Resumo: O presente trabalho busca provar a existência da crença da sociedade da união estável como instituição de igual representação, direitos e deveres do casamento pela jurisprudência anterior à criação da lei 9.278 de 10 de maio de 1996 ensejando o legislador a positivar um costume da população. O que se objetiva é demonstrar a influencia dos costumes da criação de leis, ou seja, como os hábitos e costumes da população podem levar ao surgimento de textos normativos que regulem a conduta costumeira.
Palavras-chave: Influência. Costume. Jurisprudência.
Abstract: This work seeks to prove the existence of the belief of the company's common-law marriage as an institution of equal representation, rights and wedding duties by the previous case-law to the creation of Law 9278 of 10 May 1996 allowing for the legislature to make positive a custom of the population. What objective is to demonstrate the influence of the customs laws of creation, that is, as the habits and customs of the population may lead to the development of normative texts regulating the customary conduct.
Keywords: Influence. Custom. Jurisprudence.
Sumário: Introdução; 1 Fontes do direito brasileiro; 2 A família no direito brasileiro e a união estável; 3 Jurisprudência do TJ-RJ entre 1990 e 1995; Considerações Finais; Referências.
Introdução
A lei 9.278 de 10 de maio de 1996 elevou a antes imprecisa expressão da união estável à entidade familiar, garantindo assim todos os direitos – e também os deveres – da união oficializada pelo matrimônio. É possível comprovar, entretanto, que essa prática, ou seja, esse costume ou hábito de considerar matrimônio e união estável como semelhantes. Isso significa que o costume, ou seja, o hábito do povo teve grande influência na elevação da união estável como unidade familiar.
Apresenta-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entre 1990 e 1995 que data antes da criação da lei, mas que já apresenta apelações e decisões quanto a direitos que assistiam somente à entidade familiar, leia-se união por matrimônio, e que só seriam concedidos à união estável em 1996.
Isso significa que as apelantes confiavam na prerrogativa social de consideração equivalente da união estável e matrimônio. Foi o legislador que, observando a prática já reiterada da sociedade quanto à união estável, considerou interessante positivar o entendimento vigente de que uniões estáveis e matrimoniais são equivalentes.
Assim objetiva-se comprovar a influência dos costumes e hábitos sociais na formação de leis, porque são os costumes, as transformações sociais e políticas que mudam o ordenamento de um país. O direito não é estático, mas resultado de todas essas transformações. O Direito muda conforme a sociedade muda.
1 Fontes do Direito e os Costumes
De acordo com Bobbio, existem duas fontes do Direito: as fontes formais e as fontes materiais. As fontes formais do Direito se constituem das regras, normas e leis que regulam a vida em sociedade, são, na realidade, o resultado das fontes materiais, isto é, sua positivação. É tudo o que se apresenta de modo escrito na legislação de uma nação.
As fontes materiais, por sua vez, se constituem das questões de ordem social, econômica, política e tantas outras variáveis humanas que ensejam o direito, isto é, a regulamentação do organismo que tem poderes de elaborar e criar as leis. São estas que transformam o modo de viver e pensar, e conseqüentemente de legislar, de um país.
A palavra “costume” derivada do latim consuetudo designa tudo que se estabelece por força do uso e do hábito. São esses usos e hábitos que o legislador pensou necessário transformar em lei escrita, positivada, de modo a fazer valer a prática reiterada da sociedade, atribuindo valor jurídico a estas, estabelecendo sanções, atos coercitivos, enfim, fazendo-as valer como as outras normas, isto é, regulamentando uma prática já comum.
Na Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro – atualmente chamada de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – confere-se no artigo 4º a permissão para utilização dos costumes como fonte do direito: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Os costumes estão divididos em praeter legem, secundum legem e contra legem. Estes indicam respectivamente, um costume subsidiário à lei, um costume autorizado legalmente e um costume não autorizado pelo ordenamento jurídico. É importante, entretanto, ressaltar que os costumes ocupam uma posição hierarquicamente inferior às outras fontes em comparação com a doutrina e a lei escrita.
O costume é assinalado em alguns outros pontos do ordenamento brasileiro como é o caso do art. 113 do Código Civil de 2002 em que lemos: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, e ainda o art. 597 do mesmo Código: “A retribuição pagar-se-á depois de prestado o serviço, se, por convenção, ou costume, não houver de ser adiantada, ou paga em prestações”.
Ademais, ainda no Código Civil encontramos diversos outros exemplos onde os costumes do lugar são comparáveis às leis, configurando-se um costume secundum legem como é o caso do art. 432 do mesmo, onde se lê: “Se o negócio for daqueles em que não seja costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando a tempo a recusa”.
A somar, o Código Civil descreve também o costume como parâmetro de aplicação de leis nos artigos 569, II; 596; 597; 599; 615; 965, I; 1297, §1º. Percebe-se assim, a importância que o legislador quis conferir aos costumes e às práticas habituais da sociedade.
Segundo Bobbio (1995, p. 166-169), a posição teórica e prática do costume têm importância peculiar no processo histórico. Segundo ele, são três as principais categorias elaboradas pelo pensamento jurídico para explicar o fundamento da juridicidade das normas consuetudinárias: a doutrina romano-canônica, a doutrina moderna e a doutrina da escola histórica.
Diversos exemplos foram citados no que diz respeito aos costumes praeter e secundum legem, que constituem a forma legal e escrita da utilização dos costumes no ordenamento, mas cabe ainda ressaltar a importância de costumes contra legem que por vezes revogam uma lei por desuso e conseqüente ineficácia.
É o caso do cheque pós-datado, comumente conhecido como cheque pré-datado: o uso do cheque como ordem de pagamento à prazo e não à vista como estabelecido pelo ordenamento fez a lei cair em desuso e perder sua eficácia. “O Judiciário não pôde deixar de reconhecer esse fenômeno imposto pela grande maioria das pessoas em seu ato de comércio” (HADDAD, 2011, p. 1)
2 A Família no Direito Brasileiro e a União Estável
Segundo Nelson Rosenvald e Cristiano Farias (2011, p.517) a família compreende além de atividades de cunho natural e biológico, fenômenos culturais tais como escolhas profissionais e afetivas, vivência de problemas e sucessos, o que faz com que a família ultrapasse limites de laços sanguíneos ou parentais: família é o que nos guia durantes essas escolhas e essas vivência.
Ainda Rosenvald e Farias (2011, p.517), confirmando a teoria de não uniformidade quanto ao modelo familiar, desvencilham da família o antigo conceito de pai-mãe-filhos:
“É inegável, pois, que a multiplicidade e variedade de fatores (de diversas matizes) não permitam fixar um modelo familiar uniforme, sendo mister compreender a família de acordo com os movimentos que constituem as relações sociais ao longo do tempo. Os novos valores que inspiram a sociedade contemporânea sobrepujam e rompem, definitivamente, com a concepção tradicional de família. A arquitetura da sociedade moderna impõe um modelo familiar descentralizado, democrático, igualitário e desmatrimonializado”.
A Constituição Federal define a família como base da sociedade e assegura a proteção especial da mesma pelo Estado. Costa Júnior (1999, p. 27) afirma que:
“A família abrange não só o marido e a mulher, unidos pelo casamento civil ou religioso, na conformidade da lei, e os filhos, mas também a união estável entre o homem e a mulher, que perfazem a entidade familiar”.
Desde a Constituição de 1988, a união estável já era reconhecida e tratada no seu artigo 226, §3º, em que se lê: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Mas foi somente em 1994 que surgiu a Lei nº. 8.971 que veio regulamentar o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão.
A Lei 9.278 de 10 de maio de 1996 trouxe mais uma discussão acerca da matéria da união estável: regulamentando o §3º do artigo 226 da Constituição Federal, define direitos e deveres dos conviventes. Essa lei surgiu a partir da observação de que na sociedade brasileira existe um numeroso contingente familiar que se forma a partir da união do homem e da mulher, sem que tenha havido o matrimônio.
O que se quer provar é que antes mesmo da regulamentação da união estável e reconhecimento de direitos e deveres como numa relação de matrimônio essa conduta já era aceita e vivida pela sociedade, afinal de contas, é a partir das transformações sociais, da mudança de paradigmas que nasce uma regulamentação. Foram os costumes, os hábitos da sociedade que ensejaram o legislador a positivar a relação da união estável e reconhecer sua validade assim como entre companheiros casados.
Para embasamento da assertiva apresenta-se a jurisprudência a seguir, que data antes da positivação da Lei 9.278/96. Nela verificamos que os apelantes que confiam na relação de igualdade entre a união estável e o casamento antes dos artigos previstos na lei em questão para exigir direitos que só seriam regulamentados um ano mais tarde oferecendo, então, subsídios positivados para a impetração de causas.
3 Análise da Jurisprudência TJ-RJ entre 1991 e 1995
Trata-se de quatorze apelações encontradas entre 1990 e 1995, ou seja, antes da positivação da Lei 9.278 que se deu em 10 de maio de 1996. As apelações dizem respeito à indenização por serviços domésticos de companheiros que mantinham uma relação caracterizada como união estável.
Das apelações apresentadas – que representam a totalidade no período supramencionado – no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, oito foram providas o que representa um percentual de aproximadamente cinqüenta e sete por cento do total das quatorze apelações. Obviamente, cerca de quarenta e três por cento destas últimas, representadas pelo número seis, foram desprovidas.
Cabe ainda mencionar que do número de oito provimentos, seis foram providas totalmente, representando um percentual de aproximadamente setenta e cinco por cento, e duas foram providas parcialmente, representando um percentual aproximado de vinte e cinco por cento das apelações.
O que se pode confirmar é que mais da metade das apelações obtiveram êxito em seu propósito, o que permite afirmar que além da população entender como justa a equiparação entre união estável e casamento válida, acordam assim também os desembargadores e juízes responsáveis pelo julgamento das citadas apelações.
Ora, não se poderia ter entendimento diferente já que os juízes e desembargadores compõem a sociedade, são partes dela. Se acaso o povo concorda em uma questão, os representantes, executores da justiça e representantes do poder soberano do povo brasileiro também devem consentir.
As apelações providas confirmam a teoria básica de que o costume da sociedade em considerar união estável e matrimônio como semelhantes já era notoriamente partilhada até pelas autoridades decisórias. As desprovidas, entretanto, carecem de maior análise de modo a analisar qual entendimento confronta o costume social de equiparação de direitos e deveres entre uniões estáveis e matrimônios, ou seja, qual a causa dos desprovimentos.
Recursos Providos:
1. Apelação Cível nº. 1.621/91 – 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
2. Apelação Cível nº. 2.309/92 – 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
3. Apelação Cível nº. 3.532/95 – 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
4. Apelação Cível nº. 5.882/93 – 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
5. Apelação Cível nº. 3.296/93 – 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
6. Apelação Cível nº. 4.636/94 – 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
7. Apelação Cível nº. 6.530/94 – 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
8. Apelação Cível nº. 6.307/93 – 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Recursos Desprovidos:
1. Apelação Cível nº. 2.299/90 – 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Motivos do desprovimento¹: a obrigação de qualquer companheiro, nitidamente natural, é insuscetível de ser coativamente exigida.
2. Apelação Cível nº. 3.363/93 – 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Motivos do desprovimento: inexiste vínculo empregatício e não existe débito concubinário por serviços domésticos e se existisse estaria compensado por moradia, comida, roupa e assistência medico-dentaria prestada pelo companheiro durante a união estável.
3. Apelação Cível nº. 6.345/94 – 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Motivos do desprovimento: O dever de assistência mútua, que, nas palavras do relator, é o mais importante e abrangente efeito do casamento, resulta como conseqüência natural nas uniões livres. Não há como se impor a um concubino o dever de indenizar o outro pelos serviços domésticos prestados no interesse comum.
4. Apelação Cível nº. 2.869/91 – 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Motivos do desprovimento: O dever de assistência mútua, que, nas palavras do relator, é o mais importante e abrangente efeito do casamento, resulta como conseqüência natural nas uniões livres. Não há como se impor a um concubino o dever de indenizar o outro pelos serviços domésticos prestados no interesse comum.
5. Apelação Cível nº. 4.130/94 – 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Motivos do desprovimento: No concubinato as partes auxiliam-se mutuamente em serviços e assistência, na vigência do relacionamento.
6. Apelação Cível nº. 1.957/95 – 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Motivos do desprovimento: a união estável é bem mais que serviços prestados, como se doméstica fosse a mulher companheira. A união estável representa uma verdadeira família, onde juntos se repartem as vantagens e ônus daí decorrentes e não apenas as primeiras.
Considerações Finais
Como se pode comprovar é nítido a influencia do costume na criação da Lei 9.278/96 que regula o artigo 226, §3º da Constituição Federal que trata da união estável.
Em outros ordenamentos, o costume é considerado Lei, a qual o uso estabeleceu e que se conserva sem ser escrita, por uma longa tradição. O costume, segundo o dicionário Enciclopédico de Direito, é a prática social reiterada e considerada obrigatória.
O direito não poderia deixar de regular uma conduta tão presente nos dias atuais, pois como assinala Costa Júnior (1999, p. 1-2):
“Há algum tempo, as uniões estáveis eram vistas como algo à margem da lei, quando não contra a lei, sendo tidas como espúrias e pecaminosas. Todavia, não raro elas deixam bens, filhos e terminam em briga, e começaram a ser trazidas à Justiça não para serem penalizadas, mas para se definir como ficavam os bens e os filhos diante da ruptura. Com isso, despertou o reconhecimento desse tipo de relacionamento primeiro na jurisprudência e hoje da lei, face à previsão constitucional da existência da união estável”.
Norberto Bobbio (2011, p.52) afirma que “A imagem de um ordenamento composto por apenas dois personagens, o legislador, que põe as normas, e os súditos, que as recebem, é puramente didática”. Assim, o ‘legislador’ apenas positiva os entendimentos jurídicos da sociedade.
Emmanuel Gustavo Haddad (2007, p. 3) vem confirmar essa assertiva: “A dinâmica da realidade social, o uso e o costume, ultrapassam a atividade legislativa criadora do direito positivo, pois este é um mero referencial para a aplicação de Justiça no sentido formal do termo. Em outras palavras, a lei tem sido feita como fim e não como meio”. Por fim, Haddad conclui:
“A realidade é que o costume é o verdadeiro direito, pois é a primeira manifestação da ética de um povo, uma espécie de ética natural. O direito nada mais é, que a expressão genuína da consciência de uma sociedade e não um produto do legislador. O legislador não cria o direito, apenas o traduz em normas escritas existentes no espírito do povo (costume). Por este prisma, o direito deve ser o espelho do costume”.
Como posto, é inegável a influencia dos costumes na criação das leis como demonstrado ao longo do estudo da Jurisprudência do TJ-RJ no período de 1990 a 1995. Uma prática habitual desde que relevante juridicamente deve ser positivada pelo legislador, pois é este o defensor democrático numa república como o Brasil.
Referências
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Enciclopédico de Direito. São Paulo: Brasiliense.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. São Paulo: Edipro, 2011.
______. O positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
______. Código Civil (2002). Código Civil. Brasília, DF.
COSTA JÚNIOR, Dijosete Veríssimo da. União estável: O reconhecimento da existência do amor e da entidade familiar. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 28, 1 fev. 1999. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/548>. Acesso em: 30 ago. 2011.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito Civil: Teoria Geral. 9 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2011.
HADDAD, Emmanuel Gustavo. O costume como parâmetro da aplicação da justiça e da criação da lei. Jus Navegandi. Teresina, 2007. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/9468>. Acesso em: 29 ago. 2011.