e regionais). Até mesmo a igualdade formal de todos (sem distinção de qualquer natureza, art. 5°, caput) ou entre os gêneros (art. 5º, I, e art. 226, § 5º) decorre sempre da relação e do confronto com o outro; nesse sentido, relativo e externo.

O habeas data (art. 5º, LXXII), regulamentado pela Lei nº 9,505, de 1997, é modo de realização dos direitos (da personalidade) ao sigilo e à honra (reputação), principalmente.


8. Direitos da personalidade da pessoa jurídica

"A pessoa jurídica pode sofrer dano moral".

Este é o enunciado nº 227 da súmula do Superior Tribunal de Justiça, que encerrou um ciclo de controvérsias jurisprudenciais acerca da aplicabilidade dos danos morais à pessoa jurídica. Dada a interação necessária com os direitos da personalidade, quais deles a ela seriam pertinentes? A indagação se justifica pois alguns direitos da personalidade apenas dizem respeito à pessoa humana. Evidentemente, não tem cabimento violação à vida, ou à integridade física ou psíquica, ou à liberdade (privação) da pessoa jurídica. Outros direitos da personalidade, todavia, são suficientemente exercitáveis pela pessoa jurídica, e sua violação proporciona a indenização compensatória por danos morais, que o enunciado 227 menciona.

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O direito à reputação é o mais atingido, pois a consideração e o respeito que passa a granjear a pessoa jurídica integra sua personalidade própria e não as das pessoas físicas que a compõem. A difamação não apenas acarreta prejuízos materiais mas morais, que devem ser compensados. Do mesmo modo, pode ocorrer a lesão à imagem, com retratação ou exposição indevidas de seus estabelecimentos e instalações. A privacidade pode ser também invadida, quando o sigilo de suas correspondências é violado. E até mesmo o direito moral de autor pode ser atribuído à pessoa jurídica, conforme expressa disposição da Lei nº 9.609, de 1998, que disciplina o direito do autor de programas de computador, quando estes forem desenvolvidos por seus empregados, contratados para tal fim.

A tutela legal também alcança os entes não personificados, que são equiparados à pessoa jurídica para determinadas finalidades legais, ou seja, o condomínio de edifício, o espólio, a herança jacente, a massa falida, o consórcio, a família, a empresa de fato, a empresa individual, entre outros.


9. Conclusão: inexistência de danos morais fora dos direitos da personalidade

Este estudo tem por fito desenvolver argumentos, que me parecem convincentes, no sentido de concluírem com uma tese: não há outras hipóteses de danos morais além das violações aos direitos da personalidade. Nos últimos anos, no programa de pós-graduação em direito da Universidade Federal de Pernambuco, tenho trabalhado esse tema, no campo mais amplo do direito civil constitucional, e estimulado investigações de mestrandos e doutorandos, que fortalecem a tese.

A rica casuística que tem desembocado nos tribunais permite o reinvio de todas os casos de danos morais aos tipos de direitos da personalidade. Nenhum dos casos deixa de enquadrar-se em um ou mais de um tipos, conforme acima analisados. A referência freqüente à "dor" moral ou psicológica não é adequada e deixa o julgador sem parâmetros seguros de verificação da ocorrência de dano moral. A dor é uma conseqüência, não é o direito violado. O que concerne à esfera psíquica ou íntima da pessoa, seus sentimentos, sua consciência, suas afeições, sua dor, correspondem a dos aspectos essenciais da honra, da reputação, da integridade psíquica ou de outros direitos da personalidade.

O dano moral remete à violação do dever de abstenção a direito absoluto de natureza não patrimonial. Direito absoluto significa aquele que é oponível a todos, gerando pretensão à obrigação passiva universal. E direitos absolutos de natureza não patrimonial, no âmbito civil, para fins dos danos morais, são exclusivamente os direitos da personalidade. Fora dos direitos da personalidade são apenas cogitáveis os danos materiais.

Em razão de sua visceral interdependência com os direitos da personalidade, os danos morais nunca se apresentam como reparação, pois a lesão ao direito da personalidade não pode ser mensurada economicamente, como se dá com os demais direitos subjetivos. Por isso, a indenização tem função compensatória, que não pode ser simbólica, para que a compensação seja efetiva e produza impacto negativo no lesante, nem demasiada, para não conduzir ao enriquecimento sem causa do lesado. No inciso V do artigo 5º, a Constituição determina que o dano moral seja "porporcional ao agravo". Há quem veja nesse preceito o fundamento da função não apenas compensatória mas punitiva 19. Deve o juiz valer-se do princípio da proporcionalidade, tendo em vista serem os direitos atingidos muito mais valiosos que os bens e interesses econômicos, cuja lesão leva à restituição.

Ao se isolar os direitos da personalidade, como direitos inatos e essenciais à realização da pessoa e de sua dignidade, não se está a dizer que em situações outras não se possa postular a indenização por danos morais, pois, quando estes se dão, os direitos da personalidade surgem associados aos outros direitos que foram violados, ainda quando não sejam tão visíveis. Nessas hipóteses, ou a vida, ou a liberdade, ou a integridade física, ou a integridade psíquica, ou a reputação, ou a privacidade, ou a identidade pessoal ou outros direitos de igual natureza foram também atingidos.


NOTAS

01. Tratado de Direito Privado, tomo 7, 1971, p. 6.

02. Tratado de Direito Privado, cit. 5.

03. Cf. A Repersonalização das Relações Familiares, O Direito de Família e a Constituição de 1988, Coord. Carlos Alberto Bittar, 1989, p. 72.

04. Cf. Programa de Direito Civil-Parte Geral, 1979, p.192.

05. Na Introdução que escreveu à terceira edição da Consolidação das Leis Civis, 1896, p. CVII, disse-o explicitamente: "Se no sentido mais philosophico os direitos da personalidade forem considerados de propriedade, seguir-se há faze-los entrar na orbita da Legislação Civil".

06. Cf. Gustavo Tepedino, Temas de Direito Civil, 1999, p. 53. No mesmo rumo de prioridade, Luiz Edson Fachin (Teoria Crítica do Direito Civil, 2000, p. 94) adverte que a noção de direitos da personalidade deve veicular "também mecanismos efetivos de realização de tais direitos".

07. Op. cit., p. 13.

08. Norberto Bobbio, O tempo da Memória, De senectude e outros escritos autobiográficos, trad. Daniela Versiani, 1997, p. 160.

09. Cf. Perfis do Direito Civil – Introdução ao Direito Civil Constitucional, trad. Maria Cristina de Cicco, 1997, p. 154-6.

10. Entre tantos, Adriano de Cupis, I Diritti della Personalità, 1982, passim; Pontes de Miranda, op. cit., passim; Diogo Leite de Campos, Lições de Direitos da Personalidade, 1995, passim.

11. No campo da filosofia do direito, a influente corrente de pensamento denominada Tópica propugna pela identificação dos "topoi", significando os lugares comuns ou a opinião dominante na comunidade geral ou especializada (como a jurídica). Com risco de simplificação, trata-se de interessante recepção, com adaptação aos valores da modernidade, da Tópica aristotélica. Aristóteles assim inicia o Livro I dos Tópicos (trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim, 1978, vol I da Coleção Os Pensadores), p. 5: "Nosso tratado se propõe encontrar um método de investigação graças ao qual possamos raciocinar, partindo de opiniões geralmente aceitas, sobre qualquer problema que nos seja proposto". Após fazer distinção com o dado de ciência, diz que "São, por outro lado, opiniões ‘geralmente aceitas’ aquelas que todo mundo admite, ou a maioria das pessoas, ou os filósofos – em outras palavras: todos, ou a maioria, ou os mais notáveis e eminentes". Para a formação do raciocínio, o "topos" seria uma premissa verdadeira. O dano mora, como desenvolvido na linguagem jurídica, é um "topos", com sua própria força persuasiva, no dizer de Maria Francisco Carneiro, Avaliação do Dano Moral e Discurso Jurídico, 1998, p. 160.

12. Cf. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, trad. Paulo Quintela, 1986, p. 77.

13. Cf. I Diritti della Personalità, cit., p. 14.

14. Op. cit., p. 28-9.

15. Op. cit., p. 162.

16. José de Oliveira Ascensão (Direito Autoral, 1980, p. 71) condena o uso do qualificativo "moral", porque "não há setores não éticos no direito de autor". Todavia, generalizou-se o uso linguístico, assim na doutrina como na legislação.

17. Os incisos XVII e XVIII do art. 5º cuidam dos direitos patrimoniais de autor, que são excluídos dos direitos da personalidade, em razão de sua economicidade.

18. Nessa hipótese, o direito à honra é sempre presumido, mas há de serem considerados eventuais direitos à integridade física ou psíquica, que podem ter sido lesados.

19. Cf. Luiz Antônio Rizzatto Nunes at alii, O Dano Moral e sua Interpretação Jurisprudência, 1999, p. 5.


BIBLIOGRAFIA

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TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio: Renovar, 1999.

Sobre o autor
Paulo Lôbo

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi Conselheiro do CNJ nas duas primeiras composições (2005/2009).︎ Membro fundador e dirigente nacional do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎ Professor de pós-graduação nas Universidades Federais de Alagoas, Pernambuco e Brasília. Líder do grupo de pesquisa Constitucionalização das Relações Privadas (UFPE/CNPq).︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÔBO, Paulo. Danos morais e direitos da personalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 121, 31 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4445. Acesso em: 21 nov. 2024.

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