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Crise hídrica.

Um enfoque na problemática da água na região da Serra da Ibiapaba e suas implicações jurídicas

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Agenda 02/02/2016 às 21:23

3. DO DIREITO DA ÁGUA

3.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR SOBRE ÁGUAS

A Constituição Federal possui diferentes dispositivos que tratam do direito das águas o que possibilitou várias interpretações.

Como se observa com relação à competência o legislador atribuiu o caráter privativo destinado a União “Art. 22. Compete privativamente à União Legislar sobre: () IV – águas, “energia, informática, telecomunicação e radiodifusão”. (MORAES, 2006, p.272)

Observamos que da forma que foi empregado o termo águas, sem dar uma especificidade quanto ao tipo ou modalidade, deu margem para uma interpretação ampla.

Logo a seguir, no artigo 24, que versa sobre as competências concorrentes da União, Estados e Distrito Federal, mais precisamente no inciso VI, ficou atribuído a competência para legislar sobre meio ambiente, e sendo água uma espécie do gênero meio ambiente, esta ficou incluída, já que considera-se a água como um recurso natural. (MORAES, 2006, p.280)

Vale ressaltar que na mesma esteira de raciocínio o artigo 24, no inciso VIII, também determina competência concorrente para legislar sobre a responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente, em que a poluição da água está inserida.

Assim, pela falta de clareza em relação à competência legislativa, a interpretação mais plausível é advinda mesmo do artigo 24 determinando que a União legisle sobre normas gerais, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal legislar de forma complementar e ao Município de modo suplementar, levando em consideração o interesse local, conforme o art. 30, I e II, da Constituição Federal. (FIORILLO, 2014, p.345)

Dessa forma, o nosso ordenamento jurídico classifica as regras de competência ambiental em competência material exclusiva, legislativa exclusiva, material comum e legislativa concorrente, de acordo com os artigos supramencionados.

3.1.1 – Competência Material Exclusiva

A competência material exclusiva destina-se ao poder de execução conforme se identifica no art. 21 da CF quando utiliza-se os verbos “organizar”, “administrar”, “promover”, “autorizar”, “editar”, “prover”, etc.

Diante dessa assertiva a União elabora e executa planejamentos de organização territorial, institui o sistema nacional de recursos hídricos bem como outras diretrizes como saneamento básico, transportes urbanos, habitação, dentre outros. (SIRVINKAS, 2015, p.196)

3.1.2 – Competência Legislativa Exclusiva

É conferida à União de forma privativa a competência para legislar sobre vários temas dispostos no art. 21 da CF. Isso quer dizer que essas matérias tratadas nesse dispositivo são assuntos de relevante importância estratégica para a manutenção da estabilidade do país não cabendo ser atribuídas a outros entes senão a União.

Contudo, no artigo seguinte em seu parágrafo único, ocorre uma mitigação à rigidez da competência privativa quando define que a lei complementar pode autorizar aos Estados a legislar sobre questões específicas que se relacionam a tal competência. (SIRVINKAS, 2015, p.196)

3.1.3 – Competência Material Comum

O artigo 23 da CF atribuiu em matéria ambiental à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;

XI—registrar, acompanhar e fiscalizar a concessão de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios.

Essa competência tem como escopo a cooperação administrativa na gestão desses recursos. Aqui não será observado o poder de legislar e sim as normas de cumprimento das políticas públicas ambientais, que se fará cumprir através de leis complementares com a finalidade de manter o equilíbrio e o bem-estar coletivo. (MORAES, 2006, p.274)

Ressalte-se aqui no tocante a efetividade das matérias que são repartidas as competências entre seus entes, é necessário a aplicação do poder de polícia ambiental destinado a cada um deles como vínculo de validade da competência material.

Quando houver prevalência do interesse local, poderá o ente público municipal exercer a competência exclusiva salvaguardando a previsibilidade hierárquica de dispositivos que tratem do mesmo assunto. Em outras palavras há de prevalecer as normas gerais da União e as específicas do Estado em detrimento de normas municipais. O caráter aqui é suplementar em face das legislações federal e estadual, respeitando sempre a hierarquia das normas. (SIRVINKAS, 2015, p.197)

3.1.4 – Competência Legislativa Concorrente

O direito pátrio considera permissivo quando dois entes da Federação legislem sobre a mesma matéria, é a chamada competência concorrente.

Há de observar que tal competência se divide em cumulativa e não cumulativa. A cumulativa estabelece que a União, os Estados e o Distrito Federal legislem sobre matérias a eles destinadas sem a observância de limitação prévia. A não cumulativa veda essa possibilidade pelo fato de ter que respeitar a verticalidade da competência aos entes superiores.

Em matéria de direito ambiental o dispositivo legal contempla o art. 24 da CF e seus incisos I, VI, VII e VIII nos quais tratam do direito urbanístico, floresta, caça, pesca, fauna, conservação, defesa do meio ambiente e dos recursos naturais, proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico, paisagístico e responsabilidade pelos danos ao meio ambiente.

Quando ocorre conflito de competências em matéria concorrente entre normas estaduais e federais, a de maior hierarquia suplanta a outra, observada se tais normas possuam caráter geral, não havendo também que se falar em inversão de normas específicas ditadas pela União e muito menos normas gerais advindas dos Estados ou do Distrito Federal. Se tal fato existir, este será tratado em sede de ação direta de inconstitucionalidade através do controle difuso ou concentrado. (SIRVINKAS, 2015, p.200).

3.1.5 – Competência Legislativa Dos Municípios

As atribuições de competência inerentes aos municípios relacionados ao direito ambiental, conforme a Constituição Federal é estabelecida no art. 30 incisos I, II, VIII e IX, sob os seguintes aspectos:

a) Legislar sobre interesse local; b)suplementar a legislação federal e estadual no que couber; c) promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle de uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; d) promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Ressalte-se que o interesse local muitas vezes é confundido como interesse particular. O interesse local, ou peculiar, é aquele que trata das necessidades da população que está inserido dentro de um município, ou seja, seus munícipes, moradores e vivenciadores dos problemas ali existentes, ao passo que o interesse privativo busca atender às necessidades de uma pessoa ou pequeno grupo de pessoas sem levar em conta os interesses da coletividade. (MORAES, 2006, p.272)

No que se refere ao art. 24 da CF, desde que a matéria seja de interesse local, nada impede que o município legisle sobre tais assuntos. Em matéria ambiental é fundamental tal prerrogativa para que não fique na dependência do Estado ou da União, dada sua substancial importância.

A repartição de competências nesse sentido funda-se na premissa de que, ao permitir que o município legisle sobre o interesse local, torne a abordagem de uma determinada matéria bem mais específica de modo a atender as peculiaridades inerentes de cada região e de cada município.

3.2 PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À ÁGUA

Princípios podem ser definidos como um conjunto de normas delineadoras de todas as ciências. Pode ser também ideias basilares e fundamentais, que lhe dão apoio e coerência, respaldados por um ideal como, por exemplo, nas ciências jurídicas, o ideal de Justiça.

Sendo assim, princípios são ideias fundamentais de caráter geral dentro de cada área de atuação. Como não poderia deixar de ser, o Direito Ambiental e mais especificamente o direito das águas, que é o foco desse trabalho, é fundamentado também por um conjunto principiológico aos quais passamos a analisá-los.

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3.2.1. Princípio da Dignidade Humana

É das lições de Moraes (1998, p. 60-61), com sua vasta experiência em Direito Constitucional e Direitos Humanos, que tiramos a definição de dignidade da pessoa humana:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. [...] O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever configura-se pela exigência do indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria. A concepção dessa noção de dever fundamental resume-se a três princípios do direito romano: honestere vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudique ninguém) e suum cuique tribuere (dê a cada um o que lhe é devido). Ressalte-se, por fim, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução nº 217 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10-12-1948 e assinada pelo Brasil na mesma data, reconhece a dignidade como inerente a todos os membros da família humana e como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. (MORAES, 1998, p. 60-61)

A qualidade de vida do ser humano está diretamente ligada à dignidade da pessoa humana, considerado tanto de forma individual como no seio de uma sociedade. É um valor de que se extrai do espírito de todos os homens, que o vivenciam no dia-a-dia, e sua relatividade ao direito das águas, é que sem esse bem essencial à vida, é impossível a convivência digna, saudável ausente de conflitos entre as pessoas.

3.2.2. Princípio Do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado Como Direito Fundamental Da Pessoa Humana

A Constituição de 1988 estabeleceu de forma expressa, a proteção do meio ambiente, por ser bem essencial à saudável qualidade de vida, intimamente ligada ao valor da dignidade humana. O que se observa é que o reconhecimento a esse princípio confirma um valor de maior grandeza que é basilar de todo Estado Democrático de Direito: o direito à vida, direito fundamental de todo ser humano.

O caráter de essencialidade ao acesso à água é que o insere nesse contexto principiológico, pois, sem esse recurso, não haveria condições de se manter um meio ambiente em equilíbrio e harmônico.

3.2.3. Princípio Do Direito À Sadia Qualidade De Vida

É uma decorrência do princípio ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, do direito à vida. Não é suficiente o mero direito à vida. Deve ser criado mecanismo que o efetive e o proteja de modo que possa garantir uma verdadeira qualidade de vida.

O meio ambiente e principalmente a água, devem ser amplamente protegidos e conservados como recurso indispensável para que seja possível o acesso às gerações futuras.

3.2.4. Princípio Do Controle Do Poluidor Pelo Poder Público

O princípio do controle do poluidor pelo Poder Público possui duas ramificações ou sub-princípios: usuário-pagador e poluidor-pagador. É o resultado das intervenções do Poder Público necessárias à manutenção, preservação e restauração dos recursos ambientais objetivando à utilização racional e a permanente disponibilidade desses recursos. É através do poder de polícia que se efetiva a ação dos órgãos e entidades públicas no controle do poluidor, pois limita o exercício dos direitos individuais, visando a assegurar o bem-estar coletivo.

3.2.4.1. Poluidor-Pagador

O princípio do poluidor-pagador tem como escopo garantir a sociedade que aquele que polui deve pagar pela poluição. Não é um direito à poluição, desde que se pague por ele, mas um meio de evitar um dano maior ao meio ambiente. As lições Milaré (2005, p. 164) apontam para as seguintes reflexões:

O princípio não objetiva, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, evitar o dano ao ambiente. Nesta linha, o pagamento pelo lançamento de efluentes, por exemplo, não alforria condutas inconsequentes, de modo a ensejar o descarte de resíduos fora dos padrões e das normas ambientais. A cobrança só poderá ser efetuada sobre o que tenha respaldo na lei, pena de se admitir o direito de poluir. Trata-se do princípio poluidor-pagador (poluiu, paga os danos), e não pagador-poluidor (pagou, então pode poluir). Esta colocação gramatical não deixa margens a equívocos ou ambiguidades na interpretação do princípio.

O princípio do poluidor-pagador objetiva obrigar aquele que polui, mesmo com autorização, controlar ou reduzir o impacto ao meio ambiente, seja limitando a quantidade de poluição produzida, seja fazendo o meio ambiente degradado voltar ao estado anterior ou ainda a conversão em pena pecuniária haja vista em alguns casos a impossibilidade de reverter tal dano.

3.2.4.2. Usuário-Pagador

O princípio do usuário-pagador se funda na premissa de fazer com que aqueles que utilizam os recursos naturais possam pagar pelo uso efetivo desses recursos. A adoção desse princípio no ordenamento pátrio visa evitar abusos no usufruto e exploração dos recursos naturais, principalmente quando estes são encontrados de forma abundante como a água que é considerada por alguns como fonte inesgotável, sendo que esta é um recurso limitado e de difícil recuperação.

Segundo Milaré, é importante lembrar, porém, que

O princípio do usuário-pagador não é uma punição, pois mesmo não existindo qualquer ilicitude no comportamento do pagador ele pode ser implementado. Assim, para tornar obrigatório o pagamento pelo uso do recurso ou pela sua poluição não há necessidade de ser provado que o usuário e o poluidor estão cometendo faltas ou infrações. O órgão que pretenda receber o pagamento deve provar o efetivo uso do recurso ambiental ou a sua poluição. A existência de autorização administrativa para poluir, segundo as normas de emissão regularmente fixadas, não isenta o poluidor de pagar pela poluição por ele efetuada.” (MILARÉ, 2005, p. 60)

O uso racional dos recursos naturais, como a água, para manter as demandas e consequentemente a proteção ao meio ambiente é o que justifica a cobrança pelo uso e/ou pela poluição dos recursos hídricos. Constitui instrumento de gestão a ser implantado para induzir o seu usuário e/ou poluidor a uma utilização adequada, mantendo o equilibrado os eixos disponibilidade e demanda, bem como a proteção ao meio ambiente.

3.2.5. Princípio da Precaução

Quando uma atividade ou a utilização de um recurso hídrico está cercado de incertezas quanto aos eventuais danos surge a necessidade de invocar o Princípio da precaução.

Precaver-se, significa resguardar-se de um perigo iminente, utilizando todos os métodos possíveis para antecipar-se aos fatos e feitos do dano.

Em outras palavras, quando uma obra ou atividade pode gerar um significativo impacto aos recursos hídricos ali existente, como por exemplo a implantação de uma grande área de agricultura irrigável numa região de baixo índice pluviométrico, há a necessidade que se ter meios alternativos de controle do uso de forma a garantir a segurança hídrica da região em um eventual período de estiagem prolongada.

3.2.6. Princípio da Prevenção

Prevenir é antecipar-se aos fatos. Intimamente ligado ao Princípio da precaução, a prevenção visa identificar possíveis danos que possam ocorrer ao meio ambiente.

Através da busca de informações sobre a ação que poderá afetar o meio ambiente, é traçado um diagnóstico sobre todos os efeitos que poderão impactar o meio ambiente advindo do agir humano. A partir desse ponto articulam-se medidas preventivas para minimizar possíveis danos futuros agindo com as melhores técnicas de prevenção e controle dos níveis de degradação do meio ambiente.

Segundo Machado (1994, p. 36) a informação é essencial para atingir o objetivo desse princípio, vejamos:

Sem informação organizada e sem pesquisa não há prevenção. Por isso, divido em cinco itens a aplicação do Princípio da prevenção: 1º) identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à conservação da natureza e identificação das fontes contaminantes das águas e do mar, quanto ao controle da poluição; 2º) identificação e inventário dos ecossistemas, com elaboração de um mapa ecológico; 3º) planejamento ambiental e econômico integrados; 4º) ordenamento territorial ambiental para a valorização das áreas de acordo com sua aptidão; e 5º) Estudo de Impacto Ambiental.

Pelo exposto, prevenir significa informar e ser informado, para, posteriormente, cobrar dos que utilizam de meios poluidores dos recursos hídricos a redução, com o respectivo ressarcimento dos prejuízos causados ou quando for possível, cessar por completo a degradação ambiental.

3.2.7. Princípio da Reparação

Como o direito das águas, adota a responsabilidade objetiva do mesmo que o direito ambiental, para eventuais danos ou prejuízos causados é dever daquele que causou dano ao meio ambiente reparar o prejuízo, procurando restitui-lo adequadamente, se possível, da forma que outrora se encontrava. (MACHADO, 2005, p. 83)

A conversão das penalidades em multas ou indenizações nem sempre produzem a eficácia necessária para a proteção ao meio ambiente, haja vista que auferir o valor de um eventual impacto ambiental sofrido em alguma área é extremamente difícil. Por isso, o direito das águas tem preferência pela recuperação dos recursos hídricos em detrimento de outras formas de punição, pois, além do caráter reestruturante possui também o enfoque preventivo e educativo. (MACHADO, 2005, p. 83-84)

3.2.8. Princípio da Informação

Sem informação não há como prevenir, combater nem muito menos preservar o meio ambiente.

O Princípio da informação está expresso na Lei de Educação Ambiental (Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, arts. 1º e 4º). É de fundamental importância, pois, é através da informação que a consciência ambiental é formada dentro da sociedade de um modo geral.

É importante mencionar que a informação que se objetiva transmitir tem que ser verdadeiramente correta, acessível e eficaz para surtir seus efeitos de forma célere já que o tempo em matéria de meio ambiente urge e pode transformar uma nação destruidora de recursos ambientais em país protetor do verde. (GRANZIERA, 2006, p. 51)

3.3. O DIREITO DE PROPRIEDADE DA ÁGUA

Á água é um bem difuso, ou seja, pertence a todos de modo que, ao mesmo tempo, é propriedade de todos e propriedade de nenhum. Dessa forma, todos tem o direito de usufruí-la, mas, seu uso deve ser controlado, racionalizado para garantir o equilíbrio sustentável. É um bem de uso comum do povo, de modo que todos têm o direito de utilizá-la. MACHADO (2002, p. 14-15) sabiamente afirma que:

A existência do ser humano - por si só - garante-lhe o direito a consumir água e ar. "água é direito à vida". Portanto, correto afirmar-se que negar água ao ser humano é negar-lhe o direito à vida; ou, em outras palavras, é condená-lo à morte. O direito à vida é anterior aos outros direitos. A relação que existe entre o homem e a água antecede o Direito. É elemento intrínseco à sua sobrevivência.

A Constituição Federal confere a prerrogativa de que a água é um bem de uso comum do povo, conforme o art. 225. Dessa forma, não há um indivíduo detentor exclusivo do seu uso e gozo, mas pode haver o uso privilegiado para algumas pessoas devendo sempre ater-se que a água é um bem pertencente à coletividade.

Como bem descreve (MACHADO, 2002, p.25), considerando a água um bem de uso comum do povo, a utilização racional de forma que atenda às necessidades básicas dos seres humanos é um direito de todos.

A propriedade da água não pode pertencer a uma única pessoa seja ela física ou jurídica. Sendo assim a concessão, a autorização ou outorga de qualquer natureza deverá ser motivada ou fundamentada pela gestão pública.

3.4 A POLÍTICA DE RECURSOS HÍDRICOS

3.4.1. Conceito De Meio Ambiente

O espaço que nos envolve, que estamos inseridos seja na rua, no trabalho, em casa bem como matas, florestas, bosques, parques, denomina-se meio ambiente. O conceito é bem mais amplo do que o censo comum percebe. Como demonstra MACHADO (2002, p.149):

A palavra “ambiente” indica a esfera, o círculo, o âmbito que nos cerca, em que vivemos. Em certo sentido, portanto, nela já se contém o sentido da palavra “meio”. Por isso, até se pode reconhecer que na expressão “meio ambiente” se denota certa redundância. O ambiente integra-se, realmente, de um conjunto de elementos naturais e culturais, cuja interação constitui e condiciona o meio em que se vive. Daí por que a expressão “meio ambiente” se manifesta mais rica de sentido (como conexão de valores) do que a simples palavra “ambiente”. Esta exprime o conjunto de elementos; aquela expressa o resultado da interação desses elementos. O conceito de meio ambiente há de ser, pois, globalizante, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, paisagístico e arqueológico.

O meio ambiente sendo um bem juridicamente tutelado, é incluso hoje no ordenamento jurídico como um direito fundamental à vida, sendo importante tentáculo formador do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, pois, sem um digno meio ambiente capaz de prover às variadas necessidades humanas, não é possível viver em condições adequadas e saudáveis.

3.4.2. Proteção Ao Meio Ambiente E Garantia Do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado

O art. 225 da Constituição Federal de 1988, aponta as diretrizes ambientais a serem seguidas, elencando regras de proteção contínua e conceituando meio ambiente.

É perceptível também em outros dispositivos o tratamento dispensado ao meio ambiente, e dentre esses um enfoque maior na questão da água, em que se estabelecem competências e todos os mecanismos de proteção a esse bem como direito e deveres dos cidadãos e do poder público relativo à matéria.

3.4.3. O Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado E Sua Tutela Jurídico-Constitucional

O que entende-se por meio ambiente ecologicamente equilibrado não é aquele intocável, que conserva sua forma original, e sim o que comunga com a harmonia entre homem e ambiente de forma que possa garantir a proteção e a sobrevivência dos meios que ali estão fixados com o objetivo de manter essa estabilidade para as futuras gerações.

A proteção ambiental definida na Constituição tem uma conotação de dever moral dos cidadãos amparados logicamente por um direito/dever jurídico, pois preservar e conservar o meio ambiente transcende a esfera legal e desafia o homem a buscar meio para a própria permanência da espécie.

3.4.4. Responsabilidade Por Danos Ao Meio Ambiente

O parágrafo terceiro do art. 225 da CF determina a responsabilidade objetiva para os danos causados ao meio ambiente como se percebe no seu teor:

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A responsabilidade por danos ao meio ambiente sendo objetiva abarca as esferas civil, penal e administrativa. Isso justifica a teoria do Risco Integral que dissemina a premissa que aquele que causar dano ao meio ambiente ou a terceiro quer seja de forma culposa ou dolosa terá que ressarci-lo.

Na ação civil pública a responsabilidade objetiva é demonstrada quando a culpa do fato independe de quem o causou, apenas precisando comprovar que o autor e a conduta lesiva estão inter-relacionados e a lesão ao meio ambiente aponte a infração ao dispositivo legal.

É importante reiterar que se o fato que provocou a lesão possui licença ou permissão por parte da autoridade competente, é dever do autor da ação quer seja o Ministério Público ou a pessoa jurídica provar que sua expedição foi concedida de forma ilegal, já que os atos administrativos trazem presunção de legalidade, invalidável mediante prova em contrário.

3.5. DOS RECURSOS HÍDRICOS

A Lei nº 9.433/1997 regulamenta a gestão dos recursos hídricos no Brasil. É por esse compêndio normativo que foi instituído a Política Nacional dos Recursos Hídricos.

O dispositivo legal que evidencia que a água é um bem de domínio público e de uso comum do povo, é o artigo 1º da Lei nº 9.433/1997. É ele que enfatiza que todos têm direito à água, de forma que sua propriedade não pode pertencer a um único indivíduo: é um bem pertencente a toda a humanidade.(MACHADO, 2002, p. 25)

Já o art. 2º 9433/1997 nos seus incisos I e II cuidou de enfatizar acerca do princípio do desenvolvimento sustentável como está claramente demonstrado:

São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos: I – assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; II – a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável.

A disponibilidade de água, a utilização integrada e racional são aspectos relevantes que são contemplados com advento da Lei 9.433/1997.

A disponibilidade de água refere-se à necessidade de se ter água de boa qualidade, isenta de poluição, que possa atender as necessidades das gerações presentes e futuras. Os outros dois aspectos, a utilização integrada e racional, evidencia a importância da disponibilidade de água de forma igualitária mesmo que se considere que alguns indivíduos necessitem do uso maior que outros, mas que mesmo sobre essa ótica, há de se ater ao critério da razoabilidade, ou seja, que facilite o acesso a todos. (MACHADO 2002, p. 39)

Ainda sobre a visão de Machado, é fundamental destacar que os institutos jurídicos tem que ser efetivamente aplicados para que evite o monopólio das águas por parte de particulares ou mesmo de órgãos públicos.

Os atos de outorga para garantir o direito de uso da água é uma forma adequada de utilização racional ao passo que a utilização integrada desse recurso se reitera no sistema de gestão que constam nas diretrizes gerais do art. 3º da Lei 9.433/1997.

Machado destaca como objetivos principais da política de gestão dos recursos hídricos:

Abordagem multissetorial, planejamento da utilização e da gestão racional; concepção, implantação e avaliação de projetos economicamente rentáveis e socialmente adaptados; definição, criação ou apoio a mecanismos institucionais, jurídicos e financeiros com o fim de assegurar-se o progresso social e o crescimento sustentado.

A proteção como também a outorga dos direitos do uso dos recursos hídricos são prerrogativas do estado através de atos de gestão para concretização dos objetivos da política hídrica brasileira (CF, art. 21, XIX, regulamentado pela Lei nº 9.433/97).

Os sistemas de outorga de direitos de uso de recursos hídricos estão regulamentados na Lei nº 9.433/97 no ar. 11 objetivando assegurar o controle do uso de forma quantitativa e qualitativa bem como o pleno direito de acesso à água (GRANZIERA, 2006, p. 193-194).

O que determina que a água seja um bem possua valor econômico é o fato de ser um recurso limitado. Dessa forma a outorga poderá ser concedida através de pecúnia, mas isso não implica em dizer que, aquele que paga pelo uso da água é seu proprietário podendo fazer uso indiscriminado da água. Muito pelo contrário, a cobrança pela outorga estabelece é um limite ao uso objetivando a garantia da conservação, recuperação e distribuição equânime desses recursos e a promoção de ações voltadas a proteção do meio ambiente como um todo. (MACHADO, 2002, p. 32).

A fiscalização e a aplicação de sanções são meios de proteção utilizados pelos órgãos governamentais.

Um dos exemplos é a ação civil pública, que tem se tornado um dos instrumentos de eficácia comprovada quando se trata de preservação do patrimônio natural. Essa ação em que dentre os legitimados estão o Ministério Público, é capaz de inibir ou suspender a ação danosa ao meio ambiente com uma elevada carga de credibilidade por parte da população o que encoraja e fortalece o trabalho daqueles que buscam uma sadia qualidade de vida para a sociedade.

É notório também o trabalho de cunho fiscalizatório e regulatório da Agência Nacional de Águas, a ANA. Sua atuação constante estimula a criação dos comitês de bacias que por sua vez ajudam no controle e gestão dos recursos hídricos. Além desse ofício, a ANA atua como órgão regulador definindo condições de operações dos reservatórios públicos e privados garantindo o uso diverso dos recursos hídricos e avaliando o caráter sustentável das obras hídricas que tem participação de recursos federais.

Vale ressaltar que a ANA tem o escopo de disciplinar a implementação, o controle, a operacionalização e a avaliação dos instrumentos de gestão criados pela Política Nacional dos Recursos Hídricos. (BRASIL, 2015).

Sobre o autor
Carlos César Araujo Rodrigues

Bacharel em Direito pela Faculdade Luciano Feijão (FLF).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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