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Da inconstitucionalidade da incidência de ISSQN sobre as operações de locação de bens móveis

Agenda 07/01/2016 às 09:13

As fazendas públicas municipais, sob a parca argumentação de isenção heterônoma, continuam a tributar as locações móveis. O texto demonstra a jurisprudência consolidada com entendimento pela inconstitucionalidade dessa prática.

1. Introdução

O presente artigo tem o objetivo de revelar as características do ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), bem como suas hipóteses de incidência. A partir de uma análise criteriosa das possibilidades em que esse imposto é devido, iremos demostrar a inconstitucionalidade advinda da cobrança desse sobre as locações de bens móveis.

O desenvolvimento do presente trabalho terá como base, principalmente, a análise jurisprudencial sobre o tema, objetivando demostrar o posicionamento atual majoritário observado nas Cortes superiores.


2. Das Características do Imposto

O chamado ISSQN – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - é um Imposto de competência municipal, previsto no artigo 156, inciso III, da Constituição da República de 1988. Seu fato gerador decorre da realização, por empresa ou profissional autônomo, das atividades descritas na Lei Complementar número 116/2003, ainda que esses serviços prestados não se constituam como atividade preponderante do prestador.

Em regra, seu recolhimento é feito para o município sede do estabelecimento do prestador, sendo devido o pagamento somente ao município no qual o serviço foi prestado, nos casos em que sua realização ocorre no estabelecimento do cliente, tal como prevê o artigo 3° da Lei Complementar n° 116/2003.

As empresas e os profissionais autônomos que prestam serviços tributáveis são seus contribuintes, porém, cabe aos municípios e ao Distrito Federal atribuir aos prestadores de serviços a responsabilidade de recolher o ISSQN, tendo como base de cálculo o valor do serviço prestado. Devido ao pacto federativo e à autonomia decorrente de seus entes, as alíquotas utilizadas podem variar de um município a outro, sendo limitada pela União, que fixou alíquota máxima de 5% (cinco por cento) e mínima de 2% (dois por cento), conforme se observa pela leitura do artigo 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF/88.

Em linhas gerais, observa-se que o ISSQN tem função predominantemente fiscal, servindo de grande meio de arrecadação aos municípios e ao Distrito Federal. Porém, em que pese a possibilidade de recebimento dessas verbas pelos cofres públicos, pelos princípios da taxatividade, tipicidade cerrada e legalidade, a sua incidência somente pode ocorrer nos casos expressamente previstos em Lei. Dessa maneira, passamos a discorrer acerca da inconstitucionalidade da incidência do citado imposto sobre a locação de bens móveis.


3. Da análise jurisprudencial do tema

Atualmente a questão levantada é pacífica, haja vista que, no dia 04.02.2010, foi aprovada a proposta de Súmula vinculante, encaminhada pelo Ministro do STF, Joaquim Barbosa, que deu origem à Sumula Vinculante n° 31, com a seguinte redação: “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis”. A edição dessa súmula teve como parâmetro principal a decisão do Plenário no Recurso Extraordinário 116.121-3/SP, mas também se baseou em outros precedentes.

Nesse ponto, uma vez que a decisão está sumulada, vinculando os órgãos julgadores, inclusive em sede administrativa, é de extrema importância que se faça a análise do entendimento adotado pelos Ministros do STF, para que possamos compreender o instituto de forma plena e analisar as repercussões provenientes da decisão tomada. Para tanto, passamos a analisar os argumentos levantados à época da decisão do recurso paradigma (RE 116.121-3/SP), tomando como referência os argumentos levantados pelo contribuinte, pelo Fisco e pela Jurisprudência.


4. Dos Argumentos do contribuinte sobre a inconstitucionalidade do tema

No estudo do Recurso Extraordinário paradigma, observa-se que, em seu favor, o contribuinte sustentou ser inconstitucional a incidência de ISSQN sobre a atividade de locação de bens móveis, em razão de não se tratar de serviço propriamente dito. Naquele momento, apontou que a locação de bens móveis constitui obrigação de dar, ao passo que serviços, por sua vez, constituem obrigação de fazer.

A alegação se baseou no fato de não haver atividade pessoal desenvolvida pelo locador, de forma a desqualificar a atividade locatícia enquanto prestação de serviços, tal como pretendia o Fisco. A base legal para essa ponderação se fundamentou no artigo 110 do CTN - Código Tributário Nacional, que estipula que “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo ou o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados pelas constituições estaduais ou por leis orgânicas, de maneira a definir ou limitar competências tributárias”, afirmando que a interpretação que qualifica a expressão “locação de bens móveis” como serviço prestado, como pretende o Fisco, viola o dispositivo elencado acima.

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Assevera ainda que é característica dos contratos de locação o regresso da coisa locada ao seu dono, ao passo que o serviço prestado pertence a quem pagou por ele, não sendo suscetível de restituição.


5. Dos argumentos do fisco e da jurisprudência dominante à época

Por sua vez, o Fisco, juntamente com a jurisprudência dominante à época (nesta inclusas os Ministros vencidos: Octavio Galloti – Ministro Relator designado para o caso, Carlos Velloso – Ministro Presidente, Ilmar Galvão, Nelson Jobim e Maurício Corrêa) apontaram que a atividade de locação de bens móveis constitui venda de bem imaterial, no sentido de que há uso de bem, mediante remuneração.

Afirmaram que, o que se destaca, no concernente à possibilidade de incidência de ISSQN sobre locação de bens móveis, não é o uso ou o gozo da coisa em razão de contrato de locação, mas a utilização conferida à coisa na prestação de um determinado serviço e a atividade que se presta com o bem locado. Desta feita, a atividade prestada com o referido bem objeto do contrato de locação, materializaria a prestação de serviço. Ressalta-se que este posicionamento traz no seu bojo forte influência da “realidade econômica” no momento de interpretação do Direito.

Sugerem ainda que, segundo o entendimento da jurisprudência dominante naquele momento, haveria, sem dúvidas, parcela da atividade de locação de bens móveis que se caracterizaria como prestação de serviços. Citaram, ainda, a título de exemplo, a obrigação do locador de por o bem à disposição do locatário e a obrigação de manter as condições para o uso regular e pacífico do bem objeto da atividade locatícia pelo locatário.


6. Dos argumentos dos Ministros vencedores do debate

No entanto, o posicionamento que terminou por determinar o novo entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no que concerne à incidência ou não do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza sobre locação de bens móveis, foi o adotado pelos Ministros Marco Aurélio (Ministro Relator para o Acórdão), Ministro Celso de Mello, Ministro Sepúlveda Pertence, Ministro Sidney Sanches, Ministro Moreira Alves e Ministro Néri da Silveira.

Segundo o entendimento prevalecente, a hipótese de incidência do ISSQN pressupõe, conforme a sua própria nomenclatura revela, a existência de uma prestação de serviço necessariamente e não a existência de uma locação de bens móveis. Em outras palavras, afirmaram que inexiste, na hipótese de atividade locatícia, o núcleo exigido para a incidência do ISSQN, qual seja, o serviço prestado.

Segundo os Ministros, as definições de locação de serviços e locação de bens móveis são aquelas retiradas do Código Civil, de maneira que o legislador complementar fez constar no CTN o preceito disposto em seu artigo 110 somente por razões pedagógicas.

Apontam para a irrelevância do aspecto econômico quando este se mostra contrário ao modelo constitucional do tributo, de maneira que a visão econômica fica em segundo plano quando confrontado pela definição dos institutos envolvidos (in casu, a definição de locação de bens móveis).

Alegam que o que se deve destacar, no tocante à discussão em comento, não é a destinação conferida ao bem locado, mas a atividade principal exercida pelo contribuinte que, no presente caso, é a atividade locatícia, de maneira que o “serviço” que se presta é, de fato, a locação. Ou seja, o efeito real do “serviço” prestado é a locação, especialmente em função de a parcela da atividade locatícia caracterizada como serviço ser insignificante, não devendo ser levada em consideração no momento de qualificação da referida atividade.

Ressalvaram ainda o fato de ser a lista de serviços elencados como passíveis de incidência de ISSQN rol taxativo. A qualificação de locação de bens móveis como serviço (para efeitos de tributação) caracteriza manipulação de conceitos e, via de consequência, na violação das competências impositivas estipuladas pelo texto constitucional, além de violarem o preceito trazido pelo artigo 110 do CTN.

Em suma, defenderam que deve prevalecer a definição de cada instituto, conforme inicialmente reconhecidos pelo direito privado, de maneira que somente a prestação de serviços (considerados nesta a participação direta do esforço humano), deve ser enxergada como fato gerador do ISSQN.

Assim, pelos argumentos expostos acima, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, por conhecer do Recurso Extraordinário. E, vencidos, conforme mencionado anteriormente, os Ministros Octavio Galloti – Ministro Relator designado para o caso, Carlos Velloso – Ministro Presidente, Ilmar Galvão, Nelson Jobim e Maurício Corrêa, a maioria decidiu dar-lhe provimento, declarando, por via incidental, a inconstitucionalidade da expressão “locação de bens móveis” como hipótese apta a atrair a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.


7. Conclusão

Dessa forma, em consideração ao preceito disposto no artigo 110 do Código Tributário Nacional, segundo o qual não é dado à lei tributária o poder de alterar a definição, o conteúdo ou o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados pelas constituições estaduais ou por leis orgânicas, de maneira a definir ou limitar competências tributárias impositivas estipuladas pelo texto constitucional; levando em conta ainda que, mesmo na inexistência do preceito imposto acima, seria vedado ao legislador complementar manipular conceitos e definições em razão de ver ampliada as hipóteses de incidência de um dado tributo, visto a ocorrência de vício insanável de inconstitucionalidade; observando também que a definição da atividade de locação de bens móveis em nada se assemelha com a noção de prestação de serviços, especialmente em razão de constituir, a primeira, obrigação de dar e, a segunda, obrigação de fazer, vinculada diretamente à ocorrência de esforço humano, é de se entender correto o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal quando da decisão do Recurso Extraordinário nº 116.121.

Nesse sentido, resta evidente a inconstitucionalidade da incidência de ISSQN sobre a locação de bens móveis, tendo sido acertado o posicionamento majoritário do STF, que engendrou a criação da Súmula Vinculante n° 31.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMÃO, Raul Protazio. Da inconstitucionalidade da incidência de ISSQN sobre as operações de locação de bens móveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4572, 7 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45657. Acesso em: 14 nov. 2024.

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