Palavras-Chave: Ações repetitivas. Julgamento sumaríssimo improcedente. Art. 285-A do Código de Processo Civil. Art. 518, § 1º do CPC.
1 INTRODUÇÃO
O acesso do cidadão ao poder judiciário e a efetividade da tutela jurisdicional tem sido a grande preocupação do Estado brasileiro, já que cabe a este criar meios que viabilizem esse direito fundamental do cidadão.
Diante dessa realidade, a propagação do acesso à justiça traduziu-se em inúmeras mudanças práticas na legislação e na estrutura judiciária brasileira, dentre as quais se destacam a criação dos Juizados Especiais e das Defensorias Públicas, que na prática garantiram ao cidadão maior acesso ao Poder Judiciário e, como consequência, contribuiu para o aumento de ações judiciais.
Tal crescimento no número de demandas é ainda agravado diante da estrutura precária do judiciário brasileiro, com a insuficiência de serventuários e juízes, a falta de um método eficaz de controle de desempenho, o que ampliou a morosidade da tutela jurisdicional do Estado, assomando-se a isso o crescimento do volume de ações repetitivas, em decorrência do modelo de produção e consumo em massa de bens e serviços.
Por outro lado, sem descuidar da prestação de uma tutela jurisdicional racional, célere e efetiva, tais reformas também se deram no âmbito do processo, com a criação de diversos mecanismos com o objetivo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, buscando, ainda que implicitamente, conter a grande litigiosidade da sociedade contemporânea, desta forma, o congestionamento do judiciário.
Nesse contexto, surgiu o artigo 285-A do CPC, introduzido no Código pela Lei nº 11.277, de 07.02.2006, que tem por objetivo "racionalizar o julgamento de processos repetitivos", bem como "conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa”, conforme contido no Relatório do Parecer nº 32/2006, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal que aprovou o Projeto de Lei nº 101/2005 (Lei nº 11.277).
O objetivo da norma do Art. 285-A é promover a celeridade e economia processual, pois abrevia o procedimento quando a questão é preponderantemente de direito e no juízo já exista sentença com convencimento firmado em outras causas anteriores.
Dessa forma, os precedentes judiciais têm obtido, cada vez mais, papel de destaque para garantir a tempestividade da tutela jurisdicional, privilegiando a uniformização dos julgados, permitindo a atuação monocrática dos juízes, naqueles casos em que já existem precedentes jurisprudenciais consolidados, de maneira a permitir que se anteveja o resultado da demanda ou da pretensão recursal, de modo que seja dado tratamento igual a casos iguais, concretizando ao cidadão o direito fundamental de um tratamento isonômico.
Para a elaboração deste artigo foram utilizadas pesquisas bibliográficas como fonte principal de investigação, O método adotado em relação aos dados bibliográficos foi o dialético, promovendo um confronto de argumentos, inclusive contraditórios, proporcionando um exame crítico da pesquisa.
2 JULGAMENTO SUMARÍSSIMO – IMPROCEDÊNCIA PRIMA FACIE - ART. 285-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O acesso do cidadão ao poder judiciário e a efetividade da tutela jurisdicional tem sido a grande preocupação do Estado brasileiro, já que cabe a este criar meios que viabilizem esse direito fundamental do cidadão. Viafore (2014, p. 41) informa que:
A realização do direito de acesso à justiça é indispensável à própria configuração de Estado, uma vez que não há como pensar em proibição da tutela privada, e, assim, em Estado, sem se viabilizar a todos a possibilidade de efetivo acesso ao Poder Judiciário.
Diante dessa realidade, afirma Viafore (Idem, p. 43) “A propagação do acesso à justiça traduziu-se em inúmeras mudanças práticas na legislação e na estrutura judiciária brasileira”, dentre as quais se destacam a criação dos Juizados Especiais e das Defensorias Públicas, que na prática garantiram ao cidadão maior acesso ao Poder Judiciário e, como consequência, contribuiu para o aumento de ações judiciais.
Tal crescimento no número de demandas é ainda agravado diante da estrutura precária do judiciário brasileiro, com a insuficiência de serventuários e juízes, a falta de um método eficaz de controle de desempenho, o que ampliou a morosidade da tutela jurisdicional do Estado, assomando-se a isso o crescimento do volume de ações repetitivas, em decorrência do modelo de produção e consumo em massa de bens e serviços (RODRIGUES, 2010, p. 38).
Sobre essa questão, alerta Viafore (Idem, p. 70):
[...] não obstante as reformas processuais sejam necessárias e até desejáveis, o problema da grande quantidade de processos que emperram as pautas de julgamento e assolam o Poder Judiciário não está unicamente relacionado à quantidade de ações ajuizadas ou recursos interpostos, mas também aos problemas estruturais do sistema.
2.1 O JULGAMENTO PRIMA FACIE COMO MECANISMO PARA UMA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL CÉLERE
Por outro lado, sem descuidar da prestação de uma tutela jurisdicional racional, célere e efetiva, tais reformas também se deram no âmbito do processo, com a criação de diversos mecanismos com o objetivo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, conforme Viafore (2104, p. 65) “[...] buscando, ainda que implicitamente, conter a grande litigiosidade da sociedade contemporânea”, desta forma, o congestionamento do judiciário.
Dentre esses mecanismos, destaca-se no presente trabalho, o Art. 103-A da Constituição Federal de 1988, que trata da Súmula Vinculante no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que surgiu com o objetivo de diminuir a sobrecarga do STF. No entender de Rosas apud Viafore (2014, p. 81), a súmula vinculante “torna mais ágil a justiça, sobre o mesmo tema, com impedimento de multiplicação de demandas, ou encerramento de múltiplas demandas, no percurso dos vários graus de justiça”.
Outros mecanismos, como os arts. 475, § 3º, 518, § 1º, 544, §§ 3º e 4 º e 557, todos do Código de Processo Civil, os quais, em determinadas situações, o magistrado está autorizado a negar seguimento a recurso, ou mesmo dispensar a remessa necessária, quando em nítido confronto com precedentes judiciais, especialmente com os precedentes das cortes superiores. Afirma Didier Júnior (2009, p. 390) que há nessas situações:
[...] uma espécie de vinculação do órgão competente para apreciar a admissibilidade recursal às diretrizes já lançadas em precedentes anteriores, de modo que este órgão fica autorizado a negar seguimento a tais recursos ou dispensar a remessa necessária.
Os precedentes judiciais têm obtido, cada vez mais, papel de destaque para garantir a tempestividade da tutela jurisdicional, privilegiando a uniformização dos julgados, permitindo a atuação monocrática dos juízes, naqueles casos em que já existem precedentes jurisprudenciais consolidados, de maneira a permitir que se anteveja o resultado da demanda ou da pretensão recursal.
Nesse contexto está inserido o artigo 285-A do CPC, introduzido no Código pela Lei nº 11.277, de 07.02.2006, que tem por objetivo "racionalizar o julgamento de processos repetitivos", bem como "conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa”, conforme contido no Relatório do Parecer nº 32/2006, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal que aprovou o Projeto de Lei nº 101/2005 (Lei nº 11.277).
No sentido de racionalizar a prestação jurisdicional, conferindo-lhe maior celeridade, o Art. 285-A emprega a técnica de economia processual às causas repetitivas, potencializando ainda mais a força dos precedentes judiciais:
Para evitar que os inúmeros processos sobre casos análogos forcem o percurso inútil de todo o iter procedimental, para desaguar, longo tempo mais tarde, num resultado já previsto, com total segurança, pelo juiz da causa, desde a propositura da demanda, o art. 285-A muniu o juiz do poder de, antes da citação do réu, proferir a sentença de improcedência prima facie do pedido traduzido na inicial. (THEODORO JÚNIOR, 2012, p. 377)
Portanto, o objetivo da norma do Art. 285-A é promover a celeridade e economia processual, pois abrevia o procedimento quando a questão é preponderantemente de direito e no juízo já exista sentença com convencimento firmado em outras causas anteriores. Assim:
[...] a norma em lume é medida de celeridade e de economia processual, pois evita a citação e demais atos do processo, uma vez que o juiz já havia decidido questão idêntica anteriormente. Seria perda de tempo, dinheiro e de atividade jurisdicional insistir-se na citação e na prática dos demais atos do processo, quando o juízo já tem posição firmada quanto à pretensão deduzida pelo autor. (BUENO apud VIAFORE, 2014, p. 86)
Ressalte-se, que o Art. 285-A do CPC, não só objetiva maior celeridade e economia processual, servindo como instrumento para abreviar ações que se repetem em escala massificada, más, essencialmente, tem sua finalidade baseada numa questão ética. Esta eticização é fundamentada na unidade do direito por meio do uso obrigatório de precedentes e suas funções intrínsecas, como segurança jurídica, a promoção da igualdade, previsibilidade, coerência da ordem jurídica e outras, conforme será adiante analisado em capítulo específico. “Trata-se de algo imprescindível para num país que realmente acredita – e se cansou de demagogicamente proclamar – que todos devem ser igualmente tratados perante o direito”. (MARINONI, 2014, p. 107)
2.2 O ART. 285-A DO CPC E A RELAÇÃO COM AS AÇÕES REPETITIVAS
Conforme a doutrina de Taranto (2012, p. 240), a utilização do instituto processual de julgamento liminar remonta ao ano de 2003, segundo ano de implantação dos Juizados Especiais Federais “quando um número de demandas muito além da possibilidade de processamento do Judiciário Federal, sobretudo repetitivas, foi proposto [...]”.
Diante dessa situação, afirma o citado autor, determinados magistrados resolveram, como tentativa de solucionar a crescente distribuição de demandas repetitivas, julgar improcedentes aquelas ações que já havia entendimento consolidado sobre o mérito da matéria posta em discussão, paralelamente a prestação jurisdicional das ações claramente procedentes, “como a hipótese das ações envolvendo reajuste de 39,67% sob o salário-de-contribuição de fevereiro de 1994 pelo IRSM” (Ibidem, p. 243).
Para tanto, foi necessário “[...] o julgamento célere de improcedência de outras ações que já continham consolidação jurisprudencial em sentido contrário à pretensão dos demandantes, como as envolvendo a correção dos benefícios previdenciários pelo IGP-DI”. Reside, nesse contexto, “o paradoxo que ensejou a formação do julgamento de improcedência sem citação” (TARANTO, 2012, p. 243).
O julgamento liminar de mérito, previsto no artigo 285-A da Lei Processual Civil, deve ser interpretado no contexto acima referido, ou seja, como instrumento capaz de efetivação do princípio constitucional do devido processo legal e da celeridade da prestação jurisdicional, relativamente às hipóteses de demandas produzidas de forma “seriadas” ou repetitivas, cuja matéria a ser decidida seja exclusivamente de direito. Assim:
[...] O artigo 285-A exige interpretação conforme a Constituição tal qual todos os demais dispositivos infraconstitucionais, mesmo porque se encontra ultrapassada a decantação existente entre jurisdição constitucional e jurisdição ordinária. Esse dispositivo deve ser compreendido como o primeiro instrumento previsto em nosso direito objetivo para a específica aplicação em demandas massificadas [...].” (TARANTO, 2012, p. 249)
Com efeito, o ajuizamento de ações repetitivas consome horas e horas de trabalho dos serventuários e juízes ao movimentarem processos que, ao final terão iguais decisões, como também um aumento desnecessário nas despesas do Poder Judiciário, e contribui sobremaneira para a lentidão da justiça e para o aumento do volume de processos nas estatísticas.
[...] é preciso dar atenção à multiplicidade das ações que repetem litígios calcados em fundamentos idênticos, solucionáveis unicamente a partir da interpretação da norma. A multiplicação de ações desta natureza, muito frequente na sociedade contemporânea, especialmente nas relações travadas entre o cidadão e as pessoas jurídicas de direito público ou privado – como aquelas que dizem respeito à cobrança de um tributo ou à interpretação de um contrato de adesão -, geram, por consequência lógica, mais trabalho à administração da justiça, tomando, de forma absolutamente irracional, tempo e dinheiro do Poder Judiciário. (MARINONI; ARENHART, 2012, p. 96)
Atualmente é fácil perceber que o aumento de demandas repetitivas se tornou bastante comum na prática forense contemporânea, especialmente no âmbito da Justiça Federal.
De fato, de forma isolada são propostas ações que, fundamentadas em uma mesma tese ou princípio jurídico, começam a se repetir progressivamente. Da mesma forma, são reproduzidas as sentenças na mesma proporção das petições iniciais, bastando ao juiz, com o auxilio e evolução da tecnologia computadorizada, apenas fazer mínimas alterações com relação aos nomes das partes. (MARINONI; ARENHART, 2012, p. 96)
Com efeito, afirma Viafore (2014, p. 89), que o julgamento liminar previsto no Art. 285-A do Código de Processo Civil “apresenta-se como mais uma alternativa para a problemática decorrente do advento das ações repetitivas”, contribuindo com a celeridade dos julgamentos e, consequentemente, para o desafogamento do Judiciário.
2.3 INTERPRETAÇÃO DO CAPUT DO ART. 285-A DO CPC
O artigo 285-A da Lei Processual Civil prevê o julgamento sem citação do réu, nas demandas em que a matéria controvertida for exclusivamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros “casos idênticos”, com a reprodução do inteiro teor da sentença paradigma:
Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
Da leitura do caput se extrai alguns pressupostos para sua incidência, como: a) a matéria controvertida unicamente de direito; b) no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, conjugados com a possibilidade de o juiz dispensar a citação do réu e se utilizar de sua própria jurisprudência como paradigma para solução de casos posteriores.
Impende destacar que o magistrado estando diante de uma demanda que preencha os pressupostos do Art. 285-A, deverá julgá-la liminarmente, independentemente da citação do réu, pois, não se trata de defeito que possa ser suprido através da emenda à inicial, conforme esclarece Marinoni e Arenhart (2012, p. 101):
Não há, por razões óbvias, espaço para emenda à inicial, já que não se trata de ‘defeito suprível’, de modo que a sentença liminar de rejeição deve ser dada de pronto. Trata-se de sentença de mérito, de improcedência (fundada no art. 269, I, CPC), e não de hipótese de extinção do processo sem resolução de mérito (art. 267, CPC). Esta sentença, por isso mesmo, produz coisa julgada material, impedindo a repropositura da ação.
2.3.1 “Casos idênticos” o que significa essa expressão?
De bom alvitre esclarecer que não se trata de “ações idênticas”, pois nestas, repetem-se as partes, pedidos e causas de pedir, o que configuraria, em tese, litispendência ou coisa julgada (CPC, art. 301, §§ 1º, 2º e 3º), conforme o caso, necessariamente levando a extinção do processo sem julgamento de mérito (CPC, art. 267, inciso V). Senão, vejamos:
Art. 301. (...)
§1º Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada, quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.
§ 2º Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.
§ 3º Há litispendência, quando se repete ação, que está em curso; há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso.
Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:
(...)
V – quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada.
Portanto, não se pode confundir a expressão “casos idênticos”, referida no caput do artigo 285-A da Lei Processual Civil, com a expressão “ações idênticas”. Segundo Theodoro Júnior (2012, p. 378): “A identidade, portanto, que se reclama, para aplicar o art. 285-A, localiza-se no objeto da causa, isto é, na questão (ponto controvertido) presente nas diversas ações seriadas”.
A norma do Art. 285-A exige que haja identidade de argumentação jurídica entre as diferentes ações, para que o caso antecedente sirva de paradigma para apreciação de caso ulterior.
Assim, conforme informa Didier Júnior (2010, p. 473), trata-se de casos semelhantes e não ‘idênticos’ nos termos propostos pela norma: “[...] o julgamento antecipado é autorizado, nesse momento, se se tratar de causa repetitiva, ou seja, causa que verse sobre questão jurídica objeto de processos semelhantes (e não ‘idênticos’ como se refere o legislador).” Continua o autor:
É o que acontece nos litígios de massa, como as causas previdenciárias, as tributárias, as que envolvem servidores públicos, consumidores etc., sujeitos que se encontram em uma situação fático-jurídica semelhante. Nessas causas, discute-se normalmente a mesma tese jurídica, distinguindo-se apenas os sujeitos da relação jurídica discutida. São causas que poderiam ter sido reunidas em uma ação coletiva. (Ibidem, p. 473)
No dizer de Rodrigues (2010, p. 157) não se trata necessariamente de uma identidade entre as ações, podendo até haver identidade fática, mas sim uma similaridade entre os casos. Assim, exemplificando através do fato ocorrência de cortes de fornecimento de energia em vista de atrasos de mensalidades recentes, afirma:
[...] como fundamentos de fato, somados ao fundamento jurídico do direito à continuidade da prestação, que os demandantes anteriores manejaram, é o suficiente para que se conclua serem aquelas demandas já julgadas ‘casos idênticos’, autorizando que outras que sobrevenham possam ser catalogadas nessa mesma condição de similaridade. Não importa que nas causas precedentes o inadimplemento de um consumidor ter sido de três mensalidades no ano de 2006, e o do outro, quatro mensalidades em 2007. O que importa é o núcleo ser semelhante, e as sentenças repetitivas se tenham concebido nos limites dessas questões nucleares. Mas tal similaridade há de configurar um padrão de agir, um liame entre as várias situações trazidas a juízo [...]. (Ibidem, p. 157)
2.3.2 Matéria controvertida no âmbito do art. 285-A do CPC
Conforme consta do caput do Art. 285-A, só há espaço para o julgamento sumaríssimo, quando a matéria controvertida for unicamente de direito. Isto porque, segundo (MARINONI; ARENHART, 2012, 98-99) “envolvendo questão de fato, as particularidades do caso concreto poderão importar soluções diferentes, de modo que a conclusão lançada em um processo pode não servir para o outro”.
Trata-se de expressão relacionada com os casos em que a produção das provas pericial e/ou oral são prescindíveis para que o magistrado possa julgar o pedido do autor, bastando-lhe, pois, a prova documental já constante da petição inicial, uma vez que o juiz já firmou seu convencimento, em questão idêntica anteriormente, conforme ensina Viafore (2014, p. 86).
Portanto, a análise da controvérsia não se restringe somente ao direito, estendendo-se, também, aos fatos, mesmo que se exija apenas uma apreciação para um convencimento formal, “porque no exame do efeito jurídico que dele se pretende extrair a resposta judicial será fatalmente negativa para o autor e benéfica para o réu” (THEODORO JÚNIOR, 2012, p. 378).
Nesse sentido, a lição de Rodrigues (2012, p. 158-159):
Também por vias transversas compõe-se o caráter incontroverso dos fatos da inicial na incidência do art. 285-A do CPC. É o sentido da decisão de improcedência que, por beneficiar quem poderia controvertê-los, libera o julgador para tomar como verdadeiros os fatos alegados, mesmo que eventualmente não o sejam, sem preocupar-se com o caráter substancial dessa verdade. Assim, se alguém se afirma titular de contrato de fornecimento de energia, quando na verdade realizou um acesso clandestino ao serviço, e vai a juízo para reclamar que seja religada a luz sob o pretexto do direito à continuidade da prestação, receberá o julgamento como se verdadeira fosse a existência do contrato. Aquela é uma verdade na qual o juiz baseará a improcedência. E como se trata da melhor posição ao demandado, o aspecto da fraude, que seria fatalmente controvertido pelo réu, consome-se na improcedência.
Desse modo, observa-se que, em tese, seria impossível a existência de demanda que se discuta exclusivamente matéria de direito, já que nas demandas repetitivas, “como em toda demanda, o suporte de fato constitui um prius lógico inseparável da definição do direito” (RODRIGUES, 2010, p. 158).
Assim, tecnicamente seria mais recomendável a utilização da expressão “matéria preponderantemente de direito”, conforme esclarece Cavalcante apud Viafore (2014, p. 86) que:
[...] o requisito em análise deve ser entendido como matéria ‘preponderantemente’ de direito, uma vez que é praticamente impossível haver matéria unicamente de direito, sendo que toda postulação em juízo é sustentada por fatos, os quais, no caso, precisam estar previamente provados para autorizar o julgamento liminar do mérito.
2.3.3 A jurisprudência do próprio juízo como requisito no julgamento liminar
Outro requisito imposto para a prolação da sentença de improcedência prima facie, é a exigência de no mesmo juízo “já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos”, servindo esta como precedente necessário para prolação de sentença. É o que se extrai do caput do Art. 285-A do Código de Processo Civil, verbis:
Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. (grifei)
Como a norma referida tem sua atuação no plano do mérito da causa, vale destacar que para sua incidência, apenas a sentença de total improcedência do pedido em outros casos idênticos, poderá servir como precedente do juízo para julgamento de casos ulteriores, conforme elucida Guedes apud Viafore (2014, p. 86) “[...] se o magistrado já tiver concluído, em outros processos, que aquela pretensão não dever ser acolhida, fica dispensado de citar o réu, podendo julgar antecipadamente o mérito da causa, pela improcedência.”.
Quanto ao número de julgamentos anteriores necessários para atendimento do preceito normativo em questão, embora a literalidade do Art. 285-A faça menção a que no juízo haja sido proferida sentença de improcedência em “outros casos idênticos”, não é imperativo a fixação de um número de julgamentos, como também que seria bastante a existência de um único precedente, conforme esclarece Rodrigues (2010, p. 161):
[...] a definição de um número é menos importante que o sentido de pacificação de entendimento que se tenha consolidado no juízo, a critério do próprio juiz, muito embora, pelo imperativo do plural usado na norma (casos idênticos), talvez não se deva admitir um único precedente.
O que importar é que o magistrado tenha seu convencimento afinado com a jurisprudência já pacifica sobre o tema, mesmo que ainda não tenha decidido nenhum caso anterior, apoiando-se, num contexto de massificação de demandas, no princípio da celeridade processual, bem como em “racionalizar a administração da justiça diante dos processos que repetem teses consolidadas pelo juiz de primeiro grau ou pelos tribunais” (MARINONI; ARENHART, 2012, p. 97), com o fim de abreviar um resultado que já se encontra previsível. Nesse sentido:
[...] orientar-se pelo plural é concessão hermenêutica à literalidade e, como tal, argumento sem mais consistência, especialmente quando o juiz está afinado com a jurisprudência já pacificada sobre o tema, embora não tenha ainda decidido nenhum caso anteriormente, hipótese em que, considerando o contexto em que se insere a norma (jurisdição de massa), e tendo em vista os seus objetivos de racionalização, parece perfeitamente adequado o julgamento prima facie já no primeiro caso distribuído ao específico juizado. (RODRIGUES, 2010, p. 161)
Portanto, na medida em que se abrevia o procedimento, cuja matéria é preponderantemente de direito, realiza-se a intenção do Art. 285-A, ou seja, proporcionar maior celeridade na prestação jurisdicional, portanto, é perfeitamente viável a julgamento sumaríssimo, com base apenas na jurisprudência do juízo (Ibidem, p. 161).
2.3.3.1 Da necessidade de reprodução da sentença anterior – o juiz deve transcrever ou apenas mencionar a sua existência?
A exigência do Art. 285-A no julgamento sumaríssimo de improcedência das demandas massificadas é no sentido de que se faça mediante a reprodução do inteiro teor da sentença anteriormente prolatada.
Tal reprodução não se dá apenas por meio de “traslado” da sentença que serve como parâmetro, ou seja, com a simples juntada aos autos de cópia do decisum pretérito. Conforme explica Dias apud Didier Júnior (2010, p. 473) que: “O dispositivo não autoriza a simples juntada de uma cópia da sentença-tipo, ou seja, uma cópia reprográfica da sentença já proferida, mas sim que seu teor, seu conteúdo, seja reaproveitado para solucionar a nova demanda.”
A exigência de que o conteúdo da sentença-tipo seja reaproveitado para a solução do novo caso idêntico, com a reprodução do inteiro teor da sentença pretérita na nova decisão, impõe-se para que o magistrado deixe claro que estão presentes os requisitos que justificam a utilização da sentença pretérita, pois, segundo Didier Júnior (2010, p. 473) “é preciso demonstrar que a ratio decidendi da sentença-paradigma serve à solução do caso ora apresentado ao magistrado”.
Portanto, o magistrado não pode tão somente fazer menção a existência ou fazer juntar aos autos cópia do decisum pretérito. Deve, pois, transcrever todo conteúdo, ou seja, inserir o texto da sentença anteriormente proferida na fundamentação da nova sentença e, em seguida, deve apontar a identidade dos casos.
2.3.4 A relação “ausência de citação” x contraditório - no caso de aplicação do Art. 285-A do CPC
Conforme já analisado, se o magistrado verificar que existem os pressupostos necessários para incidência da norma do Art. 285-A, ou seja, que a matéria controvertida seja preponderantemente de direito e que o magistrado já tiver concluído da mesma forma em outros processos, que aquela demanda não deve ser acolhida, poderá o juiz dispensar a citação do réu, julgando imediatamente o mérito da causa, pela total improcedência.
Alerta Didier Júnior (2010, p. 472) que: “não há qualquer violação à garantia do contraditório, tendo em vista que se trata de um julgamento pela improcedência”. Segundo o autor, o pretenso réu não precisa ser ouvido para sair vitorioso, não lhe ocorrendo qualquer prejuízo, pois a decisão lhe favorece.
No mesmo sentido, o ensinamento de Luiz Guilherme Marinoni (2012, p. 99), afirmando que:
Nesses casos, não há sequer espaço para pensar em agressão ao direito de defesa, mas apenas em violação ao direito de ação, aí compreendido como o direito de influir sobre o convencimento do juiz. Porém, para se evitar violação ao direito de influir, confere-se ao autor o direito de interpor recurso de apelação, mostrando as dessemelhanças entre a sua situação concreta e a que foi definida na sentença que julgou o caso tomado como idêntico.
Necessário ponderar que não se mostra viável a realização de vários atos processuais, como a citação, a contestação, etc., se se encontram presentes os pressupostos para aplicação do art. 285-A do CPC, tendo em vista a previsibilidade do resultado da demanda, porquanto o objetivo do dispositivo é a efetividade do processo em relação a casos idênticos e, nesse particular, não há violação ao contraditório (SILVA; XAVIER apud VIAFORE, 2014, p. 88). Com isso:
Evita-se o transcurso de tempo inútil, os gastos com a contratação de advogado, os incômodos normais de quem é citado para responder a demanda, sem falar no maior acúmulo de trabalho para todos os integrantes do maquinismo judiciário. Abreviar o procedimento é dar efetividade ao princípio da garantia fundamental do acesso à justiça [...] (VIAFORE, 2014, p. 89)
Conclui-se, portanto, que “o réu não tem prejuízo com a sentença de improcedência, sendo apenas diferido o contraditório para hipótese de o autor apelar” (BUENO apud VIAFORE, 2014, p. 89).
2.4 INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DOS §§ 1º e 2º do art. 285-A
Os parágrafos 1º e 2º do Art. 285-A estabelecem o rito processual para o caso de interposição ou não de apelação:
Art. 285-A. (...)
§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.
Dispõem referidos dispositivos, respectivamente, sobre a faculdade de o magistrado exercer o juízo de retratação, no caso de interposição de apelação pelo autor e a abertura da via recursal, com a citação do réu para apresentação de resposta ao recurso.
Ressalte-se, que se o juiz julgar sumariamente improcedente o mérito da demanda, nos termos do caput do Art. 285-A, e se o autor não interpuser recurso de apelação, ocorrerá o trânsito em julgado da sentença, produzindo coisa julgada material, impedindo que a ação seja repetida pelo autor, conforme adverte Marinoni e Arenhart (2012, p. 101).
2.4.1 A possibilidade de reconsideração, uma faculdade do Juiz (§ 1º)
O autor poderá se valer do prazo de 15 (quinze) dias para interpor apelação, caso não concorde com a decisão que julgar sumariamente improcedente o seu pleito.
Na hipótese de recurso apresentado pelo autor, é admitido ao magistrado, na forma do § 1º da referida norma, o juízo de retratação. Assim, recebido o recurso, poderá o juiz, no prazo de 05 (cinco) dias, manter ou não a sentença liminar:
Caso o autor não concorde com a sentença de rejeição liminar, poderá apelar no prazo regular de quinze dias. Esta apelação admite – à semelhança do que ocorre com a apelação de que trata o art. 296 – juízo de retratação, de forma que, recebido o recurso, pode o juiz, no prazo de cinco dias, retratar-se de seu entendimento anterior, para ordenar o prosseguimento do feito. (MARINONI, 2011, p. 519)
Caso o magistrado retrate-se de seu entendimento anterior, ordenará o prosseguimento do feito, determinando a citação do demandado para responder a ação (Ibidem, p. 379). “Em tal caso, fica prejudicado o recurso, tendo o processo seguimento regular” (Ibidem, p. 519).
2.4.2 Abertura de via recursal e a resposta ao recurso (§ 2º)
Por outro lado, caso não haja retratação pelo magistrado, com a manutenção da sentença combatida, determinará o juiz a citação do réu, desta feita, para responder o recurso de apelação, dentro do prazo de quinze dias, nos termos do § 2º do Art. 285-A. Segundo (MARINONI; ARENHART, 2012, p. 101) “[...] Com ou sem estas contrarrazões, subirá o recurso ao tribunal para julgamento, seguindo-se então o procedimento previsto para a apelação, inclusive em relação a eventual pedido de tutela antecipatória.”
Como não houve citação do réu para apresentar resposta a ação, suas contrarrazões, segundo Didier Júnior (2010, p. 474):
[...] terão conteúdo semelhante ao de uma contestação, uma vez que se trata de sua primeira manifestação. Além disso, o réu defenderá a sentença, reforçando a argumentação do magistrado. Se o réu deduzir fato novo, será preciso intimar o autor para oferecer uma espécie de réplica.
Assim, o autor poderá combater a sentença de rejeição liminar pela via recursal, podendo o autor, em sua peça recursal:
[...] argumentar que o seu caso não se amolda ao precedente ou que esse está a merecer revogação, seja por ter perdido congruência social ou consistência sistêmica (ter sido desgastado pela jurisprudência), ou ainda por não estar em consonância com a nova concepção geral do direito. (MARINONI, 2011, p. 519)
Segundo Fredie Didier Júnior (2010, p. 475), o autor poderá fundamentar sua apelação em “error in iudicando”, “a sentença é valida, mas a tese jurídica escolhida pelo juiz está equivocada”. Neste caso, afirma Didier que a sentença poderá ser reformada pelo Tribunal, dando outra solução ao mérito da causa.
De outro modo, o fundamento da apelação do autor poderá recair em “error in procedendo” do juiz que, em causa que depende de produção de provas em audiência, aplicou a regra do Art. 285-A, quando não poderia. “Nesse caso, se acolhida, a apelação implicará invalidação da sentença”, conforme entendimento de Didier Júnior (2010, p. 475). Como consequência o processo terá o seu prosseguimento regular, com a citação do réu para responder a ação, garantindo-lhe ampla defesa.
Considerando-se a possibilidade de o magistrado não receber a apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, caberá ao autor interpor recurso de agravo de instrumento “o qual deverá demonstrar a inaplicabilidade ou a necessidade de revogação do precedente.” A peça recursal deve ser elaborada com base em fundamentos sólidos, e expostos de forma séria pelo agravante, pois, segundo adverte Marinoni (2011, p. 519):
[...] O agravante que se restringir a revolver fundamento comumente invoca e já amplamente conhecido e rejeitado deverá ser penalizado com multa, pois o agravo de instrumento que se dirige contra precedente de tribunal superior, limitando-se a trazer fundamentos já identificados como insuficientes e sem argumentar de forma séria, acerca da sua inaplicabilidade ou da necessidade da sua revogação, deve ser considerado meramente protelatório e, nessa condição, interposto de má-fé. (MARINONI, 2011, p. 519)
2.5 RELAÇÃO COM O ART. 518, § 1º DO CPC E OS PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS E DAS CORTES SUPERIORES
O § 1º do Art. 518 do CPC traz hipóteses em que o juiz não deverá receber o recurso de apelação:
Art. 518. (...)
§ 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.
Segundo Marinoni (2011, p. 519), referida norma “complementa as hipóteses de julgamento liminar de improcedência e de sentença de procedência – proferida após a participação do réu – nos termos de precedente de tribunal superior”.
Em que pese a literalidade do referido artigo faça menção apenas a “súmula”, observa Marinoni (Ibidem, p. 519) que na atualidade, por questões óbvias, “o precedente de tribunal superior é suficiente para impedir o recebimento de recurso que a ele diretamente se opõe”.
Para Marinoni e Arenhart (2011, p. 97), existe uma relação visível entre o instituto de julgamento liminar e a norma prevista no art. 518, § 1º do CPC, na medida em que a norma do Art. 285-A “se preocupa em racionalizar a administração da justiça diante dos processos que repetem teses consolidadas pelo juiz de primeiro grau ou pelos tribunais”. Da mesma forma, o Art. § 1º do Art. 518, tem como objetivo “impedir o prosseguimento do processo nas hipóteses em que há súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”. Assinala os autores:
Tais normas se destinam a dar proteção aos direitos fundamentais de ação e à razoável duração do processo. Elas nada têm de inconstitucionais, pois não violam qualquer outro direito fundamental, como o direito de defesa. Na verdade, se de constitucionalidade aqui se pode falar, o raciocínio deve caminhar em sentido inverso, ou seja, de insuficiência de proteção aos direitos fundamentais de ação e à duração razoável do processo. (MARINONI; ARENHART, 2011, p. 97)
Observa-se que a norma do Art. 285-A não faz menção expressa à possibilidade de julgamento liminar com base em súmula dos tribunais estaduais, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, bem como não fala em precedente de tribunal superior.
Sobre esse silêncio da norma, Marinoni (2011, p. 518) observa que o art. 285-A está equivocado ao tratar somente da possibilidade de o juiz julgar sumariamente o pedido quando já houver proferido sentença de total improcedência em ações que trataram de casos idênticos. Adverte o autor:
[...] se não há lógica em admitir que o juiz pode julgar liminarmente improcedente o pedido quando há, em sentido contrário, súmula ou jurisprudência consolidada de tribunal de justiça ou regional federal, é indiscutível que, quando há precedente de tribunal superior, esse não pode ser contrariado pelo julgamento liminar. (Ibidem, p. 518)
No mesmo sentindo, esclarece Taranto (2010, p. 250), que para a compreensão constitucional do julgamento de mérito sem citação:
[...] é necessário que o precedente que figurar como paradigma se baseie em orientações consolidadas dos tribunais responsáveis pela defesa do ius in thesi, ou seja, O Superior Tribunal de Justiça, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e o Supremo Tribunal Federal, apesar de o texto não se referir às expressões ‘súmula ou jurisprudência consolidada’, ou, conforme propomos, precedentes judiciais das respectivas Cortes.
Complementa Marinoni (Ibidem, p. 518) que, “existindo precedente hígido – não desgastado pela jurisprudência ou socialmente incongruente – de tribunal superior, esse deve orientar o julgamento liminar”. Nesse sentido:
[...] a sentença de primeiro grau só pode ser utilizada como paradigma interpretativo para os fins propugnados pelo art. 285-A na exata medida em que ela, sentença, esteja em plena consonância com as decisões dos Tribunais recursais competentes. (BUENO apud VIAFORE, 2014, p. 87)
No caso de haver súmula do Supremo Tribunal Federal acerca de casos idênticos, o magistrado está obrigado a rejeitar liminarmente o pedido, tratando-se de um dever do juiz e não uma mera possibilidade de utilizar a norma do art. 285-A, conforme destacado por Marinoni e Arenhart (2011, p. 99). Afirmam, que a força da Constituição está ligada à estabilidade das decisões do Supremo Tribunal Federal:
[...] Justamente por conta disso, aplica-se ao recurso extraordinário a teoria de que o efeito vinculante da decisão se estende aos seus fundamentos determinantes e não apenas à sua parte dispositiva – essa última abarcada pela coisa julgada material. Tratando-se de interpretação da Constituição, a eficácia da decisão deve transcender ao caso particular, de modo que os seus fundamentos determinantes sejam observados por todos os tribunais e autoridades nos casos futuros. (MARINONI; ARENHART, 2011, p. 95)
Ressalta Marinoni e Arenhart (Ibidem, p. 95), que as Súmulas do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, aquelas que definem a interpretação da lei federal, também deveriam ser dotadas de eficácia vinculante, tal qual acontece com as Súmulas do Supremo.
Por outro lado, no dizer de Marinoni e Arenhart (2011, p. 95), afirmar que o juiz tem o direito de julgar de formar diferente dos tribunais superiores constitui gritante equivoco, pois:
Se é o Superior Tribunal de Justiça quem dá a última palavra em relação à interpretação da lei federal, qual é a racionalidade de se dar ao juiz o poder de proferir uma decisão que lhe seja contrária? [...] decidir de forma contrária à súmula apenas obriga à interposição de recurso, consumindo mais tempo e despesas, seja da administração da justiça, seja do próprio cidadão.
Por fim, ao decidir em conformidade com o entendimento fixado e consolidado pelos tribunais superiores, o magistrado revela o seu compromisso com o Poder Judiciário, com o objetivo de atingir uma melhor efetividade na prestação jurisdicional ao cidadão, considerando o direito constitucional à duração razoável do processo, conforme ensina Marinoni e Arenhart (2011, p. 95-96).
2.6 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A SITUAÇÃO DO JULGAMENTO SUMARÍSSIMO IMPROCEDENTE
Neste tópico, serão feitas algumas observações sobre o julgamento liminar de mérito, apenas para efeito de localização espacial do instituto no novo Código de Processo Civil.
Na linha do entendimento exposto no tópico anterior, é que a Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015 – Novo Código de Processo Civil – em seu art. 332 e incisos, relaciona o dispositivo de forma mais adequada com a jurisprudência dos tribunais superiores.
Referido dispositivo passa a reger os casos em que o juiz estará autorizado a julgar liminarmente o pedido do autor. Diz o Art. 332, verbis: “Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:”
I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior tribunal de Justiça;
II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
Observa-se, portanto, que os incisos I, II, III e IV, acima transcritos, vêm atender a recomendação feita por Marinoni e Arenhart (2012, p. 99-100) de que:
[...] o juiz não é obrigado a rejeitar liminarmente a ação repetitiva apenas porque há súmula do seu tribunal ou do Superior Tribunal de Justiça. Porém, não há racionalidade em admitir que ele possa rejeitá-la liminarmente em contrariedade com súmula destes tribunais.
Concluindo, os autores afirmam que:
Na hipótese em que a súmula consolidou o entendimento sobre a improcedência das demandas idênticas, a rejeição liminar da ação somente poderá observar a orientação do tribunal. Isto porque a razão de ser do julgamento liminar de improcedência seria frontalmente contrariada caso se admitisse uma decisão que negasse a súmula. (Ibidem, p. 100)
O § 1º do referido dispositivo, autoriza o juiz a julgar liminarmente improcedente o pedido “se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição”.
Por sua vez, os parágrafos 2º a 4º do Art. 332, do Novo Código de Processo Civil, têm a seguinte redação:
Art. 332. [...]
[...]
§ 2º Não interposta apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da sentença, nos termos do art. 241.
§ 3º Interposta apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 (cinco) dias.
§ 4º Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a citação do réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias.
Tal como está regulado no Art. 285-A, §§ 1º e 2º do Código de Processo Civil em vigor, as normas contidas nos §§ 2º a 4º do Art. 332 do Novo Código de Processo Civil, vêm trazer as regras para o procedimento do julgamento liminar das ações repetitivas, nos mesmos moldes do procedimento previsto no Art. 285-A, do código vigente, já acima explanado.
CONCLUSÃO
Depois de se ter analisado o artigo 285-A do Código de Processo Civil em vigor, traçando diretrizes a propósito de sua interpretação e aplicação no contexto geral da jurisdição brasileira, como método de aceleração do processo, faz-se necessário algumas considerações importantes que foram observadas no decorrer da pesquisa.
O ajuizamento de ações repetitivas consomem horas e horas de trabalho dos serventuários e juízes ao movimentarem processos que, ao final terão iguais decisões, como também um aumento desnecessário nas despesas do Poder Judiciário, contribui sobremaneira para a lentidão da justiça e para o aumento do volume de processos nas estatísticas.
O artigo 285-A do CPC, introduzido no Código de Processo Civil em vigor, pela Lei nº 11.277, de 07.02.2006, tem por objetivo a racionalização do julgamento de processos repetitivos, imprimindo celeridade na prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa.
O artigo 285-A da Lei Processual Civil prevê o julgamento sem citação do réu, nas demandas em que a matéria controvertida for preponderantemente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros “casos idênticos”, com a reprodução do inteiro teor da sentença paradigma.
O magistrado, ao ficar diante de uma demanda que preencha os pressupostos do Art. 285-A, deverá julgá-la liminarmente, independentemente da citação do réu, pois, não se trata de defeito que possa ser suprido através da emenda à inicial.
A norma do Art. 285-A exige que haja identidade de argumentação jurídica entre as diferentes ações, para que o caso antecedente sirva de paradigma para apreciação de caso ulterior.
Verificou-se, que mesmo diante da dispensa de citação do réu, este não tem prejuízo com a sentença de improcedência, pois esta lhe favorece, sendo apenas diferido o contraditório para hipótese de o autor apelar.
Com efeito, interposta apelação pelo autor, o magistrado exercerá o juízo de retratação, e determinará a abertura da via recursal, com a citação do réu para apresentação de resposta ao recurso.
Referida norma emprega a técnica de economia processual às causas repetitivas, potencializando ainda mais a força dos precedentes judiciais.
Como dito, seu objetivo é promover a celeridade e economia processual, pois abrevia o procedimento quando a questão é preponderantemente de direito e no juízo já exista sentença com convencimento firmado em outras causas anteriores.
Nesse sentido, os precedentes têm uma função preponderante para a concretização dos objetivos do Art. 285-A. Desta forma, deve o juiz realizar uma interpretação sistemática entre a literalidade do dispositivo com os precedentes judiciais, ou seja, com os entendimentos já consolidados não só pelo Supremo Tribunal Federal, más, também, pelo Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Estaduais e Regionais Federais.
REFERÊNCIAS
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