Ainda que as empresas concessionárias de serviços públicos, in casu, a CELPE (COMPANHIA ENERGÉTICA DE PERNAMBUCO (CELPE), gozem de certas garantias entre elas a fé pública, esse instituto deriva explicitamente da limitação do ofício, o art. 37 da Magna carta consagra a extrema obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
No entanto, o que se percebe de suas atuações administrativas são imensuráveis violações da legislação pátria, em suma, as recorrentes alegações são: valores de energia elétrica não faturada ou faturada a menor, resultando com isso a aplicação de multa na residência inspecionada.
E como acontece a inspeção? Simples! Uma equipe da CELPE vai a uma residência qualquer, fotografa o medidor de energia e na grande maioria dos casos emitem o Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI, daí vem um cálculo cuja precisão do resultado não é condicionada a nenhum tipo de perícia, e, o gran finale fica por conta de uma correspondência que será enviada a esta residência para que o cliente/consumidor a pague!!! Impressionante né? Eu sei, acredite! J
Ab initio, cabe esclarecer que na condição de advogado que sou, só é permitido a defesa ficar adstrito, apenas, a alegação que serve de base para a acusação, do contrário, ocorrerá violações a preceitos constitucionais, entre eles: o sagrado direito ao devido processo legal (art. 5º, LIV da Magna Carta) e ao contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV da Magna Carta).
Ademais, o ordenamento jurídico pátrio deve ser cumprido a todo custo, sob pena de nulidade total do ato (art. 5º, LIV e LV da Carta Política), seja este judicial ou administrativo, ora, acusar alguém de ato ilícito (186 e 187 do CC), sem qualquer respaldo em prova técnica, viola a dignidade da pessoa humana (art. 1, III da Carta Política) por estrita obrigação legal, nos termos do art. 373, II do CPC.
Tornando com isso excessivamente difícil a parte mais frágil que são os consumidores o exercício do direito de defesa (art. 373, § 3º, II do CPC), quiçá, da presunção de sua inocência (art. 5º, LVII da constituição federal de 88). Permissa vênia, não existe no ordenamento jurídico pátrio norma que permita a CELPE: acusar, sentenciar e punir, isto se chama justiça privada, é um verdadeiro tribunal de exceção, deste modo o ato descrito caracteriza abuso de poder, conduta esta que viola o art. 42, caput do CDC, sendo tipificada também como crime, nos termos do art. 71 do CDC.
Nas palavras da CELPE em suas famosas correspondências: “O ato administrativo praticado é realizado com respaldo legal no art. 130, IV da Resolução ANEEL 414/2010”, no entanto, não assiste razão suas alegações, vejamos o que diz a referida norma:
Art. 130 - Comprovado o procedimento irregular, para proceder à recuperação da receita, a distribuidora deve apurar as diferenças entre os valores efetivamente faturados e aqueles apurados por meio de um dos critérios descritos nos incisos a seguir, aplicáveis de forma sucessiva, sem prejuízo do disposto nos arts. 131 e 170:
(...)
IV – determinação dos consumos de energia elétrica e das demandas de potências ativas e reativas excedentes, por meio da carga desviada, quando identificada, ou por meio da carga instalada, verificada no momento da constatação da irregularidade, aplicando-se para a classe residencial o tempo médio e a frequência de utilização de cada carga; e, para as demais classes, os fatores de carga e de demanda, obtidos a partir de outras unidades consumidoras com atividades similares; ou
No caput do art. 130 da Resolução ANEEL 414/2010, está nitidamente descrito que se deve primeiro comprovar o procedimento irregular ANTES DE proceder à recuperação da receita, ficando a comprovação do ato ilícito a cargo do art. 129 da Resolução ANEEL 414/2010, in verbis:
Art. 129 - Na ocorrência de indício de procedimento irregular, a distribuidora deve adotar as providências necessárias para sua fiel caracterização e apuração do consumo não faturado ou faturado a menor.
§ 1° A distribuidora deve compor conjunto de evidências para a caracterização de eventual irregularidade por meio dos seguintes procedimentos:
I - Emitir o Termo de Ocorrência e Inspeção – TOI, em formulário próprio, elaborado conforme Anexo V desta Resolução;
II - Solicitar perícia técnica, a seu critério, ou quando requerida pelo consumidor ou por seu representante legal;
“III - Elaborar relatório de avaliação técnica, quando constatada a violação do medidor ou demais equipamentos de medição, exceto quando for solicitada a perícia técnica de que trata o inciso II;”
(Redação dada pela Resolução Normativa ANEEL nº 479, de 03.04.2012)
IV - Efetuar a avaliação do histórico de consumo e grandezas elétricas; e
V - Implementar, quando julgar necessário, os seguintes procedimentos:
a) Medição fiscalizadora, com registros de fornecimento em memória de massa de, no mínimo, 15 (quinze) dias consecutivos; e
b) Recursos visuais, tais como fotografias e vídeos.
§ 2° Uma cópia do TOI deve ser entregue ao consumidor ou àquele que acompanhar a inspeção, no ato da sua emissão, mediante recibo.
§ 3° Quando da recusa do consumidor em receber a cópia do TOI, esta deve ser enviada em até 15 (quinze) dias por qualquer modalidade que permita a comprovação do recebimento.
§ 4° O consumidor tem 15 (quinze) dias, a partir do recebimento do TOI, para informar à distribuidora a opção pela perícia técnica no medidor e demais equipamentos, quando for o caso, desde que não se tenha manifestado expressamente no ato de sua emissão.
(Redação dada pela Resolução Normativa ANEEL nº 418, de 23.11.2010)
§ 5° Nos casos em que houver a necessidade de retirada do medidor ou demais equipamentos de medição, a distribuidora deve acondiciona-los em invólucro específico, a ser lacrado no ato da retirada, mediante entrega de comprovante desse procedimento ao consumidor ou àquele que acompanhar a inspeção, e encaminhá-los por meio de transporte adequado para realização da avaliação técnica.
“§ 6° A avaliação técnica dos equipamentos de medição pode ser realizada pela Rede de Laboratórios Acreditados ou pelo laboratório da distribuidora, desde que com pessoal tecnicamente habilitado e equipamentos calibrados conforme padrões do órgão metrológico, devendo o processo ter certificação na norma ABNT NBR ISO 9001, preservado o direito de o consumidor requerer a perícia técnica de que trata o inciso II do § 1º”
(Redação dada pela Resolução Normativa ANEEL nº 479, de 03.04.2012)
§ 7° Na hipótese do § 6º, a distribuidora deve comunicar ao consumidor, por escrito, mediante comprovação, com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência, o local, data e hora da realização da avaliação técnica, para que ele possa, caso deseje, acompanhá-la pessoalmente ou por meio de representante nomeado.
§ 8° O consumidor pode solicitar, antes da data previamente informada pela distribuidora, uma única vez, novo agendamento para realização da avaliação técnica do equipamento.
§ 9° Caso o consumidor não compareça à data previamente informada, faculta-se à distribuidora seguir cronograma próprio para realização da avaliação técnica do equipamento, desde que observado o disposto no § 7º.
§ 10° Comprovada a irregularidade nos equipamentos de medição, o consumidor será responsável pelos custos de frete e da perícia técnica, caso tenha optado por ela, devendo a distribuidora informá-lo previamente destes custos, vedada a cobrança de demais custos.
§ 11° Os custos de frete de que trata o § 10 devem ser limitados ao disposto no § 10 do art. 137.
Como bem exposto no caput do art. 129 da Resolução ANEEL 414/2010, na ocorrência de indício de procedimento irregular, a distribuidora deve adotar as providências necessárias para sua fiel caracterização e apuração do consumo não faturado ou faturado a menor, logo, a CELPE é obrigada legalmente e administrativamente a realizar um conjunto de evidências, ainda que a perícia seja a seu critério (art. 129, § 1°, II da Resolução ANEEL 414/2010), o texto normativo não tem o condão de afastar taxativamente a obrigatoriedade do ato, e sim, como deverá ser feito, trata-se da escolha técnica e não da faculdade de fazer ou não.
Para quem pensa que é brincadeira, prestemos atenção nas decisões reiteradas do Egrégio Tribunal de Justiça de Pernambuco, in verbis:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSOS DE AGRAVO CONTRA DECISÃO TERMINATIVA EM SEDE DE APELAÇÃO. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. IRREGULARIDADES NO MEDIDOR DA UNIDADE CONSUMIDORA. INOBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. DÉBITO UNILATERALMENTE ARBITRADO PELA CONCESSIONÁRIA DECISÃO TERMINATIVA MANTIDA. RECURSO NEGADO PROVIMENTO. DECISÃO UNÂNIME. 1. A suposta fraude no medidor não autoriza a CELPE a proceder com o corte no fornecimento de energia. A alegada irregularidade deveria ser apurada em ação própria. 2. A questão ora em apreço foi objeto do enunciado da sumula 13 deste E.Tribunal de Justiça de Pernambuco. 3. Houve o corte, no entanto o processo de aferição da fraude e constituição da dívida é flagrantemente ilegal, haja vista que não há a participação efetiva do consumidor nesse processo administrativo, quando a este é dado o direito unicamente de acompanhar o procedimento, sem direito algum de neste influir. 4. Improvimento do Recurso de Agravo à Unanimidade. (TJ-PE - AGV: 4036517 PE, Relator: Josué Antônio Fonseca de Sena, Data de Julgamento: 27/10/2015, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 16/11/2015)
Apelação. Suspensão do fornecimento de energia elétrica. Débito não demonstrado. Corte ilegal. Necessidade de revisão no medidor de energia. 1. Segundo a Celpe, a suspensão da energia se justificaria pela existência de débitos pretéritos da apelada no montante de R$ 4.089,01; 2. Não é isso, entretanto, o que parece. Afinal, a cobrança do débito foi efetuada utilizando o mesmo formato das faturas mensais anteriores, ou seja, através de boleto mensal de cobrança. Ademais, faz referência a um consumo de energia muito acima dos meses anteriores e do consumo de um imóvel residencial rural, no montante de 6.810,00 kwh. Não bastasse isso, na fatura em que cobra R$ 4.089,01, há o aviso de débitos anterior no montante de R$ 77,42. Ora, se o débito anterior era de apenas R$ 77,42, considerando o valor médio das faturas, seriam necessários anos de pagamentos em atraso para justificar esse montante; 3. Assim, a Celpe não comprovou a existência de débito no montante de R$ 4.089,01. Não havendo, portanto, justificativa para suspender o fornecimento de energia com base nessa suposta dívida; 4. Em decorrência da oscilação dos valores das faturas mensais, especialmente a cobrança de R$ 4.089,01, bastante plausível o pedido de revisão do medidor; 5. Dessa forma, conforme consignado na sentença, a Celpe não pode suspender o fornecimento de energia com base no alegado débito de R$ 4.089,01 e deve promover a revisão do medidor no prazo de 30 dias do trânsito em julgado desta decisão, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00.6. Negado provimento à apelação, para manter a sentença em todos os seus termos. (TJ-PE - APL: 3333406 PE, Relator: Francisco Eduardo Goncalves Sertorio Canto, Data de Julgamento: 02/07/2015, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 30/07/2015)
DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS C/C OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. CELPE. INADIMPLÊNCIA. CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DÉBITO PRETÉRITO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA. SUSPENSÃO ILEGAL DO FORNECIMENTO. DANO IN RE IPSA. MANUTENÇÃO DO QUANTUM EM R$ 3.000,00 (TRÊS MIL REAIS). RECURSO QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Para ser legítimo o direito da concessionária de suspender o fornecimento de energia elétrica da respectiva unidade consumidora, a empresa deve obedecer a determinados requisitos previstos, inclusive, pela própria Agência Reguladora do serviço - ANEEL, tais como a regular notificação de corte decorrente do inadimplemento. 2. Considerando que a discussão não trata de débito relativo ao inadimplemento de conta regular de energia elétrica, mas de débito pretérito, inviável a suspensão do fornecimento de energia, na medida em que a cobrança pode ser feita por via diversa, menos gravosa ao consumidor. 3. In casu, além do corte no fornecimento de energia elétrica ter ocorrido por débito antigo - o que, de logo, já reveste o ato de ilegalidade -, a Concessionária Agravante não notificou previamente o consumidor, desrespeitando, assim, requisito previsto na Resolução nº 456/00 da ANEEL, de modo que é cabível o pleito indenizatório. 4. "A suspensão ilegal do fornecimento do serviço dispensa a comprovação de efetivo prejuízo, uma vez que o dano moral nesses casos opera-se in re ipsa, em decorrência da ilicitude do ato praticado". 5. Quantum indenizatório mantido em R$ 3.000,00 (três mil reais). 6. Apelação a que se nega provimento. (TJ-PE - APL: 3683861 PE, Relator: Roberto da Silva Maia, Data de Julgamento: 26/05/2015, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 08/06/2015)
Se por um lado, a ninguém é dado o direito de usar da torpeza a fim de usufruir dos frutos da ilegalidade, por outro lado, é imprescindível a observância a presunção da inocência, da legalidade e do respeito à dignidade da pessoa humana. No país como o Brasil, onde na sua grande maioria da população vive com 1 (um) salário mínimo de R$ 788,00, responda-me como uma pessoa irá fazer para pagar uma multa de no mínimo R$ 1.000,00?
Para ajudar no seu pensamento, lembre-se: Não existe prova alguma para sustentar a acusação!