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Danos ambientais decorrentes de loteamentos clandestinos: questões controversas acerca da responsabilização municipal e da restauração de áreas com ocupação consolidada

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Agenda 09/12/2015 às 17:05

[1] A elaboração de projeto de loteamento é prevista pelos arts. 6º e ss. da Lei de Parcelamento do Solo Urbano.

[2] Art. 9º da Lei n.º 6.766/1979: Orientado pelo traçado e diretrizes oficiais, quando houver, o projeto, contendo desenhos, memorial descritivo e cronograma de execução das obras com duração máxima de quatro anos, será apresentado à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal, quando for o caso, acompanhado de certidão atualizada da matrícula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis competente, de certidão negativa de tributos municipais e do competente instrumento de garantia, ressalvado o disposto no § 4º do art. 18.

[3] RESCHKE, Leila Maria; VARELA, Luciano Saldanha; MORETTO, Simone Santos; SOMENSI, Simone. Loteamentos irregulares e clandestinos: sua regularização no município de Porto Alegre. Anais do V Congresso de Direito Urbanístico de Manaus, 2008. P. 4.

[4] Nesse sentido, merece destaque o julgamento da ADI 478 pelo Supremo Tribunal Federal, selecionada pelo próprio Supremo para anotação do inciso VIII do art. 30 na obra A Constituição e o Supremo (2011, p. 779); veja-se: “Também a competência municipal, para promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano – CF, art. 30, VIII – por relacionar-se com o direito urbanístico, está sujeita a normas federais e estaduais (CF, art. 24, I). As normas das entidades políticas diversas – União e Estado-membro – deverão, entretanto, ser gerais, em forma de diretrizes, sob pena de tornarem inócua a competência municipal, que constitui exercício de sua autonomia constitucional.” (ADI 478, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 9-12-1996, Plenário, DJ de 28-2-1997). Igualmente, também por seleção feita na obra mencionada: ADI 512, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 3-3-1999, Plenário, DJ de 18-6-2001.

[5] REsp 1113789/SP, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 16/06/2009, DJe de 29/06/2009.

[6] Nesse sentido, bem sustentou o Ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 859.905/RS pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (julgado em 01/09/2011, DJe de 16/03/2012), que “[a] interpretação da lei federal não pode implicar um ‘fura-fila’ no atendimento das carências sociais, sobretudo se, para solucionar as eventualmente judicializadas, acabar-se por desamparar os mais pobres, com igual precisão urbanístico-ambiental”.

[7]Ainda quanto à argumentação do voto proferido pelo Ministro Herman Benjamin no REsp 859.905, convém transcrever a seguinte passagem, didática e elucidativa:

“A rigor, mais importante do que discutir se há discricionariedade ou dever-poder de regularizar loteamentos (e, sem dúvida, dever-poder existe!) é reconhecer que a atuação da Prefeitura não serve para beneficiar o loteador faltoso. Sem falar que vai muito além de garantir os direitos dos adquirentes de lotes prejudicados pela omissão, pois incumbe ao Administrador, também por força de lei, considerar a cidade como um todo e os direitos dos outros munícipes à qualidade urbanístico-ambiental.

O que deve orientar a atuação do Município é, essencialmente, o interesse coletivo na observância aos ‘padrões de desenvolvimento urbano’ (art. 40, caput, in fine, da Lei Lehmann), para atender às ‘funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes’ (art. 182, caput, da CF).

Isso, como é fácil perceber, nem sempre é observada, ao se impor ao Município, simples e automaticamente, a imediata regularização de um dado loteamento, quando há situações mais graves e urgentes de degradação urbana e de dignidade da pessoa humana em outros bolsões de pobreza.”

[8] Art. 3º. Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)

Parágrafo único - Não será permitido o parcelamento do solo:

I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;

Il – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;

III – em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;

V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

Art. 4º. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:

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I – as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem. (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)

II – os lotes terão área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes;

III – ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica; (Redação dada pela Lei nº 10.932, de 2004)

IV – as vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes oficiais, existentes ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local.

§ 1º. A legislação municipal definirá, para cada zona em que se divida o território do Município, os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas de lotes e os coeficientes máximos de aproveitamento. (Redação dada pela Lei nº 9.785, de 1999)

§ 2º. Consideram-se comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares.

§ 3º. Se necessária, a reserva de faixa não-edificável vinculada a dutovias será exigida no âmbito do respectivo licenciamento ambiental, observados critérios e parâmetros que garantam a segurança da população e a proteção do meio ambiente, conforme estabelecido nas normas técnicas pertinentes. (Incluído pela Lei nº 10.932, de 2004)

[9] Neste ponto, faz-se oportuno salientar que ainda existem algumas controvérsias a respeito da forma responsabilização do Poder Público em casos de omissão, se seria subjetiva ou objetiva. Prevalece, doutrinariamente, a corrente que entende ser aplicável a responsabilidade subjetiva, o que pode ser vista pela análise de Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 931):

“Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.

Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as consequências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva.”

No mesmo sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p. 710) e José Cretella Júnior (1970, v. 8:210), entre outros.

[10] Quanto a essa constatação, pode-se fazer menção a um termo célebre do direito alemão: Untermassverbot, que em inglês pode ser traduzido como prohibition of insufficient means e, para nós, proibição da insuficiência. Quando o Estado não age ou quando age de maneira insuficiente, há violação do Untermassverbot. Se possui o dever de proteger o meio ambiente ou de promover a educação, por exemplo, e permanece omisso ou atua de modo aquém do devido, infringe-se a proibição da insuficiência. Exatamente por isso, o Untermassverbot tem fundamental importância na análise dos deveres de agir do Estado (KLATT; MEISTER, 2012, p. 104).

[11] Vale lembrar, aqui, que a teoria da reserva do possível foi desenvolvida na Alemanha, em caso no qual se discutia a restrição do número de vagas em duas Universidades (BVerfGE 33, 303), quando o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha asseverou que algumas prestações estatais estariam sujeitas ao que a sociedade poderia racional e razoavelmente exigir do Poder Público: tal restrição seria a reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) (MARTINS (org.); SCHWABE, 2005, pp. 656–667). Essa ideia, portanto, sempre esteve intimamente ligada à correlação indivíduo-coletividade, pela qual se podem extrair as prioridades/prestações que devem ser observadas pelos órgãos estatais (GONÇALVES, 2013). Exatamente por isso, sua aplicação deve qualificar-se como exceção (VALLE, 2014, p. 59) e deve limitar-se aos casos de impossibilidade real de atuação estatal perante as limitações orçamentárias (FURTADO, 2012, p. 870).

[12] REsp 1.113.789/SP , Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 16/6/09, DJe de 29/6/09.

[13] Na decisão mencionada (REsp 1.113.789/SP), demonstrou-se, também, a possibilidade de o município, posteriormente, acionar regressivamente o loteador, uma vez que o art. 40 da Lei de Parcelamento do Solo Urbano prevê que a regularização ocorrerá às expensas do responsável direto.

[14] REsp 332.772/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, Data de Julgamento: 04/05/2006.

[15] REsp 403.190, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, Data de Julgamento: 27/06/2006.

[16] Termos da decisão.


 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL, Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição e o Supremo. 4. ed. Brasília: Secretaria de Documentação, 2011.

 

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

 

GONÇALVES, Leonardo Augusto. Direitos sociais: cidadania, política e justiça. Rio de Janeiro: Sinergia, 2013.

 

KLATT, Matthias; MEISTER, Moritz. The Constitutional Structure of Proportionality. Oxford: Oxford University Press, 2012.

 

MARTINS, Leonardo (org.); SCHWABE, Jürgen. Cinquenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Montevidéu: Fundação Konrad Adenauer, 2005.

 

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

 

RESCHKE, Leila Maria; VARELA, Luciano Saldanha; MORETTO, Simone Santos; SOMENSI, Simone. Loteamentos irregulares e clandestinos: sua regularização no município de Porto Alegre. Anais do V Congresso de Direito Urbanístico de Manaus, 2008.

 

VALLE, Rodrigo Santos. Omissão legislativa inconstitucional e o dever de indenizar. 2014. 84 f. Monografia (Bacharelado em Direito) — Universidade de Brasília, Brasília, 2014.

 

Superior Tribunal de Justiça. REsp 1113789/SP, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 16/06/2009, DJe 29/06/2009.

 

Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º 859.905/RS pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (julgado em 01/09/2011, DJe de 16/03/2012)

 

Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.113.789/SP , Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 16/6/09, DJe de 29/6/09.

 

Superior Tribunal de Justiça. REsp 332.772/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, Data de Julgamento: 04/05/2006.

 

Superior Tribunal de Justiça. REsp 403.190, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, Data de Julgamento: 27/06/2006.

 

Supremo Tribunal Federal. ADI 478, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 9-12-1996, Plenário, DJ de 28-2-1997.

 

Supremo Tribunal Federal. ADI 512, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 3-3-1999, Plenário, DJ de 18-6-2001.

 

Sobre o autor
Rodrigo Santos Valle

Advogado, sócio-fundador do Escritório Malta Valle Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília - UnB (2010-2014). Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP (2015-2017).

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