RESUMO
A Lei Complementar nº 123/2006, conhecida como “Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte”, surgiu como forma de diferenciar essa categoria de empresas em relação às demais existentes no mercado, trazendo benefícios diversos, dentre eles, a possibilidade de se arrecadar tributos federais, estaduais e municipais, de forma unificada e com alíquotas menores, isso tudo através de um único documento federal denominado DAS – Documento de Arrecadação do Simples Nacional.Dentre os tributos pagos através desse documento único está o ISS, Imposto Sobre Serviços, de competência privativa municipal, e como tal, cabe-lhe o papel de disciplinar o referido imposto, a exemplo da aplicação da alíquota devida, base de cálculo, fato gerador, etc. O objetivo desse trabalho é demonstrar se a Lei do Simples Nacional, ao disciplinar tributos de competência dos entes da federação, a exemplo do ISS, ofende o Princípio do Pacto Federativo e, por conseqüência, da Autonomia Municipal. O método utilizado foi a pesquisa à doutrina, jurisprudência e legislação. Após todo o estudo realizado chegou-se à conclusão que, nos termos do que preceitua a Constituição Federal, atribuindo competência a cada ente da federação para instituir os seus tributos e com isso regrá-los, não se poderia admitir que a Lei Complementar nº 123/2006 ditasse normas que disciplinasse tributos de competência municipal. Com isso, apesar do intuito do legislador ao criar a LC 123/2006, ter sido facilitar e atribuir benefícios às Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, optantes pelo Regime do Simples Nacional, observou-se, na verdade, que muitas vezes encontram óbice quando tentam fazer valer a legislação federal, exatamente pelo confronto entre aquela norma e o que dita a Constituição Federal, ao trazer dentre os seus princípios, a Autonomia Municipal e o Pacto Federativo.
Palavras-chave: Lei do Simples Nacional. Disciplinamento de arrecadação do ISS. Ofensa aos princípios constitucionais do pacto federativo e da autonomia municipal. Inconstitucionalidade.
1 NOÇÕES GERAIS ACERCA DO SIMPLES NACIONAL
A Lei Complementar nº 123 de 14 de Dezembro de 2006 instituiu o Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, conhecido como Simples Nacional, que passou a vigorar a partir de 01 de julho de 2007, em substituição ao antigo Simples Federal.O Simples Nacional é definido no art. 12 da referida Lei Complementar como um Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas microempresas e empresas de pequeno porte.
As normas gerais sobre o tratamento diferenciado e favorecido, assegurados como benefícios para as microempresa e empresas de pequeno porte estabelecidos pela Lei Complementar n° 123/06, devem ser observadas conjuntamente pela União, pelos Estados, Distrito Federal e pelos Municípios.Essas normas abrangem não só o regime diferenciado como também aspectos relativos às licitações públicas, às relações de trabalho, ao estimulo ao crédito, à capitalização e à inovação, ao acesso à justiça, dentre outros.
Compete ao Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN), que é vinculado ao Ministério da Fazenda, tratar e dispor sobre políticas e aspectos tributários do Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, onde é composto por representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Serão considerados a partir de 01 de Janeiro de 2012 microempresas e empresas de pequeno porte, para efeito do Simples Nacional, a sociedade empresária,a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário, que obtiverem, em cada ano-calendário,os seguinte limites de receita bruta:
a) Microempresa– ME:Igual ou inferior a R$ 360.000,00(trezentos e sessenta mil reais).
b)Empresas de Pequeno Porte –EPP:Acima de R$ 360.000,00(trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00(três milhões e seiscentos mil reais).
Considera-se receita bruta o produto de venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado em operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.
No Simples Nacional, a ME e EPP devem efetuar o recolhimento mensal de forma unificada, por documento único de arrecadação, que engloba os seguintes impostos e contribuições:
1) Imposto Sobre a Renda de Pessoa Jurídica-IRPJ;
2) Imposto Sobre Produtos Industrializados-IPI;
3) Contribuição Social Sobre o Lucro Liquido-CSLL;
4) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social-COFINS;
5)Contribuição para o PIS/PASEP;
6) Contribuição Patronal Previdenciária-CPP;
7) Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação-ICMS;
8) Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza-ISS.
O Recolhimento na forma do Simples Nacional não exclui a incidência de outros tributos não listados acima. Mesmo para os tributos listados acima, há situações em que o recolhimento dar-se-á à parte do Simples Nacional.
Nessa nova sistemática de arrecadação, ficam obrigados a participar do Simples Nacional todos os Estados e Municípios, entretanto, conforme expressa disposição da lei, os limites guardam conformidade com a participação de cada Estado no Produto Interno Bruto (PIB) nacional e apesar dos limites fixados, alguns estados podem adotar limites diferenciados. Fica explicitado, porém, que, quando esta hipótese ocorrer, os municípios que integram esses estados, obrigatoriamente, estão vinculados ao novo regramento.
Os tributos e contribuições devidos pelas ME e EPP serão calculados mediante cinco tabelas constantes nos anexos da LC 123/2006. São aplicados sobre a receita bruta mensal de cada atividade o percentual fixado nas respectivas tabelas de alíquotas, específica para cada faixa de receita bruta, distribuídos por tipos de atividades:
I – Atividades Comerciais – Tabelas I;
II – Atividades Industriais – Tabelas II;
III – Atividades de Prestação de Serviços – Tabelas III, IV e V.
As ME e EPP optantes pelo Simples Nacional deverão apresentar anualmente à Secretaria da Receita Federal do Brasil declaração única e simplificada de informações socioeconômicas e fiscais, que deverá ser disponibilizada aos órgãos de fiscalização tributária e previdenciária. Estão obrigadas também:
a) emitir documento fiscal de venda ou prestação de serviço, de acordo com instruções expedidas pelo Comitê Gestor;
b) manter em boa ordem e guarda os documentos que fundamentaram a apuração dos impostos e contribuições devidos e o cumprimento das obrigações acessórias enquanto não decorrer o prazo decadencial e não prescritas eventuais ações que lhes sejam pertinentes.
Assim como há restrições quanto ao enquadramento das micro e pequenas empresas, o sistema tributário favorecido somente pode ser utilizado pelas empresas que atenderem as condições para opção. O Simples Nacional admite o ingresso de empresas com quaisquer atividades que não estejam expressamente vedadas.
A fiscalização do cumprimento das obrigações principais e acessórias compete a Secretaria de Receita Federal do Brasil e das Secretarias de Fazenda ou de Finanças do Estado ou do Distrito Federal, segundo a localização do estabelecimento e, de competência do município tratando-se de prestação de serviços.
2 A LEI DO SIMPLES NACIONAL E O ISS
Após essas breves considerações acerca da Lei do Simples Nacional, passa-se a analisar se a mencionada legislação federal tem a sua aplicação de forma efetiva em relação aos contribuintes optantes pelo citado regime, tomando-se como norte a existência do princípio do pacto federativo e da autonomia municipal, posto que é do Município a competência para tratar da matéria relativa ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS.
De início, é importante lembrar que com o intuito precípuo de facilitar e diminuir a carga tributária das micro e pequenas empresas, foi editada a Lei Complementar nº 123 de 14 de dezembro de 2006, conhecida como “Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte”, em que se aglutinou e normatizou obrigações tributárias de cunho federal, estadual e municipal, por meio do regime denominado de “Simples Nacional”.
Com essa forma opcional e unificada de arrecadação de tributos, o contribuinte optante pelo simples nacional passou a recolher por meio de um único documento 08 (oito) tributos, sendo 06 (seis) federais, a exemplo do IRPJ, IPI, CSLL, PIS/PASEP, COFINS e a contribuição para as entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical - INSS patronal, além de 01 (um) estadual (ICMS) e 01 (um) municipal, o ISS.
Sobre o recolhimento do ISS por meio dessa sistemática unificada de arrecadação é que dar-se-á enfoque, principalmente no que tange à efetividade da aplicação da Lei do Simples Nacional em relação ao contribuinte optante pelo mencionado regime, abordando, sobretudo,a discussão da competência tributária dos entes federados envolvidos, no que diz respeito à aplicabilidade da norma federal ou municipal.
Sabe-se que o citado regime de arrecadação tem como objetivo principal tornar uma tributação singular, em âmbito nacional, em que os impostos são arrecadados através de um único documento, denominado de DAS (Documento de Arrecadação do Simples Nacional) e que posteriormente são partilhados entre os entes da federação, na forma e modos previstos na Lei Federal nº 123/2006.
Ao regulamentar a forma de arrecadação dos tributos, a referida norma trouxe em relação ao ISS, alíquotas diferenciadas para as empresas optantes pelo regime do simples, adotando o critério de “Receita Bruta em 12 meses”, com a finalidade enquadrar cada categoria de empresa à sua alíquota correspondente, que, pela tabela anexa à lei, pode ser entre o intervalo de no mínimo de 2% (dois por cento) e no máximo de 5% (cinco por cento).
Com base nas alíquotas mínimas e máximas é que contribuinte recolhe a sua parcela relativa ao ISS, através de guia própria federal, como citado, sendo repassado posteriormente pela União ao Município onde ocorreu o fato gerador do imposto, via Banco do Brasil, em conta do ente federado municipal.
Como se percebe, o sistema do Simples Nacional procura simplificar ao máximo a forma de arrecadação dos tributos, trazendo ao contribuinte benefícios não só a título de incentivo com alíquotas mais baixas, a depender da receita auferida por cada empresa, mas também, facilitou a forma de recolhimento que passou a ser unificada, sendo possível através de um único documento, de controle federal.
Essa é, em resumo, a finalidade primeira da lei, que procurou através de um só ato, “facilitar”, colocando à disposição do contribuinte um meio único de arrecadação de 08 tributos, dentre eles o ISS, mas também, “beneficiar” a ME e da EPP, possibilitando-as o pagamento de alíquotas mais baixas, em detrimento, muitas vezes, do que prevê a legislação em âmbito municipal.
O texto da lei não deixa dúvidas quanto aos benefícios a serem alcançados pelas micro e pequenas empresas, mas apesar das benesses que a lei tentou trazer, não é o que em muitos casos o contribuinte tem observado, principalmente no que tange ao momento de se pagar o ISS, onde de um lado, há uma Lei Federal beneficiando-o com uma alíquota mais baixa, em caso do enquadramento para tal, inclusive lhe atribuindo obrigações acessórias e, do outro, encontra óbice em relação à fiscalização municipal que entendem por aplicar o que está previsto na legislação do Município, sobretudo no que tange à alíquota do ISS.
A Lei Complementar nº 123/2006, em seu art. 13 elenca quais os tributos que deverão ser recolhidos mensalmente através do DAS, aparecendo em seu inciso VIII, o Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza – ISS, cujo recolhimento deverá obedecer as regras estabelecidas pela referida norma, não só no que diz respeito ao modo e tempo devidos, mas, também, em relação às alíquotas estabelecidas, observando-se o intervalo entre 2% (dois por cento) e 5% (cinco por cento), a depender do faturamento de cada empresa.
É o teor do art. 13, Inciso VIII, da LC 123/2006:
Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
(...)
VIII - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS.
As ME e as EPP ao optarem pelo Simples Nacional, automaticamente aderem às regras estabelecidas pela LC 123/2006 e como tal, devem recolher todos os tributos previstos no art. 13, o que não haveria de ser diferente em relação ao ISS.
O problema reside exatamente no confronto de regras existentes em cada legislação em específico, que, no caso ora tratado, diz respeito à legislação municipal em contraposição à legislação federal.
A Constituição Federal, ao delimitar a competência dos entes federados, atribuiu ao Município a competência privativa para a instituição do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS, consoante previsão do art. 156, Inciso III, abaixo transcrito:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - propriedade predial e territorial urbana;
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).
Para tanto, a teor do que prevê a Constituição Federal, cabe ao Município e tão somente a ele traçar regras atinentes ao ISS, mormente no que diz respeito à sua instituição, bem como em relação às alíquotas que deverão ser praticadas pelos contribuintes, que, nesse caso, deve obedecer apenas aos limites estabelecidos pela Lei Complementar, ou seja, atribuir alíquota que obedeça ao intervalo entre o mínimo e o máximo, como prescreve o art. 156, § 3º, Inciso I, da Carta Magna.
O texto constitucional não deixa dúvidas quanto à competência dos Municípios para instituir e disciplinar o ISS, apresentando apenas uma delimitação quanto à alíquota a ser instituída, que deverá seguir um intervalo mínimo e máximo, este definido por Lei Complementar. Afora essa regra da alíquota, a Constituição Federal não faz qualquer outra imposição ao ente municipal, cabendo a este, repita-se, a liberdade para tratar acerca dos tributos de sua competência, a exemplo do ISS.
Tem-se com isso definido a competência para a instituição do ISS, inclusive com liberdade para que o ente municipal implante alíquotas que variem entre o mínimo e o máximo estabelecidos por Lei Complementar. Em outras palavras, ao atribuir competência para o ente municipal, a Constituição Federal lhe conferiu o exercício dessa competência tributária, não havendo que se falar em qualquer intromissão federal no que tange à forma diversa de arrecadação do ISS, inclusive delimitando alíquotas diferenciadas em relação àquelas previamente determinadas na legislação municipal.
Diante do regramento previsto na Constituição Federal, pergunta-se: Em havendo alíquotas divergentes entre a legislação municipal e a LC nº 123/2006, em relação às empresas optantes pelo Simples Nacional que sejam contribuintes do ISS, que regra se deve seguir para evitar problemas com a fiscalização?
A LC nº 123/2006, como reiteradas vezes mencionado, foi implantada com a finalidade única de atribuir “tratamento diferenciado e favorecido” às ME e EPP, como descrito no “caput”, do art. 1º, da citada norma federal, a seguir transcrito:
Art. 1o Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere. (Grifos acrescidos).
A norma foi criada para beneficiar as empresas optantes pelo Simples Nacional, reduzindo, por exemplo, a carga tributária que era aplicada de igual forma às grandes empresas, vindo a acarretar uma concorrência desleal e que muitas vezes era responsável pela falência da ME e EPP. A LC 123/2008 veio assegurar inquestionavelmente, um tratamento diferenciado e favorecido como forma de proporcionar um equilíbrio no mercado e, consequentemente, assegurar a continuidade das empresas optantes pelo citado regime, em pleno funcionamento.
Que a lei do Simples Nacional veio para facilitar a vida da ME e EPP isso não há qualquer dúvida. Resta saber se o contribuinte está encontrando essa facilidade ou se está havendo entraves para a sua aplicabilidade em relação ao recolhimento do ISS.
Como já tratado, a competência para instituir o ISS cabe privativamente ao ente municipal e como tal estabelece todas as regras relativas ao citado imposto, desde às obrigações acessórias à aplicação de alíquotas.
É com base nessa competência, constitucionalmente atribuída ao ente municipal, que alguns municípios têm exigido do contribuinte, mesmo que optante pelo Simples Nacional, o pagamento do ISS com alíquota prevista na legislação municipal. O contribuinte, por sua vez, se vê nesse fogo cruzado, tendo, de um lado, uma lei federal que lhe assegura muitas vezes o pagamento de uma alíquota menor, e, do outro, uma lei municipal que prevê uma alíquota superior, mas que é legítima e legal, tendo em vista a sua instituição por ente competente para tal fim.
Dentro dessa ótica, qual seja, sob o entendimento por parte do fisco municipal de que deve prevalecer a legislação do Município para a aplicação das alíquotas do ISS, é que os contribuintes ME e EPP, optantes do Simples Nacional, muitas vezes acabam por pagar o ISS em conformidade com a alíquota prevista na legislação municipal, até para conseguir a emissão das CNDs, mesmo que depois tenham que solicitar o ressarcimento do valor que pagou a mais, sendo o caso, através da via judicial.
O fato é que apesar do interesse da norma ter sido no sentido de beneficiar os optantes do Simples Nacional, estes vêm encontrado dificuldades no momento de se recolher o tributo, e ao tentar buscar informações junto à fiscalização municipal, muitas vezes são orientados a recolher o imposto pela alíquota prevista na legislação do Município, sob o argumento de que deve prevalecer os preceitos dessa, inclusive, acrescentando que essa seria a melhor solução a ser tomada, como forma de evitar uma possível fiscalização e, por consequeência, ter contra si lavrado um auto de infração.
De qualquer sorte, a fiscalização municipal tem se pautado, para efeito de justificativa para a cobrança do imposto, na violação à autonomia municipal, e, consequentemente, ao princípio federativo, na medida em que a LC 123/2006 interfere e engessa o exercício da competência tributária municipal de instituir o ISS, bem como de delimitar as suas alíquotas.
Essa ingerência que a LC 123/2006 acabou por ocasionar em relação competência tributária municipal, não é permitida pela Constituição Federal, não sendo possível haver qualquer interferência nem através de Emenda Constitucional, tendo em vista que o princípio federativo, e, conseqüentemente, a autonomia municipal, são considerados como Cláusula Pétrea, a teor do que prevê o art. 60, § 4°, Inciso I.
Em sendo o princípio federativo e por conseqüência, a autonomia municipal, uma Cláusula Pétrea, reforce-se, nem através de emenda se torna possível a sua modificação, o que, aliás, em se falando da impossibilidade de emenda interferir no princípio federativo, já de muito se discutia acerca da inconstitucionalidade, por exemplo, da Emenda Constitucional n° 37/2002, que delimitou a alíquota mínima do ISS, em 2%, sendo essa tese sido defendida por KiyoshiHarada(2004, p. 426-427), exatamente por entender que estaria havendo uma invasão de competência, o que facilmente pode servir de analogia em relação ao que preceitua a Lei Complementar n° 123/2006, quando tenta atribuir obrigações que são específicas da legislação municipal. Veja o que diz o citado professor:
Não nos parece possa o legislador complementar, ou a própria Emenda Constitucional estabelecer alíquota mínima, principalmente, com algumas ressalvas que ferem o principio da isonomia. O campo de atuação da lei complementar, em matéria tributária, está delimitado pelos três incisos do art. 146 da CF: I – dispor sobre conflitos de competência; II – regular limitações constitucionais do poder de tributar; e III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária. Fixação de alíquota mínima não tem enquadramento em quaisquer dos incisos referidos, mesmo porque, sendo um elemento quantitativo do imposto, sua mensuração deve ficar a critério do ente político impositivo, respeitadas eventuais limitações estabelecidas pelo legislador constituinte original. Fora as limitações genéricas, aplicáveis aos tributos em geral, a CF, em matéria de imposto sobre serviços, de qualquer natureza, somente estabeleceu duas únicas restrições: definição prévia dos serviços em lei complementar e exclusão dos serviços compreendidos no art. 155, II (serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação), conforme se depreende do seu art.156, inciso III. Daí por que, em nosso entender, a fixação de alíquota mínima pela Emenda nº 37/02 é inconstitucional, por afrontar a competência impositiva do Município, outorgada pelo art. 156, III, da CF. O exercício do poder tributário pelo Município pressupõe liberdade de adotar a política tributária adequada a suas necessidades, com autonomia e independência, como resultado da forma federativa de Estado, proclamada logo em seu art. 1º. Nenhum ente político pode ser obrigado a retirar da sociedade mais do que o necessário à implementação da política governamental. A Carta Política, no §4º do art. 60, proíbe a deliberação da emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado (inciso I). Em relação à fixação da alíquota máxima, por meio de lei complementar, agrave-se ainda mais a inconstitucionalidade. Como se sabe, a expressão tendente a abolir é bem mais abrangente do eu simplesmente abolir. A diminuição do exercício do poder tributário, indispensável para assegurar a autonomia político-administrativa do Município, sem dúvida alguma, afronta do princípio federativo, protegido em nível de cláusula pétrea. Não cabe à lei complementar regular uma limitação que não existe no texto constitucional. Somente à Constituição cabe impor limites a serem regulados por lei complementar.
Para o professor Paulo Bonavides(2003, p. 352), a autonomia a municipal deve obrigatoriamente ser observada, como forma de se preservar uma garantia constitucional imutável e intocável, como é o caso do princípio federativo, fazendo valer a divisão de competência dos entes da federação, o que faz nos termos a seguir:
Se a nova Constituição do Brasil, compendiando a autonomia municipal ainda não classifica o poder estatal (pré-estatal ele já o é doravante fora de toda dúvida), é evidente, contudo, que ao emprestar àquele ente uma natureza federativa incontrastável, o fez peça constitutiva do próprio sistema nacional de comunhão política do ordenamento.
Mais adiante, o citado professor complementa:
Isto, sem fazer menção aos sistemas de união de Estados, qual o nosso, onde a invasão do Estado-membro na área de competência do município representa no caso a cassação da autonomia, que não é mera descentralização nem dádiva de um poder unitário, mas espécie de self government, com toda a força em que se possa ele fundar escorado na mais tradicional das garantias institucionais produzidas constitucionalmente pelos sistemas federativos em proveito das comunidades: a autonomia municipal. (2003, p. 353).
Por sua vez, tratando do tema, explica Aires F. Barrreto(2005, p. 10) que:
Decorrência do princípio da autonomia municipal é o de o Município editar suas normas tributárias de acordo com a competência que lhe foi outorgada pela Constituição, afastando a incursão de quaisquer outras, sejam elas federais ou estaduais. Não é demais lembrar que o Município, em razão da sua autonomia, haure, diretamente da Constituição, suas competências, nela encontrando seu próprio fundamento de validade.
Analisando o assunto da autonomia municipal, há de se observar que a Constituição Federal delimitou e lhe atribuiu competência assim como distribuiu em relação aos demais entes da federação, de modo que não há que se falar em interferência de um sobre os outros, na tentativa de se praticar atos que são de atribuições exclusivas de cada um deles, cujas normas tributárias respectivas é que trazem em seu bojo a maneira, a alíquota, a base de cálculo, e demais procedimentos relativos à cobrança do tributo em relação ao contribuinte.
Essa é sem sombra de dúvidas uma das principais dificuldades do contribuinte do Simples Nacional, excluindo-se as de natureza operacional, por óbvio, em se fazer valer os benefícios trazidos pela LC 123/2006, mormente no que tange ao recolhimento do ISS com uma alíquota diferenciada em relação àquela atribuída pela legislação dos Municípios.
A única certeza de que se tem é que enquanto não houver uma posição do Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade ou não da Lei Complementar nº 123/2006 (Lei do Simples Nacional), os contribuintes optantes pelo Simples Nacional, continuarão encontrando dificuldades em recolher o ISS e o que é pior, sem poder ter acesso às certidões negativas junto aos Municípios que insistem na idéia de cobrar o referido imposto com base na legislação municipal, desconsiderando, por seu turno, a legislação federal ora em discussão.
3 CONCLUSÃO
Dentro do que foi proposto no presente estudo, restou demonstrado que apesar a Lei Complementar nº 123/2006 ter sido criada com a finalidade de trazer benefícios às Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte, optantes pelo simples nacional,a mesma não foi observada à luz do que preceitua a Constituição Federal, especificamente no que diz respeito à observância aos princípios constitucionais do pacto federativo e da autonomia municipal.
Isto porque, ao tratar da competência de cada ente da federação, foi observado que cabe a cada um em específico, a responsabilidade para legislar em matéria tributária, dentro de sua esfera de atuação, seja federal, estadual e municipal, cabendo somente a este último, nos termos do que preceitua o art. 156, III, da Constituição Federal, a competência para instituir e trazer as consequentes regras acerca do ISS.
Não poderia, como demonstrado durante o presente estudo, a Lei Complementar nº 123/2006, trazer regras acerca do ISS, inclusive com delimitação de alíquotas, levando-se em consideração que cada ente da federação só pode atuar dentro de seu campo de competência para tratar de matéria tributária, sob pena de afrontar os princípios constitucionais do pacto federativo e da autonomia municipal.
Para se chegar a essa conclusão, foi feita uma exposição seqüenciada, primeiramente no sentido de explicar qual a finalidade do Simples Nacional, mostrando as suas vantagens para as empresa optantes pelo citado regime. Após foi analisada a competência de cada ente da federação para tratar de matéria tributária e a hierarquia das normas, como uma forma de demonstrar o limite de atuação nas esferas federais, estaduais e municipais. Por fim, demonstrada a competência de cada ente da federação para tratar de seus tributos, analisou-se a Lei Complementar nº 123/2006 à luz da Constituição Federal, ficando demonstrada a inconstitucionalidade daquela norma, por afronta aos princípios constitucionais do pacto federativo e da autonomia municipal.
Após a exposição, conseguiu-se verificar os seguintes pontos: 1) que cada ente da federação possui competência delimitada pela Constituição Federal para tratar de matéria tributária; 2) que a competência para instituir e tratar do ISS cabe aos municípios; 3) que a Lei Complementar nº 123/2006 não poderia tratar do ISS; 4) que a Lei Complementar nº 123/2006 é inconstitucional por afrontar os princípios do pacto federativo e da autonomia municipal; e 5) que deve prevalecer a alíquota do ISS prevista na legislação de cada município quando em confronto com a Lei Complementar nº 123/2006.
Assim, diante do que foi exposto, conclui-se que a Lei Complementar nº 123/2006 é inconstitucional por afrontar os princípios do pacto federativo e da autonomia municipal e que deve prevalecer a alíquota do ISS prevista na legislação de cada Município quando em confronto com a citada lei federal.
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