RESUMO
O presente estudo tem a finalidade de fazer uma abordagem crítica quanto à atualidade dos problemas das famílias no campo do Direito, partindo do pressuposto da importância da psicanálise para o direito das famílias e das sucessões. Para tanto, iniciarei este estudo com uma abordagem acerca da evolução histórica das famílias, das sucessões e do Direito, para conseguir visualizar a relação multidisciplinar destas matérias. Em seguida, aprofundarei o estudo para as grandes problemáticas do tema, pois até o presente momento, a ciência jurídica ainda inicia o debate acerca da importância da psicanálise na resolução de conflitos jurídicos de natureza familiar e sucessória, debates esses que se iniciaram timidamente, mas estão ganhando destaque a cada dia, diante das constantes decisões que envolvem toda a sociedade e porque não dizer a “psique” da sociedade. Contudo, tais debates, ao que me parece, são tímidos, existe a necessidade de destacarmos a importância da psicanálise como uma ferramenta concreta para uma tentativa de pacificação social em seu nascedouro, ou seja, dentro, no seio, das relações familiares. Como pode o magistrado decidir um conflito social, principalmente familiar ou sucessório, sem uma abordagem psicanalítica? Esta decisão imparcial atingiria a finalidade constitucional da pacificação social? Parece-me que não. De outro lado, seria interessante adotar uma abordagem psicanalítica como ferramenta para dirimir conflitos sociais? Parece-me que sim, pois irei abordar os métodos de resolução de conflitos que adotam uma perspectiva psicanalítica - a conciliação e a mediação -. Este é o tema proposto para uma discussão relevante para a sociedade.
Palavras-chave: Direito das famílias, Direito das sucessões e psicanálise.
ABSTRACT
This study aims to make a critical approach regarding the timeliness of the problems of families in the law field, assuming the importance of psychoanalysis to family law and inheritance. Therefore, I will begin this study with an approach on the historical evolution of families, inheritances and Law, to get the relationship multidisciplinary view of these matters. Then aprofundarei study for major problematic issue, because until now, science still starts the legal debate about the importance of psychoanalysis in resolving legal conflicts of family and probate, discussions which began tentatively, but are gaining prominence every day, facing constant decisions involving the whole society and why not say the "psyche" of society. However, such debates, it seems to me, are shy, there is the need to stand out the importance of psychoanalysis as a concrete tool for social pacification of an attempt on his birthplace, or within, within, of family relationships. How can the judge decide a social conflict, especially family or inheritance without a psychoanalytical approach? This decision impartially reach the constitutional purpose of social pacification? I think not. On the other hand, it would be interesting to take a psychoanalytic approach as a tool to resolve social conflicts? I think yes, because I will address the methods of conflict resolution adopting a psychoanalytic perspective - conciliation and mediation -. This is the proposed topic for a discussion relevant to society.
Keywords: psychoanalysis, law, family succession and society.
INTRODUÇÃO
Tudo que diz respeito às famílias sempre será um assunto polêmico e interessante, até porque a natureza humana pressupõe a existência de uma constituição familiar e é família a responsável pelo desenvolvimento psíquico do ser, razão pela qual é tão importante para a nossa espécie.
A família no sentido de associação humana sempre trará assuntos difíceis de serem abordados, em razão de sua natureza complexa, no entanto, a mesma é evolutiva e substancial para o desenvolvimento do sujeito, tendo em vista que a família, nas palavras de Giselle Câmara Groeninga[1], é um “diferencial de nossa espécie, não só célula mater da sociedade, mas matriz de constituição do psiquismo, deste psiquismo humano que conhece para ser”.
Desta miscigenação ou pluralidade decorrem diversas formas de constituição familiar, uma pluralidade que faz com que a sociedade se adapte as inovações e a torne mais complexa e essa complexidade é inerente às famílias, que possuem uma diversificada dimensão biológica, social e espiritual, razão pela qual seu entendimento deve ser o mais amplo possível para abarcar todas as peculiaridades destas relações.
Assim, o natural para o estudo de uma matéria complexa como essa, é deixarmos de lado nossos preconceitos e nos lançarmos a uma análise ampla, utilizando, se possível, os mais diversos ramos científicos disponíveis.
O Direito deve se adequar as evoluções sociais, do contrário a evolução social acabaria por deixar a ciência jurídica ultrapassada.
Desta forma, a multidisciplinaridade me parece ser o mecanismo mais adequado para uma abordagem ampla e interpretativa destas matérias complexas, sobre tudo, para auxiliar o magistrado em suas decisões.
As contribuições de outras ciências, como por exemplo, a psicanálise, ao Direito das Famílias e das Sucessões, seria de vital importância à ciência jurídica, na busca pela pacificação social, pois melhor compreenderá as peculiaridades do caso concreto.
Desta forma, será abordada a interface do direito com a psicanálise, bem assim os métodos de resolução de conflitos que já utilizam os preceitos da psicanálise - a conciliação e a mediação - e busca contribuir para tornar o Direito menos propenso aos impulsos da coletividade e mais voltado ao estudo psicanalítico dos envolvimentos afetivos na intenção da diminuição dos conflitos familiares.
Este estudo se propõe a estudar os aspectos acima destacados, sob uma perspectiva epistemológica, histórica e conceitual, sem, contudo ter a pretensão de esgotar o assunto.
Para tanto, iremos iniciar o estudo a partir das famílias, sua origem e evolução; quais as entidades familiares reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudência; e a temática da afetividade. Após será tratado o instituto das sucessões e a sua problemática. Em seguida, trataremos do núcleo deste estudo, qual seja, a importância da psicanálise no direito das famílias e das sucessões, partindo da conceituação chegaremos à fenomenologia e aos métodos de solução de conflitos, principalmente no que diz respeito à conciliação e a mediação.
2 DAS FAMÍLIAS
2.1 As origens e evoluções do contexto familiar
O início deste estudo trata da origem das famílias e sua evolução histórica, para tanto, devemos conceituar o termo “família”, este termo é derivado do latim ‘famulus’, que significa escravo doméstico e, como tal, foi criado na Roma Antiga[2], após a terminação ganhou importância e ficou baseada no casamento e no vínculo de sangue[3].
Na Idade Média[4] a ligação começou a ser realizada por vínculos matrimoniais na formação de novas famílias e com a descendência gerada se formou a linhagem paterna e a materna, ou seja, duas famílias anteriores à gerada.
A família atualmente pode ser conceituada como uma unidade básica da sociedade formada por pessoas com ascendentes em comum ou com uma relação afetiva.
Importante frisar que, para fins sucessórios, o conceito de família se limita aos parentes consanguíneos em linha reta e aos colaterais até o quarto grau[5], conforme artigos 1.594 e 1.595 do Código Civil.
Diante da grande importância social, nosso ordenamento jurídico passou a tutelar as relações desses núcleos/entidades familiares entre os seus indivíduos, preocupando-se com suas consequências, daí decorre a origem do Direito das Famílias.
A legislação pátria foi criada por uma sociedade ainda conservadora, a qual acabou por estabelecer o reconhecimento de apenas duas formas de entidade familiar no nosso Código Civil, a primeira é o casamento e a segunda a união estável. Entretanto, a doutrina já reconhece outras quatro formas de constituição de entidades familiares: a união homoafetiva; a família monoparental; a entidade familiar unipessoal e; as famílias simultâneas.
Tratarei, em seguida, acerca das considerações mais relevantes acerca da afetividade das relações familiares.
2.2 A afetividade das relações familiares
Afetividade é à relação de carinho ou cuidado que se tem com alguém íntimo ou querido. É tido como um estado psicológico que permite ao ser humano demonstrar os seus sentimentos e emoções a outro ser ou objetos.
A psicanálise entende que o ser humano não nasce com seu eu formado, mas, sim, o constrói por si e pelas relações sociais que possui. Assim, a afetividade seria um processo por meio do qual um individuo investido de amor, constrói o seu eu, a partir do gostar de seus pares e descobre o prazer nesse gostar.
Todas as entidades familiares são abarcadas pelo afeto, por meio da interpretação do artigo 226[6] da Constituição Federal. Para alguns, a afetividade deve ser vista como princípio constitucional implícito.
Feitas estas considerações acerca da afetividade, recairei, no próximo capítulo deste estudo, sobre a análise do Direito das Sucessões.
3 DAS SUCESSÕES
A origem deste ramo do direito é remota, pois se liga diretamente ao instituto familiar, em razão de dizer respeito à regularização da transmissão de bens de pessoa falecida aos seus parentes diretos. Historiadores informam sua existência nas civilizações egípcia e babilônica, portanto, muito antes do nascimento de Cristo.
Coube ao Direito Justiniano o fundamento da sucessão legítima que se fundamenta unicamente no parentesco natural[7]. Tal sucessão é protegida até os dias atuais.
O Direito das Sucessões é entendido como uma instituição jurídica que disciplina a regularização da transmissão de patrimônio deixado por alguém em razão de sua morte (pessoa falecida). Assim, seria um conjunto de regras e princípios norteadores da transmissão de relações patrimoniais em razão da morte do seu titular.
O fundamento jurídico mais relevante do Direito das Sucessões, diz respeito a não permissão para que a morte venha converter o patrimônio de alguém em res derelicta[8], em coisa sem dono. Desta feita, o direito das sucessões estabelece os sucessores e regula a transmissão dos bens e das dívidas do autor da herança, limitadas as relações patrimoniais[9].
Diante do exposto, podemos considerar que a partilha do patrimônio de alguém falecido pode ensejar um grande atrito familiar. Passarei a tratar brevemente sobre possíveis problemáticas.
3.1 A problemática das sucessões
Podemos observar o quanto essas matérias - derivadas da sucessão - são complicadas de se lidar no dia a dia, tendo em vista que altera, por vezes de maneira drástica, as relações familiares por dizer respeito ao patrimônio das famílias implicadas.
O tradicionalismo de nossa legislação, como já posto, acaba por não contemplar a realidade fática das relações das famílias brasileiras, o que atrapalha tais relações quando objeto da esfera judicial, principalmente nas Varas Sucessórias. Por essa razão, existem várias questões sucessórias que não são fáceis de lidar, falarei de maneira simplificada sobre os fatos que ensejam mais polêmicas.
A primeira diz respeito sucessão do cônjuge e do companheiro, pois a ordem da vocação hereditária que se encontra no artigo 1.829 do Código Civil[10], estabelece que o cônjuge sobrevivente se encontra no terceiro posto, no entanto, não há menção ao companheiro sobrevivente, o qual só é tradado no art. 1.790 do Código Civil[11], com grande diminuição de importância, haja vista que apenas concorrem com os filhos comuns ou exclusivos do falecido nos bens advindos de aquisição onerosa na vigência de sua união estável (notem que não há menção a concorrência com filhos híbridos) e só arrecadam todos os bens apenas se não houver parentes sucessíveis da herança.
Existem outras polêmicas quanto à sucessão do cônjuge sobrevivente e do companheiro sobrevivente, diante da diversidade de tratamento existente no Código Civil, e muito se deve ao artigo 1.790 do Código Civil, considerado por grande parte da doutrina inconstitucional. Não fundamentarei este trabalho nestas discussões, por se tratar de um debate judicial, apenas informei-a a título de conhecimento.
O segundo ponto diz respeito à fragmentação da unidade familiar, haja vista que abertura da sucessão (momento da morte do autor da herança) se instala um momento traumático para toda a família, independente dos aspectos religiosos, pois representa a perda de um ente querido.
Quando esta perda está ligada a um problema quanto à divisão do patrimônio do falecido, por vezes, acaba por haver um “racha” entre os membros da família, advindo da divisão em si ou de questões familiares já existentes e que ganham dimensão em razão do confronto instalado.
As pessoas que atuam em unidades judiciárias de competência sucessória sabem que as brigas judiciais se arrastam por anos em razão de divergências familiares oriundas de uma relação já desgastada.
Não podemos esquecer que existem casos piores, são aqueles em que os herdeiros atentam contra a vida do seu ente para receber “de maneira antecipada” a sua fração da herança, podemos lembrar que, nos últimos anos, foram amplamente divulgadas na mídia diversas ocorrências que caracterizariam tais atos, que ensejam a indignidade[12]. São os casos de Suzane Louise von Richthofen e Gil Rugai, já condenados criminalmente por sua participação no assassinato dos pais.
Desta feita, devemos nos apoiar nos conceitos psicanalíticos e na possibilidade de designação de uma audiência de conciliação para sanear possíveis problemas advindos da relação familiar por ocasião do falecimento de um ente familiar.
Trataremos em seguida, sobre a importância da interface entre o Direito e a Psicanálise.
4 A IMPORTÂNCIA DA PSICANÁLISE NO DIREITO DAS FAMÍLIAS E DAS SUCESSÕES
4.1 Direito e a psicanálise
Alguns estudiosos entendem que a psicanálise teria como objeto a personalidade normal e a personalidade anormal, ou seja, seria na realidade o estudo da alma humana.
Assim, não é de se sobressaltar que a teoria psicanalítica criou uma revolução na concepção e no tratamento dos problemas afetivos. Atualmente, existe um grande interesse pela busca do inconsciente, de uma personalidade sadia, pelo comportamento anormal e pelo desenvolvimento infantil.
A doença afetiva da alma pode acarretar a doença do corpo e a desordens, tanto sociais quanto jurídicas, a visão retrógada da mera existência de delito quanto alguém não observava as determinações legais está sendo superada pouco a pouco, atualmente existe a busca pela prevenção, pois é entendido que os delitos, sejam quais forem, para os psicanalistas supõe um fenômeno de inadaptação social em que a parte ancestral da personalidade anímica vence o superego.
O Direito deve se reinventar se utilizando dos conceitos psicanalíticos, até porque a psicanálise e o direito estão presentes em todos os momentos da vida do homem, desde útero materno até a sua morte, e o direito atua diante do fato gerado pelos atos do homem e a sua repercussão na sociedade, cabe à psicanálise a busca pelos impulsos que antecedem a esses atos, para chegamos à razão que deu origem aos mesmos. Assim, existe uma relação evidente entre o direito e a psicanálise.
Um dos principais papéis da psicanálise, na abordagem interdisciplinar com o Direito, é o de tentar revelar o sujeito do inconsciente e trazer à tona a verdadeira razão do litígio, o que, por vezes, não é perceptível para as partes e para o magistrado, até porque o inconsciente desconhece causas e efeitos.
Neste momento da obra, acredito ser relevante discorrer acerca da fenomenologia, por se tratar de um instituto que auxilia a psicanálise, no que diz respeito à adequação dos termos filosóficos.
4.2 Fenomenologia
A Fenomenologia objetiva demonstrar a importância dos fenômenos da consciência e a necessidade do estudo concentrado nestes fenômenos, pois deles decorrem nossa vivência do mundo, ou seja, a análise de tais fenômenos faz com que possamos analisar os objetos ideais - criados em nossa mente -, onde cada fenômeno possui uma designação imaginada por uma palavra que representa a sua essência, sua “significação”.
Os objetos da Fenomenologia correspondem aos dados absolutos apreendidos em intuição pura, com o propósito de descobrir estruturas essenciais dos atos (noesis) e as entidades objetivas correspondentes (noema)[13].
Existe uma relação ambígua entre a
A psicanálise foi buscar na fenomenologia a interpretação dos fenômenos de consciência como significativos e a ideia de totalidade significante. Logo, a psicanálise busca no psiquismo humano uma perspectiva histórica de um trauma, para interpretá-lo e melhor entendê-lo.
Desta forma, chegamos à conclusão que a psicanálise e a fenomenologia são hermenêuticas do ser humano, que partem do cotidiano e visam decifrar um esquecimento, por meio da exegese, na tentativa de buscar o sentido oculto da existência.
4.3 Métodos de solução de conflitos
A humanidade desde sua criação nos apresentou um problema, tal problema persiste até hoje, o conflito, que é tido como um “problema”, fato que consiste em, no mínimo, divergências de interesses antagônicos, que necessitam de uma pacificação, por vezes externa a relação.
Trata-se de um fenômeno objetivo (fato circunstancial) ou subjetivo (de dentro do ser, muitas vezes inconsciente e difícil percepção).
No conflito não se enxerga mais um grupo, um interesse coletivo ou uma visão coletiva harmônica, mas, sim, um debate, um confronto, que necessita de um “vencedor”, por meio de uma resolução. Tal resolução se classifica em três grupos: autotutela, autocomposição e heterocomposição.
A autotutela é tida como a mais primitiva forma de resolução de conflito, nasceu com o homem na disputa dos bens necessários à sua sobrevivência e exercida pelo mais forte sobre o mais frágil. Com evolução social e a organização do Estado Moderno ela foi sendo mitigada pela ordem jurídica por representar sempre um perigo para a paz social. Entretanto, ainda é admitida em caráter excepcional[14]. Suas características são: a ausência de um julgador distinto das partes e a imposição da decisão de uma parte, muito geralmente o mais forte, em detrimento do outra, muito geralmente o mais fraco.
A autocomposição ocorre quando as partes envolvidas em um conflito chegam de comum acordo a uma solução que resolve o problema. A autocomposição se divide em: a) desistência: uma parte renuncia integralmente à sua pretensão a outrem; b) submissão: a parte contra a qual era feita a pretensão aceita-a e cumpre a prestação pretendida; c) transação: caracterizada por concessões recíprocas entre as partes. Qualquer delas pode ser processual ou extraprocessual[15]. Entretanto, em todas as espécies a disposição da vontade das partes é exclusiva, não há a intervenção de terceiro na propositura da solução do conflito. Em sendo este o caso – intervenção de terceiro – estaríamos diante da conciliação ou arbitragem, fora do conceito clássico de autocomposição. A mediação[16], por sua vez, é caso de autocomposição, pelo menos ao meu entender, pois um terceiro faz com que as partes cheguem a um acordo, e o mesmo não propõe como será tal acordo.
A heterocomposição é quando as partes buscam em outrem a resolução do conflito apresentado, normalmente é atribuída à arbitragem ou a tutela do Poder Judiciário.
Dentre as formas de resolução de conflito, as mais relevantes a este estudo são a conciliação e a mediação, as quais serão tratadas nos próximos capítulos.
4.3.1 A conciliação e a mediação
Os termos arbitragem, mediação e conciliação, ao leigo, podem parecer idênticos, mas há significativas diferenças técnicas que merecem ser destacadas. Por essa razão, tratarei, de início, da diferenciação simplificada destes institutos.
A arbitragem está prevista na Lei Federal n.º 9.307/1996, e nada mais é que uma forma particular de solução de conflitos. Nela, o árbitro – um terceiro – julga a controvérsia apresentada e impõe a solução. As partes ficam obrigadas a respeitar a decisão, contra a qual não cabe recurso, visto que o decisório arbitral tem efeito de sentença com força de coisa julgada.
A mediação, a sua vez, de maneira simplificada, é uma forma de solução de conflitos onde o mediador deve ser imparcial, cabendo-lhe auxiliar as partes na resolução do conflito e buscar convencê-las de que a melhor forma de solução do litígio é o acordo. O mediador não pode interferir ou sugerir termos ou condições; o terceiro imparcial orienta as partes para a solução da controvérsia, mas sem sugestionar, de forma a que as partes se mantenham autoras de suas próprias soluções.
Na conciliação, ao contrário do que ocorre na mediação, o conciliador deve participar, sugerir e apresentar soluções para que as partes cheguem a um acordo. O interveniente buscará, em conjunto com os interessados, chegar voluntariamente a um consenso. Para tanto, deve interagir e sugestionar junto às partes e buscar resolver o litígio, inclusive de forma a prevenir nova lide entre elas[17].
A conciliação é, portanto, medida tendente a prevenir novos litígios, ao passo que, existindo acordo entre as partes, devidamente homologado por sentença, despiciendo se torna a interposição de recurso, o que abrevia o cumprimento do decisório judicial, em relação ao qual os interessados tiveram papel preponderante na solução do conflito, que, no âmbito sucessório, diz respeito à partilha do patrimônio hereditário.
Para a pacificação dos conflitos, a despeito das diferenças verificadas, as técnicas de arbitragem, mediação e conciliação se constituem em instrumentos de grande potencial que devem ser estimulados.
4.3.2 Conveniência e legalidade da conciliação em juízo sucessório
Em agosto de 2006, a então presidenta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Ellen Gracie, lançou o Movimento pela Conciliação, com o slogan “Conciliar é legal”[18]. O objetivo consiste, por meio da cultura da conciliação, promover a mudança de comportamento dos agentes da Justiça, dos seus usuários, dos profissionais do direito e da sociedade.
A expressão “Conciliar é legal” tem, obviamente, duplo sentido: o primeiro diz respeito à conveniência e vantagem da conciliação para todos os envolvidos na demanda; o outro se refere ao aspecto da legalidade do procedimento conciliatório em juízo.
A conveniência da conciliação pode ser percebida quando se observa que a sentença judicial, quando imposta pelo magistrado, ante o conflito que lhe é apresentado por duas ou mais partes, põe fim ao processo judicial, mas o fato social, a contenda, muitas vezes continua sem solução. Por essa razão, devemos observar, quando da conciliação, os conceitos psicanalíticos para por um fim a um trauma dentro do seio familiar.
Taís Schilling Ferraz[19] lembra que a vida forense diária ensina que a melhor sentença não tem maior valor que o mais singelo dos acordos.
A jurisdição, enquanto atividade meramente substitutiva, dirime o litígio, do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos, mas não raro, ao contrário de eliminar o conflito subjetivo entre as partes, o incrementa, gerando maior animosidade. O vencido dificilmente é convencido pela sentença, e o ressentimento, decorrente do julgamento, fomenta novas lides, em um círculo vicioso.
Taís Schilling Ferraz[20] observa que, na conciliação, não existem vencedores nem perdedores. As partes constroem a solução para os próprios problemas e se tornam responsáveis pelos compromissos assumidos. Em consequência, resgata-se, tanto quanto possível, a capacidade de relacionamento. Ao magistrado, ao final, cabe, na conciliação, cumprir sua missão de pacificar verdadeiramente o conflito.
Quanto ao aspecto legal, eu em coautoria com Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho e Leonardo Ferraz Gominho[21], no livro Direito das Sucessões e Conciliação, defendemos que a conciliação é instituto previsto na própria Constituição Federal, que determina a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, em seu artigo 98. Cabe destacar que a audiência de conciliação, após as primeiras declarações[22], nas ações de inventário sob o rito comum, já tem previsão legal, infraconstitucional, não sendo necessária modificação da legislação processual civil, basta que o procedimento especial de inventário e partilha seja interpretado de acordo com a modificação introduzida no Livro I, pertinente ao processo de conhecimento, do Código de Processo Civil, conforme redação dos artigos 331, 447 e 448[23]. Outras normas constantes da legislação civil, penal e trabalhista incentivam esse instituto. Nesse contexto, inclui-se a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça em lançar o programa de estímulo à conciliação[24].
Acentua Taís Schilling Ferraz que o Conselho Nacional de Justiça e o Supremo Tribunal Federal buscam estimular e orientar os órgãos judiciários no caminho da conciliação, exortando as autoridades públicas e a comunidade jurídica em geral para a necessidade de revisão de seus dogmas, dos seus conceitos tradicionais.
A conciliação, amparada na Constituição Federal e na lei, traz maiores benefícios às partes e efetividade às demandas judiciais, como vem ocorrendo, também, no âmbito da Justiça Federal[25], especialmente nas demandas relativas aos financiamentos da casa própria, nos processos de cobrança de crédito comercial, nos processos de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), nas execuções fiscais e nas ações previdenciárias de concessão e de revisão de benefício[26].
Portanto, verifica-se a possibilidade da materialização da designação de audiência de conciliação no juízo sucessório.
CONCLUSÃO
Compreendendo os preceitos da conciliação e da mediação podemos observar que todos são, em certo ponto, conciliadores e mediadores, todos já intervieram em situações corriqueiras (discussão de familiares, relações entre amigos, relações do trabalho etc) para auxiliar na resolução de conflitos.
A autocomposição pode ser direta (apenas os conflitantes, por exemplo, negociação) ou indireta (participação de terceiro auxiliar ou inquisidor, por exemplo, a conciliação e a mediação). Seja qual a forma de composição o importante é a prevenção do conflito, não sendo bem administrada, a busca será pautada na tentativa da resolução do mesmo e aí entram os preceitos psicanalíticos para melhor resolvê-los.
A psicanálise em muito contribuiu e contribui ao ordenamento jurídico, acredito que a primeira grande contribuição foi à introdução da noção de sujeito do inconsciente. Com isso, os operadores do direito puderam compreender que o sujeito de direito é um sujeito que deseja, que necessita, que interage.
A noção de sujeito que deseja é primordial ao Direito Civil porque é por meio dele que se estabelecem ligações entre sujeitos, surgem os contratos, os negócios, as questões familiares, as questões afetivas e consequentemente os conflitos.
Ao chegarmos à esfera do sujeito que deseja, mesmo que inconscientemente, devemos nos voltar ao Direito das Famílias e das Sucessões, pois o sujeito só pode existir se nascer e para nascer existe uma família, que é a forma basilar da sociedade.
A família é entendida como núcleo essencial, e tal família não é apenas aquele existente fruto do casamento e da união estável, mas sim, todas as formas de entidades familiares reconhecidas tratadas no primeiro capítulo deste estudo. A família advinda do casamento, da união estável, a união homoafetiva, a família monoparental, a entidade familiar unipessoal e as famílias simultâneas, todas aquelas em que exista o principal fator: a afetividade, inclusive as que ainda estão por vir.
É dever de o Estado proteger a sua base, o seu pilar, a sua razão de ser, tal compreensão é a essência de uma sociedade, sem preconceitos, sem prejulgamentos haverá uma vida social mais harmônica, pautada no principal princípio de nossa Constituição Federal, o princípio da dignidade humana.
Com referência na dignidade humana chegamos ao novo princípio da afetividade, trazido sem sombra de dúvidas por uma construção histórica encabeçada pelo discurso psicanalítico.
Coube à psicanálise demonstrar ao ordenamento jurídico a importância do sujeito inconsciente, a importância da subjetividade, e daí decorre a afetividade como centro das relações, não mais o mero fator biológico.
Outro ponto importante trazido pela psicanálise é o apreço do Poder Judiciário em resolver de fato os conflitos existentes com prevenção a outros conflitos. Antes do magistrado atuava no sentido de sentenciar, acabar com um papel o conflito existente, contudo, foi observado que a sentença por si só não pressupõe o fim de um conflito, por vezes este se arrasta a outras instâncias, por vezes novos conflitos surgem da mesma relação ou apenas são jogadas embaixo da cama.
O novo direito busca resolver de fato os conflitos existentes, prevenindo novos e com a intenção de pacificar nossa sociedade. Para tanto, busca nos preceitos psicanalíticos novas formas de compor a demanda, de resolver os conflitos.
A mediação e a conciliação, para serem efetivas, devem ser pautadas nos preceitos da psicanálise. É necessário o respeito, a escuta ativa, o empoderamento, a necessidade de se colocar no lugar do outro, a busca pelo restabelecimento da comunicação, a necessidade de se buscar soluções que estabeleçam a continuidade das relações, a preocupação com os sentimos.
A importância da fala ganha destaque, tanto na conciliação como na mediação existe o velho jargão: “é conversando que agente se entende”, e é na escuta que se opera.
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de; GOMINHO, Leonardo Barreto Ferraz; GOMINHO, Leonardo Ferraz; Direito das sucessões e conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias. Maceió: EDUFAL, 2010.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2010.
GOMES, Orlando. Sucessões. 14 ed. rev., atual. e aumentada de acordo com o Código Civil de 2002/ por Mario Roberto Carvalho de Faria. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 11.
GROENINGA, Giselle Câmara. Família: um caleidoscópio de relações. Direito de família e psicanálise. Rumo a uma nova epistemologia. (Coord.) Giselle Câmara Groeninga e Rodrigo da Cunha Pereira. Rio de Janeiro: Imago, 2003, p. 125.
MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de processo civil interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 9. ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2010.
VELOSO, Zeno. Lei n.º 11.441, de 04.01.2007: Aspectos práticos da separação, divórcio, inventário e partilha consensuais. Belém: ANOREG/PA, 2008.
WINKIPEDIA. Fenomenologia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Fenomenologia>. Acesso em: 15 jan. de 2013.