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Provas ilícitas

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Expõe o ponto de vista de doutrinadores brasileiros e conclui apresentando a atual posição da jurisprudência acerca da aceitação das provas ilícitas no processo.

RESUMO:Aborda o conceito de prova no âmbito do Direito Processual, tendo como enfoque as chamadas provas ilícitas. Analisa as formas de obtenção e os tipos de prova ilícita. Expõe o ponto de vista de doutrinadores brasileiros e conclui apresentando a atual posição da jurisprudência brasileira a cerca da aceitação das provas ilícitas no processo.

 

Palavras-chave: Prova ilícita, processo, proporcionalidade.


 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho tem como escopo o estudo das provas ilícitas no processo civil brasileiro, buscando analisar seus mais relevantes aspectos doutrinários e jurisprudenciais.

 

Como ponto principal apresentamos a prova, aquela caracterizada como o meio utilizado pelas partes no processo para demonstrar a verdade real dos fatos apresentados. Porém damos ênfase à prova ilícita, que podemos conceituá-la como sendo aquela vedada e inadmissível no processo, de acordo com a Constituição Federal.

 

O art. 5º, LVI, CF - “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”; portanto, veda a utilização de provas obtidas por meios ilícitos, como os meios que violam normas do ordenamento jurídico brasileiros.

Ocorre que a proibição constitucional não é uma proibição absoluta, pois quando em um caso concreto, devemos no atentar ao princípio da proporcionalidade.

A prova ilícita e a possibilidade de sua atuação no processo é um tema de notável importância e de grande discussão.

 


2. PROVA

Prova é aquilo cujo escopo é estabelecer uma verdade por verificação ou demonstração. Para Vicente Greco Filho "A finalidade da prova é o convencimento do juiz, que é o seu destinatário. No processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral ou filosófico: sua finalidade prática é convencer o juiz. Não se busca a certeza absoluta, a qual, aliás, é sempre impossível, mas a certeza relativa suficiente na convicção do magistrado". O certo é que as provas servem à formação do convencimento do juiz e, ao mesmo tempo, cumprem também o papel de abonar perante a sociedade a decisão abraçada pelo magistrado.

 

Segundo Alexandre Freitas Câmara, prova é todo elemento que contribui para formação da convicção do juiz a respeito da existência de determinado fato, seja juntado pelas partes ou recolhidos pelo juiz. As provas serão usadas para fundamentar a decisão judicial no final do processo, respeitando, assim, o princípio da livre decisão motivada, uma das bases do Direito Processual brasileiro.

 

O conceito de prova possui significados diversos. Além da definição ditada acima, conhecida como “meios de prova”, prova pode ser entendida como a ação de provar ou como um fenômeno psicológico (convencimento), conforme lição dada por José de Albuquerque Rocha.

 

A Prova, normatizada por leis de natureza processual tem como objetivo regular o meio pelo qual o juiz exercerá sua função jurisdicional.

 

A normatização do direito probatório, constante em um título dedicado a si no Código Civil de 2002 (arts. 212 a 232) assume uma grande importância no sentido de enumerar os tipos de provas (de uma forma não taxativa) e regulamentar o seu uso, estabelecendo suas formas válidas e suas formas nulas.

 

Contudo, não é apenas no Código Civil que se encontra, no ordenamento jurídico brasileiro, regulamentações ao direito probatório, havendo elas tanto na Constituição Federal (onde se encontram os princípios que regem o Processo no Brasil e os seus objetivos) quanto em outras leis anteriores ou posteriores a Carta Constituinte de 1988.

 

Com o fim de focar no tema da presente pesquisa, limitaremos o estudo da prova em um dos seus significados, qual seja: a prova como meio de prova.

 


3. MEIOS DE PROVA

Citando novamente Câmara, meios de prova são os instrumentos através dos quais se torna possível a demonstração de veracidade das alegações sobre a matéria fática controvertida e relevante para o julgamento da pretensão. Visão semelhante sobre o conceito tem José de Albuquerque Rocha, ao afirmar que meios de prova são os elementos de juízo que vão ser analisados pelo julgador para formar seu convencimento sobre as afirmações das partes.

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Há uma subdivisão dos meios de prova, que podem ser fontes ou meios, sendo o primeiro entendido como as pessoas e coisas de onde se originam as provas, enquanto que o último se refere aos instrumentos que permitem que se leve ao juiz os elementos que irão participar da formação de sua convicção.

 


4. PROVA ILÍCITA 

Utilizando a definição de Ada Pellegrini Grinover, prova ilícita, em sentido estrito, é a prova acolhida infringindo-se normas ou princípios colocados na Constituição e pelas leis, frequentemente para a proteção das liberdades públicas e dos direitos da personalidade e daquela sua manifestação que é o direito à intimidade. A prova ilícita enquadra-se no grupo da prova vedada, entendida esta como a prova contrária, em sentido absoluto ou relativo, a uma específica norma legal, ou a um princípio de direito positivo.

 

Constituem, por exemplo, provas ilícitas as obtidas com violação do domicílio (art. 5º, XI, da CF) ou das comunicações (art. 5º, XII, da CF); as conseguidas mediante tortura ou maus-tratos (art. 5º, III, da CF); as colhidas com infringência à intimidade (art. 5º, X, da CF) etc.

 

Assim sendo, se entende por prova ilícita a prova colhida com infringência às normas ou princípios colocados pela Constituição e pelas leis, frequentemente para a proteção das liberdades públicas e especialmente dos direitos de personalidade e mais especificamente do direito à intimidade.

 

São essas, portanto, as provas cuja utilização não é admitida no processo, por força do art. 5º, LVI, da Constituição Federal, qual seja:São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

 

Porém, a interpretação do preceito da inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos no processo requer incursão pela doutrina processual, que busca diferenciar as provas ilícitas das ilegais, ilegítimas e clandestinas.

 

Seguindo essa divisão, a ‘prova será ilícita quando sua proibição for de natureza material, vale dizer, quando for obtida ilicitamente. Já a prova ilegítima seria a que viola a lei processual, ou seja, a que tem sua produção de forma ilegítima. A prova ilegal, definida por João Batista Lopes ‘’deve ser considerada genericamente não só a que vulnera a norma legal (de qualquer natureza), mas também a que conflita com princípios gerais do ordenamento jurídico’’. Por fim, prova clandestina é a obtida de forma obscura.

 

Estabelecidas as diferenças entre os termos, é preciso analisar qual o alcance do art. 5º, LVI, da Constituição com o objetivo de entender se a proibição é absoluta ou relativa. No entanto, a doutrina tem se manifestado de forma diversa, abrindo margem para discussões em relação ao tema, havendo opiniões no sentido de admitir-se prova obtida de forma ilícita como válida e eficaz no processo civil, sem nenhuma ressalva.

 

Segundo Ada Pellegrini Grinover, a questão da denominada “prova ilícita” coloca-se na encruzilhada entre a busca da verdade em defesa da sociedade e o respeito a direitos fundamentais que podem ver-se afetados por esta investigação.

A doutrina e a jurisprudência de diversos países oscilaram, durante algum tempo, quanto à admissibilidade processual das provas ilícitas. Um ponto que é alvo de discussão atual no que concerne à utilização das provas ilícitas é quanto ao uso do princípio da proporcionalidade quando da obtenção da prova ilícita.

 

Atualmente, a teoria da inadmissibilidade processual de provas ilícitas é dominante, porém, vem atenuada por outra tendência, que visa corrigir possíveis distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade. Trata-se da teoria da proporcionalidade, que tem por base o equilíbrio entre valores fundamentais contrastantes.

 

Direcionando o estudo para o processo penal, segundo Ada Pellegrini, não deixa de ser, em última análise, manifestação do princípio da proporcionalidade a posição praticamente unânime que reconhece a possibilidade de utilização, no processo penal, da prova favorável ao acusado, ainda que colhida com infringência a direitos fundamentais seus ou de terceiros. Além disso, quando a prova, aparentemente ilícita, for colhida pelo próprio acusado, tem-se entendido que a ilicitude é eliminada por causas legais, como a legítima defesa, que exclui a antijuridicidade. Assim, na jurisprudência e na doutrina estrangeiras, tem sido vista a conduta da pessoa que grava sub-repticiamente sua conversa com terceiro para demonstrar a própria inocência.

 

Ainda na visão de Ada Pellegrini, a Constituição brasileira não afasta radicalmente nenhuma tendência, portanto podemos considerar a admissibilidade da prova ilícita que beneficie a defesa, eventual adoção do princípio da proporcionalidade e vícios da prova regular derivada da ilicitamente obtida. Isto porque os direitos e garantias fundamentais não podem ser entendidos em sentido absoluto, em face da natural restrição resultante do princípio de sua convivência, que exige a interpretação harmônica e global das liberdades constitucionais.

 

Voltando o enfoque ao processo civil, se caso a pessoa praticar um ato ilícito para obter uma prova para um determinado processo, essa poderá ser usada, respondendo a pessoa que conseguiu a prova pela ilicitude cometida na obtenção dela. Essa posição, embora tenha defensores (dos quais citamos Vicente Greco Filho, Tutela Constitucional das Liberdades, São Paulo, 1989 pp. 112-113), não pode ser aplicada no Brasil, já que a Constituição Federal proíbe sua utilização indiscriminadamente, por nenhuma das partes.

 

Outro ponto que gera controvérsias sobre o assunto é relativo às escutas telefônicas. Segundo o artigo 5º, XII da Constituição Federal, escutas telefônicas apenas devem ser aceitas como provas quando autorizadas pelo juiz e em limitados casos (limites esses descritos na Constituição Federal e regulados pela Lei 9.296, de 24 de julho de 1996).

 

De acordo com Nelson Nery Junior ‘’[...] não devem ser aceitos extremos: nem a negativa peremptória de emprestar-se validade e eficácia à prova obtida sem o conhecimento do protagonista, nem a admissão pura e simples de qualquer gravação fonográfica ou televisiva’’. Nesse contexto, na doutrina prevalece o ideal intermediário, que analisa o tema à luz do princípio da proporcionalidade, este que visa ‘’solucionar a colisão ou conflito entre princípios fundamentais, permitindo que a autoridade, ao decidir, faça uma avaliação dos interesses em jogo para dar prevalência ao que melhor corresponder aos valores essenciais da ordem jurídica’’.

 

Ainda de acordo com Nelson Nery Junior, que tem posição similar a de Ada Pellegrini, apesar de o texto constitucional não admitir em hipótese alguma qualquer prova de obtenção ilícita, essa regra não é absoluta, pois nenhuma regra constitucional é absoluta, já que faz parte de um ordenamento que possui outras regras constitucionais. Dessa forma, será necessário o confronto ou peso entre os bens jurídicos garantidos pela constituição, a fim de se admitir, ou não, a prova obtida ilicitamente.

 

Como exemplo, em um caso em que haja uma prova, obtida por meio de uma ilicitude de menor importância, decisiva para a absolvição de uma pessoa, prevalece o princípio da liberdade do indivíduo.  Contudo, essa interpretação, utilizando o princípio da proporcionalidade, não pode ser estendida aos conflitos comuns. Por fim, cabe ao juiz examinar de forma cuidadosa cada caso e suas circunstâncias particulares para que se obtenha a solução mais adequada e justa, em concordância com os princípios e valores da ordem jurídica.

 

Uma das questões sobre o artigo 5º da CF foi definitivamente resolvida pelo Supremo Tribunal Federal. No julgamento da petição 522, em 25 de março de 1992, o Ministro Marco Aurélio, do STF mostrou que o item XII do art. 5º da CF/88 contempla apenas dois casos, divididos cada um, em duas situações, e não quatro, a saber: 

 

1º) sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas;

2º) dados e comunicações telefônicas.

 

A 1ª hipótese (sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas) é absolutamente inviolável, vale dizer, nenhuma lei antiga ou nova, poderá admitir violação nas referidas matérias. Já a 2ª hipótese que engloba o sigilo de dados e de comunicações telefônicas, a inviolabilidade é relativa. Por dados, pode-se entender, por exemplo, o sigilo bancário, já tendo sua quebra regulamentada pela Lei Ordinária nº 4595/ 64, e atualmente, pela Lei Complementar nº 105/2001.

 


5. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA: LEI 9.296/96

 

A quebra do sigilo telefônico teve de esperar oito anos após a promulgação da CF/88 para ser regulamentada por completo, por meio da Lei nº 9.296, de 1996, a qual indica as possibilidades em que será admitida a interceptação por ordem judicial, bem como a forma do requerimento e da decisão. Antes de isso ocorrer, a provas colhidas por meio de “grampos” telefônicos não poderiam ser consideradas em qualquer processo, além de insurgir como crime à pessoa que a colheu. Sem a regulamentação feita em 1996 sobre esse assunto, a quebra de sigilo telefônico apenas não era considerada como prova ilícita em casos excepcionais, como no Estado de Defesa (art. 136, § 1º, “c”, CF/88).

 

Dois critérios foram estabelecidos para que o juiz possa autorizar a escuta telefônica, com a finalidade de investigações criminais ou instruções de processo penal: a) a necessidade da interceptação como único meio para a realização da prova; b) a gravidade da infração penal que se pretende perseguir .

 

De acordo com Nelson Nery Junior a solução da lei, quanto à necessidade da interceptação telefônica, nada mais é do que, na prática, a adoção do princípio da proporcionalidade, já que a ofensa ao direito constitucional de inviolabilidade da comunicação telefônica não se justifica, ou seja, é maior do que o benefício que eventualmente se pretenda obter.

 

É importante destacar que a exceção constitucional se refere apenas à instrução processual penal, sem impor limitação, de modo que abrange tanto a ação penal pública, quanto a ação penal privada. Por se tratar de uma norma de exceção, quer dizer que somente o juiz criminal pode autorizar a interceptação telefônica, desde que ocorram as hipóteses previstas na CF. Entretanto, Nelson Nery Junior entende ‘’ser admissível a produção da prova obtida licitamente para investigação criminal ou instrução processual penal, como prova emprestada no processo civil’’.

 

Surge então outra questão: a prova emprestada ao Processo Civil. Conforme a art. 5º, XII, CF/88, a possibilidade de autorização da quebra de sigilo apenas existe para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Há, então, a discussão sobre se pode usar a prova colhida por meio de quebra de sigilo telefônico, devidamente autorizada pelo juiz, para um processo de natureza cível, extrapolando o disposto na Constituição Federal.

 

As opiniões contrárias ao uso da prova emprestada quando a mesma foi objeto de quebra de sigilo se baseiam que seria inconstitucional a obtenção de uma prova por via obliqua ao que o ordenamento jurídico brasileiro proíbe (já que, se a quebra fosse necessária apenas para o processo cível, não seria autorizada qualquer quebra de sigilo, logo, se fosse emprestada a um processo civil, ela seria uma prova “indiretamente ilícita”), sendo mais contundente ao sistema jurídico como um todo que fosse vedada a prova emprestada nesses casos.

 

Já as opiniões favoráveis ao uso desse tipo de prova não veem qualquer empecilho nas garantias constitucionais da parte que teve seu sigilo quebrado já que, conforme o rito ordinário do Judiciário, toda prova produzida passa pelo crivo do contraditório, sendo respeitados tanto esse princípio como o da ampla defesa, podendo, portanto, serem emprestados a um processo civil. Casos esses podem ocorrer quando, p.e., as partes são as mesmas e há um processo de natureza penal e outro de natureza cível. Caso alguma quebra de sigilo ocorra no primeiro processo, a prova gerada, por ter passado pelo contraditório quando da sua juntada aos autos do processo penal, pode ser usada, por ambas as partes, a prova gerada no processo anterior.

Por fim, para que seja admitida a prova emprestada no processo civil, a doutrina demanda que a parte contra quem será produzida a prova tenha efetivamente participado do processo penal que originou a prova a ser emprestada. Caso isso não aconteça, com respeito ao princípio do contraditório, a parte terá de reconhecer a prova no juízo cível.

 

Como último objeto de discussão sobre o tema, temos a questão das gravações de diálogos. Sua aceitação como prova em um processo dependerá da ciência da parte contrária da existência da gravação. Caso saiba que o dialogo foi gravado e concorde com isso, a prova pode ser aceita, caso contrário (não saiba da gravação ou sabia da intenção, mas não concordou), configura-se ai uma violação a garantia de intimidade dos indivíduos, sendo por isso, considerada uma prova ilícita e que consequentemente, não será apreciada pelos julgadores do processo.

 

Sobre as autoras
JessicaVieira

Graduanda em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Erica Dias Viana

Graduanda em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Geórgia Guimarães Paixão Costa

Graduanda em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Gabriela Ferraz Camargo

Graduanda em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Eloá Brito Magalhães

Graduanda em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Thais Nino Cerqueira

Graduanda em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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