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A legalização do contrato de barriga de aluguel, sob a ótica do princípio da autonomia privada

O presente artigo tem o escopo de analisar, sob a perspectiva do Direito Contemporâneo, os aspectos jurídicos e sociais relacionados à legalização do “Contrato de Barriga de aluguel”.

RESUMO: O presente artigo tem o escopo de analisar, sob a perspectiva do Direito Contemporâneo, os aspectos jurídicos e sociais relacionados à legalização do “Contrato de Barriga de aluguel”. Pretende-se, por meio de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, verificar as consequências jurídicas de uma prática que, não obstante proibida pelo ordenamento jurídico pátrio, tem sido uma realidade no âmbito social. Somando-se a vontade de procriar, a impossibilidade fática ou médica e o avanço tecnológico, cada dia que passa as pessoas buscam maneiras alternativas e inusitadas para realizarem o sonho de serem pais, recorrendo até mesmo à prática ilícita da “barriga de aluguel”. Quer se mostrar a necessidade de criação de lei própria que acompanhe a evolução da ciência genética, e, por fim, defender a legalização da cessão temporária de útero de forma remunerada, fundamentada no exercício da autonomia privada da mulher.

PALAVRA-CHAVE: Reprodução Assistida; Barriga solidária; Barriga de Aluguel; Autonomia privada da mulher; Cessão Temporária do Útero; Gestação por Substituição.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS:

O Direito Brasileiro, sobretudo, o Direito Civil, vem sofrendo transformações significativas nos últimos anos. Os institutos jurídicos, até então apresentados, não mais atendiam aos anseios da sociedade e tornou-se necessário o surgimento de novos princípios e regras que nasceram para regulamentar à evolução das relações sociais.

Modificações como a constitucionalização do Direito Civil ensejaram numa alteração axiológica em todas as disciplinas, porquanto todo o Direito Privado passou a ser analisado sob o prisma da Constituição Federal e de seu princípio basilar, a dignidade da pessoa humana.

O Direito de Família foi um dos ramos que mais sofreu alterações. A família brasileira evoluiu e deixou de lado o autoritarismo, o patricarlismo e o patrimonialismo, abrindo espaço para a filosofia eudemonista da busca da felicidade. 

Assim, após o advento da Constituição Federal de 1988 e da instauração do Estado Democrático de Direito, o instituto da família adquiriu novos contornos e seus institutos basilares foram repaginados, encontrando-se comprometidos com o respeito aos interesses da pessoa humana, solidariedade e afetividade. A Carta Magna consagrou a igualdade entre homens e mulheres, entre os filhos concebidos no casamento e fora dele, bem como introduziu a valorização do afeto como fator preponderante na conformação das novas entidades familiares.

Nesse contexto, as famílias homo e heteroafetivas, seja por impossibilidade fática ou por casos de esterilidade, têm se utilizado do avanço tecnológico, para buscar meios alternativos para materializar o sonho da maternidade e/ou paternidade, recorrendo até mesmo à prática ilícita de contratar um útero de aluguel, para gerar o seu genitor.

Verifica-se, pois, que o direito não tem acompanhado a evolução da ciência genética, deixando lacunas preenchidas atualmente por normas do Conselho Federal de Medicina, Resolução nº 2.013/13. Por esta norma a cessão temporária do útero não pode ter finalidade lucrativa ou comercial, sendo permitida apenas a “barriga solidária” em caso de problema médico que impeça ou contraindique a gestação da doadora genética.

A “barriga solidária” se diferencia da “barriga de aluguel”, pois, enquanto a primeira não exige dinheiro ou cobrança financeira para que uma mulher ceda a sua barriga para gerar o filho de outra, a segunda hipótese visa receber um determinado valor para executar o mesmo ato.

Pretende-se, por meio de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, verificar as consequências jurídicas de uma prática que, não obstante proibida pelo ordenamento jurídico pátrio, tem sido uma realidade no âmbito social.

Desse modo, o presente artigo tem o escopo de analisar os aspectos jurídicos e sociais relacionados ao “Contrato de Barriga de aluguel”, sob a perspectiva do Direito Contemporâneo.

Quer se mostrar com este estudo, que o exercício da autonomia privada da mulher é capaz de fundamentar a legalização da gestação por substituição de forma remunerada, gerando segurança jurídica nas relações dessa natureza.

Não se pode olvidar que a reprodução humana está avançando dia após dia e o extraordinário acontecimento da vida, o nascimento, tem sido realizado por diversas e inovadoras técnicas, entre elas a gestação por substituição.

Entretanto, essa alternativa envolve muitos questionamentos e desafios ao legislador, pois se relaciona com conflitos éticos e morais a ela inerentes, tais como a possibilidade de remuneração da mulher que cedeu o útero.

É cediço que o Código Civil regulamenta a questão sobre a paternidade ou maternidade, em caso de inseminação artificial homóloga ou heteróloga, na constância do casamento ou da união estável. Todavia, tal legislação é lacunosa no tocante à reprodução se ausente o casamento ou a convivência, em casos de casais homoafetivos, ou ainda, no que se refere à possibilidade de utilização da “barriga de aluguel”.

Portanto, este estudo tem por objetivo discutir a legalização do contrato de uso do útero alheio por substituição, de forma remunerada, baseada exclusivamente no exercício da autonomia privada da mulher, a qual permite a autorregulamentação dos interesses privados, sem a interferência do Estado ou de Resoluções do Conselho Federal de Medicina.

Para melhor tratar do assunto, passa-se a analisar as técnicas de reprodução assistida.

2 A REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Desde os primórdios, a fertilidade é uma preocupação do homem, principalmente porque a sociedade enxergava nos filhos a maneira de alcançar a imortalidade pela simples representação de sua descendência. Fernandes (2005) salienta que a esterilidade era encarada pelas sociedades antigas como uma mácula, falha humana, sendo fatídica a busca pela sua cura.  No mesmo sentido, Ferraz enfatiza que:

O desejo de procriar é antigo. Na Grécia e em Roma a procriação tinha como principal objetivo perpetuar o culto aos mortos”. Bem próximo a nós, na América pré-colombiana, não raro nos deparamos com rituais e deuses da fertilidade. (FERRAZ, 2009, p. 39).

Leite acrescenta que “as primeiras manifestações de arte, que remontam à época primitiva, representavam a mulher fecunda, grávida, capaz de gerar novos seres a exemplo da mãe natureza” (LEITE, 2004, p. 22).

Machado (2008) esclarece que desde o século V a.C., os gregos já haviam iniciado pesquisas embriológicas, mas, foi no século IV a.C., que Aristóteles tornou-se o responsável pela elaboração de um tratado sobre embriologia.

Vale dizer que, no livro de Gênesis, nos primeiros relatos bíblicos, já se tinha a clássica história de Abrão e sua mulher, Sarai, que por ser incapaz de conceber um filho, vivia em profundo desespero.

Sob esse aspecto, até o século XV, somente a mulher era considerada estéril. A impossibilidade de gerar filhos representava motivo de degradação familiar, podendo, inclusive, dar causa à anulação do casamento. Conforme Coulanges, a mulher estéril era vista como amaldiçoada e merecia o banimento do convívio social (COULANGES, 1993).

Diante dos expressivos avanços científicos, em razão do surgimento do primeiro microscópio, Fernandes (2005) afirma que, em meados do século XVII, passou-se a admitir a esterilidade para ambos os sexos, fazendo com que a ciência começasse a desenvolver diferentes métodos e técnicas tendentes a solucionar o problema da infecundidade.

No entanto, apenas em 1777, pretendendo demonstrar a possibilidade de fecundação sem a ocorrência do ato sexual, o monge italiano Lazzaro Spallanzani expôs a primeira experiência científica e comprovada envolvendo mamíferos. Na época, o religioso fez uso do sêmen de um cachorro e o implantou em uma cadela no cio, que pariu três filhotes 62 dias depois (MACHADO, 2008).  

Ressalta-se que as investigações na esfera humana da inseminação artificial somente vieram à tona em 1790, por meio de Cary (MACHADO, 2008). Nessa toada, no final do século XIX, concluíram os pesquisadores que o surgimento de um novo ser humano se dava por meio da união do espermatozoide ao óvulo.

Oliveira (2002) enfatiza que, em 1884, na Filadélfia, William Pancoast obteve sucesso ao inseminar uma mulher com sêmen doado por terceiro. Em princípio, o procedimento foi realizado de forma empírica, contudo, com o desenvolvimento das técnicas de manipulação e criopreservação do sêmen, ganhou cientificidade e se tornou cada vez mais frequente.  

Ferraz (2009) informa que, na primeira metade no século XX, várias descobertas ocorreram na área da genética, tais como a possibilidade de determinar com exatidão o período fértil da mulher (1932), assim como a criopreservação de espermatozoides (1945).

Certo é que a partir dos anos 50, as técnicas de inseminação artificial se propagaram rapidamente. Todavia, apenas depois de vinte anos, na década de 70, ocorreu, na Inglaterra, o nascimento do primeiro bebê concebido pela fecundação in vitro, por meio da utilização do material fecundante dos seus pais (MACHADO, 2008).

Consoante Fernandes (2005), em face do aprimoramento da ciência no tocante à geração de um novo ser humano, a reprodução assistida passou a ser significativamente utilizada após os anos 50, permitindo meios eficazes para a procriação. Desde então, a inseminação artificial é cada vez mais empregada pelas pessoas, o que demonstra o avanço da ciência e o alcance dos efeitos pretendidos.

Vale esclarecer que a técnica da inseminação artificial consiste na introdução de sêmen diretamente no canal reprodutivo feminino (variando-se a localidade exata, podendo ser na vagina, no interior do colo uterino, ao redor do colo, no interior do útero ou no interior do abdômen), simulando-se a ejaculação interna, conforme ocorreria em uma relação sexual. Não se trata, contudo, de um procedimento tão simples quanto possa aparentar.

Eduardo de Oliveira Leite afirma que, nos Estados Unidos, até pouco tempo atrás, boa parte das inseminações artificiais ainda ocorriam à “moda antiga”, ou seja, o ginecologista, no seu consultório, colhia o esperma fresco do doador e introduzia imediatamente na mulher (LEITE, 2004, p. 37). Este é mais rudimentar dos modos de execução da inseminação artificial. Entretanto, em outros países, desenvolveram-se técnicas muito mais avançadas de inseminação, envolvendo congelamento e criopreservação de gametas.

Leite informa que, nas últimas, a coleta do sêmen tem sido realizada em laboratório através de masturbação e ejaculação em recipiente plástico esterilizado. O material se liquefaz dentro de aproximadamente trinta minutos e é submetido à análise microscópica com o auxílio de corantes, a fim de contar o número de espermatozoides, por milímetro cúbico de sêmen, verificando-se a sua mobilidade (porcentagem de espermatozoides móveis) e motilidade (velocidade de seu deslocamento) (LEITE, 2004, p. 37).

Após tal procedimento, o material é diluído em uma solução crioprotetora (destinada à proteção de microrganismos)[3] constituída, basicamente, por uma mistura de glicerol, frutose, antibióticos e gema de ovo. A solução é dividida em porções de 0,25ml, adicionadas a finíssimos capilares que, depois de identificados, são congelados em uma solução de azoto líquido a -196º (cento e noventa e seis graus célsius negativos), o que permite sua conservação, por décadas (LEITE, 2004, p. 37).

Ultrapassadas as considerações sobre o procedimento da reprodução assistida (RA), vale discorrer poucas linhas acerca das espécies de inseminação artificial.

2.1 As espécies de inseminação artificial:

O livre planejamento familiar é garantido constitucionalmente, o que abrange o direito de procriar e de não procriar. Nessa toada, o artigo 226 §7° da CR/88 estabelece que, fundado no princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, sendo vedada qualquer forma coercitiva por parte de instruções oficiais ou privadas.

Por sua vez, o art. 218 da Constituição Federal de 1988 dispõe que o Estado proverá e incentivará o desenvolvimento cientifico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas e, nesse contexto, incluem-se os avanços da medicina decorrente da gravidez assistida. Ou seja, a reprodução assistida ou substitutiva é desejável em face da hermenêutica Constitucional.

Em relação às espécies de inseminação, consoante o Enunciado nº 105 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, a concepção artificial pode ser classificada em quatro modalidades, quais sejam: Homóloga, Homóloga post mortem, Heteróloga e Bisseminal.  

Ressalta-se que as técnicas mais comuns de fecundação assistida são a fecundação homóloga[4] e a fecundação heteróloga[5], pelas quais, fundamentalmente, resumem-se na possibilidade de introduzir espermatozoides, óvulos ou embriões (óvulos já fecundados in vitro) no útero da futura mãe.

Prevista no inciso III do art. 1597 do Código Civil Brasileiro de 2002, denomina-se homóloga a inseminação artificial realizada em mulher casada a partir do sêmen de seu próprio marido ou de seu companheiro. Para Ferraz a inseminação artificial homóloga: “foi a primeira técnica de reprodução humana praticada pelos médicos [...]” (FERRAZ, 2009, p. 44).

A concepção artificial heteróloga, por sua vez, envolve a implantação no útero da mulher, com o consentimento do casal, de material fecundante de um doador fértil, que não seja do marido ou do companheiro (o doador, em regra, tem sua identidade preservada). Este procedimento é utilizado nos casos de infertilidade masculina, gerada pela insuficiência ou ausência de espermatozoides, bem como doenças hereditárias.

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A terceira técnica é a fertilização artificial na modalidade homóloga post mortem, que de acordo com as pesquisas realizadas por Machado (2008), baseia-se na implantação do material fecundante (sêmen criopreservado) do marido ou companheiro no útero da mulher, considerando que, à época da fecundação, o doador já se encontrava falecido. Vale dizer que esse procedimento tem suscitado intermináveis discussões no âmbito dos direitos sucessórios.    

Por derradeiro, há registro, do qual se tem pouca notícia na prática, de uma  da inseminação denominada “bisseminal”, na qual o sêmen do marido é misturado ao sêmen do doador anônimo, procedimento indicado nos casos de hipofertilidade (FERNANDES, 2005, p. 30/31). Tem-se que a técnica da procriação artificial bisseminal é empregada nos casos de insuficiência de espermatozoides do marido ou companheiro.

Nesta última hipótese, somente um posterior exame de DNA seria suficiente a aferir a proveniência do espermatozoide que efetivamente penetrou e fecundou o óvulo, transmitindo ao descendente as características genéticas de seu genitor biológico.

Além dessas técnicas, existem outras conhecidas pela medicina, embora pouco utilizadas, a exemplo da inseminação intrauterina, pela qual há a transferência de ovócitos para a trompa proximal e transferência intratubária do zigoto.

Como se observa, o avanço dos procedimentos de reprodução humana medicamente assistida possibilita a geração de um filho por meio das mais variadas técnicas que, por óbvio, também são utilizadas no procedimento da gestação por substituição.

3 ASPECTOS JURÍDICOS DOS PROCEDIMENTOS DA “BARRIGA SOLIDÁRIA”  E DA “BARRIGA DE ALUGUEL

A “barriga solidária” envolve o procedimento em que uma mulher empresta a sua barriga para gerar um filho para outra mulher impossibilitada de gerar um filho no seu próprio ventre.

Passagens bíblicas demonstram que a gestação por substituição ou cessão do útero para a satisfação da maternidade não é algo novo. Como já explicitado, em Genesis 16, Sara, mulher de Abrão, incapaz de procriar, requisita a Abrão que lhe proporcione a maternidade por meio de sua escrava Agar. O mesmo se deu em Gênesis 30, em que Raquel, esposa de Jacó, suplica a este que, por intermédio de sua serva Bala, realize seu desejo de maternidade.

O procedimento da “barriga solidária” pode ocorrer de duas formas: a primeira, utilizando o material genético doado pelo casal que deseja o filho e a segunda faz uso de material doado pelo banco genético, sendo certo que as duas opções são permitidas pelo ordenamento jurídico pátrio.

Note-se que a “barriga solidaria” não se relaciona com pagamento pecuniário para a dona da barriga, mas tão somente o custeio das despesas da grávida durante todo o tratamento.

 Em princípio, a Resolução nº 1.358, de 17 de janeiro de 1992, do Conselho Federal de Medicina, assim dispunha a respeito da gestação por substituição:

As Clínicas, Centros ou Serviços de Reprodução Humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética.

1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família da doadora genética, num parentesco até o segundo grau, sendo os demais casos sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.

2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

Como se pode observar, a norma médica admitia, em caráter excepcional, a doação temporária do útero, desde que observadas algumas condicionantes: a) comprovação da impossibilidade física ou contraindicação de procriação pela via natural; b) o consentimento informado da gestante acerca dos aspectos médicos, éticos e jurídicos da contratação; c) o implante entre parentes colaterais de até segundo grau; maior o grau de parentesco, o caso deverá ser submetido à apreciação do Conselho Regional de Medicina; d) o propósito altruísta, sendo vedada textualmente a onerosidade.

Posteriormente, após 18 anos de vigência, a Resolução CFM nº 1.358/92 recebeu modificações relativas à reprodução assistida, por meio da Resolução CFM nº 1.957/10, mas, na oportunidade, não se alteraram as regras da doação temporária do útero.

Vale dizer que, apenas em 2013, a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 2013/2013 atualizou as regras da reprodução assistida e trouxe em seu bojo uma série de normas regulamentadoras da fertilização in vitro e da inseminação artificial. Segundo o CFM, a Resolução preencheria uma lacuna legislativa, haja vista a inexistência de lei brasileira específica tratando da prática da reprodução assistida.

Desse modo, a partir da Resolução CFM nº 2.013/2013 (Publicada no D.O.U de 09 de maio de 2013, seção I, p.119), o procedimento da doação da barriga foi liberado para mulheres de até 50 anos, parentes de até 4° grau da futura mãe.

 Note-se que antes da atualização da norma não havia limite de idade para a prática. Contudo, considerando o risco obstétrico aumentado nas mulheres com mais de 50 anos, idade em que aumentam os casos de hipertensão na gravidez, diabetes e partos prematuros, entendeu-se, por bem, limitar a idade das mulheres submetidas à reprodução assistida na Resolução 2013/2013.

A norma também estabeleceu que a doação de óvulos e gametas não pode ter caráter lucrativo ou comercial, não sendo permitido aos doadores que conheçam a identidade dos receptores e vice-versa. Destaca-se que a idade limite para a doação de gametas é de 35 anos para a mulher e 50 anos para o homem.

Como no Brasil a compra de óvulos é ilegal, na mesma Resolução o Conselho Federal de Medicina regularizou o processo de doação compartilhada de óvulos. Esta foi outra novidade da Resolução nº 2013/2013, não mencionada na resolução antiga, pela qual aumentam as chances da mulher receber auxílio financeiro de outra, para pagar pelo procedimento de reprodução assistida e realizar o sonho de ser mãe.

Nesse caso, uma mulher que não produz óvulos pode ajudar financeiramente outra mulher que possui óvulos, mas tem dificuldades de engravidar, a fazer tratamento reprodutivo. Em troca, a primeira recebe a doação de um óvulo. A doadora de óvulos não pode ter mais de 35 anos – para garantir que o óvulo é saudável.

Em outras palavras, a doação compartilhada funciona da seguinte forma: Maria está na menopausa, não produz mais óvulos, mas deseja gerar uma criança. Por outro lado, há outra mulher, Ana, detentora de muitos óvulos, mas, seu marido não tem espermas suficientes, necessitando, assim, fazer uma fertilização in vitro para ter um filho. Para que as duas realizem seus sonhos, Maria utilizará alguns óvulos de Ana e, em contrapartida, ajudará a custear a fertilização dela. É um procedimento no qual as duas mães saem ganhando.

Igualmente, fica permitido, por meio da Resolução CFM nº 2013/2013, o uso da reprodução assistida por mulheres solteiras e por casais homoafetivos. Na Resolução anterior, o texto dizia que “qualquer pessoa” poderia usar a técnica “nos limites da resolução”. Todavia, o Conselho Federal de Medicina considerou que tais palavras permitiam diferentes interpretações e resolveu citar expressamente os homossexuais e os solteiros como elegíveis para a inseminação.

Diante das alterações elencadas, percebe-se que a ampliação do parentesco da nova resolução aumentou a possibilidade de utilização da “barriga de aluguel”, ou “útero de substituição”, no jargão do CFM, pois os próprios parentes de até quarto grau – tias e primas, por exemplo, podem realizar o procedimento mediante pagamento.

Note-se que o Conselho Federal de Medicina definitivamente não aceita o uso comercial da prática e só permite a utilização da técnica se a mulher que gera o filho possui algum parentesco com o pai ou com a mãe da criança. Enfatiza-se que pela resolução antiga, esse parentesco deveria ser de até segundo grau – mãe ou irmã, restando ampliada para 4º grau na nova disposição. Vale transcrever a norma relativa à cessão temporária do útero:

VII - SOBRE A GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO (DOAÇÃO TEMPORÁRIA DO ÚTERO)

As clínicas, centros ou serviços de reprodução humana podem usar técnicas de RA para criarem a situação identificada como gestação de substituição, desde que exista um problema médico que impeça ou contraindique a gestação na doadora genética ou em caso de união homoafetiva.

1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros num parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima), em todos os casos respeitada a idade limite de até 50 anos.

2 - A doação temporária do útero não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

3 - Nas clínicas de reprodução os seguintes documentos e observações deverão constar no prontuário do paciente:

- Termo de Consentimento Informado assinado pelos pacientes (pais genéticos) e pela doadora temporária do útero, consignado. Obs.: gestação compartilhada entre homoafetivos onde não existe infertilidade;

- relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocional da doadora temporária do útero;

- descrição pelo médico assistente, pormenorizada e por escrito, dos aspectos médicos envolvendo todas as circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA, com dados de caráter biológico, jurídico, ético e econômico, bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta;

- contrato entre os pacientes (pais genéticos) e a doadora temporária do útero (que recebeu o embrião em seu útero e deu à luz), estabelecendo claramente a questão da filiação da criança;

- os aspectos biopsicossociais envolvidos no ciclo gravídico-puerperal;

- os riscos inerentes à maternidade;

- a impossibilidade de interrupção da gravidez após iniciado o processo gestacional, salvo em casos previstos em lei ou autorizados judicialmente; 9

- a garantia de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mãe que doará temporariamente o útero, até o puerpério;

- a garantia do registro civil da criança pelos pacientes (pais genéticos), devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez;

- se a doadora temporária do útero for casada ou viver em união estável, deverá apresentar, por escrito, a aprovação do cônjuge ou companheiro.

Vê-se, pois, que a Resolução autoriza a barriga solidária, sem qualquer lucro auferido pela mulher que cede seu útero para gerar a criança de outra mulher – que será a verdadeira mãe da criança, tanto genética quanto afetivamente.

Frise-se que, em caso de a doadora temporária do útero ser casada ou viver em união estável, necessário será a aprovação, por escrito, do cônjuge ou companheiro, a fim de afastar a disposição do Código Civil de que os filhos havidos na constância do casamento ou da união estável se presumiriam do marido ou companheiro, respectivamente.

Portanto, não há dúvida da licitude do procedimento da “barriga solidária”. Entretanto, quando há remuneração entre as “mães”, a situação se complica. Isso porque como não há, no Brasil, uma lei que regulamente a “barriga de aluguel”[6], o caso poderá ser decidido com base no Direito das Obrigações, o que não é viável, tampouco pretendido, diante da natureza existencial da controvérsia.

Observa-se que, mesmo ante a sua ilicitude, o procedimento da “barriga de aluguel” tem sido considerado eficaz nos casos em que casais heteros ou homoafetivos desejam muito ter seus próprios filhos, mas não se enquadram nas normas previstas pelo CFM acerca da “barriga solidária”.

Assim, o direito vem se deparando com situações não regulamentadas relativas à possibilidade do surgimento de afeto entre a mãe de aluguel e a criança gerada durante a gestação, desaguando no conflito positivo de maternidade, pelo qual a mãe de aluguel pretende a maternidade da criança.

Nessa circunstância, pode ocorrer de a mãe substituta além de reivindicar a maternidade da criança, não possuir condições de restituir o valor recebido pelo “negócio jurídico”. A mãe de aluguel poderia ser responsabilizada?

Com base nas regras do direito obrigacional, seria impossível a restituição do valor recebido, por se tratar de uma obrigação imperfeita, composta apenas de débito e isenta de responsabilidade, sendo cediço que as obrigações naturais não são exigíveis judicialmente, em face de sua ilicitude.

Mas, por outro lado, o princípio do não enriquecimento ilícito permitiria que a mãe de aluguel se locupletasse de dinheiro alheio sem causa? Todas essas perguntas ficam no ar até o presente momento.

Outro ponto a ser analisado é o fato das duas mães (a biológica e a de aluguel) negarem a maternidade da criança, em função da descoberta de alguma anomalia, ou até mesmo a existência de gravidez múltipla não desejada. Como serão resolvidas tais controvérsias?

Diante de tais pretensões, quais seriam as soluções concedidas?

Como não há lei que proteja a estabilidade das relações de gestação por substituição, deparamo-nos com casos concretos envolvendo conflito de todas as naturezas.

Apesar de defender a legalização do procedimento da “barriga de aluguel”, não se ignora as opiniões em sentido diverso. Dentre elas tem-se a de Leocir Pessini, entendendo que o procedimento da barriga de aluguel deságua no medo da exploração comercial dessa solução, na “coisificação do ser humano” (PESSINI, 2013). Isso porque não obstante se tenham duas mulheres capazes juridicamente, estas trataram um contrato de objeto ilícito, porquanto não permitida à alienação de pessoa humana.

Para essa corrente doutrinária, ante a ausência de regulamentação, a “barriga de aluguel”, no âmbito do Direito Penal, subsume-se ao disposto no art. 15 da Lei n° 9.434/97. Tal dispositivo considera crime o ato de comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, punido com a pena de reclusão de três a oito anos, e, multa, de 200 a 360 dias, incorrendo na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem na transação.

Entretanto, não se pode concordar com tal posicionamento, pois, a entrega da criança não se relaciona com a venda de tecidos ou partes do corpo humano, razão pela qual também não se enquadra a hipótese ao previsto no art.199 parágrafos 4° da CF/88, in verbis:

A lei disporá sobre as condições e os requisitos que lhe facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisas e tratamentos, bem como a coleta, processamento de transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização (BRASIL, 1988).

Ora, em pleno século XXI, tem-se por incabível pensar que a mãe de aluguel, pessoa detentora de discernimento e capacidade não possa firmar um contrato cedendo o seu útero para gerar uma criança alheia, a fim de atender os seus interesses financeiros. Principalmente, considerando que tal conduta, definitivamente, não se enquadra no tipo penal de venda de órgãos ou tecidos.

No procedimento da barriga de aluguel não se está vendendo órgãos, mas sim gerando um filho para outra pessoa impossibilitada de fazê-lo, por livre e espontânea vontade, mediante remuneração.

Constata-se, portanto, que o tipo penal não se se subsume ao fato jurídico em questão e, sendo a norma penal impassível de interpretação extensiva, trata-se claramente de mais um desses absurdos jurídicos que temos presenciado atualmente.

Então, entende-se que a melhor saída para os problemas gerados pela “barriga de aluguel” seria a criação de uma legislação própria, tal como se tem em vários países do mundo, tornando-se, assim, lícito o procedimento da cessão temporária do útero pela via comercial.

A sociedade não pode fechar os olhos para tal tema, pois, o contrato de “barriga de aluguel” tem sido realizado e não há respostas para as consequências jurídicas do procedimento.

Defende-se, portanto, que para minimizar ou até mesmo extirpar todas as controvérsias que rodeiam a “barriga de aluguel”, torna-se necessário a criação de uma norma jurídica que estabeleça uma obrigação existencial, envolvendo os seguintes elementos constitutivos: sujeito ativo casal contratante; sujeito passivo a mãe substituta;  prestação: a entrega da criança gerada; vínculo jurídico: contrato em que a mãe contratante impõe a entrega da criança à mãe substituta.

Vale dizer que há vários países em que a comercialização da barriga é permitida.

Infelizmente, a Índia é o país em que se pagam os valores mais baratos no momento. Natália Butti (2014) informa que devido à proibição e condições impostas em cada país, casais procedentes da Europa, Estados Unidos e até mesmo Brasil, têm procurado a Índia, mais precisamente Anand, conhecida hoje como a capital da “barriga de aluguel”. Isso porque a legislação indiana permite não só o aluguel do útero como também a remuneração por este “serviço”. A única proibição imposta até pouco tempo era a geração de crianças para casais homoafetivos.  

Na Inglaterra, apesar do tradicionalismo característico daquele país, a prática da “barriga de aluguel” também é permitida, tanto entre parentes, quanto não parentes.

No Brasil, é imprescindível destacar a existência do projeto de Lei n° 90, de 1999, de autoria do Senador Lúcio Alcântra, que dispunha sobre a procriação medicamente assistida, regulando clínicas, qualificação do profissional médico, o consentimento prévio de todos os envolvidos, assim como os demais atos necessários para que aconteça a reprodução humana assistida.

Contudo, o projeto trazia no seu art. 3º, a mesma disposição da resolução do CFM que veda o caráter lucrativo e comercial, proibindo, assim, a “barriga de aluguel”.

Artigo 3º Fica permitida a gestação de substituição em sua modalidade não-remunerada, nos casos em que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na beneficiária e desde que haja parentesco até o segundo grau entre os beneficiários e a genitora substituta.

Parágrafo único. A gestação de substituição não poderá ter caráter lucrativo ou comercial, ficando vedada a modalidade conhecida como útero ou barriga de aluguel.

O projeto mencionado além de regulamentar a prática da R.A. tinha a pretensão de tipificar atos com ela relacionados. O seu artigo 26, por exemplo, determinava a proibição de participar da prática de útero ou barriga de aluguel, na condição de beneficiário, intermediário ou executor da técnica, concedendo a pena de reclusão de um a três anos, e multa.

Da mesma forma, o art. 37 estabelecia como crime, o ato de realizar a procriação medicamente assistida em pessoas não casadas ou que não vivam em união estável, punível com pena de detenção de seis meses a dois anos, ou multa, incorrendo na mesma pena, homem ou mulher que solicitasse o emprego da técnica para dela usufruir individualmente ou com outrem que não o seu cônjuge ou companheiro.

Todavia, para o bem da nação, o projeto restou arquivado na Câmara dos Deputados desde 2007, e, devido a crescente evolução científica e social, tal disposição não mais atende aos anseios da sociedade em relação ao tema considerado tão complexo.

Percebe-se, portanto, que o Brasil continua sem legislação acerca da reprodução assistida, pelo que persistem as infindáveis discussões sobre o assunto.

Nesse passo, posiciona-se pela criação de lei que autoriza a prática da “barriga de aluguel”, com fundamento no princípio da autonomia privada da mulher, podendo ela decidir sobre quais rumos tomar em relação ao seu próprio corpo.

Para tanto, basta que o legislador regulamente a matéria, dispondo de forma explícita sobre os direitos da mãe substituta, assim como da futura mãe biológica ou socioafetiva. Dessa forma, as relações jurídicas se estabilizariam, levando a efeito sempre o melhor interesse da criança e da mulher.

A materialização do procedimento jurídico seria através de um acordo, um contrato, no qual se deve obrigatoriamente conter especificações sobre, a guarda do filho ou filhos e relações parentais; os métodos de pagamento para a mãe de aluguel; as garantias médicas; as avaliações físicas e psicológicas dos pais e da mãe de aluguel; a possível redução seletiva de nascimentos múltiplos; e, principalmente, as penalidades pelo descumprimento contratual.

Enfim, também seria desejável o esclarecimento das partes de todos os possíveis riscos legais e incertezas decorrentes da matéria objeto do contrato, bem como as consequências graves possíveis que resultariam de uma violação material do acordo pelas partes. Tratar-se-ia de um contrato aleatório como outro qualquer, em função do risco que envolve a matéria.

Sabe-se, portanto, das críticas éticas em relação ao tema, contudo, é a legalização que se espera.

4 A QUESTÃO DA FILIAÇÃO EM CASO DA BARRIGA DE ALUGUEL

Outra questão importante a ser tratada nesse artigo diz respeito à filiação da criança gerada por meio de “barriga de aluguel”.

No tocante à filiação, tem-se que o ordenamento jurídico brasileiro estabelece o parentesco por consanguinidade (natural), no qual o vínculo entre mãe/pai ascendente e filho descendente e o parentesco civil, proveniente de um processo de adoção, ou de uma relação socioafetiva.

Dispõe o art. 1593 do CC: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou de outra origem” (BRASIL, 2002). Contudo, no caso de barriga de aluguel não há lei que regulamente a filiação da criança.

Maria Helena Diniz nos ensina que filiação é o vínculo existente entre os pais e filhos, decorrente de uma relação socioafetiva entre pai adotivo e institucional e filho adotado ou advindo de inseminação artificial heteróloga, ou seja, a filiação biológica, atualmente, não detém a supremacia sobre a filiação afetiva (DINIZ, 2007, p. 420/421).

A questão da afetividade não pode mais se limitar ao campo genético, sobretudo, em face das inusitadas situações fáticas que ensejam soluções substancialmente complexas. As facilidades que os métodos de reprodução assistida trouxeram permitem a qualquer um realizar o sonho de ter um filho, não sendo necessário ser casado, ou ter um par, ou até mesmo manter uma relação sexual.

Na gestação por substituição, verifica-se que tanto a paternidade quanto a maternidade podem ser questionadas. Para muitos a verdadeira mãe seria aquela que concebeu o bebê e não quem forneceu o material genético. O mesmo pode ocorrer com o pai, pois, se a lei[7] diz que, presume-se pai o esposo da mulher que gerou e concebeu a criança, logo o pai seria o marido daquela que carregou durante nove meses o feto.

Como se observa, a prática da gestação por substituição traz à tona problemas de filiação também não regulamentados pelo direito, restando aos magistrados à resolução dos conflitos conforme os princípios do direito, a ética e a moral em cada caso concreto.

Contudo, como se defende o contrato lícito da “barriga de aluguel”, entende-se que, nesse caso, a maternidade seria sempre certa, ou seja, mãe seria aquela que contratou o útero substituto, prevalecendo, assim, o parentesco psicológico ante a realidade legal, tudo conforme previsto na avença realizada entre as partes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do estudo realizado, percebe-se que a reprodução assistida impôs um novo paradigma referente à paternidade e maternidade, um verdadeiro salto à modernidade, não apenas no pertinente à família, mas em especial ao instituto da filiação.

Suas técnicas facilitam a reprodução, sendo eficazes na resolução dos problemas da infertilidade humana, sobretudo, oportunizando aos casais homo ou heteroafetivos, a condição de concretizar o sonho de serem pais e mães, suprindo a impossibilidade médica ou fática existente no caso concreto.

Nesse contexto, verificou-se que, não obstante a proibição da cobrança pela cessão temporária do útero remunerada, a prática da “barriga de aluguel” é uma realidade social que precisa ser encarada pelo direito.

A ausência de regulamentação acerca do tema permite que as relações jurídicas sejam decididas exclusivamente pelos Magistrados no caso concreto, com base na juridicidade e levando a efeito os princípios éticos e morais, circunstância que gera uma insegurança jurídica enorme para as pessoas que passam pelo problema.

A fim de resolver a controvérsia, fundado no princípio da autonomia privada da mulher, posicionou-se, ao longo do estudo, pela criação de lei autorizadora do procedimento da “barriga de aluguel”, dispondo sobre os direitos da mãe substituta e futura mãe biológica ou socioafetiva, levando a efeito o melhor interesse da criança.

Sugeriu-se que a materialização do procedimento jurídico seja por meio de um contrato, no qual obrigatoriamente deveria conter especificações sobre, a guarda do filho ou filhos e relações parentais; os métodos de pagamento para a mãe de aluguel; as garantias médicas; as avaliações físicas e psicológicas dos pais e da mãe de aluguel; a possível redução seletiva de nascimentos múltiplos; e, principalmente, as penalidades pelo descumprimento contratual.

Desejável, ainda, que as partes sejam esclarecidas de todos os possíveis riscos legais e incertezas decorrentes da matéria objeto do contrato, bem como as consequências graves possíveis que resultariam de uma violação material do acordo pelas partes.

Assim, embora o tema seja complexo e delicado, entende-se que o procedimento da “barriga de aluguel” ou cessão temporária do útero de forma remunerada deve ser legalizado e regulamentado por Lei no Brasil, podendo ser utilizado como base a Resolução do Conselho Federal de Medicina.

Contudo, não se pode ignorar os aspectos jurídicos inerentes ao tema, levando em conta a realidade social e a evolução científica que, necessariamente, devem ser acompanhadas pelo direito.

Sendo assim, torna-se imprescindível suprimir a limitação prevista na Resolução do CFM de que a mãe substituta seja apenas parentes de até 4º grau, assim como a vedação do caráter lucrativo do procedimento.

Persegue-se, portanto, que a prática da “barriga de aluguel” seja legalizada no Brasil, pois, a mulher detentora de capacidade jurídica, no uso da sua autonomia privada, deve possuir liberdade para assinar um contrato que trate da cessão temporária do seu útero de forma remunerada.

Dessa forma, atender-se-iam os interesses de ambos os contratantes, a mãe de aluguel geraria a criança para quem não tem essa possibilidade, e, ao mesmo tempo, atenderia seus problemas financeiros, tudo exatamente como se espera no Direito Contratual Contemporâneo.

Vê-se, então, que a discussão é longa, polêmica e envolve muitos aspectos os quais não podem ser ignorados pelo legislador, sendo urgente a necessidade de lei para estabilizar as relações jurídicas relacionadas à “barriga de aluguel”.

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[3] “Criopreservação do sêmen: Congelamento vertical. O congelamento do sêmen é uma técnica antiga sendo um dos maiores avanços nessa área a descoberta das propriedades crioprotetoras do glicerol. Ao passar dos anos, várias modificações foram descritas com a finalidade de aumentar a taxa de recuperação do esperma criopreservado. Em 1963, introduziu-se o nitrogênio líquido para o processo de estocagem. Atualmente, tornou-se obrigatório o emprego de sêmen congelado (uso após 6 meses de congelamento desde que o doador apresente novo teste negativo para SIDA) nos programas de inseminação com esperma de doador, pela possibilidade da existência no esperma do vírus da síndrome de imunodeficência adquirida (SIDA). O congelamento do sêmen necessita do preparo de 3 soluções crioprotetoras com variações na concentração dos seus componentes químicos (Lucena, 1990). As principais substâncias que participam na sua constituição são as seguintes : gema do ovo 50% e nutrientes”. (CENTRO DE REPRODUÇÃO HUMANA PROF. FRANCO JUNIOR. Criopreservação de embriões e gametas. Disponível em < http://www.crh.com.br/crh.asp?pasta=33&livro= 1&txt=9>. Acesso em 09/03/2014).

Maiores informações sobre as técnicas de criopreservação de gametas e embriões podem ser obtidas em: RED LATINOAMERICANA DE REPRODUCCIÓN ASISTIDA. Manual de Procedimentos.

Laboratório de Reprodução Assistida. Disponível em <http://www.redlara.com/publicacoes.asp>

Acesso em 09/03/2014. 

[4] É a técnica voltada para obtenção de uma concepção humana a partir dos gametas dos dois esposos unidos em matrimônio, que pode ser realizada de duas formas, primeira a fecundação in vitro homóloga com embryo-transfer, onde o encontro dos gametas se dá in vitro, em segundo a inseminação artificial homóloga com o depósito nas vias genitais femininas do esperma do marido, anteriormente recolhido (SGRECCIA, 1999, p. 501).

[5] É a técnica voltada para obtenção de uma concepção a partir dos gametas provenientes de ao menos um doador diferente dos esposos unidos em matrimônio. Pode ser realizada na forma intracorpórea ou na forma extracorpórea (SGRECCIA, 1999, p. 501).

[6] Devido ao seu caráter remunerado em alguns países pioneiros, a reprodução humanamente assistida através de um útero de substituição foi chamada popularmente de “barriga de aluguel”. Segundo o médico Arnaldo Schizzi Cambiaghi, a técnica consiste em uma “[…]doação temporária de um útero para uma mulher que não possa engravidar”. (Ginecologista, obstetra especialista em Reprodução Humana e Cirurgia Endoscopia, e diretor clínico do IPOG (Instituto Paulista de Ginecologia e Obstetrícia).

[7] Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

- nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. (BRASIL, 2002).

Sobre os autores
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas

Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Del Rey – Uniesp - Professora de Direito da PUC MINAS e Faculdades Del Rey – UNIESP. Professora-tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Doutora e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.

Leonardo Macedo Poli

Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor adjunto da Universidade FUMEC, da UFMG e da PUC Minas. Foi coordenador do curso de direito da PUC MINAS no triênio 2008/2010. Atualmente, Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC Minas. Advogado. Leonardopoli@pucminas.br.

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