Resumo
Objetivamos considerar o direito à educação a partir de dispositivos legais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Lei n. 4.024/61, a Constituição Federal de 1988 e a Lei n. 9.394/96 para ponderar a importância enquanto registro, considerando a fluidez dos mesmos quanto a sua eficaz concretização devido aos fatores sociais deslocados de possibilidade concreta na vida prática.
Introdução
Pensar a educação como um processo social é ser remetido a questões de políticas educacionais.
No Brasil, um país em construção, necessitamos da força legislativa tanto para se requerer quanto para se efetivar direitos sociais, em especial a educação foco de nossa discussão.
Tomamos como referência para o debate aqui pretendido o direito a educação na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Lei n. 4.024/61, na Constituição Federal de 1988 e na Lei n. 9.394/96 para entendermos como a ideia sobre o direito a educação é tratada visto que historicamente se passa a pretender o ser humano como um ser de direitos, cabendo ao Estado, a quem a sociedade delegou o poder de exercer de forma e maneira representativa sua voz e vontade assegurar e zelar pela execução e manutenção desses direitos embora na realidade haja distanciamento desse propósito.
Discutindo os termos Estado e Direito
Aristóteles, no Livro I, Política faz a seguinte assertiva:
“Portanto, o Estado é por natureza claramente anterior à família e ao indivíduo, já que o todo é necessariamente anterior à parte; por exemplo, se todo o corpo for destruído, não haverá pé nem mão, a não ser num sentido nominal, (...). A prova de que o Estado é uma criação da natureza e é anterior ao indivíduo é o fato de que, quando isolado, o indivíduo não é auto-suficiente; por conseguinte, ele é como uma parte em relação ao todo. Mas aquele que for incapaz de viver em sociedade, ou aquele que não tiver nenhuma necessidade dela porque é suficiente por si mesmo, deve ser uma besta ou um deus: não é parte de um Estado.” (ARISTÓTELES apud MORRIS, 2002, p. 18).[2]
Notadamente se percebe a importância do Estado, ainda em tempos remotos, acentuando-se desde que foi indicado seus três componentes essenciais: população, território, soberania[3]. Desse modo, a presença do Estado se constitui importante para a própria seguridade e sobrevivência de um povo como nos assegura John Lo>123. Se o homem no estado de natureza é tão livre como se disse, se é senhor absoluto de sua própria pessoa e de suas posses, igual ao maior de todos e súdito de ninguém, por que abandona sua liberdade, esse império, e se submete ao domínio e controle de algum outro poder? Ao que é óbvio responder que, embora no estado de natureza ele tenha tal direito, ainda assim o gozo dele é muito incerto e está constantemente exposto à violação por parte de outros (...). Isso o faz querer desistir dessa condição que, embora livre, está cheia de medos e perigos constantes; e não é sem razão que ele procura de boa vontade unir-se em sociedade com outros que já estão reunidos ou têm a intenção de se unir para a mútua preservação de suas vidas, de suas liberdades e bens, aos quais chamo pelo nome genérico de propriedade.
124. A finalidade maior e principal, portanto, de os homens unirem-se em Estados e submeterem-se a um governo é a preservação de sua propriedade, para o que o estado de natureza carece de muitas coisas”[4].
Neste sentido, o homem que nasce livre, “cada um e todos do povo abrem mão se sua liberdade externa a fim de recebê-la imediatamente de novo na condição de Membros de uma comunidade, que é o povo considerado como Estado”.[5]
Sob essa vertente, Nader vai conceituar Estado como um complexo político, social e jurídico, que envolve a administração de uma sociedade estabelecida em caráter permanente, em um território e dotado de poder autônomo[6]. Estabelecendo uma superação quanto a esta definição, Höfling faz uma distinção entre Estado e Governo a fim de que tenhamos clareza em relação aos papéis delimitadores de cada um mesmo considerando que as conceituações compõem o todo da ideia discutida em relação ao Estado, sendo que é possível considerar Estado como o conjunto de programas de instituições permanentes – como órgãos legislativos, tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico necessariamente – que possibilitam a ação do governo; e Governo, como conjunto de programas e projetos que parte da sociedade (políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para a sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado período. [7]
Entretanto, para que exista a ideia de Estado enquanto abstração e realidade aproximadas temos que pensar o nível de conexão, de relacionamento entre Estado e Direito; contudo, há um consenso amplo, de que o Direito, historicamente, antecedeu ao aparecimento do Estado.[8]
Desse modo, Ihering definiu direito considerando finalidade, a partir da referência a seu conteúdo, como a forma da segurança das condições de vida social, obtida pelo poder do Estado. (...). Logo, concluiu que direito é a soma das condições de vida social no sentido mais amplo do termo, assegurada pelo poder do Estado através dos meios de coação externa.[9]
Desse modo, em resposta a pergunta sobre o que o Estado concede ao indivíduo? Ihering responde que a primeira coisa que o Estado dá é proteção contra danos de fora; o segundo bem é a proteção dentro do Estado, ou seja, o direito; e o terceiro bem que o Estado dá a seus membros consiste em todos os acordos públicos e planos que ele traz à vida no interesse da sociedade.[10]
Logo, podemos incluir aqui a definição de Políticas públicas como o Estado implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da sociedade. Neste sentido, podemos entender educação como uma política pública social, uma política pública de corte social, de responsabilidade do Estado – mas não pensada somente por seus organismos.[11]
O direito a educação e as políticas educacionais
O direito a educação se constitui um processo social de caráter público e gratuito dentro das sociedades onde o Estado se faz presente. Mesmo o conceito de educação sendo polissêmico no sentido de que cada cultura estabelece o seu, é entendido em todas essas sociedades como um direito de todo cidadão. No entanto, para que se garanta como direito lutas têm sido empreendidas e leis precisaram ser construídas e revistas.
Geralmente a definição de educação se amalga com as ideias de qualidade da educação. Partimos aqui de que educação é uma experiência que nos aproxima conscientemente de contextos sociais acusando em nós centelhas de sentidos e significados de pertencimento e inserção temporal e espacial.
Como não é um processo natural as vias para alcançá-la devem ser construídas e as leis servem a esse propósito.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo XXVI diz:
- Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
- A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
- Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que
será ministrada a seus filhos.).
Apesar de Bonavides (2010, p. 574) considerar que “a Declaração dos Direitos Humanos exprime grau adiantadíssimo de consciência do homem livre, cidadão de todas as pátrias (...)”, estranhamente no artigo constante e supracitado não fala em educação e o termo utilizado é instrução. Instrução segundo Libâneo “se refere à formação intelectual, formação e desenvolvimento das capacidades cognoscitivas mediante o domínio de certo nível de conhecimentos sistematizados”. (1994, p. 23).
Logo, o termo instrução está a serviço de uma ideia de formação imediatista, para dar conta de um saber fazer dentro do modelo da racionalidade técnica[12] em que as práticas educativas dos professores se circunscrevem em atender os alunos a partir das especificidades técnicas estando desconectadas de um pensamento de formação geral e da construção dos conhecimentos porque os professores apenas executam os saberes elaborados pelos especialistas das academias.
O conceito de instrução alocado na Declaração Universal dos Direitos Humanos não se adéqua para os parâmetros sociais vigentes. Mesmo se considerando os contextos sociais vigentes da época: pós-guerra, o foco na industrialização para um novo recomeço, a taxação de que a instrução técnico-profissional deveria ser acessível a todos, na prática o quadro delineado era outro e parece ainda permanecer: a instrução dual, a que direcionava para os cursos superiores e a para o mundo do trabalho. O que nos dias atuais não se modificou embora os discursos camuflem essa ideia.
Se na época o perigo de uma guerra mundial era premente em nossos dias parece estar na condição de uma possibilidade. Desse modo, a educação vista prioritariamente como instrução não se adequa aos desafios sociais vigentes posto que instruir em nosso tempo se configura como uma faceta instrumental da educação que sozinha não humaniza o homem e nem promove a sua formação geral.
Outro aspecto a ser destacado na Declaração dos Direitos Universais Humanos é o que tange ao acesso a Instrução Superior ser colocada como “baseada no mérito”. Incorre em dois aspectos a questão da instrução que já tratamos supracitado e a segunda a mais grave: a questão da meritocracia. Como falar em meritocracia em um país, estado onde impera a desigualdade social? Onde os bens estão divididos desproporcionalmente? Onde o acesso aos direitos, parte, é prerrogativa de quem por eles pode pagar? Como falar em meritocracia em um país onde não há vagas para todos nas universidades públicas, nem mesmo para aqueles que puderam pagar pela educação básica? Como falar em meritocracia em um país em que a educação como capital cultural não é um bem de todos? Talvez, a escrita esteja correta mesmo: seja para aqueles que realmente pertencem a esse grupo restrito.
Enfim, não vemos como a instrução posta na Declaração Universal dos Direitos Humanos pode construir “pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais” visto que se pauta em procedimentos e não na ideia de se formar o homem para exercer autonomamente sua cidadania.
Também não visualizamos como “os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos” se por um lado o Estado surge com a intenção de prestar serviço aos seus concidadãos e não o faz; e por outro, não corrobora com as opções de escolha.
Desse modo, pressupomos que o direito a educação posto na Declaração dos Direitos Humanos, no artigo XXVI, está subvertido, cooptado, a serviço da construção de uma sociedade baseada em alicerce ditado pelas classes hegemônicas, pelas necessidades imediatistas, pois, não considera o homem como um ser e sim, como ente. Como ser se requereria uma formação abrangente, de contextualização, de inserção, de pertencimento; como um ente, deve aprender para emitir respostas imediatas, da construção de conhecimentos para emitir respostas não aprofundadas, desprovidas de uma reflexão mais abalizada portanto, sem possibilidade de gerar a emancipação do ser humano.
A Lei N. 4.024, de 20 de dezembro de 1961, no Título II, do Direito a Educação diz:
Art. 2º A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola.
Parágrafo único. À família cabe escolher o gênero de educação que deve dar a seus filhos.
Art. 3º O direito à educação é assegurado:
I – pela obrigação do poder público e pela liberdade de iniciativa particular de ministrarem o ensino em todos os graus, na forma de lei em vigor;
II – pela obrigação do Estado de fornecer recursos indispensáveis para que a família e, na falta desta, os demais membros da sociedade de desobriguem dos encargos da educação, quando provada a insuficiência de meios, de modo que sejam asseguradas iguais oportunidades a todos. (BRASIL, 1961).
A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional depois de longos trezes anos de tramitação é sancionada sistematizando assim a educação no Brasil e se caracterizou pela coexistência contraditória, e às vezes abertamente conflitiva, de uma tendência populista e de uma tendência antipopulista.[13] É uma lei eivada de interesses adversos aos desejos do povo, que pouco foi contemplado com essa lei; por outro lado, agora se tinha uma legislação específica de onde se poderia falar.
É mantida a ideia da educação como direito de todos, mas, se coloca a primeira responsabilidade na família e de forma secundária o estado e mais uma vez esta, deve escolher o gênero da educação de seus filhos; estando essa orientação alinhada com as novas reorientações do papel do estado na sociedade.
Como se sabe o ensino particular é pago. Que liberdade teriam os pais de um camponês, operário ou habitante de favela para escolher uma escolar particular para seus filhos? Aliás, essa proposta omitia o parágrafo da gratuidade do ensino no Brasil, era obviamente excludente. Nem por isso o projeto abdicava da subvenção do Estado, propondo que este financiasse a rede particular, a fim de assegurar a educação adequada de seus futuros cidadãos. Essa tarefa, entretanto, não dava ao Estado o direito de fiscalizar a rede particular. Pois alegando a liberdade de ensino, o projeto propunha que esta ficasse ao encargo dos professores e dos diretores das escolhas particulares.[14]
Assim, tivemos a abertura legal para a iniciativa privada com a proteção do Estado, sendo este responsável pela estruturação da rede privada educacional no Brasil e de forma ambígua se fala em “assegurar iguais oportunidades a todos” para abarcar o sentido de “direito de todos” e “provada insuficiência de meios”, mas, que, notadamente com os significados prejudicados.
Porque a gratuidade é a contrapartida da obrigatoriedade do cidadão frequentar a escola e da obrigação do Estado em fornecê-la a todos, pois do contrário, a compulsoriedade seria apenas um ônus para a família, não se caracterizando um direito do indivíduo. Dessa forma, o direito à educação é constituído simultaneamente de sua obrigatoriedade e gratuidade.[15]
Assim, a LDB n. 4.024/61 refletiu as contradições e os conflitos que caracterizaram as próprias frações de classe da burguesia brasileira. Apesar de conter certos elementos populistas não deixou de ter um caráter elitista. Ao mesmo tempo que formalmente dissolveu a dualidade anterior dos curso propedêuticos para as classes dominantes e profissionalizante para as classes subalternas através da equivalência e flexibilidade dos cursos de nível médio, criou nesse mesmo nível uma barreira quase que intransponível, assegurando ao setor privado a continuidade do controle do mesmo. Desse modo, a criança pobre, incapaz de pagar as taxas de escolarização cobradas pela rede, não pode seguir estudando.[16]
Na Constituição Federal de 1988, o direito a educação é tratado em dois artigos:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (...)
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola. (BRASIL, 1988).
Em linhas gerais o artigo 205 ratifica a precedência do Estado no dever de educar. Entretanto, dentro de suas finalidades “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” parece permanecer a conhecida polêmica entre formar para cidadania ou qualificar para o mundo do mercado e o mais grave: deixa nas entrelinhas toda a educação básica e não apenas o ensino médio. Significa, sobretudo, que essas duas ideias constituem os principais elementos de uma dada concepção de Educação.[17]
Em relação ao artigo 208, temos o direito à educação especificado e detalhado em um texto que já sofreu várias modificações e que contém avanços e ranços. E mesmo que expresse direitos inovadores alguns dispositivos permanecem dentro da abstração dificultando ao cidadão a posse desses direitos. Por exemplo: mesmo a lei prevendo o direito à educação por parte daqueles que por algum motivo “perderam” a idade certa de cursar a educação básica, as escolhas compulsoriamente desmatriculam os alunos fora da idade prevista para o término do Ensino médio no turno diurno. Quando uma possível solução poderia ser a abertura de vagas para esse contingente ainda jovem, no turno diurno e não enviá-los para o turno noturno como talvez, uma forma de punição.
Outro falta de objetividade é prescrever legalmente como se fará a progressiva universalização do ensino médio; ou ainda, como vamos considerar as condições do educando do ensino noturno regular; ou ainda, como constituiremos os programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde aos educandos.
Destacamos também, o dispositivo que trata do “acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo” complementado pelo “não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente” qual seja, o direito de “qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público” para exigir vagas suficientes para que ocorra efetivamente o “acesso ao ensino obrigatório gratuito”[18] mas, que na prática o povo brasileiro quase desconhece esse direito e o mais grave se constitui na triste realidade de termos comumente escolas serem fechadas ou descaracterizadas em nosso país.
Não descuramos da importância do dispositivo legal; mas, como efetivá-lo de fato? Talvez esta seja a questão que tem feito da lei letra morta.
O Título III, Do Direito à Educação e do Dever de Educar constante na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9.394/96 repete, alguns dispositivos constantes na Constituição Federal de 1988 em suas atualizações, especifica e detalha outros.
Ressaltamos o inciso X do artigo 4º da Lei n. 9.394/96 que reza “padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”, (BRASIL, 1996) quando o problema desse inciso é a existência de diversos conceitos totalmente subjetivos. Quais são os “insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”, a partir dos quais se definirá “a variedade e quantidade mínimas” dos mesmos para que possamos ter a definição do que são os “padrões mínimos de qualidade de ensino”? Esse inciso constitui um exemplo de discurso que defende a “qualidade de ensino”, sem explicitar, no entanto, as condições objetivas de averiguar e comprovar essa “qualidade de ensino”. Apesar de ser um dever do Estado oferecer “padrões mínimos de qualidade de ensino”, jamais ele poderá ser responsabilizado pelo descumprimento desse dever, visto que a definição do que são “padrões mínimos de qualidade de ensino” pode incluir absolutamente tudo. Esse tudo pode ser, por exemplo, os “insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”, oferecidos em “variedade e quantidade mínimas”. E tudo isso, “por aluno”.[19]
Analisando a questão posta no art. 7º sobre o ensino livre a iniciativa privada, Brandão considera que temos posta a grande questão: recursos públicos devem ser direcionados apenas à escola pública ou podem ser destinados também às escolhas privadas? Acrescenta que essa questão esteve presente na elaboração da Constituição de 1934, foi discutida exaustivamente na elaboração da Constituição de 1946 e na elaboração da LDB anterior (Lei n. 4.024/61), e retornou quando da elaboração da nossa atual Constituição, promulgada em 1988. Assegura, ainda, que em todas essas oportunidades, os defensores dos interesses das escolas privadas, geralmente auto-intitulados liberais, levaram a melhor, conseguindo, apesar de todas as carências estruturais e históricas da escola pública, que recursos públicos fossem, e ainda sejam, destinados às escolas privadas de todos os níveis através do financiamento de atividades de extensão e de pesquisa e, também, de bolsas de estudo.[20]
Diante do exposto, o direito à educação em tese está baseado em dispositivos abstratos que se distanciam da possibilidade de serem efetivados. Sendo construído um fosso entre o ideal e o real que temos no cotidiano.
Considerações finais
Para se pensar o direito à educação dentro do contexto de uma sociedade dividida em classes é preciso se considerar o papel do binômio Estado-Direito num sentido relacional que seja responsabilizado pela configuração da sociedade que temos construído.
O direito à educação não se pode constituir apenas em letra da lei; ou mesmo em um dispositivo do qual se deva partir como um referencial ou uma sistematização convencional. Mas, necessitamos que o direito à educação seja, de fato, uma realidade concreta dentro do cotidiano, sobretudo, de quem mais necessita dentro da sociedade de classe que estamos submersos.
Se a ideia de Estado surge com o homem abrindo mão do seu direito de propriedade para o qual não dispunha de condições de protegê-lo, o direito surge para mediar esse processo. Logo, o direito à educação deve ser resguardado no sentido de efetivação e não na generalização, subjetividade, na incerteza de não sabermos como seria, de como deveria ser.
Consideramos que a Declaração dos Direitos Universais em relação ao direito à educação não contempla a visão de homem holístico, mas, parece mais uma vez alocá-lo dentro de um contexto reducionista, de delimitação de qual lugar deve ocupar na sociedade a partir da ideia colocada de educação como instrução.
Por sua vez, a Lei n. 4.024/61 eivada dos diversos interesses em que preponderou os segmentos mais autoritários da sociedade temos uma formatação do direito à educação convergente com os aspectos mais estranhos a ideia de educação pública e gratuita como direito de todos.
Já em relação a Constituição Federal de 1988, que até o presente momento recebeu 67 (sessenta e sete) emendas constitucionais o direito à educação está presente no texto da lei mas, de forma e maneira genérica, subjetiva o que impede o cidadão brasileiro de impetrar situações concretas de sua efetivação. Não muito distante desse quadro, temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9.394/96 que em tese repete o texto da Constituição e onde a ideia da educação como direito de todos enfrenta desvios, sendo vista como um ideal a ser alcançado e não como uma possibilidade de construção real e cotidiana.
Referências:
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2010.
BRASIL. Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasília: DF. 1961. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4024.htm>. Acesso em: 20 jan. 2014.
BRASIL. Constituição (1988) Constituição: República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 20 jan. 2014.
BRASIL/MEC. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: 20 de dezembro de 1996. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 20 jan. 2014.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
[2] MORRIS, Clarence. Os grandes filósofos do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
[3] NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
[4]MORRIS, Clarence, op. cit., p. 149.
[5] MORRIS, Clarence, op. cit., p. 253.
[6] NADER, Paulo, op. cit., p. 130.
[7] HÖFLING, Eloisa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, nº 55, Nov./2001. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0101-32622001000300003&script=sci_arttext>. Acesso em: 01 nov. 2013.
[8] NADER, Paulo, op. cit., p. 137.
[9] MORRIS, Clarence, op. cit., p. 418.
[10] MORRIS, Clarence, op. cit., p. 421.
[11] HÖFLING, Eloisa de Mattos, op. cit., p. 31.
[12] Neste modelo, fortemente marcado por uma visão positivista da ciência, as questões educacionais podem ser resolvidas objetivamente com o uso de técnicas instrumentais. In: ABIB, Maria Lúcia V. dos S. A pesquisa em ensino de Física e a sala de aula: articulações necessárias na formação de professores. In: GARCIA, Nilson Marcos Dias. [et al]. A pesquisa em ensino de física e a sala de aula: articulações necessárias. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2012. p. 227-238.
[13] FREITAG, Barbara. Escola, Estado e sociedade. 7 ed. São Paulo: Centauro Editora, 2005.
[14] Ibid., p. 100.
[15] OLIVEIRA, Romualdo Portela de. [et al]. Gestão, Financiamento e Direito à Educação: análise da LDB e da Constituição Federal. São Paulo: Xamã, 2001.
[16] FREITAG, Barbara, op. cit., p. 102.
[17] BRANDÃO, Carlos da Fonseca. LDB passo a passo: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 3ª ed. atual. São Paulo: Editora Avercamp, 2007.
[18] BRANDÃO, Carlos da Fonseca, op. cit., p. 33.
[19] Ibid., p. 32.
[20] Ibid., p. 38.