Os Tribunais de Contas são as cortes designadas pela Constituição Federal a realizar a análise e o julgamento das contas dos órgãos da Administração Pública.
Enquanto o Tribunal de Contas da União – TCU é o responsável pelo controle dos recursos federais, fica a cargo dos Tribunais de Contas dos Estados – TCE, em regra, o controle externo das administrações estaduais e municipais, isso porque nos Estados do Ceará, do Pará, da Bahia e de Goiás existe concomitantemente o Tribunal de Contas dos Municípios – TCM, responsável pela verificação das contas de todos os municípios do Estado.
Outrossim, as capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro possuem um Tribunal de Contas exclusivo para exercer o controle externo de seus órgãos. Nestes Estados, o TCE verifica a prestação de contas tanto do Estado, quanto de seus municípios, com exceção da capital, cuja competência é do Tribunal de Contas do Município – no singular.
Destarte, existe, hodiernamente, no Brasil, o Tribunal de Contas da União; 26 Tribunais de Contas dos Estados e um do Distrito Federal; 4 Tribunais de Contas dos Municípios, e outros dois competentes para julgar exclusivamente as contas das capitais de São Paulo e do Rio de Janeiro.
1 SURGIMENTO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS COMO ÓRGÃOS DE CONTROLE EXTERNO
Controle é a correlação que se faz entre a execução de determinadas atividades com as normas e os princípios vigentes.
Neste sentido, o controle é reconhecido como uma das funções administrativas essenciais, que visa planejar, dirigir e fiscalizar as atividades financeiras do Estado, possuindo caráter preventivo e/ou sancionador.
Segundo Luiz Henrique Lima (2011, p. 3), o controle pode ser classificado quanto ao objeto, o qual é subdividido em controle de legalidade, de mérito ou de gestão; quanto ao momento, que poderá ser prévio, concomitante ou subsequente; e quanto ao posicionamento do órgão controlador, que será interno ou externo.
Destarte, os órgãos de controle externo são responsáveis pelo controle técnico, em auxílio aos órgãos legislativos, nas três instâncias de governo.
Ressalte-se, porém, que, além dos órgãos legislativos e dos Tribunais de Contas, o controle externo também pode ser exercido pela sociedade. O controle social é realizado por sociedade civil organizada ou pelo cidadão, manifestando-se por intermédio de audiências públicas, ações populares, ou denúncias dirigidas às Cortes de Contas.
No que se refere ao surgimento das referidas Cortes como órgãos de controle externo, não há um consenso entre os historiadores quanto às instituições embrionárias do controle das riquezas do Estado. Enquanto alguns historiadores apontam a criação do Tribunal de “Cuentas” espanhol, no século XV, como pioneiro, outros destacam a instituição do “Exchequer” inglês no século XII. Outros autores afirmam, ainda, que os primeiros auditores atuaram na República Romana (LIMA, Luiz Henrique, 2011, p. 2).
Entretanto, o primeiro Tribunal de Contas com características semelhantes ao atual teve origem em Portugal. As denominadas “Cour des Comptes” foram criadas a partir do Decreto Imperial de Napoleão Bonaparte, em 1807, e prestavam assistência ao Parlamento e ao Poder Executivo, atuando como órgão judicial.
A necessidade de uma gestão adequada advém da necessidade de arrecadação, estocagem e gerenciamento de víveres, materiais e numerários, com fito de evitar desvios, desperdícios ou subtração dos recursos de que pretendem dispor para atingir suas finalidades (LIMA, Luiz Henrique, 2011, p.1).
Sobre o tema, Luiz Henrique Lima (2011, p.1) leciona, ainda:
Aristóteles, em “Política”, sustentou a necessidade de prestação de contas quanto à aplicação dos recursos públicos e de punição para responsáveis pro fraudes ou desvios e defendeu a existência de um tribunal dedicado às contas e gastos públicos, para evitar que os cargos públicos enriqueçam aqueles que os ocupem.
Assim, advinda a cumulação de recursos públicos, torna-se necessário o controle das receitas e despesas, sendo imprescindível que este seja realizado por um órgão externo ao ente ordenador da despesa, com fito de que haja a efetividade da fiscalização pretendida.
Hely Lopes Meirelles (2002, p. 638) define controle externo como aquele que:
[...] se realiza por órgão estranho à Administração responsável pelo ato controlado, como, p. ex., a apreciação das contas do Executivo e do Judiciário pelo Legislativo; a auditoria do Tribunal de Contas sobre a efetivação de determinada despesa do Executivo; a anulação de um ato do Executivo por decisão do Judiciário; a sustação de ato normativo do Executivo pelo Legislativo (CF, art. 49, V).
Deste modo, o controle dos Tribunais de Contas é externo porque é independente ao órgão responsável pela execução das atividades administrativas suscetíveis de controle. Neste sentido, o controle externo não é exclusivo das Cortes de Contas, mas também é atribuição dos Poderes Legislativo e Judiciário.
No Brasil imperial, não existia o controle sobre os gastos da coroa, uma vez que o Imperador e seus atos eram considerados sagrados e invioláveis. O primeiro aparato semelhante às Cortes de Contas no Brasil surgiu em 1680, sob a denominação de Juntas das Fazendas das Capitanias, as quais tinham como objetivo exercer o controle das finanças públicas. Já em 1808, por ordem de D. João VI, foi estabelecido o Erário Régio e, nesse mesmo ano, foi criado, também, o Conselho da Fazenda, cuja função principal era acompanhar a execução da despesa pública, órgão este que, na Constituição de 1824, foi transformado em Tesouro da Fazenda (MELO, Vanessa Vaz de, 2012).
Tais órgãos foram a primeira nuance do que viriam a ser os Tribunais de Contas no Brasil, uma vez que tinham como finalidade a fiscalização e controle das finanças públicas.
Luís Eduardo de Oliveira Alejarra (2013) afirma que a ideia da criação do primeiro Tribunal de contas surgiu em 23 de junho de 1826, no projeto de lei apresentado ao Senado do Império, sob a iniciativa de Felisberto Caldeira Brandt, Visconde de Barbacena e de José Inácio Borges.
Os debates acerca da criação de um Tribunal de contas duraram quase um século. Em um polo estavam aqueles que defendiam que as contas públicas deveriam ser examinadas por um órgão independente; de outro, estavam os que entendiam que as contas públicas poderiam continuar sendo controlada por aqueles mesmos que executavam as despesas (ALEJARRA, Luís Eduardo Oliveira, 2013).
Em 1845, Manuel Alves Branco, ministro do Império, elaborou um novo projeto de criação de Tribunal de Contas, mas que, entretanto, jamais foi levado à pauta pela Câmara (BARBOSA, Rui, 1890).
Não obstante, foi apenas com a criação da República Federativa do Brasil que surgiu um movimento que buscava institucionalizar o controle externo. Em 1890, através do Decreto 966-A de 07 de novembro de 1890, de iniciativa de Rui Barbosa, Ministro da Fazenda à época, surgiu formalmente o Tribunal de Contas da União (PASCOAL, Valdecir, 2008).
Na exposição de motivos do referido Decreto, Rui Barbosa (1890) afirmava que:
Faltava ao Governo coroar a sua obra com a mais importante providencia (sic), que uma sociedade política bem constituída pôde (sic) exigir de seus representantes.
Referimo-nos à necessidade de tornar o orçamento uma instituição inviolável e soberana, em sua missão de prover ás (sic) necessidades publicas (sic) mediante o menor sacrifício dos contribuintes, à necessidade urgente de fazer dessa lei das leis uma força da nação, um sistema saibo, econômico, escusado contra todos os desvios todas as vontades, todos os poderes que ousem perturba-lhe o curso traçado.
Nenhuma instituição é mais relevante, para o movimento regular do mecanismo administrativo e político de um povo, do que a lei orçamentaria (sic). Mas em nenhuma também ha (sic) maior facilidade aos mais graves e perigosos abusos. […]
Na ocasião, Rui Barbosa versa, ainda, acerca dos dois sistemas de Tribunais de Contas à época: o sistema francês, dos quais eram adeptos a França, a Suécia, a Espanha, Grécia, Sérvia, Romênia e Turquia, que tinha como intuito impedir que as despesas fossem ordenadas, ou pagas, além das faculdades do orçamento público; e o sistema italiano, adotado pela Itália, Bélgica, Holanda, Portugal, Chile e Japão, que atuava mediante antecipação do abuso, interrompendo na origem os atos do executivo suscetíveis de gerar a ilegalidade da despesa.
Segundo Rui Barbosa, o sistema italiano era o ideal a ser adotado no Brasil, uma vez que este não só previa a sanção pelo ato ilícito praticado, mas buscava a prevenção dos pagamentos ilegais e arbitrários.
Não obstante à edição do Decreto nº 966-A, este não chegou a ser cumprido e, Somente com a Constituição Federal de 1891, foi criado o primeiro Tribunal de Contas no Brasil.
O art. 89 da referida Constituição Federal instituiu, de forma inédita no Brasil, a Corte de Contas da União e concedeu a este órgão a competência para liquidar e verificar a legalidade das contas de receita e despesa antes de serem prestadas ao Congresso Nacional, bem como, instituiu a forma de nomeação de seus membros, in verbis:
Art 89 - É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso. Os membros deste Tribunal serão nomeados pelo Presidente da República com aprovação do Senado, e somente perderão os seus lugares por sentença.
Observa-se, portanto, que a competência dos Tribunais de Contas instituída pela Constituição Federal de 1891 era bastante limitada, em oposição à Constituição Federal hodiernamente vigente.
Apesar de sua previsão constitucional, a instalação do referido Tribunal, entretanto, só se deu em 17 de janeiro de 1893, em decorrência do empenho de Serzedello Corrêa, Ministro da Fazenda do governo de Floriano Peixoto (ALEJARRA, Luís Eduardo Oliveira, 2013).
2 PREVISÃO CONSTITUCIONAL E COMPETÊNCIAS
Ao examinar as atribuições conferidas às Cortes de Contas nas diversas Constituições, observamos que estas estão diretamente relacionadas ao sistema político regente nas diferentes épocas do Brasil. Com o regime ditatorial, as Constituições de 1937 e 1967 reduziram a competência dos referidos órgãos de controle externo, que voltaram a ser ampliadas, respectivamente, nas Constituições de 1946 e 1988, com o advento da redemocratização.
Após o Tribunal de Contas ser instituído em 1893, seguindo o modelo francês, iniciou-se a fiscalização das contas públicas de forma independente do Poder Executivo. Entretanto, as decisões proferidas pelo referido órgão passaram a ser fortemente refutadas pelos membros do Executivo, que as viram como uma afronta, passando, assim, a reduzir a competência das Cortes de Contas através de decretos (PELEGRINI, Márcia, 2008).
A Constituição de 1934, que procedeu aquela que instaurou o TC (1891), em seu artigo 99 estabelecia a manutenção do Tribunal de Contas, bem como instituía a competência desta Corte no acompanhamento da execução orçamentária e do julgamento das contas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos.
Deste modo, a referida Constituição estabeleceu, expressamente, a necessidade de prestação de contas pelos entes da Administração Pública indireta.
Essa Constituição manteve os critérios de nomeação do Diploma que a antecedeu, entretanto, conferiu aos Ministros do TC as mesmas garantias dos Ministros do Supremo Tribunal Federal – STF, a fim de efetivar a autonomia necessária para as suas decisões (LIMA, Luís Henrique, 2011).
Uma inovação da Constituição de 1934 foi a previsão, em seu art. 101, da necessidade de registro prévio pelo Tribunal de Contas de qualquer ato da Administração Pública que resulte em pagamento pelo Tesouro Nacional, ou por sua conta, reputando-se perfeitos e acabados apenas os contratos registrados pelo TC.
Por fim, a referida Constituição estabelecia, ainda, a elaboração de parecer prévio pelo Tribunal de Contas, no prazo de 30 (trinta) dias, sobre as contas que o Presidente da República deve prestar anualmente à Câmara dos Deputados.
Com o advento do Estado Novo, entretanto, a Constituição de 1937 reduziu o rol de atribuições da Corte de Contas, retirando a competência para realizar o referido parecer prévio sobre as contas do Presidente da República.
A Carta Magna de 1946 traçou mais diretrizes acerca da Corte de Contas. Além de instituir sua sede na capital da República e jurisdição em todo território nacional, aumentou-se o rol de atribuições do órgão em referência. Ora vejamos o artigo 77 da Constituição de 1946:
Art 77 - Compete ao Tribunal de Contas:
I - acompanhar e fiscalizar diretamente, ou por delegações criadas em lei, a execução do orçamento;
II - julgar as contas dos responsáveis por dinheiros e outros bens públicos, e as dos administradores das entidades autárquicas;
III - julgar da legalidade dos contratos e das aposentadorias, reformas e pensões.
Além de restaurar a elaboração do parecer prévio no que pertine às contas do Presidente da República, a Lei Suprema de 1946 aumentou o prazo para 60 (sessenta) dias. Outro aspecto retomado foi a necessidade de registro prévio de contratos.
A Constituição de 1967, por sua vez, trouxe inúmeras inovações, tais como a utilização inédita do termo “Tribunal de Contas da União”, em seu art. 26, §1º, a seguir transcrito:
Art. 26 - Do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 22, nºs IV e V, a União distribuirá doze por cento na forma seguinte:
§ 1º - A aplicação dos Fundos previstos nos incisos I e II deste artigo será regulada por lei federal, que cometerá ao Tribunal de Contas da União o cálculo das cotas estaduais e municipais, condicionando-se a entrega das cotas: [...] (Grifou-se)
Segundo Luís Henrique Lima (2011, p.15), além de atribuir ao Congresso Nacional o controle externo, a ser exercido com auxílio do Tribunal de Contas, a referida Magna Carta trouxe as seguintes novidades:
- pela primeira vez foi mencionado o sistema de controle interno, embora restrito ao Poder Executivo;
- introduziu a expressão “auditorias financeiras e orçamentárias” a ser exercida sobre as contas das unidades administrativas dos três Poderes da União, que, para esse fim, deverão remeter demonstrações contábeis ao Tribunal de Contas, a quem caberá realizar as inspeções que considerar necessárias;
- estipulou-se o julgamento da regularidade das contas dos administradores e das demais responsáveis seria baseado em levantamentos contábeis, certificados de auditoria e pronunciamento das autoridades administrativas, sem prejuízo das mencionadas inspeções;
- explicitou-se que as normas de execução financeira e orçamentária aplicam-se às autarquias; e
- foi estabelecido que os Ministros do Tribunal de Contas seriam escolhidos dentre brasileiros, maiores de trinta e cinco anos, de idoneidade moral e notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, financeiros ou de administração pública.
Ademais, manteve-se a elaboração de parecer prévio, no prazo de 60 (sessenta) dias, acerca das contas do Presidente da República, contudo, extinguiu-se a necessidade de registro prévio dos contratos.
Quanto às questões das aposentadorias, reformas e pensões, o Tribunal de Contas deixou de julgar a legalidade destas, passando a apreciá-las apenas para fins de registro (LIMA, Luís Henrique, 2011).
Não obstante às mudanças trazidas pela Constituição de 1967, foi apenas com a Lei Suprema de 1988, atualmente vigente, que os Tribunais de Contas passaram a ter uma relevante e ampla esfera de competência.
A Constituição de 1988 manteve, como atribuição do TCU, a apreciação das contas do Presidente da República através da elaboração de parecer prévio a ser emitido em até 60 (sessenta dias); o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos; dentre outras, conforme o art. 71 a seguir transcrito:
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
III - apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;
IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;
V - fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;
VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;
VII - prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.
Deste modo, observa-se que, ainda que extenso o rol de atribuições dos Tribunais de Contas na Carta Magna atualmente em vigência, estes não possuem competência para julgar atos de improbidade administrativa ou de crimes de apropriação indébita previdenciária cometidos pelos gestores de recursos públicos, devendo, assim, representar o Ministério Público, dando-lhe conhecimento do feito, para que, deste modo, adote as providências cabíveis junto à Justiça Comum, segundo o âmbito de sua competência, quer seja Federal, quer seja Estadual.
No que concerne aos Tribunais de Contas do Estado, o primeiro a ser instituído foi o de Piauí, em 1899. Dezesseis anos depois, surgiu o TCE da Bahia, em 1915, seguido pelo de São Paulo. Em 1935, surgiram os Tribunais de Contas do Estado de Minas Gerais, Rio Grande do Sul. Por fim, o TCE do Rio de Janeiro foi inaugurado em 1936 (LIMA, Luís Henrique, 2011)..
Durante o período do Estado Novo, os Tribunais de Contas dos Estados de Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Ceará e Bahia, foram extintos, retomando suas atividades apenas em 1945, com a redemocratização do país (LIMA, Luís Henrique, 2011).
Com a Constituição democrática de 1946, cada Estado pôde criar sua Corte de Contas, com fito de aferir a legalidade das receitas e despesas públicas nos âmbitos estadual e municipal.
Entretanto, nos Estados de Bahia, Ceará, Goiás e Pará, além de um TCE, estes contam, ainda, com uma Corte de Contas dos Municípios, responsáveis pelo controle externo das administrações direta e indireta de todos os municípios do Estado (PASCOAL, Valdecir, 2008).
Os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, porém, possui um Tribunal de Contas do Município competente a julgar apenas as contas da capital de cada Estado, respectivamente.
3 A NATUREZA JURÍDICA DAS CORTES DE CONTAS E A EFICÁCIA DE SUAS DECISÕES
A natureza jurídica das Cortes de Contas é um tema de grande divergência doutrinária. Enquanto alguns autores afirmam que os Tribunais de Contas são partes do Poder Legislativo, outros garantem que estes são órgãos autônomos e independentes, não integrando nenhum dos poderes estatais (LIMA, Luís Henrique, 2011).
Outra parte da doutrina entende, ainda, que as Cortes de Contas exercem função jurisdicional, considerando o sentido definitivo da manifestação dos referidos órgãos (MELO, Paulo Sergio Ferreira, 2011)
Luiz Henrique Lima (2011, p. 116) leciona que:
De modo geral, a doutrina apresenta duas visões:
- o TCU como órgão do Poder Legislativo; e
- o TCU como órgão autônomo e independente.
Os principais argumentos a favor da primeira tese são:
- na Constituição Federal, o TCU está posicionado no capítulo do Poder Legislativo;
- na Lei de Responsabilidade Fiscal, os gastos com pessoal dos Tribunais de Contas são incluídos nos limites estabelecidos para o Poder Legislativo (art. 20); e
- nas LOAs, as dotações para os Tribunais de Contas estão incluídas no orçamento do Poder Legislativo.
Por seu lado, argumenta a outra corrente que os Tcs seriam autônomos e independentes, tendo em vista que:
- fiscalizam todos os Poderes;
- não têm subordinação a nenhum Poder;
- suas decisões não podem ser reformadas (apenas anuladas); e
- possuem inciativa legislativa e autonomia administrativa.
Esse embate dura décadas, principalmente em decorrência da expressão “o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do TCU...”, prevista no art. 71 da Carta Magna de 1988.
Assim, parte da doutrina compreende a Corte de Contas como um órgão auxiliar do Congresso Nacional, entretanto, os principais autores rejeitam esta interpretação, e entende pela autonomia dos Tribunais em comento (LIMA, Luís Henrique, 2011).
Segundo Paulo Sergio Ferreira Melo (2011):
A função do Tribunal de Contas é de atuar em auxílio ao legislativo, sua natureza, em razão das próprias normas da Constituição é a de órgão independente, sem vínculo com a estrutura de qualquer dos três poderes. No meu entendimento, por conseguinte, o Tribunal de Contas se configura como instituição estatal independente.
Neste mesmo sentido, Fernanda Marinela (2014, p. 1072) aduz que:
Esses Tribunais são órgãos colegiados, possuem autonomia. A sua natureza jurídica é discutível. Pelo fato de constituírem longa manus do Poder Legislativo, alguns defendem que fazem parte desse Poder, o que não prevalece na atual ordem vigente. Para a maioria trata-se de um órgão anômalo, assim como o Ministério Público, que, apesar da autonomia, está vinculado somente parra fins orçamentários ao Poder Legislativo. Tal autonomia é fundamental para o exercício de um controle sério e imparcial.
Deste modo, o entendimento que prevalece na atualidade é de que, apesar de ser vinculado ao Poder Legislativo para fins orçamentários e de responsabilidade fiscal, os Tribunais de Contas são órgãos independentes e detentores da autonomia necessária para a realização de um controle externo efetivo e imparcial.
Já no que tange à função jurisdicional do Tribunal de Contas, Luiz Henrique Lima (2011, p. 115) elucida:
O Tribunal de Contas tem o nome de Tribunal e possui competência, conferida pela Carta Magna, de julgar contas e aplicar sanções, mas não pertence ao Poder Judiciário. Vincula-se, para efeitos orçamentários e de responsabilidade fiscal, ao Poder Legislativo, mas possui total independência em relação ao Congresso e às suas Casas, inclusive realizando fiscalizações e julgando as contas de seus gestores.
Por sua vez, Valdecir Pascoal (2008, p. 126), esclarecea:
A autonomia fica também evidenciada quando a CF estatui, no artigo 73, que o TC tem quadro próprio de pessoal; fica mais uma vez evidenciada a partir da leitura combinada dos artigos 73 e 96 da CF. O artigo 96 estatui atribuições atinentes à auto-organização do Poder Judiciário e o art. 73 estende, no que couber, essas Regras ao Tribunal de contas.
Duardo Gualazzi afirma que se pode definir Tribunal de Contas, no Brasil, como o órgão administrativo parajudicial, funcionalmente autônomo, cuja função consiste em exercer, de ofício, o controle externo, fático e jurídico, sobre a execução financeiro-orçamentária, em face dos três Poderes do Estado, sem a definitividade jurisdicional.
Deste modo, apesar de exercer função judicante, o Tribunal de Contas tampouco faz parte do Poder Judiciário.
Ademais, ultrapassada a divergência doutrinária no que diz respeito à natureza jurídica das Cortes de Contas, percebe-se, também, diferentes correntes acerca de qual seja a natureza das decisões destes órgãos.
Em suma, os conflitos residem no fato de que o Poder Constituinte é omisso em declarar quem seria o legitimado a promover a ação executiva das decisões das Cortas de Contas. Sendo, portanto, esta lacuna a responsável pelas celeumas em referência (MELO, Paulo Sérgio Ferreira Melo, 2011).
Destarte, não se sabe ao certo se as referidas decisões possuem condão administrativo ou judicante.
O art. 71, §3º, da Constituição Federal, estabelece que as decisões do TCU que imputem débito ou multa têm eficácia de título executivo. Não obstante, o art. 584 do Código de Processo Civil, que posteriormente foi revogado pela Lei 11.232/05, apresentava o rol taxativo de títulos executivos judiciais, o qual era omisso quanto às referidas decisões, senão vejamos:
I – a sentença condenatória proferida no processo civil;
II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;
III – a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que verse de matéria não posta em juízo;
IV – a sentença estrangeira, homologada pelo Supremo Tribunal Federal;
V – o formal e a certidão de partilha;
VI – a sentença arbitral.
Entretanto, um órgão administrativo pode possuir decisão judicante, ou seja, aquela capaz de conferir definitivamente o direito, sendo este o caso dos países que adotam o contencioso administrativo. Neste sistema, o órgão administrativo dá a última palavra sobre as questões que envolvam a Administração Pública, não podendo o jurisdicionado recorrer ao Poder Judiciário (PASCOAL, Valdecir, 2008).
Ainda, segundo Valdecir Pascoal (2008, p. 129), em que pese os Tribunais de Contas não integrarem o Poder Judiciário:
[...] uma parte minoritária da doutrina, tendo à frente Pontes de Miranda e Seabra Fagundes, seguidos hoje, dentre outros, por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, defende a força judicante da deliberação do Tribunal de Contas que julga contas dos administradores públicos (artigo 71, II, da CF).
Um dos argumentos é que a própria Constituição, ao estabelecer o termo técnico julgar, conferiu parcela jurisdicional ao Tribunal de Contas. Sobre o disposto no artigo 5º, XXXV, da Lei Maior, que estatui que a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça de direito, essa corrente alega que a lei (sentido estrito) é que não pode excluir lesão ou ameaça de direito do exame do Poder Judiciário. A Constituição Federal podia, tanto que o fez no seu próprio texto quando conferiu, excepcionalmente, ao Tribunal de conta a competência para julgar as contas dos administradores públicos.
Seabra Fagundes vai mais além e afirma que a força jurisdicional do Tribunal de Contas não ocorre pelo simples emprego da palavra “julgar”, mas sim pelo sentido definitivo da manifestação da Corte, pois se a irregularidade das contas pudesse der lugar à nova apreciação pelo Judiciário, o seu pronunciamento resultaria em mero e inútil formalismo.
Destarte, neste diapasão, entende-se que a decisão proferida por estas cortes possuem parcela jurisdicional em decorrência do fato de que suas decisões são definitivas, não comportando recurso ao Poder Judiciário. Assim, para os adeptos deste argumento, advinda a possibilidade de reforma das decisões emanadas pelos Tribunais de Contas, estas não possuiriam qualquer efetividade e serviriam de mero formalismo.
Não obstante, a doutrina majoritária e a jurisprudência dos Tribunais Superiores conferem às decisões das Cortes de Contas natureza administrativa, porquanto o art. 5º, inciso XXXV, da Carta Magna adota o sistema de jurisdição una, ou monopólio da tutela jurisdicional pelo Poder Judiciário, de modo que as decisões administrativas das Cortes de Contas, uma vez que são atos administrativos, estão sujeitas ao controle jurisdicional (PASCOAL, Valdecir, 2008).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[8] BRASIL. Constituição, 1967.
[9] BRASIL. Constituição, 1988.
[10] PASCOAL, Valdecir Fernandes. Direito Financeiro e Controle Esterno: teoria, jurisprudência e 370 questões. 6º ed. rev. e ampl. e atualizada até a EC nº 53 – Rio de janeiro: Elsevier, 2008.
[11] MELO, Paulo Sergio Ferreira. A natureza jurídica das decisões dos Tribunais de Contas. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 89, jun 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9704&revista_caderno=4>. (Acesso em 10/10/2014).
[12] MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 8ª ed. - São Paulo: IMPETUS, 2014.