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As licitações exclusivas e outros benefícios legais concedidos a microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações públicas.

Adequação frente ao novo regulamento em vigor a partir de 2016

Agenda 14/01/2016 às 20:54

Entra em vigor, a partir de janeiro de 2016, o Decreto nº 8.538/2015,que traz novidades e esclarecimentos sobre o tratamento diferenciado nas licitações às microempresas, empresas de pequeno porte e outros tipos societários.

Uma importante mudança legislativa e que impacta diretamente nas licitações públicas e, por consequência, nas contratações delas decorrentes entrou em vigor em 05 de janeiro de 2016.

Trata-se do Decreto nº 8.538/2015, norma federal que regulamenta o tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para as microempresas, empresas de pequeno porte, agricultores familiares, produtores rurais pessoa física, microempreendedores individuais e sociedades cooperativas de consumo nas contratações públicas de bens, serviços e obras no âmbito da Administração Pública Federal.

O comando normativo em questão segue uma diretriz da Constituição da República que determina a necessidade do estabelecimento de políticas públicas que assegurem benefícios, especialmente, às microempresas (ME) e às empresas de pequeno porte (EPP) com o objetivo de reduzir a desigualdade existentes entre tais empresas e os demais tipos societários.

Apesar de ter sua aplicação limitada aos órgãos da administração pública Federal (direta e indireta), a mencionada norma funciona como base para elaboração de modelos para legislações municipais/estaduais ou é, até mesmo, utilizada de modo subsidiário por estes entes em seus editais de licitação enquanto perdurar a ausência de uma normatização própria a respeito do tema. 

É de se reconhecer, no entanto, que a inserção de benefícios no âmbito das licitações às ME/EPP já havia se dado originalmente por meio da Lei Complementar nº 123/2006, podendo-se citar, em resumo, como principais vantagens disponibilizadas:

i) a concessão de prazo para comprovação da regularidade fiscal na fase de habilitação. Nesta hipótese, a ME/EPP possui prazo de até 05 (cinco) dias úteis, prorrogáveis, para apresentar as certidões fazendárias, podendo, inclusive participar do certame licitatório sem apresentá-las inicialmente;

ii) uso de critério preferencial para desempate ao final da fase de propostas comerciais. Caso a proposta financeira mais vantajosa após a fase de lances (Pregão) ou depois de abertas as propostas comerciais (demais modalidades) não tenha sido ofertada por ME/EPP, a comissão de licitação ou pregoeiro deverá obrigatoriamente se certificar da existência de preços ofertados por ME/EPP que eventualmente sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada (Concorrência, Tomada de Preços e Convite). Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido é de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço. Em ambas as situações, a norma considera a ocorrência de um empate (ficto), permitindo-se à ME/EPP o direito de apresentar uma nova oferta (inferior ao menor preço até então apurado na disputa) no prazo máximo de 5 (cinco) minutos;

iii) a promoção de processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);

iv) a possibilidade de exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte em processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços; e

v) o estabelecimento de uma cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte em certames licitatórios que se destinam à aquisição de bens de natureza divisível. 

Agora, com a edição do Decreto nº 8.538/2015, algumas inovações foram efetivadas, bem como dúvidas e pontos obscuros esclarecidos. Finalmente restaram definidas, de modo um pouco mais conceitual, as condições necessárias à aplicação efetiva das concessões legais atribuídas às ME/EPP.

Isso se fazia extremamente necessário, uma vez que dezenas de entidades implementaram e ainda permanecem promovendo procedimentos licitatórios destinados exclusivamente às ME/EPP ou então impondo outras concessões de modo bastante equivocado.

Como exemplo, veja-se o caso do dever imposto pela já citada norma quanto à promoção de processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

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Lamentavelmente, muitos órgãos públicos realizaram indevidamente certames impedindo a participação e oferta de propostas de outros tipos societários, privilegiando irregularmente ME/EPP. Isso porque, de acordo com a norma, não basta simplesmente que o item eventualmente licitado possua valor estimado igual ou inferior a R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para que então seja possível estabelecer a exclusividade de participação aqui tratada. Pensar que a norma estabelece apenas tal condição é equívoco grave!

Há, pelo contrário, a imperiosa necessidade de que a Administração Pública que pretenda realizar tal tipo de procedimento detecte, previamente, a existência de, no mínimo, 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório. E, ainda, que o tratamento diferenciado e simplificado para as ME/EPP não seja desvantajoso ou represente prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado.

A despeito disso, muitos editais foram lançados no país contemplando uma irregular exclusividade de participação às ME/EPP sem que restassem comprovadas tais condições legais obrigatórias. Em muitas licitações sequer havia um participante local/regional, que dirá apto a executar o que se pretendia. Nesses casos, o benefício legal foi claramente mal empregado, com prejuízo à qualidade do bem ou serviço prestado e/ou com a contratação de preços nada vantajosos.

Em muitas situações havia, ainda, uma enorme dificuldade até mesmo para questionar o ente licitante que iniciava tal procedimento de participação restrita, já que não se sabia, de modo concreto, a abrangência territorial delimitada em lei para identificação da existência de pelo menos 03 (três) ME/EPP aptas a executar o objeto pretendido (o que seria identificado como local ou regional?), bem como de que forma poderia ser quantificada a existência de prejuízo ao conjunto do objeto licitado caso a licitação fosse realizada em detrimento dos demais tipos societários.

Nesse passo, o novo Decreto, em vigor a partir de 2016, elucida que o chamado “âmbito local” para apuração das ME/EPP aptas a executar o objeto pretendido pela Administração Pública se resume aos limites geográficos do município onde será firmada a contratação e que o termo “âmbito regional” seriam os limites geográficos do Estado ou da região metropolitana, que podem envolver mesorregiões ou microrregiões, conforme definido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.

Ressalte-se que a norma admite a possibilidade de adoção de outro critério para definição de âmbito local e regional, o que, no entanto, dependerá de justificativa no texto do edital, bem como previsão em regulamento específico do órgão ou entidade contratante.

Nesse mesmo cenário, a norma federal em questão também delimitou as hipóteses de identificação da não vantajosidade de realização de licitação:

  1. quando dela resultar em preço superior ao valor estabelecido como referência destinada exclusivamente a ME/EPP; ou
  2. quando a natureza do bem, serviço ou obra for incompatível com a aplicação dos benefícios concedidos a ME/EPP.

A primeira hipótese somente é identificável ao final da licitação, isso porque aborda situação em que é preciso saber o resultado do processo licitatório e o respectivo menor preço apurado. Assim, de posse do mencionado valor será possível ao responsável pelo procedimento compará-lo ao custo referencial previsto para a contratação no edital.

Tal critério parece ser meio óbvio e até mesmo redundante, uma vez que, usualmente, quando o preço final obtido em qualquer licitação se encontra acima daquilo que foi originalmente dimensionado (orçado), e inexiste possibilidade de sua redução, a entidade licitante simplesmente não dá prosseguimento à contratação.

De toda forma, a prova da não vantajosidade neste caso específico não poderá ser arguida por interessados antes da abertura efetiva do procedimento público. Isso é lamentável, já que a simples obtenção de orçamentos junto a ME/EPP se mostra algo pouco confiável, até porque em nada comprova que tais empresas seriam realmente aptas a executar determinado objeto. Em muitos casos, obtém-se três orçamentos previamente à licitação, mas, na prática, apenas uma ME/EPP realmente fornece aquele objeto, isso quando não ocorre de nem mesmo esta atender e ainda assim vencer o certame pela ausência de competidores e de qualquer controle sobre o exame da documentação de habilitação e proposta.

 Por isso, entende-se que a Administração Pública deve inserir, previamente, como prova nos autos do processo licitatório, uma documentação que ateste minimamente a capacidade das empresas que apresentam as cotações/orçamentos. É preciso ficar claro se elas realmente participam de licitações para aquele tipo de objeto ou se possuem contratos ou atestados que comprovam execução de objetos similares. O risco de fraude ou de engano sempre existe e os entes públicos não podem realizar licitações envolvendo recursos públicos baseados em achismos ou em simulacros. Realizar um procedimento licitatório impondo regra que afasta todas as empresas do mercado, à exceção das ME/EPP, é ato que requer bastante seriedade e não pode estar sujeito a erro. A prova deve ser incontestável.

Na segunda hipótese aqui relacionada, que trata da situação onde a natureza do bem, serviço ou obra se mostra incompatível com a aplicação dos benefícios concedidos a ME/EPP nos arts. 6º e 8º do Decreto nº 8.538/2015, constata-se existir a possibilidade de questionamento antes da realização da licitação. Neste caso não seria preciso aguardar o final do procedimento licitatório para apenas então se constatar a citada incompatibilidade.

Isso porque a Administração Pública, logo de início, ao definir a necessidade de contratação de determinado objeto, já sabe o que pretende licitar, ou seja, é perfeitamente possível aferir previamente a compatibilidade para fins de concessão dos benefícios legais que, implementados, impedem a participação de outras empresas do mercado ou reservam parte do objeto apenas a ME/EPP.

É bem verdade que a norma, nesta hipótese, não esclareceu de modo suficiente quais tipos de objetos seriam incompatíveis para utilização dos benefícios aqui tratados. Tal avaliação precisará ser feita pelo Administrador ou então identificada por terceiros (órgãos de controle, interessados, etc.).

Em nosso entendimento, algumas situações podem ser enquadradas nesta hipótese. É o caso, por exemplo, de um objeto especializado (ramo da tecnologia, engenharia, consultorias, dentre outros), onde o impedimento à participação de concorrentes que não sejam ME/EPP traz prejuízo à qualidade e ao custo do objeto que será contratado. Nesta situação, a participação apenas de ME/EPP pode significar a perda dos melhores objetos ou das melhores técnicas empregadas no mercado, uma vez que estas se encontram usualmente sob a posse de empresas não beneficiárias das regras alusivas às ME/EPP. Ora, não pode a Administração Pública beneficiar um determinado tipo societário privado em detrimento do interesse público e da qualidade daquilo que será contratado. O ônus imposto ao ente contratante é muito maior que o benefício concedido a uma pequena parcela de empresas do país.

Outra possibilidade: um objeto que, caso tenha sua execução “repartida” inviabilize seu funcionamento/fornecimento/controle/integração. Em muitos casos a atividade somente pode ser prestada por uma única empresa ou então sua divisão em partes se mostra um risco à qualidade, ou ao controle e/ou à operacionalização demandada.

Como crítica ao citado Decreto nº 8.535/2015 pode-se observar que o mesmo estabelece uma série de benefícios às ME/EPP os quais, caso mal empregados ou adotados, trarão certamente graves prejuízos à Administração Pública.

A política de incentivo às ME/EPP não deveria intervir de modo tão excessivo nas escolhas onde o interesse público se encontra envolvido, especialmente nas contratações firmadas pelos entes administrativos. Aquilo que é licitado por um determinado órgão público impacta diretamente na vida do cidadão, seja pelo viés financeiro (uso do dinheiro público), seja pela utilização e fruição daquele bem ou serviço contratado.

Limitar o campo de contratação de um determinado objeto a limites territoriais ou à natureza societária de uma empresa não nos parece a solução mais adequada ao crescimento e desenvolvimento das pequenas e médias empresas brasileiras. Tais sociedades já detém tratamento tributário simplificado e, em tese, diferenciado e não concedido a outras empresas, bem como outros benefícios que facilitam seu funcionamento e manutenção no mercado, inclusive o direito de apresentar documentos de regularidade fiscal e econômica nas licitações e, ainda, de desempate, ainda que apresentem propostas com valores acima do menor preço ofertado.

E porque não dizer, também, dos prejuízos que serão impostos ao mercado privado concernente às demais sociedades empresariais, as quais, a partir da edição do mencionado diploma legal, ficarão simplesmente impedidas de ampliarem seus negócios e de ofertarem seus serviços/bens em considerável parcela das contratações efetuadas pela Administração Pública e isso tudo pela concessão de benefícios que não se justificam em um contexto de globalização, de indução à livre iniciativa e da busca de qualidade e eficiência na gestão dos recursos públicos.

Dito isso, ao final, identificamos, outras questões importantes abordadas pelo Decreto nº 8.538/2015 e que merecem atenção daqueles que participam de procedimentos licitatórios:

Sobre o autor
Ricardo Silva das Neves

Por Ricardo Silva das Neves<br><br>Advogado, autor do livro “Licitação para todos”, sócio do escritório Neves & Villamil Advogados Associados, Especialista em Direito Público e Licitações e Consultor da Organização Pan-Americana de Saúde.<br>

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