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Possibilidade de compensação pecuniária pelo poder concedente na tradicional concessão de serviço público.

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Agenda 21/11/2015 às 09:13

É possível estabelecer compartilhamento de riscos entre o poder concedente e a concessionária de serviços públicos.

RESUMO: O escopo do presente artigo é sustentar a possibilidade de que o Poder Concedente possa, na concessão de serviço público regulada pela Lei nº 8.987, de 1995, conceder compensação pecuniária ao concessionário, com base no compartilhamento de riscos. Inicialmente, o artigo discorre sobre o equilíbrio econômico financeiro. Posteriormente, é abordado o compartilhamento de riscos entre a Administração Pública e o concessionário. Finalmente, o art. 17 da Lei 8.987, de 1995, é estudado, como fundamento à compensação discutida no presente artigo.

Palavras-chave: Lei nº 8.987, de 1995; Concessão de Serviço Público; Compartilhamento de Riscos; Compensação Financeira.


INTRODUÇÃO

A visão tradicional doutrinária é no sentido de que os riscos ordinários da atividade econômica da concessionária de serviço público correm por conta da entidade particular, tornando-se inviável o compartilhamento de riscos entre o Poder Concedente e a concessionária.

Esse norte, de certo modo, já resta superado, mercê da instituição das conhecidas revisões periódicas ordinárias[1], bem como da própria sistematização da contraprestação administrativa no âmbito da Lei das PPPs.

Apegando-se, pois, a esse cenário, procurar-se-á sistematizar uma hipótese específica, advinda da tradicional Lei de Concessão dos Serviços Públicos, que é a possibilidade de compensação pecuniária pelo Poder Concedente ao concessionário, conforme argumentação tecida nesta sede.


1. Considerações sobre o equilíbrio econômico-financeiro dos Contratos de Concessão de Serviço Público

Consoante lição de Maria Sílvia Zanella Di Pietro[2], a lógica da paridade da equação econômico-financeira nos contratos públicos desenvolveu-se na França, por intermédio do famoso Conselho de Estado Francês, tradicional órgão de jurisdição administrativa no estado gaulês, desde início do século passado.

A razão subjacente a esse preceito é a de que, sem embargo da incidência dos postulados tradicionais das avenças civis nos contratos de regime público (a exemplo dos brocados “pacta sunt servanda” e “lex inter partes”), a constante mutabilidade das condições de exercício da atividade econômica delegada, ocasionadas por imposições da Administração para atender a determinados desígnios derivados do interesse público primário, enseja um fatal incremento dos encargos nas condições financeiras da outorga. Dessarte, permitir que o particular preste um determinado serviço, sem que haja a devida revisão de sua remuneração, ocasiona manifesta violação a princípios tradicionais do Direito, tais como o da equidade[3] e o da isonomia[4].

Porém, impende anotar que também é tradicional a visão de que o particular, mesmo estando sob o manto de um contrato de caráter público, presta a atividade objeto do ajuste por sua conta e risco[5]. Afinal, vive-se sob a égide de um regime de modo capitalista, em que a livre iniciativa é a viga mestra da esfera econômica; em que o particular é o móvel principal da cultura produtiva. A regra é que o particular exerça a sua prestação ao seu alvitre e por sua responsabilidade; lucre por sua habilidade e arque por suas decisões. O Estado, pois, em tal modo de produção, não tem em princípio o condão de ser um “segurador universal”, não se prestando portanto a sempre amparar os agentes privados econômicos.

Sob o influxo dessa dicotomia, e já se transpondo à realidade normativa brasileira, a Constituição Federal (art. 37, XXI) assentou expressamente que, nos contratos administrativos, é ônus da Administração conservar “as condições efetivas da proposta” do particular que ensejou a avença pública. Ou seja, o mandamento constitucional é o de que se mantenha, nos contratos públicos, a perene equivalência financeira entre a prestação do particular e a contraprestação pecuniária por este percebida. Como bem sintetizou Odete Medauar[6]:

(...) O equilíbrio econômico-financeiro significa a proporção entre os encargos do contratado e a sua remuneração, proporção esta fixada no momento da celebração do contrato. (...) O direito ao equilíbrio econômico-financeiro assegura ao particular contratado a manutenção daquela proporção durante a vigência do contrato. Se houver aumento dos encargos, a remuneração deverá ser aumentada também. (...)

Isso é verdadeiro tanto em contratos administrativos cujo escopo é a prestação de atividades destinadas à própria Administração (um contrato de fornecimento de bens, por exemplo), bem como em contratos de outorga de um determinado serviço público (consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal – ADI MC nº 2337).

Contudo, registre-se: o desígnio do Legislador maior foi o de conservar o parâmetro econômico inicial do contrato administrativo (“condições efetivas da proposta”), permitindo a sua revisão caso haja ulterior incremento de encargos que afetem substancialmente a execução do ajuste. Se a proposta do particular, todavia, não proveio de um exame percuciente do cenário econômico ou não engloba adequadamente os insumos necessários ao objeto prestado, inexiste espeque jurídico à sua revisão com base no postulado já tanto referido nesta sede. Não haveria, no caso ilustrado, modificações posteriores que impusessem novos ônus ao particular, mas efetivamente uma proposta inicial que, refletindo equívocos na gestão do contratado, economicamente não o satisfaz. O prejuízo, na espécie, seria da sua esfera. Afinal, como já dito, “a regra é que o particular exerça a sua prestação ao seu alvitre e por sua responsabilidade; lucre por sua habilidade e arque por suas decisões”.

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Em face de tal panorama, a literatura jurídica brasileira[7] distingue as mais diversas conjecturas em que se poderia ou não aplicar a revisão do contrato administrativo, em especial aquele que trate de delegação de serviço público, com o fito de manter-se o seu equilíbrio econômico-financeiro.

Hipóteses passíveis de recomposição da equação econômico-financeira seriam, segundo a doutrina, casos derivados da álea administrativa e da álea econômica. Consoante a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello[8]:

63. Para proteger o concessionário nos casos de álea administrativa e álea econômica são invocadas as teorias do fato do príncipe e a teoria da imprevisão, supramencionada. A primeira é aplicável no caso de álea administrativa e a segunda na hipótese de álea econômica, ainda que se deva reconhecer que o campo de abrangência de cada uma destas teorias não é objeto de concordância unânime entre os doutrinadores franceses.

De acordo com a teoria do fato do príncipe, o poder concedente deverá indenizar integralmente o concessionário quando, por ato seu, agravar a equação econômico-financeira da concessão em detrimento do concessionário, salvo se a medida gravosa corresponder a ônus imposto aos administrados em geral cuja repercussão não atinja direta ou especificamente as prestações do concessionário.

Pela teoria da imprevisão, no Direito francês, o Poder Público deve arcar parcialmente – e não integralmente, como no caso do fato do príncipe – com os prejuízos que resultam para o concessionário de acontecimento (fato ou ato) imprevisível, ao qual os contraentes não hajam dado causa, e que provoque profundo e substancial desequilíbrio da equação econômico-financeira, tornando ruinosa, embora não impossível (que este seria caso de força maior), a prestação do serviço para o concessionário. Esta é a orientação da maior parte da doutrina.

Por sua vez, situações que ensejam prejuízo ao concessionário, mas que são derivadas dos riscos normais do empreendimento, tais como falta de planejamento dos custos, receitas que não correspondam ao importe previsto, lucro inferior em face das flutuações do mercado, entre outras, não são passíveis de compensação mediante o postulado do equilíbrio econômico-financeiro e são suportados, em regra, pelo próprio particular. Esses riscos consubstanciam aquilo que a doutrina denominada de álea ordinária.

Dessa forma, estabelece-se uma importante baliza: a álea ordinária, por configurar risco inerente à atividade econômica empreendida pelo particular, não enseja a incidência do princípio do equilíbrio-econômico financeiro para revisão dos contratos administrativos.


2. Possibilidade de compartilhamento dos riscos ordinários do concessionário com o Poder Concedente. Emprego da compensação financeira, mesmo em concessões sob a égide da Lei nº 8.987, de 1995.

Como dito, a atividade realizada pelo particular, no âmbito dos contratos administrativos de delegação de serviço público, é praticada em regra por sua conta. Sem embargo, os doutrinadores pátrios mais modernos, acentuando a especificidade da atividade perpetrada pelo concessionário de serviço público e sob os auspícios da supremacia do interesse público primário, delineiam a possibilidade de a Administração assumir parcialmente a álea empresarial ordinária da concessionária.

Marçal Justen Filho[9], traçando considerações sobre a voluntariedade e o risco do particular no âmbito dos contratos públicos aqui discutidos, promove a seguinte consideração:

 (...) É impossível assemelhar o risco assumido pelo concessionário àquele que toma sobre si um empreendedor comum. Nem poderia ser diferentemente. O empresário comum, ao exercitar atividades econômicas em sentido restrito, sujeita-se amplamente aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. Desempenha atividade que não se orienta a satisfazer diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana. As escolhas empresariais que realiza não se relacionam de modo imediato com o interesse coletivo. Portanto, o destino de seu empreendimento é relativamente irrelevante para a coletividade.

Esse cenário não se encontra presente no âmbito do serviço público concedido. A autonomia do empresário para organizar o empreendimento é relativa. Veja-se que, na tradição entre nós vigente, toda a concepção fundamental do empreendimento é desenvolvida pelo Estado, sem margem de autonomia significativa para o particular. Não se pode imaginar fixação da remuneração segundo os mecanismos puramente de mercado. Para culminar, o insucesso do empreendimento acarreta a suspensão do fornecimento de utilidades essenciais e indispensáveis, o que não se compatibiliza com os princípios fundamentais do serviço público.

Embasado nessa exposição, o jurista paranaense sustenta abertamente a possibilidade de a concessionária de serviço público receber recursos públicos, com o fito de aviltar o seu risco no exercício da atividade econômica e implementar a modicidade nas tarifas praticadas. Continuando[10]:

(...) A temática da colaboração estatal para a remuneração do concessionário tem de ser interpretada em face desses princípios constitucionais fundamentais. Bem por isso, será vedada a subvenção quando configurar uma forma de benefício injustificado para o concessionário. Não se admite, em face da própria Constituição, é o concessionário receber benesses do poder concedente, com pagamentos destinados a eliminar de modo absoluto o risco intrínseco e inafastável. Mas não haverá inconstitucionalidade quando a contribuição estatal for instrumento para assegurar a modicidade da tarifa, valor fundamental para o cumprimento das destinações do serviço público, ou a realização de funções estatais inerentes à persecução do interesse coletivo.

Seguindo tal norte, pode-se também citar Alexandre dos Santos Aragão[11]. Colacionando, inclusive, precedentes nacionais (a exemplo do serviço público de transporte metroviário no município do Rio de Janeiro), o advogado fluminense assevera que, na hodiernidade, reputa-se razoável que o Estado arque parcialmente com os riscos ordinários do negócio jurídico em comento.

O Ordenamento Jurídico Brasileiro refletiu esse cenário, abarcando esse compartilhamento dos riscos das delegações de serviço públicos entre o particular e o Poder Concedente. Pode-se ilustrar, por exemplo, a metodologia da concessão patrocinada prevista pela Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004.

Anota-se, de qualquer modo, que esse compartilhamento de riscos não possui fulcro constitucional no postulado do equilíbrio econômico-financeiro, porquanto, como já dito, não é da alçada daquele princípio a tutela à álea ordinária da atividade econômica empreendida pelo particular. A base de tal empreender seria mais casuística, a depender do valor jurídico que, no caso específico, estaria sendo utilizado como fundamento para essa atitude estatal.

Outrossim, mercê das considerações supra, as formas tradicionais de revisão da remuneração da concessionária, embasadas na álea econômica e administrativa, não seria eliminadas em face da mencionada atuação do Poder Concedente.

No caso da concessão tradicional de serviço público prevista pela Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, convém registrar se planejava a existência de preceito que tutelava, ao concessionário, a garantia de uma receita bruta mínima. Tal preceito, contudo, foi vetado pelo então Presidente da República. Por oportuno, transcreve-se o teor do dispositivo afastado e as razões que levaram ao seu veto:

Art. 24

"Art. 24. O poder concedente poderá garantir, no contrato de concessão, uma receita bruta mínima ou, no caso de obras viárias, o correspondente a um tráfego mínimo, durante o primeiro terço do prazo da concessão."

Razões do veto

"Garantias como essa do estabelecimento de receita bruta mínima, além de incentivarem ineficiência operacional do concessionário, representam, na realidade, um risco potencial de dispêndio com subsidio pelo Poder Público. O caso mais recente foi o mecanismo instituído pela Lei n° 5.655/71, que criou a Conta de Resultados a Compensar (CRC), extinta, em 18.3.93, com a regulamentação da Lei n° 8.631/93, gerando dispêndios líquidos para a União da ordem de US$ 19,8 bilhões."

Alexandre Santos de Aragão[12] e Marçal Justen Filho[13], promovendo uma interpretação sistemática, asseveram que o aludido veto, por si só, não impede a colaboração estatal na remuneração do particular na concessão ordinária.

Em acréscimo a essa visão doutrinária, pode-se ainda alegar a lição hermenêutica de que o processo de interpretação da lei, muitas vezes, enseja a configuração de uma norma com um sentido independente do desígnio original do processo legislativo (o qual, como cediço, abrange a fase da sanção presidencial).

Com o fito de melhor explicitar tal tese, acolhida por grande número de juristas, urge transcrever o seguinte trecho do voto do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 401.337:

É preciso advertir, neste ponto, que a ´mens legislatoris´ representa fator secundário no processo hermenêutico, pois, neste, o que se mostra relevante é a indagação em torno da ´mens legis´, vale dizer, a definição exegética do sentido que resulta, objetivamente, do texto da lei.

Ninguém ignora que a lei nada mais é do que a sua própria interpretação, consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

´A INTERPRETAÇÃO DO ORDENAMENTO POSITIVO NÃO SE CONFUNDE COM O PROCESSO DE PRODUÇÃO NORMATIVA.

- O ordenamento normativo nada mais é senão a sua própria interpretação, notadamente quando a exegese das leis e da Constituição emanar do Poder Judiciário, cujos pronunciamentos qualificam-se pela nota da definitividade.

- A interpretação, qualquer que seja o método hermenêutico utilizado, tem por objetivo definir o sentido e esclarecer o alcance de determinado preceito inscrito no ordenamento positivo do Estado, não se confundindo, por isso mesmo, com o ato estatal de produção normativa. Em uma palavra: o exercício de interpretação da Constituição e dos textos legais – por caracterizar atividade típica dos Juízes e Tribunais – não importa em usurpação das atribuições normativas dos demais Poderes da República. Precedente´ (RE 258.088 – Agr/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Daí a procedente advertência que GERALDO ATALIBA faz em lapidar magistério (´Revisão Constitucional´, in Revista de Informação Legislativa, vol. 110/87-90, 87):

´Em primeiro lugar, o jurista sabe que a eventual intenção do legislador nada vale (ou não vale nada) para a interpretação jurídica. A Constituição não é o que os constituintes quiseram fazer; é muito mais que isso: é o que eles fizeram. A lei é mais sábia que o legislador. Como pauta objetiva de comportamento, a lei é o que nela está escrito (e a Constituição é lei, a lei das leis, a lei máxima e suprema). Se um grupo maior ou menor de legisladores quis isto ou aquilo, é irrelevante, para fins de interpretação. Importa somente o que foi efetivamente feito pela maioria e que se traduziu na redação final do texto, entendido sistematicamente (no seu conjunto, como um todo solidário e incidível). (...) O que o jurista investiga é só a vontade da lei (...)´ (grifei)

Em suma: a lei vale por aquilo que nela se contém e que decorre, objetivamente, do discurso normativo nela consubstanciado, e não pelo que, no texto legal, pretendeu incluir o legislador, pois, em havendo divórcio entre o que estabelece o diploma legislativo (´mens legis´) e o que neste buscava instituir o seu autor (´mens legislatoris´), deve prevalecer a vontade objetiva da lei, perdendo em relevo, sob tal perspectiva, a indagação histórica em torno da intenção pessoal do legislador. (...)

Registre-se que o aludido norte interpretativo serviu como fundamento implícito ao entendimento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça (vide RESP nº 222582) para amparar a eficácia executiva dos termos de ajustamento de conduta existentes no âmbito dos direitos de cunho coletivo.[14]

Diante de tal doutrina, é possível levantar a hipótese de que, mesmo com o veto ao art. 24 do projeto normativo que ensejou a atual Lei nº 8.987, de 1995, caso haja, no corpo desta norma, dispositivo que possibilite, nas concessões ordinárias, a estipulação de garantias financeiras ao concessionário de serviço público por parte do Poder Concedente, esse desígnio possuiria arcabouço legal.

Sobre o autor
Fabiano de Figueirêdo Araujo

Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília. Especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas. Professor Universitário. Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Fabiano Figueirêdo. Possibilidade de compensação pecuniária pelo poder concedente na tradicional concessão de serviço público.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4525, 21 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44743. Acesso em: 18 nov. 2024.

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