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Maternidade de substituição:

breve análise do contrato de gestação

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Agenda 16/01/2016 às 08:13

A Espanha, apesar de oferecer menos resistência às técnicas de reprodução humana assistida do que outros países europeus, considera também como nulos os contratos cujo objeto é a gestação por substituição.

Resumo: O presente artigo tem como base o artigo 10 da Ley 14/2006, 26 de maio, sobre Técnicas de Reprodução Humana Assistida, designada LTRHA. Este tema afigura-se muito pertinente face aos modelos atuais de família, que passo a passo se têm distanciado do modelo tradicional, dominante até ao século XX. Os sistemas romano-germânicos são mais conservadores, ao invés dos anglo-saxónicos. Assim, a Maternidade por Substituição é uma possível técnica de reprodução medicamente assistida, ainda que a legislação a proíba. Por este motivo a doutrina se pronuncia sobre a natureza do contrato de gestação: se um verdadeiro contrato, embora nulo, ou um ato ilícito e, por isso, totalmente desconsiderado. Em todo o caso, a Ley 14/2006, de 26 de maio determina, inequivocamente, que é um contrato, independentemente das consequências. Esta técnica se praticada em contravenção à lei implica sanções administrativas, penais e civis.

Palavras chave: Maternidade por Substituição; Contrato de Gestação; Autonomia Procriativa; Dignidade Humana; Filiação; Técnicas de Reprodução Humana Assistida.


1.    Regime Jurídico da Maternidade por Sustituição no Ordenamento Jurídico Espanhol

Nos ordenamentos jurídicos romano-germânicos, de que são exemplo Espanha ou Portugal, a maternidade por substituição não é uma prática permitida; contrariamente, os ordenamentos anglo-saxônicos prevêem-na como uma técnica legal, permissão fundada na autonomia procriativa da mulher.

Amplamente, os ordenamentos jurídicos europeus que proíbem a maternidade por substituição decretam a nulidade do contrato de gestação e criminalizam essa conduta quando é praticada a título oneroso. Neste sentido, a lei espanhola, apesar de oferecer menos resistência às técnicas de reprodução humana assistida, considera também como nulos os contratos cujo objeto é a gestação por substituição. A gestação ou maternidade de substituição encontra-se regulada em três números do artículo 10º de la Ley 14/2006, de 26 de mayo, sobre Técnicas de Reprodução Humana Assistida, agora designada LTRHA.

Assim, o primeiro sanciona com nulidade os contratos que tenham por objeto a gestação por substituição independentemente do preço.

O segundo determina o critério legal para determinação da filiação dos filhos nascidos por gestação de substituição: a mãe é quem dá à luz, isto é, a gestante.

Finalmente, o terceiro permite que o pai biológico reclame a paternidade, seguindo as regras gerais, mesmo que o estabelecimento da filiação paterna, para os homens espanhóis, não esteja livre de polémicas[1].

Antes de analisar o regime jurídico há que esboçar o conceito de gestação por substituição e advertir que, na base da regulação, há razões de matriz extrajurídicas, como morais, éticas ou sociais e também explicar que a opção legislativa teve em consideração o elemento sistemático: um sistema jurídico que pretende ser coerente com os seus princípios. Os ordenamentos jurídicos que admitem esta figura têm características e valores muito distintos, pelo que, a admitir-se futuramente, o poder legislativo terá de analisar previamente a sua viabilidade enquadrada no contexto jurídico espanhol.

Genericamente, o legislador parece entender que a maternidade por substituição equivale ao servilismo e a exploração dos débeis e, portanto, contrário aos princípios fundamentais de ordem pública. Além disso, viola a dignidade e a incomercialidade da pessoa, podendo também implicar violação das normas de adoção[2].

A doutrina espanhola define maternidade de substituição da seguinte maneira: “el supuesto que el artículo 10 de la LTRHA regula, ha sido definido como el contrato a través del cual la pareja comitente (los que solicitan los servicios de gestación de otra mujer) al no poder llevar a cabo un embarazo, convienen con una tercera persona un acuerdo de gestación en útero ajeno (la que será madre gestante), para que se le implante un embrión o sea inseminada y lo geste hasta el alumbramiento, de modo que llevado a término, la gestante renuncia a su maternidad y entregado el niño a la pareja comitente, es la mujer de esa pareja la que adquiere los derechos sobre el hijo así nacido”[3].

Também pode entender-se como “la que origina por la gestación de un ser humano en el útero de una mujer, en nombre y por comisión o encargo de otra a quien se le entregará el recién nacido como madre propia”[4].

Deste modo, a maternidade sub-rogada distingue-se em plena e substituição parcial. Por outras palavras, “en la maternidad biológica plena la madre ha gestado al hijo con su propio óvulo; en la no plena o parcial, la mujer sólo aporta la gestación (maternidad de gestación), o su óvulo (maternidad genética), pero no ambos; son matices de gran interés que no siempre están claros, y que conviene establecer sin equívocos” [5].

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Curiosamente não está contemplado no conceito em análise o acordo entre homem e mulher segundo o qual ela será inseminada com sémen de um terceiro e, nascido o menor, será entregue ao primeiro.

Neste sentido, porque juridicamente não há mães distintas – biológica e de substituição – podemos afirmar que não é possível, atualmente, que uma mulher que renuncie aos seus direitos de mãe em benefício de outra.

Assim, na maternidade de substituição, os doadores de células germinais poderão coincidir com aqueles que serão a mãe e pai de receção; podem coincidir parcialmente, isto é, o gâmeta provém de um membro do casal (óvulo ou sémen), ou ambos os gâmetas podem pertencer a terceiros.

García Pérez afirma, inclusivamente[6], o seguinte: “Nótese, no obstante, que a todas luces no es indiferente que la madre comitente aporte su material genético (de manera que además de la voluntad de ser madre – social – es biológica), frente a cuando no lo aporta y sólo desea que le sea entregado el hijo gestado por otra (que además puede haber aportado también su propio óvulo). En este último caso, ya no lo decíamos, no se produce una maternidad subrogada, sino como sencillamente se ha apuntado la entrega del hijo propio al nacer”[7].

Não obstante, o regime jurídico espanhol não estabelece uma definição legal tal como não diferencia a maternidade sub-rogada plena o parcial.

1.1.  O contrato de gestação - classificação

Kant, na Fundamentação da Metafísica de Costumes, afirmava que o que está acima de qualquer preço e que, portanto, não admite equivalente é o que tem dignidade. Assim, a preocupação principal quer nos ordenamentos românico-germânicos quer nos anglo-saxónicos é a de proteger e defender a dignidade do ser humano: da mulher e da criança que nasça por meio de técnicas de reprodução humana assistida.

Concretamente, o ordenamento jurídico espanhol classifica esta relação como um contrato, mesmo que o considere nulo.

É distinto dos contratos típicos, e classifica-se como um negócio jurídico atípico de direito da família, promessa unilateral, “gentlemen’s agreement” ou como um ato ilícito (civil o penal) [8].

É comum entre os países da common law que admitem classificá-lo como um verdadeiro contrato já que, genericamente, estes protegem mais eficazmente os interesses do menor. Consideram também que as promessas unilaterais são insuficientes, pois nestas inexiste o elemento reciprocidade de obrigações. Isto é, somente uma das partes se obriga a facere ou non facere.

Também a doutrina tem um amplo setor que o classifica, igualmente, como contrato, se bem que reconhece as suas limitações. Existem, outros autores que o questionam invocando o argumento de que no “negócio” concretamente considerado não há uma verdadeira obrigação jurídica ou natural de entregar o filho[9], isto é, há una inexigibilidade de obrigações, argumento suficiente para evitar classifica-lo como contrato.

Não obstante a expressão utilizada pela lei, Rivero Hernández entende que terá de atender à causa. Entende que não estamos diante de um verdadeiro contrato quando a causa se baseia na onerosidade – aqui estaríamos diante de um ato ilícito em virtude da causa e do objeto. Considera o ilustre autor que se o fundamento do acordo assenta na gratuidade, então teríamos um acordo válido, dado que a causa se suaviza[10].

Segundo De Castro[11], podia assimilar-se ao pressuposto do artigo 1.275 CC “contrato sin causa, causa ilícita”. A causa é ilícita “cuando se opone a las leyes o a la moral” e estes contratos “no producen efecto alguno”, aplicando-se o artigo 1.306 para o pressuposto de contrato como que convalidado com “causa torpe que no constituyera delito ni falta: 1º cuando la culpa está de parte de ambos contratantes, ninguno de ellos podrá repetir lo que hubiera dado a virtud del contrato, ni reclamar el cumplimiento de lo que el otro hubiese ofrecido”.

Depois de uma exaustiva exposição, García Pérez, em “Comentarios a la Ley 14/2006, de 26 de Mayo, sobre Técnicas de Reproducción Humana Asistida”[12], insiste que não poderá ser considerado um contrato. Vejamos que fundamentos invoca a autora para sustentar esta posição: ““Se dice en la maternidad subrogada el cauce del artículo 1271[13] CC con referencia al objeto del contrato (no podrán serlo las cosas extra commercium y los servicios que sean contrarios a las Leyes o las buenas costumbres), determinaría la falta de aptitud del objeto o del servicio para ser materia del contrato, lo que permitiría aceptar la inexistencia del convenio (…) al carecer de objeto, falta uno de los elementos esenciales del mismo, lo que origina que éste sea inexistente (…). A la misma conclusión se llega por vía de la causa, pues su ilicitud conllevaría la imposibilidad de que surgiese relación contractual alguna (artículo 1275 CC) (…) no hay tal contrato, nada cabe existir. Además, la vulneración de normas imperativas o prohibitivas, sea cualquier su origen (…) pueden impedir el nacimiento del negocio. No obstante, la ausencia de un régimen jurídico propio de la inexistencia, nos conduciría a aplicar, de igual modo, el previsto para la nulidad”.

Importa mencionar também a proposta de regulação/classificação de Vela Sánchez relativo ao acordo de gestação “(...) es un negocio jurídico especial de Derecho de Familia, oneroso o gratuito, formalizado en documento público notarial, por el que una mujer, con plena capacidad de obrar, consiente libremente en llevar a cabo la concepción - mediante técnicas de reproducción asistida - y gestación, aportando o no su óvulo, con el compromiso irrevocable de entregar el nacido - cuyo origen biológico debe constar claramente - a los otros intervinientes, que pueden ser sujetos individuales o una pareja, matrimonial o de hecho, plenamente capaces y de los cuales al menos uno sea aportante de material genético”[14].

O autor admite a possibilidade de o contrato de gestação ser oneroso, incluindo-o no plano de Direito da Família.

Em resumo, apesar de todas as construções doutrinais[15], a verdade é que a LTRHA, pelos motivos aduzidos e expostos, é inequívoca pois classifica a maternidade de substituição como um contrato (embora nulo[16]). Neste sentido somos levados a crer que será um contrato atípico, cujas consequências se situam entre a inexistência e a nulidade.

Vejamos agora, qual o valor jurídico delineado para a maternidade de substituição e as suas consequências no plano jurídico.

García Pérez justifica a consequência plasmada na LTRHA da seguinte maneira:

“No obstante, la ausencia de un régimen jurídico propio de la inexistencia, nos conduciría a aplicar, de igual modo, el previsto para la nulidad…”

Então, o que significa para a autora?

“No obstante la calificación hecha por el artículo 10, aunque de acuerdo con la prohibición que contiene, no es un verdadero contrato (si es que está de acuerdo con el instrumento de negociación de reglamentación de las relaciones jurídicas patrimoniales y máxima expresión de la autonomía privada y de la que en línea de principio quedaría excluida la disposición del propio cuerpo y el status familiae), sino un comportamiento, un acto ilícito (por su causa y objeto) al que expresamente se refieren los artículos 1305[17] y 1306[18] CC”.

Do exposto artigo 1305 do CC, podemos entender que a nulidade resulta do objeto ou da ilicitude da causa. Além disso, em nada surpreende a aplicação deste artigo para justificar a nulidade do contrato de gestação atribuído pela LTRHA.

De igual modo, é importante esclarecer que as normas relativas ao estado civil das pessoas são imperativas e de ordem público e equivalem a um direito personalíssimo, intransmissível e, por isso, excluídas do comércio (artículo 1.271 CC).

Assim, direta ou indiretamente, uma das finalidades que se pretende alcançar é que uma das “mãe” tenha de renunciar aos seus poderes-deveres da maternidade – motivo pelo qual se sanciona com nulidade (ou inexistência), uma vez que se trata de uma matéria indisponível e irrenunciável – a filiação materna.

1.2.  Consequências jurídicas

Analisámos a classificação do contrato de gestação, agora vejamos as suas consequências práticas.

O legislador espanhol não fixou os efeitos da violação das normas de la LTRHA.

Esquematicamente, além da nulidade patente no artigo 10, o incumprimento desta norma implica as correspondentes sanções administrativas (artigo 24.2) e, poderá implicar a sanções no plano civil e penal.

O regime penal aplicável está regulado entre os artigos 220º[19] e 222º do Código Penal.

Como exposto no artigo 220.1, “la suposición de parto [20] será castigada con pena de prisión de seis meses a dos años; y bien así, quien entregar a otra persona un hijo para alterar su filiación (mismo que exista alguna relación de parentesco), mediante una compensación económica[21], incurrirá en pena que va desde un hasta cinco años y será inhabilitado para el ejercicio de patria potestad por un período entre cuatro y diez años (artículo 221 CP [22]); los intermediarios, a su vez, están subyugados a la misma moldura penal, acrecida (artículo 222 CP [23]) de la inhabilitación especial de mínimo de dos y máximo de seis años para “empleo o cargo público, profesión u oficio”.[24]

Se o facto implicou danos, pode invocar-se responsabilidade no plano civil, somando-se às penas referidas, além das consequências específicas dos artigos 1305 e 1306 CC.

Apesar da LTRHA não sancionar especificamente a maternidade de substituição, o mesmo diploma contempla um capítulo relacionado com as infrações e sanções, o que vem regulado entre os artigos 24 y 27º.

Assim, os centros de reprodução humana assistida ou clínicas, poderão incorrer em responsabilidades administrativas por prestação de serviço ilegal – tal como resulta do artigo 25 LTRHA – ainda que seja uma infração leve (artigo 26, alínea a)).[25]

No presente artigo, procederemos à exposição de diferentes orientações doutrinárias espanholas.

A grande maioria da doutrina ampara-se na ideia de que a liberdade de procriar não é absoluta, inclusivamente advertem que não está reconhecida e concebida como um direito efetivo; pelo contrário, seria reconhecida pelo Estado e, como tal, poderia exigir-se o cumprimento e a remoção de obstáculos para a sua concretização. In extremis, explicam que a liberdade de procriar deve reduzir-se à simples possibilidade de utilizar a via sexual inerente à própria natureza.

Do mesmo modo, afirmam vários autores que o filho assim procriado se vê privado de toda a tutela, sendo responsável por todas as consequências não desejadas[26].

Defende-se a nulidade do contrato de maternidade de substituição com fortes argumentos[27]/[28] cimentados em normas civis:

A estes argumentos jurídicos acrescentam-se outro(s) de cariz mais moral.

Assim, frequentemente concentra-se a atenção no casal/mulher que quer procriar ou na solidariedade da gestante esquecendo-se que o maior foco de atenção deveria ser o interesse superior da criança.

Inclusivamente, existem vozes, que afirmam existir certa hipocrisia quando se afirma que a maternidade é uma situação privilegiada[37], dado que, tal como a lei está estruturada aquela comporta riscos, por exemplo ser entregue a uma instituição de caridade.

Finalmente, também o aspeto psicológico é tido em conta para condenar a maternidade sub-rogada. Invocam-se os problemas emocionais tais como o sentimento de culpa, depressões que afeta as mulheres que dão à luz e entregam o menor, ou o choque emocional do menor quando conhecer a sua “origem”[38]. Complementam esta ideia com as eventuais enfermidades ou problemas de natureza hereditária que impliquem abandono por parte do casal comitente ou a possibilidade de exploração destes pelas mães de aluguer.

Ana Quiñones Escaméz[39] resume sucintamente:

“Los efectos perversos de la maternidad subrogada nos llegan a través de los supuestos de reclamación del menor por la madre gestante; o de los casos de rechazo, por ruptura de la pareja intencional, antes de que el menor nazca, o en aquéllos en los que el menor nace con dificultades. Ciertamente, podremos encontrar, aquí, parejas cuya imposibilidad de tener niños es dolorosa, pero no es menospreciable el riesgo que la mercantilización de la práctica (el llamado baby business en la India) o la incitación publicitaria en la “elección del niño perfecto” por catálogo -a través de la madre que aporta el óvulo- como ocurre en algunos Estados norteamericanos. Las repercusiones en el Niño (en la persona humana en general) han de sopesarse. Al igual que ha de conciliarse con la inversión que supone respecto al principio del “derecho del niño a una familia”, que no puede ser tampoco visto como la solución a una infertilidad. Ha de tenerse en cuenta que, el que los niños sean considerados como humanos autónomos y con derechos es reciente en la historia, y que desgraciadamente no lo es aún en todas partes”.

No lado oposto, há argumentos para defender a maternidade de substituição:

Por fim, a estes fatores acrescenta-se a ideia de aceitação/legitimidade do contrato com os argumentos médicos e jurídicos:

Sobre a autora
Marta Falcao

Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca e Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ambos os graus em Direito Privado.<br>Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.<br>Docente de Ensino Superior - Instituto Politécnico de Castelo Branco e Universidade da Beira Interior (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas)<br>Investigadora.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FALCÃO, Marta Falcao. Maternidade de substituição:: breve análise do contrato de gestação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4581, 16 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45602. Acesso em: 5 nov. 2024.

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