Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

UM VERDADEIRO PRÊMIO À IMPUNIDADE

Agenda 29/12/2015 às 08:50

O ARTIGO DISCUTE RECENTE MEDIDA PROVISÓRIA EDITADA COM RELAÇÃO A ACORDOS DE LENIÊNCIA.

~~UM VERDADEIRO PRÊMIO À IMPUNIDADE
Rogério Tadeu Romano

Dezesseis  milhões de brasileiros que perderam seus trabalhos passaram  as festas de Natal na "prisão" do desemprego, imobilizados, sem ter o que pôr na mesa, sem poder comprar presentes para seus filhos, à espera de um milagre de fim de ano. Sabem que receberão a indiferença por parte das elites com relação a seu estado de pobreza. São vítimas num  país onde a corrupção passou a ser institucionalizada.
Enquanto isso os investigados da Lava Jato que ainda estão presos tiveram o direito a visita e a refeições especiais. Já os que tiveram o direito a passar as festas de fim de ano em suas casas, possivelmente, brindaram com caras champagnes e saborearam raras iguarias.
O ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, envolvido em crimes de corrupção,  foi um dos liberados. Ele viajou para o Rio, mas seu paradeiro não foi divulgado.
O ex-gerente da Petrobras, Pedro Barusco, também envolvido em crimes contra a administração publica,  é visto circulando livremente, inclusive em SPA, na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro.
Enquanto isso foi assinada Medida Provisória com a justificativa de evitar demissões, implementando novas regras de acordos de leniência.
Formalmente a medida é inconstitucional, pois não atende os pressupostos constitucionais exigidos pelo artigo 62 da Constituição Federal que são a  urgência e a relevância.
A matéria deveria ser objeto de discussão e levada ao Congresso Nacional em projeto de lei, não havendo razões para urgência.
De outro modo ela afronta aos princípios da moralidade, da eficiência, da razoabilidade, que devem nortear o comportamento da administração consoante o artigo 37 da Constituição Federal. 
 Isso porque, de forma dissimulada, acoberta empresas corruptas por permitir que as companhias, mesmo sem sanções, possam assinar novos contratos com o Poder Público. Seu objetivo é escandaloso, permitindo que empresas com cultura de corrupção, que francamente participaram de um processo afrontoso aos interesses da população, continuem a contratar com o Governo Federal.
Afronta-se o que se pode entender como acordo de leniência.
Leniência é brandura, suavidade, mansidão. É algo que já se aplica no direito penal, Lei 9.807/99. Ainda se aplica em sede de direito econômico, na defesa da livre concorrência.
O acordo de leniência é o ajuste que permite ao infrator participar da investigação, com o objetivo de prevenir ou reparar dano de interesse coletivo.
Objetiva o acordo de leniência a extinção da ação punitiva da administração pública ou redução de penalidade que seria imposta.
No Brasil, a ineficácia dos instrumentos de combate aos atos de concentração de mercado, fez com que as autoridades antitrustes vissem, nesse instituto, um caminho para a ampliação dos seus poderes de investigação, através do incentivo aos agentes econômicos para que forneçam provas que ajudem a condenar todos os demais membros dos cartéis e acabar com os efeitos nocivos sobre a economia popular.
Em decorrência desses efeitos práticos, surgiram 3 posições, a respeito da aplicabilidade do acordo de Leniência.
A primeira posição entende que a norma atribuiria à SDE (Secretaria de Desenvolvimento Econômico) a faculdade de firmar o programa de leniência, e este acordo, na esfera administrativa, impede que o Ministério Público ingresse com a ação criminal.
A segunda posição nega total aplicabilidade das regras do Acordo de Leniência na esfera penal e tem como fundamento o Princípio da Indisponibilidade da Ação Penal Pública.
A terceira posição entende que o consentimento do  Ministério Público  é imprescindível para a realização do Acordo e para decretação da extinção da punibilidade. Neste sentido, embora a lei 8884/94 não seja expressa a respeito da extinção da punibilidade, ao realizarmos uma interpretação teleológica, poderemos concluir que a concordância do Ministério Público para o Acordo de Leniência dá o necessário suporte a sua aplicação. Isso porque os crimes contra a ordem econômica são de ação pública incondicionada e só o Ministério Público, como titular da ação penal, poderá, nos casos previstos pela lei, dispor ou restringir a sua aplicação. É a importação, para o sistema brasileiro, do princípio da oportunidade e da plea bargain dos E.U.A.
O Ministério Público deve participar do acordo de leniência, para que o seu cumprimento resulte em renúncia da ação penal.  
O  princípio da obrigatoriedade da ação penal - assim como na Lei 9.099/95, em espaço infraconstitucional - deve ser mitigado a exemplo dos eficazes institutos do plea bargain norte-americano e do pattegiamento italiano.
O acordo de leniência celebrado com a participação da Advocacia Pública e do Ministério Público impede o ajuizamento ou o prosseguimento da ação já ajuizada contra a pessoa jurídica.
Lembre-se, por certo, nesse cenário, que existem pessoas jurídicas que são verdadeiros instrumentos de organização criminosa, no sentido de ocultar ativos e dissimular interesses, daquela que, embora transitoriamente, serviu a propósitos obscuros ou ilícitos de seus dirigentes.
Em verdade esse ato normativo vem na contramão das tentativas levadas a combater a corrupção no Brasil. Isso porque a Lei 12.846/13, dentro de um modelo próprio de sanção, exige que as empresas cooperem com as autoridades públicas, investiguem os ilícitos e ostentem estruturas internas independentes e efetivas nas apurações das infrações. Usam as empresas não podem usar o compliance como fórmula de mera blindagem de responsabilidade de seus dirigentes, mas, como instrumento de investigação privada de ilícitos e prevenção efetiva de infrações, como já afirmou Medina Osório.
A medida provisória vem envolta em uma “cortina de fumaça”.
As multas estabelecidas por ela  são inadequadas à gravidade da conduta infringida. Com isso as empresas envolvidas não estarão inibidas diante das penalidades, ao contrário. Continuarão a atuar visando a garantir seu lugar no mercado através de mecanismos e instrumentos sabidamente antissociais.
A medida provisória traz um erro de origem ao não determinar que uma empresa envolvida em práticas de corrupção faça a devida delação. Ao não denunciar elas  ficarão na chamada “zona de conforto” e continuarão com suas práticas perniciosas mesmo que por outras vias.
A questão é bem mais complexa do que se sugeriu quando se afirmou, como da edição da Medida Provisória, de que “deve-se punir o CPF; não o CNPJ”.
A Medida Provisória citada  é um verdadeiro prêmio à impunidade.
 

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos
Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!