RESUMO
Marcado pelo nítido viés pró-consumerista, o Código de Defesa do Consumidor enfeixa uma séria de disposições protetivas dos consumidores com vistas a reequilibrar a relação mantida com fornecedores, dadas a vulnerabilidade e a hipossuficiência daqueles em relação a estes.
Uma dessas disposições é a sistemática de responsabilização do fornecedor, tanto por vício no produto ou serviço (prevendo a responsabilidade solidária de todos os partícipes do processo produtivo-distributivo), quanto pelo fato do produto ou serviço (estabelecendo a responsabilidade objetiva como regra na reparação do dano).
Desta forma, utilizando-se dos métodos dedutivo e dialético e por meio da revisão bibliográfica e jurisprudencial, o presente artigo visa fazer um contraponto ao rigoroso sistema de responsabilização do fornecedor nas relações de consumo, sobretudo por defeito no produto ou serviço, apresentando breves comentários acerca das principais excludentes de responsabilidade nessa seara.
Conclui-se com a presente pesquisa que, apesar da rigidez da regulação da responsabilidade do fornecedor nas relações de consumo, sobretudo por defeito no produto ou serviço, é possível que o fornecedor se escuse do dever de reparar o dano se provar (i) que não colocou o produto no mercado, (ii) que, mesmo que o tenha colocado ou mesmo que tenha prestado um serviço, eles não apresentam defeitos, ou ainda (iii) caso o dano decorra de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
A doutrina e a jurisprudência, por fim, também têm aceitado como excludentes de responsabilidade outras hipóteses não previstas no Código de Defesa do Consumidor, tais como (i) a força maior e/ou o caso fortuito (neste caso, desde que se apresentem em sua vertente “externa”, ou seja, quando o fato não guardar relação com a atividade do fornecedor), (ii) o exercício regular de um direito e (iii) o risco de desenvolvimento (esta de forma muito restrita e pontual).
1. INTRODUÇÃO
A legislação reguladora das relações de consumo no Brasil, consubstanciada, sobretudo, no Código de Defesa do Consumidor, por força da determinação constitucional no sentido de que é dever do Estado promover a defesa do consumidor (art. 5º, inciso XXXII, e art. 170, inciso V, CF), é caracterizada pelo amplo protecionismo dispensado aos consumidores.
Tal linha ideológica se justifica, especialmente, pela hipossuficiência e pela vulnerabilidade (art. 4º, inciso I, CDC) que recaem sobre os consumidores, principalmente quando estes se relacionam no mercado com fornecedores gigantescos, alguns deles multinacionais ou “transnacionais”, como prefere Luiz Olavo Baptista (1987, p. 17).
Podem ser citadas como manifestações dessa lógica pró-consumerista a possibilidade de inversão do ônus da prova em favor do consumidor (art. 6º, inciso VIII, CDC) e a admissibilidade de propositura de ações reparatórias pelo consumidor no foro de seu próprio domicílio (art. 101, inciso I, CDC).
Soma-se a esses exemplos de elevado grau de preocupação do constituinte e do legislador com o consumidor, a sistemática de responsabilidade do fornecedor pelos vícios e pelos defeitos dos produtos ou serviços, que possui traços próprios e nitidamente favoráveis ao consumidor.
Nota-se na referida sistematização, presente, sobretudo, nos artigos 12 a 27, do Código de Defesa do Consumidor, um nítido anseio do legislador em proteger e tutelar, de forma efetiva, os interesses do consumidor, ora estabelecendo a responsabilidade objetiva do fornecedor pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes da fabricação do produto (art. 12, CDC) ou da prestação do serviço (art. 14, CDC), ora prevendo a responsabilidade solidária de todos os fornecedores participantes da cadeia produtivo-distributiva pelos vícios de qualidade ou de quantidade de um produto que o tornem inadequado ao consumo (art. 18, CDC) ou de vícios de quantidade do produto, quando seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes da embalagem (art. 19, CDC).
Em reforço a tamanha preocupação, o codex consumerista também cuidou de impedir que o fornecedor, de qualquer forma, limitasse, reduzisse ou extinguisse tais responsabilidades, prevendo, por exemplo, que sua ignorância sobre os vícios de qualidade dos produtos ou serviços não o exime de responsabilidade (art. 23, CDC), e declarando nulas de pleno direito, cláusulas contratuais que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços (art. 51, inciso I, CDC) ou que transfiram tal responsabilidade a terceiros (art. 51, inciso III, CDC).
Não obstante esse imponente feixe de responsabilização do fornecedor nas relações de consumo, a lei consumerista estabelece, expressamente, algumas situações excludentes dessa responsabilidade, sobretudo no tocante ao fato do produto ou serviço.
As principais causas excludentes de responsabilidade do fornecedor nessa situação estão estabelecidas no artigo 12, § 3º, e no artigo 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor, que assim dispõem:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:
I - que não colocou o produto no mercado;
II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (grifo nosso).
Consoante os dispositivos legais transcritos, pode-se perceber que as causas excludentes açambarcam situações que rompem o nexo causal entre o defeito do produto e a comercialização ou entre o defeito e o controle de produto (DÍEZ-PICAZO, 2000, p. 152-156).
Cogita-se, ainda, a possibilidade de serem aplicáveis ás relações de consumo outras excludentes de responsabilidade não previstas no Código de Defesa do Consumidor e oriundas da legislação civil.
2. DAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE PREVISTAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
2.1. Da não colocação do produto no mercado
No que se refere ao artigo 12, § 3º, da lei consumerista, tratam-se os respectivos incisos de excludentes de responsabilidade invocáveis exclusivamente pelo fabricante, construtor, produtor ou importador nos casos de reparação de danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de produtos.
A primeira excludente de responsabilidade nesses casos, prescrita pelo inciso I, do § 3º, do artigo 12, do CDC, materializa-se mediante a prova de que o fornecedor, nas referidas categorias, não colocou o produto no mercado.
Nas palavras de Zelmo Denari, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, “colocar o produto no mercado de consumo significa introduzi-lo no ciclo produtivo-distributivo, de uma forma voluntária e consciente”, não importando se o produto foi introduzido no mercado de consumo de forma gratuita, para fins publicitários ou de caridade (GRINOVER et al, 1995, p. 116).
Em vista disso, faz-se a seguinte cogitação: poderia o fornecedor se valer dessa excludente para afastar o dever de reparar danos causados a consumidores por produtos que foram colocados no mercado por meliantes que os furtaram ou os roubaram de seu estabelecimento quando ainda estavam em fase de elaboração?
Em tese, sim, vez que a colocação desses produtos no mercado não se deu de forma “voluntária e consciente” por parte do distribuidor em questão. Entretanto, tal excludente possui aplicabilidade prática reduzida nos casos de roubo e furto, pois depende de complexa dilação probatória, bem como de êxito na demonstração de que inexistiu, por parte do fornecedor, qualquer resquício de culpa no evento que deu margem ao desvio de seus produtos e colocação no mercado por terceiros, como, por exemplo, eventual falha de segurança em seu sistema de produção, armazenagem ou distribuição do produto.
Exemplo paradigmático da reduzida probabilidade de tal excludente ser aceita em nossos Tribunais em caso de furto ou roubo de produtos pode ser extraído do caso da colocação acidental no mercado de caixas com cápsulas do anticoncepcional Microvlar que continham apenas placebo.
Nesse caso, o laboratório responsável pela fabricação do medicamento trouxe como uma de suas diversas linhas defensivas a alegação de que não colocou o produto no mercado de forma voluntária e consciente, afinal, ele chegou até os consumidores em vista da atuação de criminosos que nenhum vínculo possuíam com a fabricante.
Não obstante tal tentativa, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o fabricante do produto foi, sim, responsável pela colocação indevida dos comprimidos no mercado, condenando-o ao pagamento de indenização milionária.
No caso em questão, a Ministra Relatora Fátima Nancy Andrighi argui o seguinte, para afastar a excludente em comento:
Na análise da presente hipótese, verifica-se ser inviável sustentar a idéia de que apenas a introdução consciente e voluntária do produto lesivo no mercado consumidor teria o condão de gerar a responsabilidade objetiva da empresa. A aplicação de tal premissa teria por conseqüência eximir a Schering do dever de zelar pelos produtos perniciosos que fabricou, assim como de se certificar da efetiva destruição destes, levando a uma terrível discrepância entre o nível dos riscos assumidos pela empresa em sua atividade comercial - riscos esses que são a base do lucro que ela obtém - e o padrão de cuidados que tal empresa deve ser obrigada a manter na exploração de seus mercados e na obtenção de novas tecnologias.
Afinal, bastaria a alegação de que as pílulas-teste não foram voluntariamente colocadas no mercado para afastar a responsabilidade da empresa pelo destino de um produto altamente perigoso. Se é verdade que não existe prova quanto à colocação intencional das pílulas no mercado por parte da Schering, há, por outro lado, provas de que a empresa nunca se preocupou em vigiar seus funcionários; de que nunca teve a intenção de estabelecer um controle efetivo de sua área de descarga; que nunca teve a intenção de fiscalizar o sistema de transporte dos resíduos; e que nunca teve a intenção de fiscalizar a efetiva destruição destes. Ou seja, em resumo, se não houve vontade de colocar as pílulas no mercado, também não houve vontade por parte da empresa no sentido de impedir que tal fato acontecesse, o que leva à constatação de que a empresa participou do desenrolar dos acontecimentos que levaram à causação do dano, devendo, portanto, assumir a recorrente os riscos de sua atividade.
Portanto, não se trata de questionar a responsabilidade da empresa por ter ou não colocado ela mesma o produto em circulação, mas sim de questionar a sua responsabilidade em, uma vez tendo produzido manufatura perigosa, não adotar medidas eficazes para garantir que tal produto fosse afastado de circulação. E, nesses termos, aquele que produz substância perigosa e depois não se assegura de sua eliminação é, certamente, responsável pelos danos que daquela possam advir (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2007, grifos nossos).
Em outras palavras, o Superior Tribunal de Justiça não permitiu a invocação dessa excludente para o caso em questão, pois embora o fornecedor, de fato, não tenha colocado tais produtos de forma voluntária e consciente no mercado, não tomou as precauções devidas para que o furto não ocorresse.
Há situações, entretanto, que permitem a utilização exitosa dessa excludente. A título exemplificativo, o Tribunal de Justiça de São Paulo já acolheu tal excludente e reconheceu a ilegitimidade passiva arguida por instituição financeira em ação em que o consumidor pleiteava a restituição de quantia paga por produto adquirido junto a uma revendedora de automóveis que apresentou determinado vício.
No caso, a 26ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça bandeirante acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam suscitada pela instituição financeira por entender que o vício residia no produto adquirido junto à revendedora de automóveis e que a instituição apenas e tão somente disponibilizou o capital para a aquisição do veículo, não estando obrigada a responder pelo referido vício. Assim ficou ementado o julgado:
Compra e venda. Ação de restituição de quantia paga por vício do produto. Configurada ilegitimidade passiva da financiadora que não colocou o produto no mercado, somente disponibilizou capital para a aquisição do bem. Sentença mantida (art. 252 do RITJSP). Decadência reconhecida. Quando ajuizada a ação, decorrido prazo de noventa dias da ciência acerca dos vícios apresentados pelo veículo. Ausência de comprovação das reclamações mencionadas em sede recursal. Apelação desprovida. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2014ª, grifo nosso).
Quanto a essa hipótese (eventual responsabilidade da instituição que financia a aquisição de veículo viciado ou defeituoso), válido esclarecer, entretanto, que o Superior Tribunal de Justiça, recentemente, fixou o entendimento de que, em se tratando de ação de rescisão de contrato de compra e venda de automóvel por vício no produto, a instituição financeira terá legitimidade, sim, para figurar no polo passivo da ação se ela pertencer ao mesmo grupo econômico da fabricante do veículo, devendo o respectivo contrato de arrendamento mercantil ser também rescindido, não lhe sendo possível, desta forma, invocar a excludente do art. 12, § 3º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2014).
Portanto, em vista da grande responsabilidade do fornecedor de controlar todo o seu processo produtivo, desde a aquisição da matéria-prima, até a distribuição do produto no mercado consumidor, embora possível a alegação da excludente em comento, ficam restritas as hipóteses em que o fornecedor pode dela se valer para afastar sua responsabilidade por defeitos em produtos.
2.2. Da inexistência de defeito
O inciso II, do § 3º, do artigo 12, bem como o inciso I, do § 3º, do artigo 14, do codex consumerista dispõem também se tratar de uma excludente de responsabilidade o fato de o defeito alegado pelo consumidor inexistir, mesmo que o fornecedor acusado tenha, de fato, voluntária e conscientemente colocado o produto no mercado de consumo ou prestado o serviço.
A esse respeito, Paulo de Tarso Vieira Sanseverino (2010, p. 286, grifo nosso) lembra o seguinte:
A inexistência de defeito no produto ou no serviço mostra-se como uma das mais importantes causas de exclusão da responsabilidade civil do fornecedor, estando expressamente prevista no art. 12, § 3º, inciso II, e no art. 14, § 3º, inciso I, do CDC.
Não basta que os danos sofridos pelo consumidor tenham sido causados por um determinado produto ou serviço. É fundamental ainda que esse produto ou serviço apresente um defeito, que seja a causa dos prejuízos sofridos pelo consumidor. Por isso, o defeito do produto ou do serviço aparece como um dos principais pressupostos da responsabilidade do fornecedor por acidentes de consumo.
Desta forma, para que o fornecedor se exima da responsabilidade por qualquer dano causado ao consumidor pelo produto que colocou no mercado ou pelo serviço que prestou, deverá fazer prova de que o defeito alegado inexiste, ou seja, de que o produto foi regularmente fabricado e devidamente montado ou de que o serviço foi corretamente prestado e ainda de que as informações de manuseio do produto foram adequadamente divulgadas.
O grande problema que se afigura nesse caso é de ordem processual, vez que cabe ao fornecedor provar que inexiste defeito no produto ou no serviço, cabendo-lhe, portanto, fazer prova negativa (verdadeira “prova diabólica”).
Deve-se ressaltar que, em casos como esse, sequer há que se argumentar que o ônus de provar a existência do defeito competiria ao autor-consumidor, em vista da dinâmica prevista no artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil, e que apenas excepcionalmente, quando o juiz determinasse a inversão desse ônus, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, é que caberia ao réu-fornecedor prova sua inexistência.
É que, neste caso, a inversão do ônus da prova é pré-determinada pela legislação e aplicada automaticamente, independentemente de determinação judicial. Trata-se de hipótese de inversão diversa daquela prevista no artigo 6º, inciso VIII, do codex consumerista, em que cabe ao juiz deferi-la ou não, após a análise da verossimilhança da alegação ou da hipossuficiência do consumidor.
Trata-se da chamada inversão “ope legis”, prevista nos artigos 12, § 3º, e 14, § 3º, do diploma legal em comento, em que o defeito é presumido, havendo a inversão do ônus da prova independentemente de manifestação judicial, hipótese diversa da inversão “ope judicis”, insculpida no artigo 6º, inciso VIII, em que cabe ao juiz determinar ou não a inversão. Nesse sentido:
DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. FATO DO PRODUTO. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. NÃO ACIONAMENTO DO AIR BAG. REGRAS DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. FATO DO PRODUTO. INVERSÃO OPE LEGIS. PROVA PERICIAL EVASIVA. INTERPRETAÇÃO EM FAVOR DO CONSUMIDOR. [...] 4. Ocorre que diferentemente do comando contido no art. 6º, inciso VIII do CDC, que prevê a inversão do ônus da prova "a critério do juiz", quando for verossímil a alegação ou hipossuficiente a parte, o § 3º do art. 12 do mesmo Código estabelece - de forma objetiva e independentemente da manifestação do magistrado - a distribuição da carga probatória em desfavor do fornecedor, que "só não será responsabilizado se provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III- a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro". É a diferenciação já clássica na doutrina e na jurisprudência entre a inversão ope judicis (art. 6º, inciso VIII, do CDC) e inversão ope legis (arts.12, § 3º, e art. 14, § 3º, do CDC). Precedentes. [...]. 6. Destarte, enfrentando a celeuma pelo ângulo das regras sobre a distribuição da carga probatória, levando-se em conta o fato de a causa de pedir apontar para hipótese de responsabilidade objetiva do fornecedor pelo fato do produto, não havendo este se desincumbido do ônus que lhe cabia, inversão ope legis, é de se concluir pela procedência do pedido autoral com o reconhecimento do defeito no produto. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2013, grifo nosso).
Dependendo do substrato fático do caso, tal dificuldade pode ser superada mediante prova pericial, sobretudo quando envolve áreas do conhecimento que refogem ao conhecimento técnico-jurídico do juiz, tais como mecânica, química, ambiental, entre outras.
Nesse sentido, segue elucidativo julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:
ACIDENTE DE CONSUMO. Responsabilidade pelo fato do produto. Acidente de carro. Quebra da barra de direção. Defeito inexistente. Insurgência contra sentença que julgou improcedente a ação de indenização por danos materiais e morais em decorrência de acidente de consumo. Acidente automobilístico. Alegação de rompimento da barra de direção. Responsabilidade pelo fato do produto. Ônus do fornecedor de provar que defeito inexiste. Art. 12, §3º, II, CDC. Prova pericial que não aponta o alegado rompimento da barra de direção. Conjunto probatório dos autos, ademais, que evidencia que acidente foi causado pelo consumidor. Número de ocupantes do veículo acima da capacidade. Velocidade excessiva. Curva perigosa, em declive. Tempo chuvoso. Demonstrada a excludente de responsabilidade da fornecedora. Sentença mantida. Recurso desprovido. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2014b).
Deste modo, uma vez ser incumbência do fornecedor a prova de inexistência do defeito alegado pelo consumidor, o que implicará na exclusão de sua responsabilidade, poderá o fornecedor se valer de todos os meios em direito admitidos para tanto, incluindo-se a prova pericial.
2.3. Da culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro
A terceira excludente de responsabilidade prevista no Código de Defesa do Consumidor, no artigo 12, § 3º, inciso III, e no artigo 14, § 3º, inciso II, diz respeito à ocorrência de culpa exclusiva do próprio consumidor ou de terceiro.
Acerca da culpa exclusiva do consumidor (ou seja, da própria “vítima” do evento danoso), assim ensina Carlos Roberto Gonçalves (2005, p. 741, grifo nosso):
Quando o evento danoso acontece por culpa exclusiva da vítima, desaparece a responsabilidade do agente. Nesse caso, deixa de existir a relação de causa e efeito entre o seu ato e o prejuízo experimentado pela vítima. Pode-se afirmar que, no caso de culpa exclusiva da vítima, o causador do dano não passa de mero instrumento do acidente. Não há liame de causalidade entre o seu ato e o prejuízo da vítima.
Ainda sobre o tema, Fábio Ulhoa Coelho (2009, p. 393, grifo nosso) dá valiosa contribuição:
Quando o dano decorre de culpa exclusiva da vítima, também não se estabelece a relação de causalidade entre ele e o ato ou atividade do demandado. Na verdade, neste caso, é a vítima que causou o dano e não há razões para imputar-se a quem quer que seja a responsabilidade pela indenização dos prejuízos. A vítima deve suportá-los inteiramente porque foi apenas dela a culpa pelo evento danoso. Não basta que o demandado tenha-se envolvido direta ou indiretamente com o dano para que surja sua responsabilidade. É necessário que seus atos ou atividades tenha sido a causa do prejuízo. A culpa exclusiva da vítima afasta esta possibilidade.
Com propriedade, no campo do direito consumerista propriamente dito, Luiz Gastão Paes de Barros Leães (1987, p. 167-168, grifo nosso) leciona que:
Na espécie, cuida-se do uso negligente ou anormal do produto, que causou ou concorreu para causar o evento danoso. Ocorre uso negligente (contributory negligence) do produto nas seguintes hipóteses: a) inobstante as instruções ou advertências, o consumidor ou usuário em prega o produto de maneira inadequada, ou dele faz uso pessoa a quem a mercadoria é contra-indicada; b) à revelia do prazo de validade, o produto é utilizado ou consumido; c) quando não se atenda a um vício ou defeito manifesto. Ocorre uso anormal (unusual use) quando o produto é utilizado ou consumido de modo diverso do objetivamente previsto (abnormal purpose).
Como visto, tal excludente de responsabilidade se funda na patente inexistência de nexo causal entre as práticas comissivas ou omissivas do fornecedor e o prejuízo ou dano suportado pelo consumidor. Mais que isso: se afigura no fato de o dano ter sido ocasionado pelo próprio consumidor, quando, por exemplo, do manuseio inadequado do produto, em inobservância das orientações fornecidas pelo produtor, da falta de manutenção periódica indicada pelo fabricante etc.
A utilização dessa causa de exclusão de responsabilidade nos Tribunais é useira e vezeira, havendo situações em que é acolhida, pois bem provada, e situações em que é afastada, dada a prova deficiente nesse sentido.
Como exemplo da bem sucedida utilização desse mecanismo de excludente de responsabilidade, segue julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:
APELAÇÃO INDENIZATÓRIA COLCHÃO CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR EXCLUDENTE DA RESPONSABILIDADE USO IMPRÓPRIO MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. - Culpa exclusiva do consumidor (art. 12, §3º, III, do CDC). Hipótese excludente de responsabilidade pelo vício de qualidade do produto o uso impróprio do bem, em contrariedade às características técnicas devidamente informadas ao consumidor, que impede o reconhecimento do dever de indenizar; - Manutenção da decisão por seus próprios e bem lançados fundamentos artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo; RECURSO NÃO PROVIDO.
[...].
Neste esteio, a despeito da irresignação do autor, a sentença de Primeiro Grau deve ser prestigiada. Isto porque, a questão dos autos está adstrita à utilização imprópria do colchão pelo autor e sua esposa; hipótese que constitui excludente da responsabilidade das rés (fornecedora/comerciante), em virtude da evidenciada culpa exclusiva do consumidor (art. 12, §3º, III, do Código de Defesa do Consumidor). Explicito.
O autor confessou em depoimento pessoal a leitura do manual do produto adquirido (fl. 199), o que permite concluir pela inequívoca ciência dele sobre as restrições de peso do colchão. Em momento algum se discutiu o vício de informação sobre as características técnicas do produto; o autor não fez qualquer menção neste sentido, e a cópia do manual trazido à colação denota a satisfatória informação sobre a restrição de peso suportado pelo produto (100 quilos fl. 81).
A propósito, a ciência do autor quanto à limitação de peso do produto fica evidenciada a partir da improba tentativa de convencimento do Juízo de que sua filha adolescente o utilizaria. Referida hipótese, suscitada por uma testemunha indireta, está dissociada de qualquer elemento probatório e conflitante com as provas trazidas pelas rés. Os elementos documentais e a prova oral são mais que suficientes para comprovar que o autor e sua esposa faziam uso do colchão de casal indicado na petição inicial, e, apesar de cientes do excesso de peso imposto ao produto, reclamam indenização material e moral.
Com efeito, inexistente vício de informação, a deformação do colchão encontra-se justificada no uso impróprio do colchão pelo autor, que impôs peso excessivo sobre o produto além de sua capacidade. Notável, portanto, a culpa exclusiva do consumidor, repelindo o vício de qualidade do colchão e, consequentemente, a responsabilidade das partes. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2015, grifo nosso).
Válido esclarecer que apenas a “culpa exclusiva do consumidor” pode ser invocada como efetiva causa excludente de responsabilidade, não podendo o ser a “culpa concorrente” entre o fornecedor e o consumidor.
A esse respeito, Zelmo Denari (GRINOVER et al, 1995, p. 117, grifo nosso) ensina que:
A culpa exclusiva é inconfundível com a culpa concorrente: no primeiro caso desaparece a relação de causalidade entre o defeito do produto e o evento danoso, dissolvendo-se a própria relação de responsabilidade; no segundo, a responsabilidade se atenua em razão da concorrência de culpa e os aplicadores da norma costumam condenar o agente causador do dano a reparar pela metade do prejuízo, cabendo à vítima arcar com a outra metade.
No exato sentido da lição transcrita acima, segue ementa de acórdão de lavra do Desembargador Plinio Novaes de Andrade Júnior, do Tribunal de Justiça de São Paulo:
[...]. DANOS MATERIAIS - CULPA CONCORRENTE - CHEQUES - Compensação indevida de cheques assinados por funcionário da empresa autora, que não tinha poderes para tal fim - Falsidade comprovada por meio de perícia grafotécnica - Falha na prestação de serviço - Responsabilidade objetiva do banco - Artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor - A falha na prestação do serviço pela instituição financeira consistiu na falta de conferência, a contento, das assinaturas do emitente apostas nos cheques - Súmulas 479 do STJ e 28 do STF - Culpa concorrente da autora na medida em que não tomou a devida cautela na guarda do cartão bancário e da respectiva senha - A autora é responsável pelos atos dos seus prepostos, nos termos do art. 932, inciso III, do novo Código Civil - Dano material caracterizado - O banco réu deve arcar com metade dos valores compensados indevidamente, devido à culpa concorrente da autora - Recurso do réu provido em parte. SUCUMBÊNCIA - Ação parcialmente procedente - Sucumbência recíproca em proporções iguais, em razão da concorrência de culpas - Compensação de verbas honorárias advocatícias e rateio, entre as partes, das custas processuais, nos termos do artigo 21, "caput", do Código de Processo Civil - Súmula 306 do STJ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2015b, grifo nosso).
Assim, apenas a culpa exclusiva do consumidor está apta a afastar a responsabilidade do fornecedor, tendo a culpa concorrente o condão de apenas atenuar a responsabilidade do fornecedor (e nunca de afastá-la por completo).
No que se refere à culpa exclusiva de terceiro, presente na parte final de ambos os dispositivos legais citados, o raciocínio é o mesmo, havendo a quebra do nexo causal entre a conduta e o resultado lesivo. A esse respeito, assim assevera Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 576, grifo nosso):
Para que surja o dever de indenizar, também deve existir a relação de causalidade ou nexo causal. Pode ter ocorrido ato ilícito, pode ter ocorrido um dano, mas pode não ter havido nexo de causalidade entre esse dano e a conduta do agente. O dano pode ter sido causado por terceiros, ou, ainda por culpa exclusiva da vítima. Nessas situações, não haverá dever de indenizar. Na maioria das vezes, incumbe à vítima provar o requisito. Deverá ser considerada como causa aquela condição sem a qual o evento não teria ocorrido.
O ponto diferencial entre a culpa exclusiva do consumidor e a culpa exclusiva de terceiro, por óbvio, reside no fato de que, neste caso, quem dá azo à quebra do nexo causal é um terceiro e não o próprio consumidor.
Importante mencionar que, nesta situação, “terceiro” deve ser entendido como qualquer pessoa que não se identifique com qualquer dos partícipes da relação de consumo (GRINOVER et al, 1995, p. 198), ou seja, não esteja relacionado nem com aqueles que pertencem ao processo produtivo-distributivo, nem com aqueles que consomem o produto ou serviço em questão.
Desta forma, não pode, por exemplo, o comerciante responsável pela distribuição do produto defeituoso no mercado invocar tal excludente para se eximir de responsabilidade, imputando o efeito danoso ao fabricante desse produto, alegando ser este um “terceiro”, nos termos dos artigos 12, § 3º, inciso III, 14, § 3º, inciso II.
Ademais, Leonardo de Medeiros Garcia (2010, p. 121) adverte que, para que possa ser invocado como causa excludente de responsabilidade pelo fornecedor, o fato de terceiro deve ser imprevisível e inevitável, de modo que, sendo inevitável, mas minimamente previsível, ou seja, sendo possível ao fornecedor prever a ocorrência, não poderá tal fato de terceiro servir para excluir sua responsabilidade.
Nesse sentido:
Direito processual civil e do consumidor. Recurso especial. Roubo de talonário de cheques durante transporte. Empresa terceirizada. Uso indevido dos cheques por terceiros posteriormente. Inscrição do correntista nos registros de proteção ao crédito. Responsabilidade do banco. Teoria do risco profissional. Excludentes da responsabilidade do fornecedor de serviços. art. 14, § 3º, do CDC. Ônus da prova. - Segundo a doutrina e a jurisprudência do STJ, o fato de terceiro só atua como excludente da responsabilidade quando tal fato for inevitável e imprevisível. - O roubo do talonário de cheques durante o transporte por empresa contratada pelo banco não constituiu causa excludente da sua responsabilidade, pois trata-se de caso fortuito interno. - Se o banco envia talões de cheques para seus clientes, por intermédio de empresa terceirizada, deve assumir todos os riscos com tal atividade. - O ônus da prova das excludentes da responsabilidade do fornecedor de serviços, previstas no art. 14, § 3º, do CDC, é do fornecedor, por força do art. 12, § 3º, também do CDC. Recurso especial provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2005, grifo nosso).
Assim, para que seja validamente utilizado como excludente de responsabilidade pelo fornecedor, o fato de terceiro deve, não só partir de um não partícipe do processo produtivo-distributivo, como também deve ser inevitável e, mais que isso, imprevisível.
3. DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE OUTRAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE NÃO PREVISTAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Questão de grande importância teórica e prática e que muito tem gerado debates e discussões é a possibilidade de o fornecedor se valer de outras causas de exclusão de responsabilidade que não estejam expressamente previstas no Código de Defesa do Consumidor, como, por exemplo, o caso fortuito e a força maior, o exercício regular de um direito e o risco de desenvolvimento.
Alguns doutrinadores são enfáticos no sentido de que os dispositivos legais citados acima estabelecem rol taxativo de causas excludentes de responsabilidade do fornecedor, sendo, portanto, vedada a invocação de outras que não estejam ali previstas.
Nessa direção apontam os ensinamentos de Luiz Antonio Rizzatto Nunes, para quem “a utilização do advérbio ‘só’ não deixa margem a dúvidas”, sendo que “somente valem as excludentes expressamente previstas no §3º, e que são taxativas”, de modo que “nenhuma outra que não esteja ali tratada desobriga o responsável pelo produto defeituoso” (2012, p. 334).
No mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 285, grifo nosso) assevera que “[o] Código de Defesa do Consumidor prevê, de forma taxativa ou exaustiva, as hipóteses de exclusão de responsabilidade do fabricante, produtor, construtor ou importador [...]”.
Em sentido diametralmente oposto ao dos juristas citados, Eduardo Gabriel Saad afirma que o Código de Defesa do Consumidor, a despeito de utilizar a expressão “só não será responsabilizado”, não afasta as causas excludentes da responsabilidade civil representadas, por exemplo, pelo caso fortuito e força maior (1997, p. 95).
Conclui o autor em questão que “trata-se, é bem de ver, de uma impropriedade de redação. O Código não pode obrigar o fornecedor a indenizar se sua inadimplência contratual ou responsabilidade aquiliana originaram-se de caso fortuito ou de força maior” (SAAD, 1997, p. 95, grifo nosso).
O entendimento esposado acima, no sentido de que a expressão “só não será responsabilizado” se trata de “impropriedade de redação”, conduz-nos à conclusão de que o referido rol de excludentes seria estabelecido em “numerus apertus”.
Uma terceira linha possível, que deriva muito mais da segunda linha explanada do que da terceira e que, a nosso ver, é mais coerente e acertada, entende que as causas excludentes previstas nos parágrafos 3os, tanto do artigo 12, quanto do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, embora sejam taxativas, não revogam e, portanto, não afastam as regras gerais de responsabilidade civil estipuladas pelo Código Civil, incluindo-se as regras de exclusão de responsabilidade.
Em outras palavras, o rol de exclusão de responsabilidade previsto no codex consumerista não seria nem absolutamente taxativo a ponto de não permitir a incidência de mais nenhuma outra excludente, nem meramente exemplificativo a ponto de aceitar a aplicação de qualquer outra escusa alegada pelo fornecedor.
Nesse sentido, vide julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE AÉREO. INTERNACIONAL. REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CANCELAMENTO DE VÔO. 1- Força maior: embora não enumerada no art. 14, §3º, do CDC, a força maior, assim como o caso fortuito, constitui causa excludente do dever de indenizar, mesmo no âmbito das relações de consumo. Rol do art. 14, §3º, do CDC, que, muito embora taxativo, não possui o condão de revogar as regras gerais de responsabilidade civil, dadas pelo Código Civil, que consagra a excludente do motivo de força maior, inclusive, no que tange ao contrato de transporte de pessoas, conforme o seu art. 734. [...]. Apelo provido. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2013, grifo nosso).
E é justamente esse posicionamento híbrido que tem sido aceito pelos Tribunais, conforme ementa colacionada acima, sendo, portanto, possível a introdução, nas relações de consumo, de outras excludentes de responsabilidade, ainda que não previstas expressamente no codex consumerista, especialmente as previstas na legislação civil em geral.
3.1. Do caso fortuito e da força maior
A primeira e mais recorrente cláusula excludente de responsabilidade não prevista de forma expressa na legislação consumerista é o caso fortuito e a força maior, prevista no artigo 393, do Código Civil.
Assim como a possibilidade de aplicação de qualquer excludente de responsabilidade estranha ao Código de Defesa do Consumidor gera diversas discussões, dando azo à criação de diversas correntes (explanadas acima), com o caso fortuito e força maior não é diferente.
Em uma primeira linha, no sentido de que não se faria possível a aplicação do caso fortuito e da força maior para eximir o fornecedor de sua responsabilidade por reparar eventuais danos suportados pelos consumidores de seus produtos ou serviços, temos Luiz Antônio Rizzatto Nunes.
Para o autor (NUNES, 2012, p. 334, grifo nosso), que se ampara na já referida ideia de que “a utilização do advérbio ‘só’ não deixa margem a dúvidas”, tem-se que:
[...]. O risco do fornecedor é mesmo integral, tanto que a lei não prevê como excludente do dever de indenizar o caso fortuito e a força maior. E, como a norma não estabelece, não pode o agente responsável alegar em sua defesa essas duas excludentes.
No mesmo sentido esposado acima, Cláudia Lima Marques (2013, p. 436) assevera que a imputabilidade objetiva prevista do Código de Defesa do Consumidor, oriunda do profissionalismo dos fornecedores e no defeito existente, “afastaria qualquer alegação de que o defeito seria, por exemplo, oriundo de caso fortuito ou força maior quando da atividade do fornecedor [...]”.
Por seu turno, o já mencionado Eduardo Gabriel Saad (1997, p. 95), assim como outros doutrinadores, dão como possível a aplicação do caso fortuito e da força maior como excludentes de responsabilidade nas relações de consumo.
Adotando posicionamento “misto”, Zelmo Denari (GRINOVER et al, 1995, p. 119) entende que a validade de sua invocação dependerá do momento em que o caso fortuito ou a força maior ocorrer, ou seja, se a situação dita fortuita ou de força maior ocorrer antes da introdução do produto no mercado de consumo ou depois.
Para Denari, “na primeira hipótese, instalando-se na fase de concepção ou durante o processo produtivo, o fornecedor não pode invoca-la para se subtrair à responsabilidade por danos” (GRINOVER et al, 1995, p. 119), afinal, até a entrada do produto no mercado, tem o fornecedor o dever de zelar para que não recaia sobre o produto qualquer alteração que lhe torne defeituoso.
Finaliza Zelmo Denari (GRINOVER et al, 1995, p. 119, grifo nosso) dizendo que:
Por outro lado, quando o caso fortuito ou força maior se manifesta após a introdução do produto no mercado de consumo ocorre uma ruptura do nexo de causalidade que liga o defeito ao evento danoso. Nem tem cabimento qualquer alusão ao defeito do produto, uma vez que aqueles acontecimentos, no mais das vezes imprevisíveis, criam obstáculos de tal monta que a boa vontade do fornecedor não pode suprir.
Sérgio Cavalieri Filho (2012, p. 198-199), também adotando posição híbrida, faz referência a “fortuito interno”, quando se trata do momento anterior à colocação do produto no mercado, e a “fortuito externo”, quando menciona o momento posterior à entrada do produto no mercado.
A esse respeito, assim o referido autor (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 198-199, grifo nosso) leciona:
Entende-se por fortuito interno o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da fabricação do produto. Não exclui a responsabilidade do fornecedor, porque faz parte da sua atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se à noção geral de defeito de concepção do produto ou de formulação do serviço.
[..].
O mesmo já não ocorre com o fortuito externo, assim entendido aquele fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor, absolutamente estranho ao produto ou serviço, via de regra ocorrido em momento posterior ao da sua fabricação ou formulação.
No exato sentido apontado por Sérgio Cavalieri Filho, assim têm decidido os Tribunais brasileiros:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ASSALTO NO INTERIOR DE ÔNIBUS. CASO FORTUITO EXTERNO. EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DA EMPRESA TRANSPORTADORA. O assalto à mão armada, como ocorrido no caso, é classificado como fortuito externo, ou fato exclusivo de terceiro. Afastada a responsabilidade da transportadora pelo evento danoso, porquanto não guarda relação com a atividade exercida pelo transportador. Rompimento do nexo de causalidade. Excludente de responsabilidade da empresa transportadora do dever de indenizar eventuais prejuízos dos consumidores. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Negado provimento ao recurso (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2015c, grifo nosso).
APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ASSALTO À MÃO ARMADA EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL. (RESTAURANTE). FATO DE TERCEIRO. CASO FORTUITO EXTERNO OU FORÇA MAIOR. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. ROMPIMENTO DO NEXO CAUSAL. DEVER DE INDENIZAR NÃO RECONHECIDO. A responsabilidade dos fornecedores em reparar os danos causados aos consumidores, em decorrência de defeitos no serviço prestado, é objetiva, consoante o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, bastando para a sua configuração a ocorrência do ato ilícito, o dano sofrido pelo consumidor e o nexo causal. Referida responsabilidade, no entanto, é afastada, quando o dano decorrer de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. Tais fatores, em se verificando, excluem o nexo causal, consoante prevê o parágrafo 3º do referido dispositivo legal. In casu, o assalto à mão armada ocorrido no restaurante réu rompeu o nexo de causalidade, pois se trata de ato ilícito praticado por terceiro equiparável ao caso fortuito externo ou à força maior. O fato de não haver seguranças no restaurante não afasta a inevitabilidade do acontecimento. Dever de indenizar que não se reconhece. Sentença de improcedência mantida. APELO DESPROVIDO. (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2012, grifo nosso).
O próprio Superior Tribunal de Justiça já sedimentou o entendimento de que o caso fortuito ou a força maior, quando se apresentam em sua vertente externa, ou seja, quando o evento não faz parte da atividade desenvolvida, pode, sim, ser invocada como excludente de responsabilidade nas relações de consumo. Nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL - DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR – RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - FORNECEDOR - DEVER DE SEGURANÇA - ARTIGO 14, CAPUT, DO CDC – RESPONSABILIDADE OBJETIVA - POSTO DE COMBUSTÍVEIS - OCORRÊNCIA DE DELITO - ROUBO - CASO FORTUITO EXTERNO - EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE - INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. I - É dever do fornecedor oferecer aos seus consumidores a segurança na prestação de seus serviços, sob pena, inclusive, de responsabilidade objetiva, tal como estabelece, expressamente, o próprio artigo 14, "caput", do CDC. II - Contudo, tratando-se de postos de combustíveis, a ocorrência de delito (roubo) a clientes de tal estabelecimento, não traduz, em regra, evento inserido no âmbito da prestação específica do comerciante, cuidando-se de caso fortuito externo, ensejando-se, por conseguinte, a exclusão de sua responsabilidade pelo lamentável incidente. III - O dever de segurança, a que se refere o § 1º, do artigo 14, do CDC, diz respeito à qualidade do combustível, na segurança das instalações, bem como no correto abastecimento, atividades, portanto, próprias de um posto de combustíveis. IV - A prevenção de delitos é, em última análise, da autoridade pública competente. É, pois, dever do Estado, a proteção da sociedade, nos termos do que preconiza o artigo 144, da Constituição da República. V - Recurso especial improvido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2012, grifo nosso).
Desta forma, não obstante o caso fortuito e a força maior não estejam previstos no rol de excludentes de responsabilidade do fornecedor (art. 12, § 3º, e art. 14, § 3º), a doutrina e a jurisprudência têm os aceitado como excludentes da responsabilidade do fornecedor, desde que, entretanto, apresentem-se em sua vertente externa, ou seja, quando não guardar relação com a atividade do fornecedor.
3.2. Do exercício regular de um direito
Outra clássica excludente de responsabilidade prevista na legislação civil que não consta no rol dos parágrafos 3os, dos artigos 12 e 14, do codex consumerista, refere-se ao exercício regular de um direito, previsto no artigo 188, inciso I, do Código Civil.
Sobre o “exercício regular de um direito”, assim leciona Silvio de Salvo Venosa (2005, p. 585):
O outro caso que escusa a responsabilidade é o exercício regular de um direito reconhecido. No ato ilícito, há um procedimento contrário ao Direito. Portanto, o exercício de um direito elimina a ilicitude. Quem exerce um direito não provoca o dano (qui iure suo utitur nemine facit damnum). O credor que, preenchendo as condições legais, requer a falência do devedor comerciante; o proprietário que constrói em seu terreno, embora tolhendo a vista do vizinho, apesar de esses agentes causarem dano a outrem, não estão obrigados a indenizá-lo, porque agem na esfera de seu direito (grifo do autor).
Ainda sobre essa excludente de responsabilidade extraída do direito civil, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 149, grifos dos autores) asseveram que:
Não poderá haver responsabilidade civil se o agente atuar no exercício regular de um direito reconhecido (art. 188, I, segunda parte).
Isso é muito claro.
Se alguém atua escudado pelo Direito, não poderá estar atuando contra esse mesmo Direito.
[...].
Por outro lado, se o sujeito extrapola os limites racionais do lídimo exercício do seu direito, fala-se em abuso de direito, situação desautorizada pela ordem jurídica, que poderá repercutir inclusive na seara criminal (excesso punível).
Não obstante não esteja expressamente prevista no CDC, essa excludente de responsabilidade tem sido aplicada nas relações de consumo pelos Tribunais pátrios, conforme segue:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PLANO DE SAÚDE. AUTOR QUE MUDOU DE OPERADORA E DEIXOU DE PAGAR O PLANO CONTRATADO COM A EMPRESA RÉ, ORA APELADA. INADIMPLEMENTO QUE ENSEJOU A NEGATIVAÇÃO DO NOME DO TITULAR NOS CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DO AUTOR. CANCELAMENTO DO PLANO E NEGATIVAÇÃO DE SEU NOME EM CADASTROS DE INADIMPLENTE, POR ATRASO SUPERIOR A 90 (SESSENTA) DIAS E PRECEDIDO DE REGULAR NOTIFICAÇÃO. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. SENTENÇA QUE SE MANTÉM. Recurso desprovido. (RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 2015, grifo nosso).
No julgado acima, o usuário (consumidor) pleiteava a responsabilização da operadora de plano de saúde (fornecedora), em vista de supostos danos morais e materiais que lhe teriam sido carreados em razão da inclusão indevida de seu nome junto aos cadastros restritivos de crédito.
Em se tratando de inclusão indevida de nome de consumidor em bancos de dados de proteção ao crédito, devida seria a reparação dos danos suportados pelo consumidor. Entretanto, como reconheceu a colenda Câmara Cível responsável pelo julgamento do caso, a inclusão não foi indevida, pois o usuário estava inadimplente, de modo que a operadora do plano de saúde agiu no exercício regular de seu direito, afastando sua responsabilidade pelos danos suportados pelo consumidor.
Tal excludente tem sido maciçamente aplicada nas cortes brasileiras, sobretudo nos casos de negativação devida e legítima do nome do consumidor em cadastros de proteção ao crédito (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 2015; MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 2015), o que reforça sobremaneira a possibilidade de aplicação do “exercício regular de um direito” como causa excludente de responsabilidade nas relações de consumo.
3.3. Do Risco de Desenvolvimento
Outra excludente de responsabilidade não prevista no Código de Defesa do Consumidor que, em tese, poderia ser invocada nas relações de consumo é o chamado “Risco de Desenvolvimento” (ou “Developmental Risk”). Sobre essa excludente, James José Marins de Souza (1999, p. 128, grifos nossos) explica que ela:
[...] consiste na possibilidade de que um determinado produto venha a ser introduzido no mercado sem que possua defeito cognoscível, ainda que exaustivamente testado, ante o grau de conhecimento científico disponível à época de sua introdução, ocorrendo, todavia, que, posteriormente, decorrido determinado período do início de sua circulação no mercado de consumo, venha a se detectar defeito, somente identificável ante a evolução dos meios técnicos e científicos, capaz de causar danos aos consumidores.
Em outras palavras, “risco de desenvolvimento”, como excludente de responsabilidade, liga-se à hipótese de que poderia o fornecedor se escusar de eventual responsabilidade por dano causado a um consumidor em decorrência de um produto que veio a apresentar um defeito que, quando do desenvolvimento desse produto, não foi possível ser detectado ante o grau de conhecimento técnico-científico da época.
Ou seja, fabrica-se determinado produto, testa-se exaustivamente esse produto mediante os métodos científicos disponíveis na época, conclui-se que o mesmo é desprovido de qualquer defeito e, futuramente, quando esse produto entra em circulação, passa a apresentar determinado defeito que, agora, com o novo estágio de desenvolvimento da ciência, é passível de detecção.
A escusabilidade residiria no fato de que não era possível ao fornecedor detectar a existência de determinado defeito, ou seja, ele era imprevisível pelo estado da técnica então vigente, e só veio a ser conhecido e se tornou detectável posteriormente, sobretudo com o desenvolvimento da ciência.
Opinando pela possibilidade de tal excludente ser aplicável às relações de consumo, Fábio Ulhoa Coelho (1994, p. 84, grifos nossos) pontua que:
ao fornecer no mercado consumidor produto ou serviço que, posteriormente, apresenta riscos cuja potencialidade não pôde ser antevista pela ciência ou tecnologia, o empresário não deve ser responsabilizado com fundamento nem na periculosidade (pois prestou informações sobre os riscos adequados e suficientes), nem na defeituosidade (porque cumpriu o dever de pesquisar).
No mesmo sentido exposto acima, Paulo Jorge Scartezzini Guimarães (2004, p. 374, grifos nossos) arremata dizendo que:
Essa situação se amolda ao risco do desenvolvimento. Se no momento da elaboração do projeto, fórmula, etc, o fornecedor utilizou-se das melhores técnicas existentes (state of art) e até o momento de colocar o produto em circulação ele não tinha condições de conhecer o defeito, não será punido pelos danos causados ao consumidor.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, de forma um tanto quanto pioneira, já adotou certa feita tal excludente a fim de eximir o fornecedor (fabricante de medicamentos) da responsabilidade de indenizar consumidora (paciente/cliente) que alegou ter sofrido danos em decorrência de utilização de determinado fármaco por ele produzido. Na ementa restou expressamente consignado que:
DEFESA DO CONSUMIDOR – Vício de segurança do produto - Indenização por ato ilícito – Patologia adquirida pela autora-apelante por suposta ingestão de contraceptivo oral de fabricação do laboratório-apelado - Alegação de falha na informação sobre a nocividade do produto - Inocorrência - Bula do medicamento que continha advertências sobre a ingestão - Autora-apelante que não faz parte do grupo de risco – Possível predisposição heredo-constitucional da autora, vale dizer, constituição predisposta a desenvolver o transtorno, que não pode imputar à ré o dever de indenizar, mesmo porque a bula do medicamento adverte ao profissional que o prescreve, para a realização de histórico e exames antes da prescrição – Aprimoramento posterior das informações lançadas na bula e na caixa do medicamento que não pode ser considerado como assunção de culpa, mas, sim, risco do desenvolvimento - Recurso não provido. (SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, 2007, grifo nosso).
Não obstante o risco de desenvolvimento já tenha sido adotado como excludente de responsabilidade nas relações de consumo, a maior parte da doutrina condena tal prática, uma vez que sua aceitação acabaria, reflexamente, por reintroduzir na legislação consumerista muitos dos elementos do sistema baseado na culpa (em contraposição ao sistema de responsabilidade objetiva atualmente vigente) (BENJAMIN, 2009, p. 132 apud POLICARPO, 2012).
Desta forma, tal excludente tem tido baixíssimo índice de aplicação prática nos Tribunais pátrios, restando relegado a discussões acadêmicas.
4. Conclusão
Viu-se que a legislação consumerista brasileira é fortemente caracterizada pelo protecionismo em prol do consumidor, por meio de inúmeros mecanismos, entre eles, o sistema de responsabilização do fornecedor pelo vício e pelo defeito do produto ou serviço.
Tal sistemática é marcada, ora pela responsabilidade solidária dos partícipes da cadeia produtivo-distributiva do produto ou serviço, ora pela responsabilidade objetiva dos mesmos, de modo que, via de regra, a responsabilização do fornecedor prescinde de comprovação de sua culpa no dano causado.
Não obstante a rigidez das regras de responsabilização do fornecedor pela reparação do dano causado ao consumidor, prevê o CDC hipóteses que atingem diretamente o nexo causal entre a conduta e o dano, afastando a reponsabilidade do fornecedor.
Tratam-se de situações em que o fornecedor não colocou o produto no mercado, ou em que, mesmo que o tenha colocado ou mesmo que tenha prestado um serviço, ele não apresentou defeitos, ou ainda em que o dano decorra de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.
Tais hipóteses são expressamente previstas no codex consumerista (art. 12, § 3º, e art. 14, § 3º) e, por isso, são aceitos e aplicados pelos Tribunais sem maiores questionamentos, sendo que a única preocupação do fornecedor, nesses casos, é a de produzir prova nesse sentido, uma vez que se trata de hipótese de inversão obrigatória do ônus da prova.
Situação que se discute doutrinária e jurisprudencialmente é a possibilidade de se aplicar, nas relações de consumo, outras excludentes de responsabilidade não previstas no Código de Defesa do Consumidor, como o caso fortuito e força maior, o exercício regular de um direito e o risco de desenvolvimento.
Embora haja abalizada doutrina que pregue a absoluta taxatividade do rol de excludentes de responsabilidade, têm os Tribunais pátrios, com espeque em juristas não menos conceituados, adotado com grande frequência o caso fortuito e a força maior como excludente de responsabilidade, quanto esta se apresenta em seu viés “externo”, ou seja, quando não relacionado com a atividade empresária desenvolvida.
Outra excludente oriunda da legislação civil que não encontra congênere na legislação consumerista, mas que, mesmo assim, tem sido aplicada de forma ampla pelos Tribunais é o exercício regular de um direito, como nos casos de negativação devida e legítima do nome de consumidor inadimplente.
Por fim, outra excludente potencialmente aplicável às relações de consumo, que, entretanto, encontra fortíssima resistência nos Tribunais tupiniquins, possuindo, assim, aplicação prática ínfima, é o risco de desenvolvimento, que está relacionada com a impossibilidade de o fornecedor detectar a existência de um vício ou de um defeito em um produto quando de sua fabricação ante o estado da técnica vigente na época de seu desenvolvimento.
Desta forma, conclui-se não ser absolutamente taxativo o rol de excludentes de responsabilidade do fornecedor previsto no Código de Defesa do Consumidor, não obstante a aceitação de outras hipóteses seja restrita e se limite quase que exclusivamente à força maior e ao caso fortuito externo e ao exercício regular de um direito, oriundas do Código Civil brasileiro.
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