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A questão da possibilidade de gravação ou não das audiências e perícias judiciais

Agenda 26/01/2016 às 14:24

Este texto discute a possibilidade da gravação das audiências e perícias judiciais por partes e advogados, ressaltando os ditames constitucionais relacionados ao tema.

Com o advento dos smartphones, câmeras digitais e tablets, passou a ser comum partes e procuradores gravarem audiências, perícias e outros atos solenes de instrução e/ou julgamento processual. O que se questiona é se isso é, de fato, possível, considerando os limites constitucionais e legais presentes na legislação brasileira.

Inicialmente, quanto às audiências, é sabido que se trata de ambiente público de acesso irrestrito, salvo exceções de processos que envolvam segredo de justiça. E isso ocorre pela publicidade dos atos de Estado e também pela transparência que se exige de todo aquele que trabalha com e para a coisa pública. A legislação processual, inclusive, faz saber que o acesso às audiências é público e livre, artigo 444 do CPC1. O que não há previsão é quanto à possibilidade ou não de gravação por completo destes atos solenes, à exceção dos depoimentos das testemunhas.

Sobre isso é bom deixar claro que a legislação não poderia prever o advento dos smartphones, havido em 2007, ou mesmo das câmeras digitais, um pouco menos modernas. Mas, se tivesse previsto ou fosse contemporâneo, autorizaria a filmagem, gravação etc., destes eventos de forma irrestrita?

Creio que a resposta é negativa. Não há como se confundir publicidade do ato e livre acesso a uma sessão solene com autorização para registro de imagem e voz. Há uma grande diferença entre gravações em ambientes abertos (na rua) e aqueles restritos, destinados à produção de prova e/ou julgamento. A proteção à imagem e voz, consagrada na CF/88 como direito fundamental de primeira dimensão, apenas pode ser transposta com autorização dos envolvidos. Isso porque a limitação a um direito fundamental (de personalidade até) apenas pode ocorrer em situações restritas, e não como regra geral.

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Note-se que o artigo 417, caput, do CPC2 apenas autoriza a gravação dos depoimentos das testemunhas (artigo inserido na seção VI, subseção II do Capítulo VI, “DAS PROVAS”, do CPC). No mais, depoimentos pessoais, designação de provas, decisões interlocutórias e/ou saneadoras, razões finais etc. não podem ser gravados. A interpretação deste artigo, que traz uma exceção, deve ser restrita.

De outro lado, em relação às perícias, ocorre o mesmo. Sob as ordens do juiz, o perito realiza a inspeção judicial. Neste momento, ele é a “longa manus” do magistrado na busca da verdade real. As gravações e filmagens não-autorizadas seguem a mesma linha, apenas sendo possível quando há expressa concordância de todos, inclusive do perito. Ou seja, se o perito não autoriza a gravação, não pode ela ocorrer. Não preciso dizer que o fato de não constar em ata a permissão para gravação não significa autorização. Há limites para o acesso às sessões públicas e este limite é, também, o respeito à norma constitucional de proteção à imagem e voz, mesmo em ambientes de acesso público, mas não “em público”.

Por fim, o artigo 417, caput, do CPC, como dito supra, apenas autoriza a gravação dos depoimentos das testemunhas. Se esta norma de interpretação restrita quisesse autorizar a gravação de todo o ato solene, faria isso de forma expressa; de outro modo, fez referência apenas às testemunhas. Não se estende, pois, às inspeções periciais, não podendo elas, portanto, ser gravadas e/ou filmadas, salvo autorização de todos os envolvidos.

Assim, concluo esta pequena reflexão entendendo que não é permitida a gravação de audiências e perícias, podendo o magistrado, advogado ou perito negar-se a realizar seu trabalho nos casos em que isso ocorra, salvo quanto aos depoimentos das testemunhas em juízo.


Notas

1 Art. 444. A audiência será pública; nos casos de que trata o art. 155, realizar-se-á a portas fechadas.

2 Art. 417. O depoimento, datilografado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores, facultando-se às partes a sua gravação . (grifei)

Sobre o autor
Rafael da Silva Marques

Juiz do Trabalho titular da Quarta Vara do Trabalho de Caxias do Sul; Especialista em direito do trabalho, processo do trabalho e previdenciário pela Unisc;<br>Mestre em Direito pela Unisc; Doutor em Direito pela Universidade de Burgos (UBU), Espanha; Membro da Associação Juízes para a Democracia

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Este texto foi elaborado em razão dos inúmeros questionamentos vindos dos peritos judiciais sobre a possibilidade ou não da gravação das perícias em especial pelos advogados das partes.

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