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A não recepção pela Constituição Federal de 1988 das punições disciplinares militar privativas de liberdade previstas no regulamento disciplinar do exército (RDE)

Agenda 17/11/2015 às 17:26

Este trabalho tem como objetivo demonstrar que algumas medidas de controle utilizadas nos quarteis, para manter a hierarquia e disciplina, bem como demonstrar que as mesmas não foram recepcionadas pela Constituição Federal de 1988.

1 - BREVE HISTÓRICO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE 1988.

Durante 1964 e 1985, o Brasil passava em sua história por um momento político que ficou conhecido como sendo uma ditadura militar, dessa forma o país estava mergulhado em um regime ditatorial, gerando grande perturbação interna e evidenciando a grande insegurança que existia nas instituições públicas. A descrença por parte do povo para com as instituições públicas do país tem como pedra primordial a falta de respeito aos direitos fundamentais que deveriam ser salvaguardados pelo Estado e não usurpado por este.

Com o fim do então regime ditatorial e em virtude dos anseios da população, que almejava um Estado Democrático de Direito, se fez necessário a implantação de um texto constitucional que trouxesse maior segurança ao funcionamento das instituições democráticas e garantisse, de forma positivada, os direitos individuais e coletivos dos cidadãos.

Foi nesse contexto histórico que nasceu a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a Constituição Cidadã, texto magno que tinha como principal função evitar o abuso por parte do Estado e garantir aos cidadãos alguns direitos individuais de forma positivada, conforme assevera Bruno Ziberman Vainer:

De fato, a Constituição de 1988 expressa bem os anseios da sociedade no período em que foi promulgada. Após vinte anos de ditadura e violação aos direitos humanos, a Carta Política de 1988 consagrou em especial os direitos individuais, dando atenção especial ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e aos direitos conexos a este princípio, como a proibição da tortura (5º, III) e a prática de racismo como crime inafiançável (5º, XLII), entre outros.2

A Constituição cidadã, aparece então com a grandiosa função de salvaguardar direitos e deveres, sejam eles fundamentais, sociais ou políticos, trazendo para o país tempos de ordem, paz e, principalmente, legalidade, contribuindo para que seja formado um ordenamento jurídico com bases sólidas e instituições democráticas respeitáveis.

Nesse sentido, torna-se cada vez mais importante o respeito aos direitos fundamentais e em especial ao princípio da legalidade, como forma de ratificar as intenções do texto magno e garantir que tais direitos não sejam vilipendiados de forma arbitraria novamente.

2 – O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E SUA PREVISÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988.

Historicamente, as democracias surgiram para combater o despotismo, culminando com a criação das Constituições ou leis que buscassem reger de forma igualitária todos os membros dos Estados Nacionais. O caráter legalista dos novos Estados, passa a ser tão importante que segundo Kant3a concepção de Estado seria uma união de indivíduos regidos por leis, Del Vecchio4 reafirma o dito por Kant, afirmando ainda ser a definição daquele autor usual para definir Município, Estados e Nações. Del Vecchio faz depois uma separação do Estado e da Sociedade, dizendo ele ser o Estado um laço jurídico ou político e a Sociedade uma união desses laços. Por sua vez, veja-se a explanação de Paulo Bonavides:

A legalidade nos sistemas políticos exprime basicamente a observância das leis, isto é, o procedimento da autoridade em consonância estrita com o direito estabelecido. Ou em outras palavras traduz a noção de que todo poder estatal deverá atuar sempre de conformidade com as regras jurídicas vigentes. Em suma, a acomodação do poder que se exerce ao direito que o regula.5

Em face a necessidade de abolir o autoritarismo do Estado e legalizar as ações do mesmo, nasce a preocupação dos juristas modernos para com o devido respeito às leis, tamanha preocupação deu causa a instalação do Princípio da Legalidade nas Constituições Democráticas Modernas. O grande mestre, professor Paulo Bonavides, jurista e cientista político Brasileiro, assevera que o princípio da legalidade tem por função evitar que abusos sejam cometidos por parte dos governantes, fazendo com que seja gerado, dessa forma, um ambiente de tranquilidade e confiança nas instituições do governo, assevera o autor que:

O princípio de legalidade nasceu do anseio de estabelecer na sociedade humana regras permanentes e válidas, que fossem obras da razão, e pudessem abrigar os indivíduos de uma conduta arbitrária e imprevisível da parte dos governantes. Tinha-se em vista alcançar um estado geral de confiança e certeza na ação dos titulares do poder, evitando-se assim a dúvida, a intranquilidade, a desconfiança e a suspeição, tão usuais onde o poder é absoluto, onde o governo se acha dotado de uma vontade pessoal soberana ou se reputa legibus solutus e onde, enfim, as regras de convivência não foram previamente elaboradas nem reconhecidas.6

Diante das palavras deste grande mestre, fica evidenciado que tal princípio tem grande importância ao ordenamento jurídico, pois, a história ensina que o homem em função de um poder ilimitado, tende naturalmente a abusar do mesmo, muitas vezes confundindo os interesses do povo com seus interesses pessoais, nesse diapasão é imprescindível a aplicação do Princípio da Legalidade em todo o ordenamento jurídico brasileiro, como forma de evitar que demasiados abusos ocorram em território nacional.

O Constituinte Brasileiro, fez questão de deixar bem elucidado na Carta Magna o respeito ao Princípio da Legalidade e sua possibilidade de aplicação em vários outros ramos do Direito. Tamanha é a preocupação dos representantes para com o funcionamento correto da Democracia, que a própria Administração Pública deverá obedecer a tal princípio, conforme determina o Art. 37, CF 88, vejamos:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:7

Garantir que o Princípio da Legalidade será respeitado é o mesmo que garantir a continuação do Estado Democrático de Direito, perpetuando os anos desse regime e assim fortificando o mesmo, por isso é crucial o respeito por todos os agentes da administração pública, em todos os níveis, a este princípio, pois só dessa forma poderemos garantir que as injustiças se tornem cada vez mais raras.

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3 – CONCEITO DE PRISÃO E A RESTRIÇÃO DO JUS LIBERTATI COMO ULTIMA RATIO DO DIREITO.

O Princípio da Legalidade foi incorporado de forma incisiva na Constituição Federal de 1988 e tem sua aplicação ratificada pelos doutrinadores e Tribunais deste país, contudo tal garantia não está somente elucidada na Constituição Federal, ela vem expressa também no Código Penal Brasileiro de 1940, que em seu Art. 1º determina:

Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.8

Em 1964, Beccária que sofreu bastante influência de Rousseau, lança uma obra intitulada “Dos delitos e das penas”, onde defende que só as leis podem estipular as penas, e estas devem ser oriundas dos legisladores legalmente colocados pela sociedade, salvaguardando assim os direitos individuais e coletivos dos cidadãos.

Falar em direitos individuais sem comentar sobre o direito à liberdade é algo impensável, tal direito vem com o passar dos tempos sendo considerado cada vez mais como inerente a condição humana, em contraposição com o que ocorria em tempos de outrora, onde por qualquer motivo que seja o homem tinha cessado a sua valiosíssima liberdade.

Dessa forma, restringir o direito individual a liberdade sem motivos legais, deve ser encarada como uma atitude altamente reprovável, uma vez que o status de liberto deve acompanhar o homem até que o mesmo seja julgado e condenado por crime definido em lei com uma prévia cominação legal, o próprio texto magno ressalva a importância de a prisão não ocorrer gratuitamente, assim define o Art. 5º, Inc. LXI da CF/88:

Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

Da mesma forma afirma o CPP (Art. 283):

Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Diante do exposto, é conclusivo que o direito à liberdade deve ser encarado como um dos mais importantes direitos do homem, sendo sua restrição algo excepcional e só devendo ocorrer em ultima ratio.

4 – A PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR RESTRITIVA DE LIBERDADE (IMPEDIMENTO, DETENÇÃO E PRISÃO DISCIPLINAR) E SUA AFRONTA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE:

O Regulamento Disciplinar do Exército (RDE), prevê em seu Art. 23, Inc. II, IV e V, as respectivas formas de punições disciplinares: Impedimento Disciplinar; Detenção Disciplinar e Prisão Disciplinar. Essas punições, tem em sua essência uma restrição do jus libertati, onde o punido tem cessado seu direito de locomoção, assegurado pela Constituição Federal de 19889, veja o que prevê o RDE sobre a definição de cada punição:

Art. 26.  Impedimento disciplinar é a obrigação de o transgressor não se afastar da OM, sem prejuízo de qualquer serviço que lhe competir dentro da unidade em que serve.

        Parágrafo único.  O impedimento disciplinar será publicado em boletim interno e registrado, para fins de referência, na ficha disciplinar individual, sem constar das alterações do punido.

Art. 27. (...).

Art. 28.  Detenção disciplinar é o cerceamento da liberdade do punido disciplinarmente, o qual deve permanecer no alojamento da subunidade a que pertencer ou em local que lhe for determinado pela autoridade que aplicar a punição disciplinar.

        § 1o O detido disciplinarmente não ficará no mesmo local destinado aos presos disciplinares.

        § 2o O detido disciplinarmente comparece a todos os atos de instrução e serviço, exceto ao serviço de escala externo.

        § 3o Em casos especiais, a critério da autoridade que aplicar a punição, o oficial ou aspirante-a-oficial pode ficar detido disciplinarmente em sua residência.

Art. 29.  Prisão disciplinar consiste na obrigação de o punido disciplinarmente permanecer em local próprio e designado para tal.

        § 1o Os militares de círculos hierárquicos diferentes não poderão ficar presos na mesma dependência.

        § 2o O comandante designará o local de prisão de oficiais, no aquartelamento, e dos militares, nos estacionamentos e marchas.

        § 3o Os presos que já estiverem passíveis de serem licenciados ou excluídos a bem da disciplina, os que estiverem à disposição da justiça e os condenados pela Justiça Militar deverão ficar em prisão separada dos demais presos disciplinares.

        § 4o Em casos especiais, a critério da autoridade que aplicar a punição disciplinar, o oficial ou aspirante-a-oficial pode ter sua residência como local de cumprimento da punição, quando a prisão disciplinar não for superior a quarenta e oito horas.

        § 5o Quando a OM não dispuser de instalações apropriadas, cabe à autoridade que aplicar a punição solicitar ao escalão superior local para servir de prisão.

Art. 30.  A prisão disciplinar deve ser cumprida com prejuízo da instrução e dos serviços internos, exceto por comprovada necessidade do serviço.

        § 1o As razões de comprovada necessidade do serviço que justifiquem o cumprimento de prisão disciplinar, ainda que parcialmente, sem prejuízo da instrução e dos serviços internos, deverão ser publicadas em boletim interno.

        § 2o O preso disciplinar fará suas refeições na dependência onde estiver cumprindo sua punição.
 

Conforme elucidado acima, as três modalidades de punições têm como finalidade principal cessar a liberdade de locomoção do punido, deixando o referido Decreto bem claro que o punido não poderá afastar-se da caserna, sendo definida tal punição como uma forma de prisão, onde o indivíduo tem sua locomoção limitada, em tempo, Renato Brasileiro de Lima, grande jurista nacional, fez questão de definir o que seria prisão:

A prisão deve ser compreendida como a privação da liberdade de locomoção, com o recolhimento da pessoa humana ao cárcere, seja em virtude de flagrante delito, ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, seja em face de transgressão militar ou por força de crime propriamente militar, definidos em lei.

Aplicar ao militar uma das penas aqui definidas, por transgressão disciplinar do mesmo, é um ato administrativo que tem poder de restringir a liberdade de locomoção do punido, exigindo dessa forma que a mesma seja devidamente definida em forma de lei, esse é o pilar básico do Princípio da Legalidade, vejamos a redação do Art. 5º, Inc. LXI da CF/88:

Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos (grifo meu) em lei.

A Constituição fez questão de deixar claro que tanto as transgressões quanto os crimes militares devem ser definidos em lei, porém as transgressões atualmente são previstas no Regulamento Disciplinar do Exército, regulamento esse que foi editado por meio de um Decreto Presidencial, Decreto de nº 4.346 de 26 de agosto de 2002, ou seja, o líder do Executivo Federal estaria legislando matéria penal e assim infligindo o Princípio da Legalidade, esse é o entendimento de alguns tribunais que já têm julgado o tema:

HC 2004.5101500048-8/7ª Vara Federal de Rio de Janeiro/RJ (grifo meu):

“Considerando o disposto no artigo 5, inciso LXI, da Constituição da República de 1988, que preceitua que as transgressões militares e os crimes militares devem vir definidos em lei, observando-se, dessa forma, o princípio da reserva legal, e que o Regulamento Disciplinar do Exército é o Decreto da Presidência da República n 4.346/2002, reconheço incidentalmente a inconstitucionalidade formal do mesmo, tal como exposto na inicial, e concedo liminarmente a ordem de habeas corpus preventivo. ”

O mesmo entendimento é utilizado por alguns legisladores da esfera estadual, que propuseram projeto de lei com finalidade de regular tal situação, veja trecho do PL 02/200810:

O que se vê nas punições disciplinares, é que a sanção aplicada ao militar estadual, na maioria das vezes, está a restringir a sua locomoção e, dessa forma, só poderiam ser aplicadas validamente caso fossem definidas em lei stricto sensu, o que invariavelmente, tem a reserva legal como forma de se coibir o arbítrio e o abuso da Administração Pública, mormente na caserna, quando da aplicação da sanção disciplinar.

Tamanha é a importância e repercussão do tema no meio da caserna, que chegou a ser proposta uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para julgar tal situação, tal ação foi arquivada pois o pedido foi considerado como sendo muito vago, assim foi o julgado da ADIN 3340-9, em 03 de novembro de 2005:

Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Decreto no 4.346/2002 e seu Anexo I, que estabelecem o Regulamento Disciplinar do Exército Brasileiro e versam sobre as transgressões disciplinares. 2. Alegada violação ao art. 5o, LXI, da Constituição Federal. 3. Voto vencido (Rel. Min. Marco Aurélio): a expressão ("definidos em lei") contida no art. 5o, LXI, refere-se propriamente a crimes militares. 4. A Lei no 6.880/1980 que dispõe sobre o Estatuto dos Militares, no seu art. 47, delegou ao Chefe do Poder Executivo a competência para regulamentar transgressões militares. Lei recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Improcedência da presente ação. 5. Voto vencedor (divergência iniciada pelo Min. Gilmar Mendes): cabe ao requerente demonstrar, no mérito, cada um dos casos de violação. Incabível a análise tão-somente do vício formal alegado a partir da formulação vaga contida na ADI. 6. Ausência de exatidão na formulação da ADI quanto às disposições e normas violadoras deste regime de reserva legal estrita. 7. Dada a ausência de indicação pelo decreto e, sobretudo, pelo Anexo, penalidade específica para as transgressões (a serem graduadas, no caso concreto) não é possível cotejar eventuais vícios de constitucionalidade com relação a cada uma de suas disposições. Ainda que as infrações estivessem enunciadas na lei, estas deveriam ser devidamente atacadas na inicial. 8. Não conhecimento da ADI na forma do artigo 3º da Lei no 9.868/1999. 9. Ação Direta de Inconstitucionalidade não-conhecida.

Por fim, O Desembargador Federal Elcio Pinheiro de Castro do TRF da 4ª Região, entendeu que tal tipo de punição é uma afronta ao Princípio da Legalidade e o Art. 47 da Lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares), não foi recepcionado pela Constituição de 1988:

“... a matéria a ser examinada resume-se à incompatibilidade material do artigo 47 da Lei 6.880/80 com a Magna Carta, especialmente em relação ao art. 5º, inciso LXI, verbis:

"Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem expressa e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei."

Efetivamente, em atenção ao secular princípio de que inexiste pena "sem prévia cominação legal" (nulla poena sine praevia lege) também expresso na Constituição de 1988, não se há de admitir em um regime democrático o estabelecimento de penas restritivas de liberdade (detenção) sem que tais sanções tenham sido fixadas por lei.

Desse modo, não se pode afirmar que o artigo 47 da Lei 6.880/80 foi recepcionado pela Constituição Federal, eis que com ela se mostra incompatível, pois quando delegou competência ao regulamento para "especificar e classificar as transgressões disciplinares", bem como "estabelecer as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares" incidiu em manifesta contrariedade ao apontado inciso LXI do artigo 5º da CF, o qual, como visto, exige que as hipóteses de prisão por transgressão militar sejam definidas em lei.”

5 – ASPECTOS CONCLUSIVOS:

A importância do respeito ao texto Constitucional, remete a própria preservação da democracia, respeitar as normas é manter o sistema democrático legal vivo, dessa forma, não pode ser admitido qualquer forma de afronta ao Texto Magno, por menor que aparente ser.

Uma punição disciplinar restritiva de liberdade, não é um mero ato da administrativo, mas sim, uma verdadeira afronta direta ao Princípio da Legalidade previsto no próprio texto Constitucional, uma vez que o Regulamento Disciplinar do Exército foi instituído por meio de previsão contida no Art. 47 da Lei Nº 6.880/80, que em sua redação diz:

Art. 47. Os regulamentos disciplinares das Forças Armadas especificarão e classificarão as contravenções ou transgressões disciplinares e estabelecerão as normas relativas à amplitude e aplicação das penas disciplinares, à classificação do comportamento militar e à interposição de recursos contra as penas disciplinares.

O citado artigo deixa bem claro que competirá a cada força instituir seu regulamento acerca de diversas questões, entre elas, a disciplina e penas disciplinares, contudo, tal Lei não foi devidamente cuidadosa com a redação desse artigo, uma vez que atualmente o Regulamento Disciplinar do Exército, instituído por meio de Decreto Presidencial, encontra-se regulamento penas restritivas de liberdade, trazendo assim um caráter de prisão para essas medidas disciplinares, afrontando claramente o Princípio da Legalidade e o Poder Legislativo do Estado Brasileiro, vejamos os ensinamentos do mestre Miguel Reale11:

"... não são leis os regulamentos ou decretos, porque estes não podem ultrapassar os limites postos pela norma legal que especificam ou a cuja execução se destinam. Tudo o que nas normas regulamentares ou executivas esteja em conflito com o disposto na lei não tem validade, e é susceptível de impugnação por quem se sinta lesado. A ilegalidade de um regulamento importa, em última análise, num problema de inconstitucionalidade, pois é a Constituição que distribui as esferas e a extensão do poder de legislar, conferindo a cada categoria de ato normativo a força obrigatória que lhe é própria."

Tal matéria deve ser novamente alvo de uma ADIN, Ação Direta de Inconstitucionalidade, obrigando dessa forma que o Poder Legislativo Federal e o Poder Executivo Federal, a regularizarem por via de lei as punições previstas no mencionado Decreto, salvaguardando assim os direitos Constitucionais dos militares.
 

REFERÊNCIAS:

AZAMBUJA, Darcy: Teoria Geral do Estado.  Rio de Janeiro/RJ/Brasil Editor: Globo Edição, 2008.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 16. ed., São Paulo: Malheiros, 2009.

BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade, para uma Teoria Geral da Política. 14ª Edição, São Paulo: Editora Paz e Terra S/A, 2007.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 7ª Ed, São Paulo: Saraiva, 1980.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. Vol. 1. 2ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.

Lei Nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares). Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6880.htm> Acesso em: 21 Mai 2015.

Decreto Nº 4.346/02 (Regulamento Disciplinar do Exército). Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4346.htm Acesso em> 10 Jun 2015.

PL 02/2008, Assembléia Legislativa do Estado do Espirito Santo. Disponível em < http://www.al.es.gov.br/antigo_portal_ales/images/documento_spl/28787.doc > Acesso em: 07 Jul 2015.

Noções de Princípio da Legalidade: Disponível em < http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1370>. Acesso em: 09 Jun 2014.

Princípio da Legalidade – Contexto Histórico, Funções, Fundamentos e Corolários: Disponível em < http://www.fontedosaber.com/direito/principio-da-legalidade-contexto-historico-funcoes-fundamentos-e-corolarios.html>. Acesso em: 07 Jun 2014.

NOTAS:

2 VAINER, B. Z. Breve Histórico Acerca Das Constituições Do Brasil E Do Controle De Constitucionalidade Brasileiro, p. 28. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 16 – jul./dez. 2010.

3 Kant, Metaphysik der Sitten, p. 135.

4 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed., São Paulo: Malheiros, 2009.

5 Giorgio Del Vecchio, Philosophie du Droit, p. 351-352.

6 Ob. Cit. p. 112.

7 Constituição Federal de 1988.

8 Código Penal Brasileiro de 1940.

9 (Art. 5º, Inc. XV, CF/88).

10 PL 02/2008, Assembléia Legislativa do Estado do Espirito Santo.

11 Lições Preliminares de Direito, 7ª Ed., Saraiva, São Paulo, 1980, p. 163.

Sobre o autor
WENDERSON GOLBERTO ARCANJO

Advogado atuante na esfera cível (Direito de Propriedade, Sucessões e Família) . Especialização em Direito Imobiliário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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