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Princípio da insignificância

Agenda 09/02/2016 às 15:12

A intervenção penal resulta na restrição de direitos fundamentais e, por ter essa grave consequência, somente deve ser utilizada em casos que os demais ramos do direito não sejam suficientes para salvaguardar os interesses da sociedade.

O Estado é o titular do poder punitivo,ius puniendi, sendo o único legitimado a punir aqueles que causem danos aos bens jurídicos mais relevantes e essenciais para a sociedade, e que por isso estão tutelados em nossa legislação penal.

Porém, nem toda lesão a esses bens é suficiente para ensejar a movimentação da máquina estatal e o exercício do poder punitivo. Em algumas situações, por ser tão ínfima a lesão, esta haverá de ser desconsiderada.


1.CONCEITO

Não há em nossa legislação uma definição legal do princípio da insignificância ou do que seria tido como um crime de bagatela.

O conceito do princípio em estudo nos é ofertado pela jurisprudência e pela doutrina, elas dão forma ao princípio e fornecem as bases para sua aplicação prática.

Segundo Damásio de Jesus (2013, p. 52):

Ligado aos chamados “crimes de bagatela” (ou “delitos de lesão mínima”), recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de pertubações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material).

[...]

Hoje, adotada a teoria da imputação objetiva, que concede relevância à afetação jurídica como resultado normativo do crime, esse princípio apresenta enorme importância, permitindo que não ingressem no campo penal fatos de ofensividade mínima.

Nota-se que, dependendo da intensidade da lesão que o bem jurídico venha a sofrer, a conduta do agente pode ser desinteressante para o Direito Penal.

Muitas vezes a conduta se enquadrará na descrição da norma, mas a lesão será ínfima, a ponto de não ser razoável a persecução criminal. Cite-se como exemplo um ferimento acidental, um arranhão com extensão não superior a dois centímetros, causado por uma pessoa no braço de outra involuntariamente. Ocorreu a ofensa à integridade física de alguém, mas é nítida a falta de razoabilidade de uma ação criminal baseada neste fato.

O princípio também se aplica a lesões ao patrimônio, o furto de objeto de valor insignificante não deve dar causa a iniciação de processo penal. Imagine-se, por exemplo, o furto de uma barra de chocolate em uma doceria, em que fica evidente a pouca importância do dano. Isso importa em dizer que: mesmo a conduta sendo formalmente típica (correspondência da conduta praticada com a descrita na lei como crime), não há tipicidade material, o que faz com que a conduta seja atípica, isso porque mesmo o bem jurídico sendo reconhecido como essencial para sociedade e tutelado pelo direito penal, a lesão que sofreu foi ínfima.


2.O FATO TÍPICO E A TIPICIDADE MATERIAL

O fato típico é igual à soma de alguns elementos, a saber: conduta (dolosa ou culposa), resultado, nexo de causalidade (entre a conduta e o resultado) e a tipicidade penal (corresponde à tipicidade formal mais a tipicidade conglobante – antinormatividade da conduta do agente + tipicidade material)

A tipicidade material está relacionada ao princípio da intervenção mínima, que é imperioso ao determinar que a atuação do direito penal seja apenas para resguardar determinados bens, e, havendo lesões a esses bens, atuará somente caso estas sejam significativas.

Rogério Greco (2013, p. 161) afirma que:

“Embora tenha feito a seleção dos bens que, por meio de um critério político, reputou como de maior importância não podia o legislador, quando da elaboração dos tipos penais incriminadores, descer a detalhes, cabendo ao intérprete delimitar o âmbito de sua abrangência.”

Para Luiz Regis Prado (2013, p. 182) “A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em casos de danos de pouca importância ou quando afete infimamente a um bem jurídico-penal.”

Resta falar que, por algum tempo, considerou-se que o princípio da adequação social seria suficiente para excluir da apreciação do direito penal as lesões insignificantes, todavia, tal ponto de vista é equivocado, há condutas que mesmo que recebam uma valoração social negativa, não causam lesão suficiente para justificar a repercussão penal.

Luiz Regis Prado (2013, p. 182), ao se posicionar sobre o tema diz que:

Alguns autores assimilam ou equiparam o instituto da adequação social de Welzel e o critério da insignificância elaborado por Roxin. Entretanto, a finalidade dos casos englobados por ambos os critérios permite identificar diferenças marcantes entre eles, posto que nos casos abarcados pelo chamado princípio da insignificância não há a valoração social implícita na adequação social. Exemplo paradigmático é o furto de objetos de ínfimo valor.

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Por último, o portal do Supremo Tribunal Federal (STF) na internet[1], possui um glossário de verbetes, onde consta o princípio da significância, da seguinte forma:

Descrição do Verbete: o princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. 


3.REQUISITOS PARA APLICAÇÃO

Após a conceituação do princípio da insignificância, passo para um ponto mais prático do assunto: quais critérios são necessários para viabilizar a aplicação do princípio da insignificância? Eles devem estar presentes de forma cumulativa ou alternativa?

Como dito, o princípio da insignificância não possui uma conceituação legal, ou seja, não há na legislação pátria um dispositivo que faça expressa menção a ele e às suas hipóteses de incidência, sendo sua criação e desenvolvimento fruto do trabalho doutrinário e jurisprudencial.

Quando se está diante de um operador do Direito com visão mais formalista, a ausência de conceituação legal do princípio da insignificância é um obstáculo para seu pleno reconhecimento, sendo argumento favorável a quem se põe contrário ao uso do princípio a insegurança jurídica que pode decorrer da aplicação de algo cujos termos são indeterminados.

O fato é que o princípio foi reconhecido pelo Direito brasileiro, mas sua aplicação não pode ocorrer à revelia de critérios ou como decorrência apenas da avaliação subjetiva do operador do Direito.

Esses critérios para aplicação do postulado em estudo são, conforme já transcrito no tópico anterior:

  1. mínima ofensividade da conduta do agente;
  2. nenhuma periculosidade social da ação;
  3. reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;
  4. inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor).

Luiz Regis Prado (2013, p. 184) ainda pondera que, em certos casos, também há de se analisar um quinto vetor: a “valoração sócio econômica média existente em certa sociedade”.

Para o autor (PRADO, Luiz Regis, 2013, p.184):

De qualquer modo, a restrição típica decorrente da aplicação do princípio da insignificância não deve operar com total falta de critérios, ou derivar de interpretação meramente subjetiva do julgador, mas ao contrário há de ser resultado de uma análise acurada do caso em exame, com o emprego de um ou mais vetores – v.g., mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e enexpressividade da leão jurídica provocada, e, em determinados casos 9furto/descaminho etc), valoração socioeconômica média existente em certa sociedade, tidos como necessários à determinação do conteúdo da insignificância. Isso do modo mais coerente e equitativo possível, com o intuito de afastar eventual leso ao princípio da segurança jurídica.

Observe-se que, mesmo presentes os requisitos elencados, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem entendendo que a reincidência é, pelo menos a priori, obstáculo à aplicação do princípio da insignificância. Neste sentido, os seguintes julgados:

“Na linha da jurisprudência desta col. Corte, ressalvado o meu entendimento pessoal, mostra-se também incompatível com o princípio da insignificância a conduta ora examinada, haja vista que o agravante é reincidente.” [2]

“A reiteração delitiva tem sido compreendida como obstáculo inicial à tese da insignificância, ressalvada excepcional peculiaridade do caso penal.” [3]

Analisando julgados do STF, nota-se que este pretório também vê na reincidência óbice ao afastamento da tipicidade material pelo princípio da insignificância, não porque a primariedade e bons antecedentes sejam requisitos além dos já apontados, mas porque a reincidência delitiva eleva o grau de reprovabilidade da conduta, tornando incompatível com a aplicação do princípio.


4.RELAÇÃO COM OUTROS PRINCÍPIOS

Passemos a verificar a relação do Princípio da Insignificância ou Bagatela com diversos princípios do Direito Penal, trazendo a relação e a distinção entre eles.

4.1.Relação com o Princípio da Legalidade.

O princípio da legalidade está presente no art. 5°, XXXIX, da Constituição Federal de 1988.

“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”

Na primeira parte do dispositivo está o princípio da legalidade, imperativo ao dizer que para uma conduta ser considerada criminosa é necessário que assim seja definido em lei (no caso, lei em sentido estrito).

A segunda parte deste inciso trás o princípio da anterioridade da lei penal, segundo o qual para a conduta ser sancionada penalmente não basta estar definida em lei como crime, a lei que criminaliza a conduta deve ser anterior à prática do fato.

O texto constitucional, através destes postulados, trás segurança ao Estado democrático de direito, deixando evidente que o procedimento penal deve estar submisso aos ditames legais.

Outro ponto importante, agora frisando a legalidade como princípio que norteia a administração pública, é o caput do art. 37 da Constituição Federal, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

Ressalte-se que o funcionário público está submisso à legalidade estrita, podendo fazer somente aquilo que a lei diz, ao passo que o particular pode fazer tudo que a lei não proíbe. Logo, como poderia o Funcionário Público, operador do Direito, seja ele delegado, membro do ministério público ou magistrado, aplicar um princípio não positivado?

Resta mostrar onde o princípio da legalidade se relaciona com o princípio da insignificância ou bagatela.

Como já foi dito, o princípio da insignificância não possui uma conceituação legal, sua construção, aprimoramento e fortalecimento são decorrentes da doutrina e da jurisprudência, sendo, hoje, amplamente aceito.

Todavia, para aqueles que defendem uma visão mais formalista do Direito, a aplicação de um princípio não positivado é vista como um risco à segurança jurídica. Porém, em nosso ordenamento, nem todos os princípios estão previstos de forma expressa e afastar sua aplicação seria propagar injustiças, indo de encontro aos princípios e objetivos fundamentais da república brasileira, notadamente a dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade justa.

4.2.Relação com o princípio da proporcionalidade.

Assim como o princípio da insignificância, o princípio da proporcionalidade não está previsto expressamente na Carta Magna, sendo um princípio implícito.

Tal princípio, decorrente da análise sistêmica da Constituição, permeia todo o ordenamento jurídico, tendo elevada importância na esfera penal.

A pena deve ser proporcional à culpabilidade do autor, ao seu grau de responsabilidade pela prática do fato e à lesão sofrida pelo bem jurídico. Se a lesão foi insignificante, não há que se falar em intervenção estatal, qualquer sanção penal seria desproporcional, daí a relação com o princípio da insignificância.

Nota-se que os princípios estão tão relacionados que é difícil apontar dois sem que haja a possibilidade de uma remissão a um outro princípio, como no caso foi feita aos postulados da legalidade e anterioridade, já mencionados.

4.3.Relação com o princípio da fragmentariedade.

Conforme Damásio de Jesus (2013, p. 52), o princípio da fragmentariedade:

É conseqüência dos princípios da reserva legal e da intervenção necessária (mínima). O direito penal não protege todos os bens jurídicos de violações: só os mais importantes. E, dentre eles, não os tutela de todas as lesões: intervém somente nos casos de maior gravidade, protegendo um fragmento dos interesses jurídicos. Por isso é fragmentário.

É fácil notar a complementaridade dos dois textos por último transcritos, se o direito penal somente se ocupa da proteção dos bens mais essenciais para sociedade, e ao tutelá-los exclui de sua apreciação as lesões de menor gravidade, consequentemente está permitindo a exclusão da tipicidade penal dos fatos penalmente insignificantes.

Claro que, mesmo a tipicidade material sendo afastada, pode haver lesão ao bem jurídico, aos interesses de alguém, isso não significa que esta pessoa deverá suportar inerte todo ônus, significa somente que a reparação não será perseguida na esfera penal. Caberá àquela pessoa que se sente lesada, buscar as demais vias (responsabilização cível, sanção na via administrativa, etc.), caso seja juridicamente possível.

Peguemos como exemplo o crime de dano, se a lesão ao patrimônio for insignificante, não há que se falar em persecução penal, o que não impossibilita o acionamento do responsável na via cível, visando uma obrigação de fazer ou uma indenização em dinheiro, com valor correspondente ao dano material sofrido.

4.4.Relação com o princípio da intervenção mínima.

Para Luiz Regis Prado (2013, p. 171):

O princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade decorrente das idéias de necessidade e de utilidade da intervenção penal, presentes no pensamento ilustrado estabelece que o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens e que não podem ser eficazmente protegidos de forma menos gravosa. Isso porque a sanção penal reveste-se de especial gravidade, acabando por impor as mais sérias restrições aos direitos fundamentais.

[...]

Aparece ele como uma orientação político-criminal restritiva do jus puniendi e deriva da própria natureza do Direito Penal e da concepção material de Estado democrático de Direito. O uso excessivo da sanção criminal (inflação criminal) não garante uma maior proteção de bens; ao contrário, condena o sistema penal a uma função meramente simbólica negativa.

A intervenção penal resulta na restrição de direitos fundamentais e, por ter essa grave conseqüência, somente deve ser utilizada em casos que os demais ramos do direito não sejam suficientes para salvaguardar os interesses da sociedade.

A aplicação do poder punitivo estatal em circunstancias tais que outras vias poderiam ser exitosas apenas irá gerar movimentação desnecessária do aparelho estatal e causar insatisfação popular.

Embora as regras penais sejam necessárias para garantir um convívio social harmônico, seu uso indiscriminado acaba por comprometer esta finalidade e fazer a população questionar a validade das ações estatais.

Aqui está a conexão com o princípio da insignificância: nos chamados crimes de bagatela, não há lesão suficiente para justificar o uso do jus puniendi, então, a aplicação do princípio da bagatela funciona como um freio ao uso do poder punitivo estatal, excluindo a situação da área de alcance do direito penal, preservando, assim, o sistema penal da assunção de uma função apenas simbólica.


Notas

[1] Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=PHYPERLINK "http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=P&id=491"&HYPERLINK "http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=P&id=491"id=491  acesso em 27/09/2015, 21:21hrs

[2]AgRg no AREsp 593970 DF 2014/0263195-6, Relator Ministro Felix Fischer, julgamento 02/06/2015, publicação 11/06/2015

[3]AgRg no AREsp 1377789 MG, relator min. Nefi Cordeiro, julgamento 07/10/2014, sexta turma, DJe 21/10/2014

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Santhiago. Princípio da insignificância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4605, 9 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46354. Acesso em: 22 dez. 2024.

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