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PRIMEIROS COMENTÁRIOS À LEI 13.245/16 QUE ALTERA O ESTATUTO DA OAB E REGRAS DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL

Agenda 16/01/2016 às 16:04

Comentários à Lei 13.245/16 que altera o Estatuto da OAB e as regras de defesa na fase de Investigação Criminal

Autor: Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia, Mestre em Direito Social, Pós – graduado em Direito Penal e Criminologia, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial na graduação e na pós – graduação do Unisal e Membro do Grupo de Pesquisa de Ética e Direitos Fundamentais do Programa de Mestrado do Unisal.

 

            Em 12 de janeiro de 2016 veio a lume a Lei 13.245/16, que altera dispositivos do Estatuto da OAB referentes às prerrogativas dos advogados na fase de investigação criminal.

            A primeira alteração de monta se dá no inciso XIV do artigo 7º. do Estatuto (Lei 8.906/94). Esse inciso trata da prerrogativa do advogado de acesso a autos de investigação em prol de seu cliente. Pois bem, na redação anterior a referência era feita a autos de investigação em “repartição policial” e a “autos de flagrante” e de “inquérito”. Uma interpretação restritiva desse inciso levava alguns indivíduos, em nossa visão totalmente míopes para uma a sistemática processual penal constitucional, a entenderem que esse direito do advogado se restringia aos “Inquéritos Policiais” e “Termos Circunstanciados”.  Dessa forma, por exemplo, havia membros do Ministério Público que, arbitrariamente, vedavam acesso aos autos de Procedimento Investigatório Criminal aos advogados, sob o pretexto de que a lei tinha uma redação restritiva. Nada mais óbvio do que a conclusão de que isso não passava da mais rasa e perversa vontade de poder arbitrário e de uma cegueira deliberada para o fato de que o texto necessariamente deveria sem ampliativamente interpretado, até porque se trata de direito e não de restrição. Isso sem falar no Direito de Defesa e de Informação que eram frontalmente violados numa situação kafkiana. [1]

            Como há tempos advertia Aires, “em certo gênero de discursos estes não se devem tomar rigorosamente pelo que as palavras soam, nem em toda a extensão, ou significação delas”. [2]

            Em termos redacionais, a Súmula Vinculante 14 do STF não contribuiu muito para a solução da controvérsia injustificada. A mencionada Súmula Vinculante assim dispõe:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

            Desconsiderando a imprescindível interpretação extensiva dos textos, a verdade é que a literalidade da Súmula Vinculante 14 STF não diz nada além do que já dizia o artigo 7º., XIV, da Lei 8.906/94. Inclusive mantendo o mesmo vício de referir-se somente à “Polícia Judiciária” quando é de trivial conhecimento o fato de que outros órgãos procedem à investigação (inteligência do artigo 4º., Parágrafo Único, CPP e entendimento firmado pelo STF quanto à possibilidade de Investigação Criminal Direta pelo Ministério Público). Além de repetir o vício literal restritivo do Estatuto da OAB, a Súmula Vinculante 14 STF ainda repete o vício terminológico que se encontra no Código de Processo Penal (vide artigo 4º., Parágrafo Único, CPP), mencionando “competência” (sic) de “Polícia Judiciária”. Ora, somente o Judiciário detém “competência”. A Polícia Judiciária, o Ministério Público etc., somente têm “atribuições”. Seria de se exigir maior rigor terminológico do legislador e, mais ainda, do STF. Isso porque a palavra “competência”, no contexto empregado, somente poderia ser usada em um sentido muito amplo, conforme explicam Mirabete e Fabbrini:

            “Ressalve-se que a palavra ‘competência’ é empregada, na hipótese, em sentido amplo, como ‘atribuição’ a um funcionário público para suas funções”. [3]

            Não somente é assustador que essa restrição redacional tenha chegado a gerar discussão infundada quanto à possibilidade de vedação de acesso do advogado, mas também é ainda mais surpreendente que no Brasil, havendo uma legislação clara e inequívoca, seja necessário que o STF venha a sumular vinculativamente um tema. Ora, a prerrogativa conferida ao advogado que é estabelecida na Súmula Vinculante 14 é produto de texto claro de lei. Qual era a dúvida? Por que tal questão teve de chegar ao Supremo Tribunal Federal e ser sumulada? A resposta está no fato de que há no Processo Penal Brasileiro, e não somente nele, uma série de mitos deletérios que solapam cotidianamente garantias constitucionais e legais notórias, sob o pretexto de fazer “Justiça”. [4]

            Tendo em vista essa situação que chega a ser ridícula, veio em boa hora a reforma do Estatuto da OAB, pois que na nova redação dada ao artigo 7º., inciso XIV, o direito de acesso a autos pelo advogado  não se limita às “repartições policiais”. A lei agora menciona “investigações de qualquer natureza” em “qualquer instituição responsável” pela sua condução. [5] Se alguém conseguir plantar alguma dúvida quanto a estar o Ministério Público, por exemplo, ou outro órgão qualquer, vinculado a esta norma, deve ganhar um prêmio de “jurista obscuro do ano”!

            É muito bem mantida a desnecessidade de procuração para tal fim, tendo em vista a informalidade da fase investigatória.

            Ousa-se afirmar que a expressão “investigações de qualquer natureza” não somente abrange o Inquérito Policial Civil, Federal, Militar, os PICs do Ministério Público, Termos Circunstanciados e quaisquer outras investigações de natureza criminal. Também abrange qualquer espécie de investigação, ainda que não criminal. Por exemplo, um Processo Administrativo, uma Sindicância, uma Apuração Preliminar, Inquérito Civil Público, uma apuração administrativa levada a efeito contra alguém por qualquer órgão como, por exemplo, na seara financeira, o COAF. Agora não mais se trata de uma redação literalmente restritiva que devia ser ampliada numa interpretação sistemática e extensiva. Trata-se de uma redação realmente ampla, clara e evidente.

            Outra novidade que atualiza o Estatuto da OAB diz respeito à cópia e tomada de apontamentos nessa consulta. Esse direito é corretamente mantido, mas na nova redação o legislador consigna que isso pode ser feito em “meio físico ou digital”, de forma a tornar a lei condizente que o atual estágio tecnológico. Portanto, se alguém tinha dúvida de que um advogado poderia fotografar peças dos autos com um celular, com um scanner portátil etc., essa dúvida não tem mais (como, na verdade, já não tinha de acordo com um mínimo bom senso) razão de ser.

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            No mesmo artigo 7º., agora no inciso XXI, vem a norma que estabelece como direito do advogado a assistência de seus clientes investigados durante a apuração de infrações. O obstáculo a essa assistência, que configura nada menos do que um dos componentes da ampla defesa, a defesa técnica, que se acopla à autodefesa, conduz à “nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento”. Assim também, abraça o dispositivo a “Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada” ou da “Ilicitude por derivação” (“Fruits of the poisonous tree doctrine”), estabelecendo que não somente o interrogatório ou depoimento estará contaminado, mas também, na sequência, “todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente”. A menção no dispositivo é interessante, mas essa consequência decorreria normalmente do disposto no artigo 157, § 1º., CPP, que já abraça a teoria sobredita, assim como já a defendia a doutrina dominante e o STF em várias decisões, mesmo antes da alteração promovida no Código de Processo Penal Brasileiro pela Lei 11.690/08.

            Sumariva, no título de seu trabalho a respeito da inovação legal afirma que o “Inquérito Policial deixa de ser inquisitivo”. Um dos grandes argumentos para essa afirmação do autor é exatamente o novo artigo 7º., XXI do Estatuto da OAB, com a redação dada pela Lei 13.245/16. [6]

            Com o respeito que autor merece, discordo. A característica inquisitorial do Inquérito Policial e outras investigações preliminares não pode nem deve ser afastada, mesmo porque se trata de um início  de apuração no seio do qual nem sequer muitas vezes há um suspeito, muito menos um indiciado. Portanto, a aplicação do contraditório e da ampla defesa (e não de algumas manifestações parciais de defesa) no Inquérito Policial ou qualquer outra investigação preliminar, é impossível. Ademais, não havendo no Brasil a adoção de Juizado de Instrução e não sendo o Delegado de Polícia magistrado, a realização de audiências com produção de prova em contraditório e ampla defesa na Delegacia de Polícia ou no gabinete ministerial ou em outra qualquer repartição, soaria inconstitucional pela invasão de reserva de jurisdição.

            O direito à assistência de advogado na fase inquisitorial é constitucionalmente previsto desde 1988, nos termos do artigo 5º., LXIII, CF. Ora, se nem com a norma constitucional se cogitou, ao menos predominantemente,  afastar o caráter inquisitório do procedimento, não seria uma lei ordinária que iria fazê-lo ao simplesmente estabelecer o mesmo direito já constitucionalmente assegurado. Na verdade, o grande problema brasileiro é sempre o mesmo: parece que é preciso que uma lei ordinária legitime a Constituição e não o reverso!

            Portanto, é patente que o que o artigo 7º., XXI do Estatuto da OAB faz é somente concretizar o direito já constitucionalmente assegurado e explicitar as consequências óbvias de sua violação. Infringir um direito constitucional em qualquer fase da “persecutio criminis” somente pode levar ao reconhecimento de nulidade absoluta. O que mais poderia ser?

            No entanto, não se pode afirmar que no Inquérito Policial passa a haver contraditório e ampla defesa. Há manifestações parciais, como já se disse, da defesa, seja em seu aspecto técnico, seja na autodefesa (v.g. direito à assistência de advogado, direito ao silêncio  e à não autoincriminação etc.). Mas, jamais uma defesa tão ampla como na fase processual. Nesse diapasão, somente haverá nulidade e efetiva violação da prerrogativa e do direito do indiciado, investigado ou preso, se houver advogado habilitado a atuar e sua ação for coartada pela Autoridade Policial ou seus agentes. Nesse caso, haverá inclusive “Abuso de Autoridade”, de acordo com o disposto no artigo 3º., “j”, da Lei 4898/65. Aliás, isso é lembrado no novo § 12 do Estatuto da OAB com a redação dada pela Lei 13.245/16 quando trata dos direitos do advogado previstos no inciso XIV, mas com plena aplicação também para o inciso XXI.  

            Muitas vezes o preso, investigado ou interrogado se apresenta sem advogado e não indica nenhum. Sua oitiva ou interrogatório poderá ser feita sem maiores óbices. Trata-se de um direito que pode ou não ser exercido nessa fase. O próprio advogado, comunicado da prisão, por exemplo, pode optar por não fazer o acompanhamento nesse primeiro momento, seguindo os trabalhos. O dispositivo não impõe em momento algum a “obrigatoriedade” da presença do advogado, mas confere ao profissional uma prerrogativa direta e ao cliente um direito de assistência, o que, aliás, já estava inscrito em forma de cláusula pétrea na Constituição Federal há tempos, conforme já demonstrado. A presença do advogado somente se torna obrigatória, sob pena de nulidade absoluta e eventual Abuso de Autoridade, quando o profissional se apresenta e pretende exercer essa prerrogativa, bem como o preso exige o cumprimento desse direito (ainda disponível nessa fase).  

            Ademais, o inciso XXI tem uma alínea “a” que dispõe sobre a prerrogativa do advogado de “apresentar razões e quesitos” no curso da investigação. Ora, se o Inquérito Policial ou outras investigações preliminares tivessem deixado de ser inquisitivos, imperando o contraditório e a ampla defesa plenos, então, obrigatoriamente, por exemplo, antes do Relatório do Delegado de Polícia (artigo 10, § 1º., CPP), deveria ser o advogado notificado a apresentar razões. Também quando de qualquer perícia, a defesa teria de ser notificada para quesitar. Na verdade, novamente, a lei não impôs uma obrigação e sim estabeleceu uma prerrogativa do defensor que poderá, acompanhando o Inquérito, por exemplo, ofertar razões em seu bojo ou quesitar em perícias. Isso praticamente já estava disposto no artigo 14, CPP, quando estabelece que o defensor ou o imputado pode requerer diligências. Apenas agora, não será dado à Autoridade Policial indeferir a juntada de razões elaboradas pelo causídico ou seus quesitos na perícia, porque são prerrogativa sua, legalmente determinada. Inclusive, em havendo requerimento prévio do defensor para esse fim, então deverá obrigatoriamente a Autoridade responsável pela investigação notificá-lo para apresentação de razões ou quesitos quando de perícia. Entretanto, na prática, dificilmente se iria deixar de juntar uma documentação protocolada por um advogado durante o trâmite do Inquérito Policial ou outra investigação ou mesmo impedi-lo de ofertar quesitos numa perícia. Claro que a lei é importante neste aspecto porque nem sempre há o bom senso e a arbitrariedade muitas vezes ocorre. Outra demonstração de que o Inquérito Policial continua inquisitivo é o fato de que a prerrogativa somente se refere ao acompanhamento do investigado pelo advogado, à elaboração de razões e de quesitos no bojo do procedimento. Nada diz a respeito de notificações, seja para esses fins, seja, muito menos, para o acompanhamento de oitivas de testemunhas e vítimas. A notificação poderá ser obrigatória em caso de requerimento expresso do causídico, mas mesmo assim somente em relação ao acompanhamento do cliente em interrogatório ou depoimento e nas razões e quesitação. Não há falar em notificação para audiências em geral, como se o Inquérito Policial ou qualquer Investigação Preliminar de qualquer órgão fosse uma espécie de processo. Dessa forma, não é possível crer que o Inquérito Policial tenha perdido sua condição de procedimento inquisitivo. Nem que a prerrogativa do advogado implique em uma obrigação de notificação pela Autoridade Policial fora das regras constitucionalmente previstas (v.g. direito do preso de comunicação da família e advogado). O que efetivamente ocorre é uma ampliação e explicitação das prerrogativas do defensor na fase inquisitiva. O parcial exercício da defesa nessa fase da persecução criminal é agora mais abrangente, mas disso a tornar-se a investigação um procedimento marcado pelo contraditório e ampla defesa, vai um longo caminho.  

            A lei não estabelece prazo para atuação do advogado em caso de notificação para razões ou quesitação, mesmo porque em geral essa notificação não deverá ocorrer. Mas, no caso de haver requerimento do defensor a respeito dessa prerrogativa e, devendo a Autoridade deferir o seu exercício, a questão do prazo se apresenta relevante. Na lacuna do Estatuto o problema pode ser resolvido pelo Código de Processo Penal. Analogicamente, quanto aos quesitos, pode-se aplicar o prazo de 10 (dez) dias previsto no artigo159, § 5º., I, CPP, tal qual ocorre na fase processual. Quanto às razões, entende-se que também o prazo pode ser de 10 (dez) dias, aplicando-se, novamente por analogia, agora as regras comuns da instrução criminal no processo, nos termos do artigo 396, CPP que trata da resposta à acusação. Trata-se de prazos razoáveis para o exercício da prerrogativa defensiva em caso de requerimento de notificação para tanto. Note-se que tais prazos serão processuais, correndo de acordo com o disposto no artigo  798 e parágrafos, CPP.

            Havia uma alínea “b” no inciso XXI do artigo 7º. do Estatuto da OAB com a nova redação no projeto. Mas, a lei foi promulgada com veto dessa alínea. Nela estava estabelecido que o defensor poderia “requisitar” diligências à Autoridade Policial ou qualquer outra incumbida da investigação preliminar.

            O veto parece correto. Com a aprovação dessa alínea haveria uma quebra da “paridade de armas” na apuração criminal. Isso porque o Ministério Público não “requisita” diligências à Autoridade Policial, por exemplo, a qual preside a investigação de forma independente e sem subordinação. É claro que o Ministério Público tem poder requisitório, mas quanto a diligências durante o andamento do Inquérito Policial, por exemplo, há a intermediação judicial. O Ministério Público “requer” a diligência ao Juiz e é este quem a “requisita” ao Delegado de Polícia (vide artigo 16, CPP). Ora, se o defensor tivesse esse poder requisitório, enquanto ao Ministério Público permanecesse apenas a capacidade de postular ao Juiz, haveria uma desigualdade de armas não justificável na fase preliminar da persecução penal. Assim sendo o direito de requerer diligências já disposto no artigo 14, CPP, satisfaz o exercício parcial da defesa na fase investigatória, sem prejuízo à paridade de armas.

            A questão pode se complicar quando a investigação é feita diretamente pelo Ministério Público. Mas, nesse caso, a complicação é muito maior, eis que não bastaria à defesa poder apenas requisitar diligências no interior do procedimento do Ministério Público e sim conferir à defesa o mesmo poder investigatório do órgão ministerial. Essa temática extrapolaria os comentários à Lei 13.245/16, adentrando necessariamente nos problemas ínsitos à investigação direta pelo Ministério Público, a qual, a nosso ver, erroneamente e sem base legal alguma, foi reconhecida pelo STF. Mas, este não é o momento nem o local adequado para tal discussão. [7]

            Conforme visto, o acesso aos autos pelo advogado para exercício da defesa já na fase de investigação é assegurado independentemente de procuração (artigo 7º., XIV, do Estatuto da OAB). Contudo uma exceção é posta (e, diga-se de passagem, bem posta) a essa regra. No § 10 fica estabelecido que nos autos sujeitos a sigilo o advogado precisará apresentar procuração para ter acesso. A medida é salutar. Com ela fica estabelecida a regra geral de que o advogado para ter acesso aos autos de investigação não necessita de procuração. Por outra banda a exceção de que, no caso de decreto de sigilo, precisa do instrumento.

            É de se observar que o sigilo somente é decretado por determinação judicial, analisando circunstâncias especiais do caso concreto ou em virtude de lei (exemplo desse último caso são os feitos sobre crimes contra a dignidade sexual – vide artigo 234 – B, CP). Portanto, é bom saber que não é dado ao Delegado de Polícia ou qualquer outro funcionário público incumbido da presidência de investigações, decretar “sponte própria” o sigilo dos autos, mas tão somente representar ou requerer essa determinação ao Juiz competente. É claro que nos casos de determinação legal do sigilo, as autoridades, sejam policiais, administrativas, ministeriais ou judiciais, devem por ele zelar de ofício. Entretanto, a manobra de uma Autoridade qualquer decretar o sigilo por conta própria, sem arrimo na lei ou em determinação judicial, gerará abuso por violação das prerrogativas do advogado. Nem seja acenado com o artigo 20, CPP que fala do sigilo natural de toda investigação. Este é um sigilo genérico e de natureza externa, não servindo de fundamento para negar o acesso do defensor jamais (não tem força para determinar sigilo interno). Em havendo necessidade de maior sigilo, então esta determinação deverá ser representada ao Juiz.

            O sigilo decretado pelo Juiz ou determinado legalmente tem sustento constitucional e legal nos artigos 5º., LX e 93, IX, CF e no artigo 792, § 1º., CPP. Ou seja, o sigilo é excepcional, considerando casos especiais nos quais prepondere o interesse público ou social e / ou a preservação da intimidade dos envolvidos. Esse sigilo, porém, é apenas externo, valendo para o público em geral e não para as partes (não há sigilo interno). Por isso é salutar a exigência de procuração. Num feito sob sigilo, somente quem realmente é parte interessada pode ter acesso às informações e não o público em geral, mesmo advogados.

            Na esteira do que já determinava a Súmula Vinculante 14 STF, a Autoridade com atribuição para o caso poderá delimitar o acesso do defensor aos elementos de prova e investigação que já estejam documentados nos autos (§ 11). Poderá, portanto, vedar o acesso àquilo que não esteja juntado, mas não sem fundamento. Somente em casos nos quais esse acesso prematuro possa comprometer a “eficiência, eficácia ou finalidade das diligências”. São exemplos notórios os casos de um mandado de prisão pendente, uma ordem judicial de busca e apreensão ou mesmo sua representação, um pedido ou interceptação telefônica em curso etc. É claro e evidente que a Autoridade Presidente não deve nem pode permitir que o advogado tenha acesso a esse tipo de informação, sob pena de tornar tudo inútil. Isso, porém, não impedirá o acesso posterior do advogado a todos os documentos quando forem encartados nos autos e já não houver prejuízo. Mesmo assim, será preciso atentar se no caso específico não existe determinação legal de sigilo externo, ainda que após realizadas as diligências e documentadas nos autos, conforme ocorre, por exemplo, com as interceptações telefônicas, quebras de sigilo bancário e fiscal etc. Nesses casos excepcionais a procuração será exigível, de acordo com o visto anteriormente.

            Outra manobra astuciosa que pode ser adotada pelas autoridades é prevista pelo legislador no § 12. Quando a Autoridade violar a prerrogativa de acesso do advogado de forma insidiosa, simplesmente não juntando ou retirando dos autos originais peças, a fim de ocultá-las fora dos casos que justifiquem essa limitação, conforme acima mencionado, haverá responsabilização criminal e funcional por Abuso de Autoridade (inteligência do artigo 3º., “j”, da Lei 4898/65). Ademais, poderá o causídico requerer imediato acesso aos autos integrais ao Juiz competente.

            A legislação sob comento tem natureza processual penal e, portanto, vale imediatamente, sem retroatividade, e é aplicada aos procedimentos investigatórios em andamento a partir de seu vigor; não só os iniciados a partir de seu vigor, mas também aqueles que já tramitavam (data da publicação – artigo 2º. da Lei 13.245/16 c/c artigo 2º., CPP).

REFERÊNCIAS

AIRES, Mathias. Reflexões sobre a vaidade dos homens. São Paulo: Escala, 2005.

 

CASARA, Rubens R. R. Mitologia Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2015.

 

 KAFKA, Franz. O Processo. Trad. Torrieri Guimarães. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998.

 

MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Processo Penal. 18ª. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

 

SUMARIVA, Paulo Henrique. Inquérito Policial deixa de ser inquisitivo: Lei  13.245/16 altera as regras da investigação criminal. Disponível em www.jusbrasil.com.br, acesso em 13.01.2016.

 

 


[1] Cf. KAFKA, Franz. O Processo. Trad. Torrieri Guimarães. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998, “passim”.

[2] AIRES, Mathias. Reflexões sobre a vaidade dos homens. São Paulo: Escala, 2005, p. 15.

[3] MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Processo Penal. 18ª. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 62.

[4] Modelar o trabalho de Rubens R. R. Casara: CASARA, Rubens R. R. Mitologia Processual Penal. São Paulo: Saraiva, 2015, “passim”.

[5] Neste sentido: SUMARIVA, Paulo Henrique. Inquérito Policial deixa de ser inquisitivo: Lei 13.245/16 altera as regras da investigação criminal. Disponível em www.jusbrasil.com.br, acesso em 13.01.2016.

[6] Op. Cit.

[7] Não há lei que regulamente a Investigação direta pelo Ministério Público, conforme há com relação ao Inquérito Policial e outros procedimentos. Resolução de uma instituição, ainda que seja o Ministério Público, não pode ser tida como Lei Processual Penal. Isso sem falar em questões de imparcialidade na formação da convicção, paridade de armas etc. Mas, se o STF não teve coragem de enfrentar tecnicamente a questão, o que se pode fazer, além de lamentar a pusilanimidade? 

Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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