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Abandono Afetivo Inverso

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Será estudado o abandono afetivo dos idosos sofrido no seio da família, destacando o afeto e as consequências da sua ausência, dentre elas a compensação desse abandono através da reparação civil, conforme a jurisprudência dos Tribunais Superiores.

RESUMO:O Estatuto do Idoso surge como algo essencial para proteção dos direitos dos idosos, garantindo sua inclusão na nossa sociedade. Diante disso uma discussão se faz necessária: o abandono afetivo dos idosos pelos familiares. Assim sendo, o presente trabalho irá estudar o abandono afetivo dos idosos sofrido no seio da família, destacando o afeto e as consequências da sua ausência, dentre elas a compensação desse abandono através da reparação civil, conforme entendimento da jurisprudência dos Tribunais Superiores. As fontes utilizadas serão livros, artigos científicos e publicações periódicas, principalmente as especializadas, que possuam temas ligados a: legislação brasileira em torno do abandono afetivo inverso, concepção acerca do abandono afetivo inverso como nova figura jurídica, princípios que regem a entidade familiar, reflexões acerca da possibilidade de reparação civil decorrente de dos filhos para com os pais, valorização jurídica do afeto, a uniformização do entendimento do Superior Tribunal de Justiça em relação ao dano moral por abandono afetivo.

Palavras-Chave: Estatuto do idoso; direito do idoso; abandono afetivo; reparação civil; jurisprudência. 


INTRODUÇÃO

O intuito deste é estudar a responsabilidade civil dos filhos em relação aos pais. É sabido que os filhos têm a obrigação de prestar assistência material aos genitores, quando estes não tiverem recursos suficientes para a subsistência. Entretanto, o dever dos filhos de prestarem assistência imaterial aos pais idosos é alvo de grande discussão. Dessa forma, uma análise mais profunda da responsabilidade dos filhos perante seus pais, via de regra idosos, por abandono material e por abandono afetivo se faz necessária.

Atualmente, o conceito de família está pautado no afeto com elo entre o dever dos pais de criar e educar os filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação de sua plena personalidade. Assim como é dever dos filhos maiores amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, segundo previsão constitucional.

É certo que o conceito de família evoluiu bastante ao longo dos anos. Basta lembrar que, o Código Civil de 1916 fazia diferenciação entre os filhos, os mesmos eram classificados em legítimos, legitimados e ilegítimos, observando o critério de terem sido concebidos dentro ou fora do casamento. É perceptível que os ilegítimos sofriam uma série de discriminações, a exemplo de não podendo sequer serem reconhecidos em algumas hipóteses.

A Constituição de 1988 exige, além da igualdade entre os filhos – havidos ou não da relação de casamento ou por adoção, também o reconhecimento de outras entidades familiares, além das originadas pelo casamento como as monoparentais e as oriundas de união estável. E, recentemente, houve reconhecimento da entidade formada por pessoas do mesmo sexo, seja união estável ou casamento.

Em razão da valorização do afeto nas entidades familiares, é que surge o debate acerca do abandono afetivo e suas possíveis consequências, com propósito de ser reconhecido como vínculo familiar, significando ampla proteção e cuidado, buscando o melhor interesse na relação familiar, a sua falta constitui, em contraposto, gravame detestável e determinante de responsabilidade por omissão ou negligência. O abandono afetivo inverso, também conhecido como ás avessas ou invertido, é a ausência de afeto, o não cuidar, dos filhos para com os pais.

Portanto a discussão é: E no nosso País? Qual seria o preço a ser pago por tamanho abandono? Há Lei que regulamente a matéria? No Oriente, a exemplo da China, desde o dia 1° de julho de 2013, vigora uma lei que obriga os filhos a visitarem os pais idosos, prevendo multa e até prisão. No Brasil, é necessária a existência de uma lei que regulamente a matéria. No entanto,  tal Lei seria como na China “sui generis”?

Embora não exista lei especial que trate acerca da matéria, é permitido recorrer uma interpretação principiológica para tal pretensão. Tem-se entendido que sim, em acordo como o princípio ‘’neminemlaedere’’ (não causar dano a ninguém) serve de base para toda a doutrina da responsabilidade civil.

A prestação pecuniária pode não ser diretamente a melhor solução para o abandono afetivo dos filhos para com seus genitores, porém, vislumbra-se que o abando material faz parte, indiscutivelmente, do abandono moral e afetivo, pois quem se encontra em uma situação de miserabilidade também está esquecido e abandonado afetivamente. Observando-se a partir daí, que o dano moral fere o alicerce de todos os direitos personalíssimos concedidos ao ser humano, que é a dignidade humana, gerando o direito à indenização devido ao comportamento indesejado ou a violação dos direitos de outrem.

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1. ABANDONO AFETIVO INVERSO

Entende-se por abandono afetivo inverso a falta de cuidar permanente, o desprezo, desrespeito, inação do amor, a indiferença filial para com os genitores, em regra, idosos.  Esta espécie de abandono constitui violência na sua forma mais gravosa contra o idoso. Mais do que a física ou financeira, a omissão afetiva do idoso reflete uma negação de vida, o qual lhe subtrai a perspectiva de viver com qualidade. Pior ainda é saber que esta violência ocorre no seio familiar, ou seja, no território que ele deveria ser protegido, e não onde se constitui as mais severas agressões.


2. LEI 10.741/2003 - ESTATUTO DO IDOSO

A Lei 10.741/2003, intitulada por Estatuto do Idoso em seu art. 3º, aduz que:

É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

O dever de cuidar dos pais também encontra amparo legal no art. 229, da nossa Carta Magna: “Os pais tem dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores tem o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. No entanto, não é o que ocorre no cotidiano. No Brasil, a população de idosos ultrapassa os 22 milhões, sendo que aproximadamente 3 milhões destes, moram sozinhos e que 15,5 milhões chefiam suas famílias. Ocorre que, opostamente, os que não possuem renda e não gozam de bom estado de saúde, são, por muitas vezes, abandonados pelos próprios familiares. Abandono este, declarado amplo, pois, além de faltar moradia, comida, cuidados com saúde e higiene, ainda falta o elemento principal: o afeto.

Como já mencionado, o abandono do idoso na maioria das vezes se perfaz no seio familiar, sendo que estes sofrem os mais diversos tipos de abandono, ou seja, uns sofrem agressões físicas, outros são largados em casas de saúde ou asilos, sem sequer receber uma visita. Neste comento, vale ressaltar que não há nenhuma observância ao princípio da solidariedade, uma vez que o acolhimento, ajuda mutua e o respeito que deveriam nortear as relações no âmbito familiar, são totalmente desprezados. Saliente-se, que nada mais justo e digno seria tratar tais familiares com todo afeto e zelo, já que aqueles são responsáveis pela criação e desenvolvimento da família, pois dedicaram parte de sua vida para criar e educar filhos, netos, e hoje, a reciprocidade é esquecida.


3. DOS PRINCÍPIOS

Entendem-se por princípios juízos de valores abstratos que servem de orientação tanto para interpretação como aplicação do Direito. Funcionam como obrigações e deveres, devendo ser respeitados, bastando violar apenas um deles para que toda a conduta seja considerada ilegal. Nesse sentido, violar uma princípio acaba sendo mais grave do que violar uma norma. Humberto Ávila aponta que princípios são “normas finalísticas, que exigem a delimitação de um estado ideal de coisas a ser buscado por meio de comportamentos necessários a essa realização.” (2006, p. 91).

 

3.1 Da dignidade da pessoa humana:

Princípio considerado basilar, assegurado no art.1º, III, CF, abrangendo inúmeros valores presentes na sociedade, a violação a tal princípio pode acarretar responsabilização civil, reparação pelos danos causados, e, embora, o Estatuto do Idoso, não traga nenhuma previsão legal quanto à possibilidade de indenização por danos morais em razão de abandono afetivo do idoso por seus familiares, doutrinadores entendem que a dor, o vexame e o sofrimento, quando interferem de maneira intensa no comportamento psicológico do indivíduo, são reputados como dano moral.

3.2 Da solidariedade familiar:

Solidariedade que deve ser entendida em sentido amplo, ou seja, tendo caráter moral, espiritual, afetivo, patrimonial. Este princípio tem servido como questão de direito de fundo na diretiva de sua aplicação nas relações familiares, nomeadamente quanto perante os mais vulneráveis, no assunto abordado: “os idosos”.

3.3 Da afetividade:

 “O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana” (Madaleno, 2013, p.98). O afeto apresenta-se como elemento fundamental para a sobrevivência dos indivíduos, devendo está presente nas relações familiares, consanguíneos ou não, no entrosamento entre pais e filhos, variando quanto a sua intensidade a depender de cada caso. A ausência deste, trás inúmeras consequências para o indivíduo, além de que, o abalo psíquico sofrido pela solidão e abandono pode trazer consequências irreparáveis.

3.4 Princípio da proteção do idoso:

Assegurado tanto na nossa Constituição Federal, ao proibir a discriminação em razão da idade (Art. 230, CF/88), como pela Lei 10.741/2003. Princípio correlacionado com o princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Destina-se a proteção integral dos idosos, visando que os mesmos não sofram nenhum tipo de discriminação, seja pelos familiares, seja pela sociedade.


4. JURISPRUDÊNCIA

“Amar é faculdade, cuidar é dever”. Assim afirmou a ministra Fátima Nancy Andrighi da terceira turma do Superior Tribunal de justiça (STJ), em julgado de 2012, ao caracterizar como ilícito civil o abandono paterno-filial. Desta forma, passa a ser passível de indenização por dano moral o abandono afetivo pelos pais. A pena foi de R$ 200 mil reais, imposta ao pai por abandonar a filha material e afetivamente durante sua infância e adolescência. A partir deste julgado, principalmente na jurisprudência, fica estabelecido o entendimento de reparação civil no caso de abandono afetivo.

O projeto do Senado, nº 700/2007, já aprovado, dezembro passado, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, daquela casa parlamentar, caracteriza o abandono afetivo como falta grave ao dever de cuidar, para além de constituir ilícito civil, caracterizar também ilícito penal. Todavia, o projeto cuida apenas de modificar o Estatuto da Criança e Adolescente (Lei nº 8.069/1990) não mencionando, entretanto, nenhuma alteração no que reflete ao Estatuto do Idoso. (Lei nº 10.741/2003). Assim sendo, deve-se considerar que a falta do dever de cuidar, servirá como premissa de base para indenização relativa ao abandono afetivo inverso.


5. PROJETO DE LEI 4.294/2008

O projeto de lei 4.294/2008, do deputado Carlos Bezerra, visa à alteração dos artigos 1.632 do Código Civil e art. 3º do Estatuto do Idoso, passando a prever também a indenização no caso do abandono de idosos por sua família. A importância de tal projeto está em tentar trazer para o sistema legal brasileiro uma defesa mais específica para os idosos. Em muitos casos, os filhos pagam pensão para os pais, mas abandonam em suas casas ou asilos, não lhes dando carinho e atenção, sequer visitando.

Na China, desde o dia 1° de julho de 2013, vigora uma lei que obriga os filhos a visitarem os pais idosos, prevendo multa e até prisão. No Brasil, é necessária a existência de uma lei que regulamente a matéria. A questão é: Tal Lei seria como na China “sui generis”?

Estudiosos do Direito de Família, como o diretor nacional do IBDFAM, Figueiredo Alves, entendem que antes de tipificar como ilícito civil e penal tal conduta, é necessário políticas públicas que conscientizem essa questão, assistência social para que haja o controle da qualidade de vida do idoso de maneira contínua. Ou seja, antes de mais, que o Estado preste uma tutela preventiva e protetiva. Senão, o abandono afetivo no âmbito jurídico teria apenas efeito de repressivo penal ou civil, sem qualquer medida que o impeça acontecer.


6. O DANO MORAL

A reparação por danos morais causados a outrem passou a ser acolhida a partir da Constituição Federal de 1.988, que assegura direito de resposta proporcional ao agravo (art. 5º, V) e hoje, com o código civil de 2002, é proclamada nos artigos 186 e 927 caput. O dano moral afeta a honra, personalidade, e a dignidade do indivíduo. Como tal dano atinge subjetivamente a pessoa, torna-se insuscetível de reparação, pois o sofrimento e angústia já suportados não podem ser retirados através de pecúnia, mas, apenas amenizados.

6.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELO ABANDONO AFETIVO

O abandono afetivo inverso, isto é, dos filhos para com os pais que são na maioria das vezes idosos, pode, além da possibilidade de criminalização, gerar indenização por danos morais, apesar de não existir legislação especifica sobre o tema, havendo apenas premissas que indicam que este tema será tratado como é tratado o abandono afetivo, sofrendo, pois, modificações na interpretação de acordo com a evolução da sociedade. Posto que, no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) não há nenhuma previsão legal quanto à indenização por danos morais em caso de abandono afetivo inverso, mas independentemente disso, trata-se de um ato ilícito, que acarreta um dano a alguém e que deve ser reparado, mostrando-se como uma forma de compensação que tente reparar ou amenizar, de certo modo, o sofrimento e a humilhação sofrida pelo abandonado. Funcionando para o familiar (os filhos) que praticou o abandono como punição pelo Poder Judiciário pelo não cumprimento da responsabilidade do dever de cuidar que ele possui de acordo com o art. 229 da Constituição Federal.

Embora não haja lei específica que regulamente a matéria, é possível invocar uma interpretação principiológica para tal pretensão. Tem-se entendido que sim, em acordo como o princípio ‘’neminemlaedere’’ (não causar dano a ninguém) serve de base para toda a doutrina da responsabilidade civil.

A prestação pecuniária pode não ser diretamente a melhor solução para o abandono afetivo dos filhos para com os pais, porém, vislumbra-se que o abando material faz parte, indiscutivelmente, do abandono moral e afetivo, pois quem se encontra em uma situação de miserabilidade também está esquecido e abandonado afetivamente. Observando-se a partir daí, que o dano moral fere o alicerce de todos os direitos personalíssimos concedidos ao ser humano, que é a dignidade humana, gerando o direito à indenização devido ao comportamento indesejado ou a violação dos direitos de outrem.


7. IDOSOS E A AÇÃO DE ALIMENTOS

A obrigação alimentar em regar não é solidária, salvo quando assim explicitado em lei ou por convenção das partes interessadas (Madaleno, 2013, p.81). Contudo, a lei 10.471/2003, art. 12, trouxe uma inovação na qual atribuiu natureza solidária à obrigação de prestar alimentos quando os credores forem idosos. Como se trata de uma legislação especial, se sobrepõe as disposições do Código Civil. Neste caso, cabe ao idoso escolher contra quem demandará na ação de alimentos, sem prejuízo de que, o devedor acionado busque reembolso dos demais devedores.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A expectativa de vida dos brasileiros aumentou, ou seja, a população idosa vem crescendo significativamente. A sociedade como um todo ainda não se encontra preparada para receber tal demanda. Infelizmente, uma grande quantidade de nossos idosos sofre as consequências advindas da omissão, negligência e abandono. Nossa Carta Magna preconiza como base de fundamental para o Estado Democrático de Direito a observância ao “princípio da dignidade da pessoa humana”.

Diante de todo o exposto, podemos observar claramente que a referida dignidade é violada a partir do momento que os idosos são vitimados pelos próprios familiares pela ausência afetiva. Tal ausência, além de abalar a saúde, o estado psíquico e emocional, afeta a alma.  Ainda não há uma forma de tarifar o afeto, ou melhor, a falta dele. Também não há como exigir o amor, carinho e atenção a quem tem o dever de cuidar. Todavia, a possível quantificação de uma indenização imposta aos familiares pelo abandono afetivo servirá como punição e quem sabe uma forma de amenizar a situação de descaso.

Embora não haja legislação específica para responsabilizar civilmente os responsáveis pelo abandono afetivo inverso, considerando o contexto social, os princípios fundamentais e as premissas que ensejam a indenização, tal intento se afirma como necessário para preservar em todos os aspectos a população que seremos um dia.

Sobre os autores
Isabel Marques

Acadêmica de Direito na Faculdade Luciano Feijão em Sobral - CE.

Ana Luzia Santos

Advogada, OAB/CE n° 34.458.

Vanesca Marques de Souza

Acadêmica de Direito, 10º semestre, Faculdade Luciano Feijão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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