O presente artigo tem como objetivo discorrer a respeito da atual situação legal sobre a abertura de firma individual por Advogado e as mudanças que poderiam ocorrer em nosso sistema nesse aspecto.
1. INTRODUÇÃO
Em um breve resumo, a firma individual para escritório de advocacia ainda é algo impossível. O Advogado, em plena idade moderna, ainda se encontra limitado pela lei em muitos quesitos importantes. No que diz respeito à questão do registro de seu escritório na Junta Comercial, este só é possível no caso de Sociedade de Advogados, ainda não sendo possível, o registro sob titularidade de um único profissional nesse sentido.
As normas que regulamentam o registro de escritórios de advocacia estão previstas no Estatuto da OAB, nos artigos 15 a 17. Não existe previsão legal nesse Diploma tratando de abertura de firma individual para advogados.
A situação acaba por criar um problema para inúmeros advogados que têm pretensão de abrir uma empresa individual (por alguns, conhecida como “Sociedade Individual”, termo que penso ser incorreto), o que motivou à propositura do Projeto de Lei nº
166/2015, que tem como escopo modificar o EOAB para incluir e regulamentar o instituto em menção.
O PL 166/2015, no entanto, ainda encontra-se em fase de votação no Congresso Nacional (aprovado pela Câmara dos Deputados, aguardando votação do Senado Federal e, até o momento presente, a abertura de firma individual é inviável. No entanto, a questão em si é: O advogado pode ser equiparado ao empresário e ao comerciante?
2. O ADVOGADO EM SI PODE E DEVE SER EQUIPARADO AO EMPRESÁRIO
Sabemos bem que o comerciante é aquele que, em caráter profissional, exerce atividade lucrativa. Portanto, seu objetivo principal é o lucro, proveniente da venda dos produtos que comercializa, ou dos serviços que pratica.
O RIR/99 (Regulamento do Imposto de Renda) nos traz detalhadamente o conceito de firma individual e comerciante, em seu art. 150, § 1º:
Art. 150. As empresas individuais, para os efeitos do imposto de renda, são equiparadas às pessoas jurídicas (Decreto-Lei n º 1.706, de 23 de outubro de 1979, art. 2º.
§ 1 º São empresas individuais:
I - as firmas individuais (Lei n º 4.506, de 1964, art. 41, § 1º, alínea "a");
II - as pessoas físicas que, em nome individual, explorem, habitual e profissionalmente, qualquer atividade econômica de natureza civil ou comercial, com o fim especulativo de lucro, mediante venda a terceiros de bens ou serviços (Lei n º 4.506, de 1964, art. 41, § 1 º, alínea "b");
(destacou-se)
O mesmo Diploma Legal em seu parágrafo 2º exclui do conceito de firma individual, as pessoas físicas que exerçam, dentre outras atividades, a advocacia.
Nos tempos atuais, somos compelidos a acompanhar, não apenas as inovações tecnológicas, como também as inovações sociais. Muito embora, a atividade do advogado, não seja diretamente ligada ao lucro, a mesma pode ser equiparada como atividade de comerciante, tendo em vista que busca oferecer um serviço no mercado que se encontra à disposição do cliente, desde que paga uma determinada quantia.
Evidentemente, o objetivo da função de advogar está numa boa administração da Justiça, sendo o advogado indispensável à sua plena realização, conforme previsto na Constituição Federal. É claro, tal regra não é de todo absoluta, principalmente, diante das hipóteses onde a presença do advogado é facultativa, como por exemplo, em determinadas causas no âmbito dos Juizados Especiais, limitadas a 20 salários mínimos.
A questão-chave aqui, portanto, é: o serviço prestado pelo causídico não é, apenas, voltado para a administração da Justiça e benefício daquele a quem patrocina. O advogado também presta seus serviços no intuito de ganhar seus honorários e atender às suas próprias necessidades, mesmo que sem exercer diretamente as técnicas voltadas para o lucro, utilizadas pelas empresas e comerciantes. Ainda assim, o advogado e seu escritório, trabalham com preços, uns mais vantajosos, outros menos. E outros, provavelmente, a maioria, trabalham com contratos de risco, portanto, com os honorários condicionados ao sucesso da causa.
Além de não exercer as práticas voltadas para o lucro, o advogado, também não concentra seus esforços na captação direta de clientela, técnica esta também utilizada pelo comerciante. Fala-se em captação direta, porque, sim, o advogado, de certo modo, realiza captação de clientes, embora este termo não seja bem aceito pelo Estatuto da OAB. Essa mesma captação se dá de forma discreta, com cartões de visita, sites na internet, indicação de clientes, dentre outras admitidas em Lei. O que se veda, in casu, é a captação com nítido conteúdo mercantilista. Daí o entendimento atual que, até o momento, proíbe a equiparação do advogado ao comerciante.
No entanto, a proibição de abertura de firma individual em desfavor do advogado, desde o início, carece de sentido. Assim acontece, porque, nem toda pessoa jurídica que possui CNPJ é estabelecimento de comércio individual ou empresa. No mais, se é permitida a criação de Sociedade de Advogados, porque não se permite uma empresa de um só? Inclusive, a Sociedade Empresária, Anônima etc., também são pessoas jurídicas sendo voltadas para o exercício de atividade econômica. Outro não é o conceito do Código Civil de 2002, a respeito do conceito de Sociedade:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Daí, temos o conceito de empresário, a nós fornecido pelo mesmo Diploma Legal em seu art. 966:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Ora, partindo-se do pressuposto que a Sociedade exerce atividade econômica para produção e partilha dos resultados (os quais, podem ser interpretados, sem dúvida, como ganhos em matéria financeira), resta evidente que a Lei equipara o advogado ao empresário, no entanto, de forma estranha, proíbe a abertura de empresa individual. E o Código Civil, em seu art. 982, prevê como empresária, “a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967)”. Ocorre que a atividade de empresário, não é outra que não aquela de cunho econômico, voltada para a circulação de bens e serviços.
Alicerçando-se nessas considerações, temos que o advogado: a) exerce atividade econômica, pois recebe contraprestação daquele que o contrata, na qualidade de profissional autônomo; b) pratica atividade ligada à produção de um serviço; c) esse mesmo serviço é colocado à disposição do cliente, como qualquer outro serviço colocado à venda, ainda que os termos legalmente utilizados, em relação ao causídico, não sejam estes. Portanto, o advogado, tem traços que coincidem com os de um autêntico empresário.
Inclusive, não se confunda o conceito de atividade econômica com lucro. O conceito do Código Civil de 2002, a certo modo, é incompleto, pois o lucro é a essência do comerciante. Isso acaba por confundir o intérprete da Lei. Melhor e mais aceitável é o conceito do RIR/99, em seu art. 150, § 1º, II, elencado alhures. A atividade econômica, portanto, é aquela que envolve movimentação financeira, com o intuito de cobrir as necessidades da pessoa física ou jurídica que coloca o bem ou serviço à disposição no mercado. Já a atividade onde se evidencia o lucro é aquela marcada não apenas pelo retorno do capital investido no bem ou serviço, mas também por um plus, conhecido como lucro econômico. Ex.: aquisição de um bem por um valor X e a revenda desse bem por um preço Y, onde a diferença entre os dois resulta em um acréscimo para o comerciante. Compra-se um carro pelo valor de R$ 30.000,00 e vende-se o mesmo carro por R$ 32.000,00. O produto da venda repõe o estoque e acrescenta R$ 2.000,00 livres ao patrimônio do vendedor (lucro econômico). Ou seja, explora-se um ramo ou atividade voltados para a disposição de bens ou serviços no mercado, faz-se um investimento, e depois realiza-se a diferença entre a receita auferida e os custos despendidos. O saldo positivo é o faturamento do comerciante. Esse faturamento, comumente, é utilizado na expansão das empresas, na construção de riqueza. Pode-se dizer, portanto, que o lucro é parte da atividade econômica. A advocacia, no entanto, não é voltada para as técnicas de lucro. Não se compra um serviço de advocacia e o revende por um preço maior. É atividade econômica, portanto, mas desprovida de técnicas comerciais associadas ao lucro. Seria o advogado, então, equiparado ao empresário por alguns Diplomas Legais e, por outros, não, pelo fato de exercer atividade econômica (CC/2002), mas não empregar estratégias visando o lucro (RIR/99). A Lei em si é falha e não apresenta posicionamento uníssono sobre a atividade de empresário.
Cumpre constar que mesmo o Estatuto da OAB ou o Provimento 112/2006 da OAB (que regula a formalização de Sociedades entre advogados), não apresentam outra definição de Sociedade diferente da esculpida no Código Civil e Legislação Esparsa. Assim sendo, a partir do momento que esses dispositivos admitem a construção de pessoa jurídica na forma de Sociedade de Advogados, automaticamente contemplam o conceito estabelecido em outros Diplomas legais: o de que a Sociedade é voltada para a atividade econômica. Tendo em vista que o empresário, o comerciante e as Sociedades empresárias praticam atividade econômica, por conseguinte, o advogado e as Sociedades de advogados podem ser equiparados àqueles. O que a Lei proíbe, é apenas a essência mercantilista, inerente ao comércio. No entanto, se notarmos bem, o mercantilismo está presente na advocacia, em caráter involuntário, ainda que não se admita. O serviço de advocacia é um mercado (competitivo e saturado, por sinal). Os serviços de correspondência jurídica constituem um mercado, inclusive, pautado pelo menor preço (que muitas vezes, se aproxima do preço vil).
O que existe, portanto, e, acreditamos, deve ser mantido, é a linha que separa a abordagem do advogado daquela empregada pelo comerciante, retirando daquele, a faculdade de agir como este. Comerciais, slogans, outdors, tudo isso é inacessível ao causídico, em nome de uma maior sobriedade e seriedade, inerentes à conduta profissional, já que esta é pautada pela administração e realização da Justiça. Mas essa mesma linha, não retira o caráter de empresário equiparado, que, sem sombra de dúvidas, está presente na advocacia.
Por todas essas razões, não se evidencia sentido em se proibir a abertura de empresa individual para advogado, já que a sociedade empresária é permitida por nosso Ordenamento Jurídico. Não é à toa, que existe um Projeto de Lei, em sentido contrário, no intuito de se mudar essa realidade.