Introdução
A reforma do Estado vem sendo tratada e discutida desde os albores do século XVIII, quando surgiram as primeiras publicações de relevo, e através dos escritos do ilustre filósofo francês Montesquieu [1], com relação à formação de um Estado Democrático de Direito, em contraposição ao Absolutismo Despótico, que até então reinava em França, nos quais pregou suas idéias demonstrando respeito e importância a valores e princípios imprescindíveis a qualquer nação.
Nesse mesmo século, a partir da reconstrução desse Estado, é que se teve curso um movimento na adoção de uma política tributária capaz de acompanhar e atender às necessidades dessa dinâmica. Desta forma, pode ser dito que a história do imposto " justo" é a própria da formação dos Estados modernos [2].
Tanto Rousseau [3] quanto Montesquieu, precursores da Revolução Francesa, defendiam que um Estado que desejar construir uma sociedade livre, justa e solidária, na qual seus cidadãos podem exercer seus direitos e prestar suas obrigações, deverá preservar a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Traduzindo isto sob a forma de necessidades da sociedade, o Estado, para o atendimento de tais pleitos, precisa de recursos e os consegue através da cobrança de tributos. Amado por uns, e odiado por outros, o tributo vem ao longo dos tempos sobrevivendo às diversas mudanças que estão submetidas à sociedade. No entanto, sabe-se que para manutenir o bem estar e o convívio social demandado por esta, a importância e essencialidade de cobrança do tributo é sabida e admitida.
Outrossim, ressalta-se que os argumentos que justificam a existência e manutenibilidade do tributo permanecem de certa forma incompreendidos por aqueles que compulsoriamente são levados a recolhê-lo ao Erário Público, ainda mais, num cenário de mudança legislativa constante, no qual o contribuinte tem a difícil tarefa de acompanhar e cumprir a legislação em vigor.
As mudanças legislativas constantes e desfocadas da vontade geral da sociedade, as quais estão sujeitas também às leis tributárias ganham corpo nas palavras de Rosseau quando trata do tema Abuso de Governo e a Propensão a sua Degeneração, que prega com tremendo brilhantismo a situação, a saber:
"Assim como a vontade particular age sem cessar contra a vontade geral, o governo faz um esforço contínuo contra a soberania. Quanto mais aumenta este esforço, mais se altera a constituição: e como não há outra vontade do corpo que, resistindo à do príncipe, possa equilibrar-se com ela, sucede mais cedo ou mais tarde, que o príncipe oprime por fim o soberano e quebra o laço social. Este é o vício inerente e inevitável que desde o nascimento do corpo político tende sem trégua a destruí-lo, assim como a velhice e a morte destroem, por fim, o corpo humano."
Será que com mudanças legislativas tributárias constantes poderemos ter um Estado Forte ? Estaria este Estado praticando justiça fiscal ? Ora, usando este modelo, se Esparta e Roma sucumbiram, qual seria o Estado que poderia durar para sempre ? Não se deve intentar o impossível nem dar à obra humana uma solidez que as coisas humanas não comportam.
Destacou ainda Rosseau sobre o Estado mais bem organizado e que planejava suas ações em consonância com as demandas da sociedade, que: "como o homem, começa a morrer desde que nasce e leva em si mesmo as causas da sua destruição." E ainda: "O melhor constituído perecerá, porém, mais tarde que o outro, a não ser que algum acidente imprevisto venha acelerar sua perda." Portanto, entendo que um Estado forte deve possuir um ordenamento jurídico forte e bem estruturado.
Ademais, este Estado deve ter em seus Poderes Legislativo e Executivo papeis de destaque, pois representam em parte toda a autoridade soberana que este deve possuir. Reforçando este argumento, Rosseau ainda acrescenta que:
"(...)Não é pelas leis que o Estado subsiste, senão pelo Poder Legislativo. A lei de ontem, hoje não obriga; porém o consentimento tácito presume-se pelo silêncio e o soberano não necessita confirmar incessantemente as leis que não derroga, podendo, todavia fazê-lo. Tudo quanto declarou querer uma vez, a não ser que o revogue.
Por que, pois, o respeito às velhas leis ? Por isso mesmo. Deve supor-se que somente sua excelência foi o que as conservou. Se o novo força em todo o Estado bem constituído: o preconceito da antiguidade as faz cada dia mais veneráveis. Por outra forma, onde soberano não as considerasse constantemente úteis, as teria revogado uma e mil vezes. Por isso, longe de enfraquecerem, as leis adquiriram incessantemente as leis se debilitam envelhecendo, fica provado que não há mais poder legislativo e o Estado perece."
Hodiernamente, o preceituado em nossa Magna Carta de 1988, na qual atestamos tais valores e princípios retrocitados, muito embora de forma teórica àqueles preconizados pelos precursores da Revolução Francesa, demonstram sob o ponto de vista fático que em alguns casos o tratamento das questões fiscais à luz da política de Administração Tributária em vigor por parte do Estado brasileiro, não passa de uma grande falácia. Na verdade, nos moldes atuais nos quais nos encontramos, a inépcia ou incapacidade do Estado em poder construir ou reformar nossa sociedade tornando-a equilibrada é notória. O espólio pelo excesso de tributos e com o comprometimento enorme da capacidade contributiva do sujeito passivo é característica marcante de um Estado descontrolado em suas contas públicas, desprovido de um Planejamento Estratégico e que não respeita o prescrito constitucionalmente em seu Orçamento.
É neste contexto, isto é, visando à necessidade de mudanças no modelo de tributação até então em vigor, que o Congresso Nacional vem trabalhando já há algum tempo, para implementar uma Reforma Fiscal mais justa, sem visar um aumento de carga tributária. No entanto, com este sentido, para que ocorra uma mudança de filosofia arrecadatória, deparamos com questões que devemos empreender cuidados, tal como o impacto de mudança legislativa ao pacto federativo. É de ponto que tratarei daqui por diante.
Evolução histórica do Federalismo
Afinal de contas o que vem a ser o Federalismo ? Ora, muitos doutrinadores e filósofos trataram desse tema. Roque Antonio Carraza [4] assevera que por considerar errônea a suposição dos que buscam um conceito definitivo, universal e inalterável de Federação, apoiando-se nos arquétipos do modelo americano. Entrementes, o autor defende sua posição afirmando que a "Federação é apenas uma forma de Estado, um sistema de composição de forças, interesses e objetivos que podem variar, no tempo e no espaço, de acordo com as características, as necessidades e os sentimentos de cada povo". E conclui que "Federação é uma associação, uma união institucional de Estados, que dá lugar a um novo Estado (o Estado Federal), diverso dos que dele participam (os Estados-membros). Nela, os Estados Federados, sem perderem suas personalidades jurídicas, despem-se de algumas tantas prerrogativas, em benefício da União. A mais relevante é a soberania."
Nestes termos J.J.Canotilho (5) também expressa seu entendimento quando trata do conceito de Estado e então preleciona: "O Estado é, assim, uma forma histórica de organização jurídica do poder dotada de qualidades que distinguem de outros poderes e organizações de poder. Quais são essas qualidades? Em primeiro lugar, a qualidade de poder soberano. A soberania, em termos gerais e no sentido moderno, traduz-se num poder supremo no plano interno e num poder independente no plano internacional."
O Estado federal é uma das formas clássicas de Estado e, portanto, um dos modelos de organização estatal. O federalismo, enquanto fenômeno jurídico-político de organização do Estado, tem sua origem na formação dos Estados Unidos da América, no século XVIII. Tratarei então um pouco da origem de tal forma de Estado para melhor entendê-la. A fusão das 13 colônias inglesas promoveu a gênese da federação americana e com isto houve a necessidade de se promulgar uma Constituição Federal, que traria em seu corpo os princípios e valores norteadores de um Estado Democrático de Direito. Para que ocorresse a unificação, cada Estado-membro abriu mão de uma parcela de seu poder repassando para a União. Assim, vários aspectos foram trazidos à pauta por esta Constituição: a União detinha uma esfera de poder e representava a coletividade dos Estados federados, o sistema de governo adotado foi o bicameralismo, previu-se a separação de poderes e competências dos Tribunais Superiores, e por fim, implantou-se a Declaração de Direitos (Bill of Rights).
Hodiernamente, na federação americana atual idealizada o Estado federal teve novas incumbências. Pregou-se uma evolução na forma de Estado que passou a ser denominado de "federalismo moderno", na qual o Estado deveria resolver os problemas da vida social que é função delegada ao governo federal; e os Estados federados são soberanos nas suas esferas de diligências.
Com o passar dos tempos, o federalismo cooperativista foi tomando o lugar do federalismo dualista. O primeiro tem a principal característica de o poder se concentrar no governo federal, e se fundando em uma interação federal-estadual para a solução de objetivos comuns, tais como: problemas sócio-econômico e resolução das necessidades públicas. Ademais, no federalismo cooperativo os Estados são tidos como células administrativas que complementam a política federal. Tendo como enfoque a política descentralizada. Com essa nova estruturação, fica evidente que se ampliou os poderes da federação, por sua vez limitando os poderes dos Estados-membros.
Na verdade, o Estado federal é uma união de Estados de Direito Constitucional, isto é, o resultado de um pacto de união indissolúvel entre Estados independentes para a formação de um novo Estado, segundo parâmetros normativos estabelecidos numa Constituição (como é o caso dos Estados Unidos da América), ou o resultado de uma opção do poder constituinte originário ao organizar os elementos constitutivos do Estado (como é o exemplo da República Federativa do Brasil). Em ambas as situações os entes federados se regem por um princípio de igualdade jurídica interna e passam a ser dotados de autonomia política, segundo o sistema de repartição de competências previsto na Constituição.
O federalismo, à luz do direito alemão [6], expressa como princípio fundamental político, a livre unificação de totalidades políticas diferenciadas, fundamentalmente, com os mesmos direitos, em regra regionais que, deste modo, devem ser unidas para colaboração comum. Essa idéia fundamental, fixada amplamente e elástica, pode realmente experimentar concretizações diferentes que se transformam historicamente, as quais dependem, em grande parte, do sentido e tarefa da ordem federativa. Sentido e tarefa da ordem federativa podem, uma vez, consistir nisto, formar e conservar unidade política, sem abolir a particularidade dos membros, unir diversidade e unidade uma com a outra. Isso pressupõe uma certa homogeneidade dos membros, do mesmo modo, porém a diferença de sua individualidade, cuja garantia é condição da união. Ao contrário, ordem federativa pode servir à divisão de um corpo global político até agora uniforme, que deve ser preservado pela construção federativa da desintegração completa. Sua tarefa e função podem unir-se, finalmente, com requisitos de organização apropriada e servir ao complemento e fortalecimento da ordem democrática e estatal-jurídica. Nisso, federalismo pode separar-se de idéias tradicionais. Ele não se converte com isso, entretanto, em princípio sobrevivente. Caracteriza a estatalidade federal da República Federal da Alemanha, que nela a função da ordem federativa deslocou-se daquela formação da unidade política mais para essa terceira função.
Diante do federalismo americano e do que ressaltei para o federalismo alemão passarei a comentar a evolução do federalismo brasileiro. Diferentemente do federalismo americano, enquanto eles fundiram as treze ex-colônias se integrando; nosso Federalismo surgiu de forma avessa ao dos Estados Unidos da América. Praticamos mudança de uma ordem centralizada (Estado Unitário) no Império para uma ordem de federação de repartição de poderes e competências. A República Federativa foi então instaurada provisoriamente, no Brasil pelo Decreto nº. 1, de 15 de novembro de 1889, baseada nas reivindicações do Manifesto Republicano de 1870, derrogando, assim, a monarquia de D. Pedro II, pondo fim ao período imperial no território brasileiro.
Em 24 de fevereiro de 1891 foi promulgada a primeira Constituição dos Estados Unidos do Brasil, que ao institucionalizar a Federação seguiu o modelo do federalismo dualista. A constituição, ainda, estabeleceu que o Brasil se compunha de vinte Estados-membros derivado das províncias e o Rio de Janeiro, a primeira Capital da República, como Distrito Federal.
Na primeira Constituição Federal, na visão de PINTO FERREIRA [7], se caracteriza por preterir uns Estados aos outros, que assim assevera:
"Estabeleceu um regime de competências divididas entre a União e os Estados-membros. Estabeleceu também um sistema de divisão de rendas. Aos Estados-membros se reservaram inúmeros poderes e mesmo houve um certo exagero do estadualismo, porque no fundo a política brasileira de então foi a política dominante nos grandes Estados da Federação brasileira, especialmente São Paulo e Minas Gerais, os dois Estados mais fortes da Federação."
Na Primeira República, não houve uma congregação do direito brasileiro. O ponto relevante, talvez, seja, a edição do Código Civil datado de 1916, instituindo assim para todo o território um direito substantivo único, pois o direito processual cada qual possuía o seu. O governo federal, indiretamente, é quem controlava os Estados-membros restringindo, de certa forma, a sua autonomia.
No período de 1937 a 1945, o Presidente da República Getúlio Vargas, com comandos positivos e inobservando a Constituição Federal, praticamente, suprimiu o federalismo, havendo um centralismo exacerbado nas mãos do ditador. Com o Decreto-lei nº 1.202/39 prescrevia que os governadores dos Estados eram interventores da União. A proeminência do Poder executivo pode ser ressaltada, citado por Walter Costa Porto [8], conforme destaco abaixo:
"A autoridade única e individual do Estado é concentrada na pessoa do Presidente da República".
Na Constituição do Brasil de 1946, a estrutura e as linhas gerais assemelham-se às da Constituição de 1891, mas sem a rigidez presidencialista desta, várias inovações foram apresentadas. O País vive momentos de glória, o êxtase da democracia reina entre a população. É previsto constitucionalmente, entre outros, os direitos e garantias individuais, a interferência econômica mínima da União nos Estados, ainda, restabeleceu a autonomia dos municípios e a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas e desaparecendo as referências à bitributação das Constituições de 1934 e de 1937, segundo descreve Aliomar Baleeiro [9]:
"As constituições anteriores à de 1946 sacrificaram os municípios, restringindo-lhes a autonomia e desfavorecendo-os na discriminação das rendas públicas. Os constituintes de 1946, para modificar este quadro, deram aos municípios, entre outros benefícios, todo o imposto de industria e profissões, uma quota em partes iguais no rateio de 10% de Imposto de Renda, excluídas as capitais."
No período da redemocratização, os Estados-membros passaram a ser, de certa forma, autônomos legislativa e politicamente, o mesmo se aplicando aos municípios, o que não detinham era autonomia financeira. Consagrou-se nesta época a harmonia entre os três poderes, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Ocorreram quatro eleições para Presidente da República, nesses 18 anos, de 1946 até 1964, além, de inúmeras seleções para as casas legislativas federais, estaduais e municipais, os cidadãos exerceram alguns dos direitos garantidos constitucionalmente, inerentes a cidadania, que pelo sufrágio escolheram os seus representantes.
Em 1964, com a publicação do Ato Institucional houve drásticas modificações na Constituição. O principal impacto para o federalismo foi a redução das prerrogativas dos Estados, na limitação dos seus poderes de organização, na sua maior submissão a um planejamento global, regional e setorial da União, iniciou-se uma involução do processo histórico de nosso federalismo [10]. Em se tratando de cooperação e ajuda da União aos Estados-membros só ocorreria em extrema urgência e de relevante penúria.
Os Atos Institucionais subseqüentes filtraram a autonomia do Poder Legislativo promulgando uma "nova Constituição em 1969", na qual estabeleceu uma maior amplitude de competências e atribuições legislativas a União. Também, incumbiram ao Supremo Tribunal Federal a competência para solucionar litígios entre os Estados federados e a União.
Para o nobre parlamentar e constitucionalista MICHEL TEMER [11], que assim expõe:
"Essa Constituição, portanto, concentrou poderes na União e, nesta, na figura do chefe do Executivo. Por isso, não há como negar a evidência: a Federação norte-americana foi a inspiradora dos federalistas brasileiros. mas o Brasil muito se afastou, depois, daquela fonte iluminadora."
Portanto, nesse período militar o federalismo era formalmente aplicado, ou seja, não passava de uma mascara, pois o poder político-econômico quem o detinha era o governo federal. Para FERREIRA FILHO [12], nessa década, surgiu um moderno tipo de federalismo, o federalismo integrativo.
O militarismo vedou qualquer forma de crescimento do federalismo, ao contrário, podou o seu desenvolvimento, restringindo os federados de caminharem sozinhos. Superada esta fase de quase escuridão o federalismo trilha por uma fase neutra, que se intercala entre o período militar e a Constituição de 1988.
O que ocorreu no Brasil é que o federalismo marchando, paulatinamente, estruturou e se reergueu. Afirmado nos princípios e nas idéias primordiais da convenção da Filadélfia, se adaptou aos movimentos que deram origem ao novo Estado, organizados em Estados federados, preparando-se para a nova fase democrática brasileira.
Baseada em idéias e argumentos fortes, particulares da necessidade do povo brasileiro, com a participação popular (representados por seus Deputados Federais e os Senadores da República representando os seus respectivos Estados federados) fizeram a reforma de 1988.
Em 5 de outubro de 1988, é promulgada a Constituição Cidadã, assim declarada pelo ilustre e falecido tragicamente Deputado Ulisses Guimarães. A Carta Magna afirma taxativamente que o pacto na Federação é indissolúvel, que a Constituição é soberana e os Estados-membros são autônomos, nunca soberanos. Por fim, a federação é a forma de Estado cujo objetivo é manter reunidas autonomias regionais.
O federalismo implantado com a Constituição Federal de 1988 visa a disseminar competências e poderes aos entes políticos: União, Estados federados, Municípios, Distrito Federal. Todos dotados de autonomia política, administrativa e tributária. A partir de outubro de 1988 o Município adquiriu a qualidade de ente federativo, o que não ocorria antes. E, também, a nova Carta Magna estabeleceu áreas de atuação conjunta de todos os entes federativos, especialmente, em matérias de relevante interesse social.