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A problemática da (super) lotação carcerária como impeditivo estrutural, conjuntural e processual à plena execução penal e à ressocialização no Brasil

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Agenda 12/02/2016 às 21:14

Diante de um sistema prisional que não atinge a finalidade para o qual foi criado, objetivamos apresentar o problema da superlotação como principal impeditivo à plena execução da pena e, consequentemente, limitação à ressocialização do recluso.

I. CONSIDERAÇÕES PREAMBULARES

A finalidade deste trabalho é analisar a problemática da (super)lotação carcerária, enfocando os impeditivos estruturais, conjunturais e processuais à plena execução penal e à ressocialização no Brasil.

Hodiernamente, o interesse pelo tema é inegável, despertando um olhar de pesquisadores, cientistas sociais e pela própria sociedade.

Nota-se a relevância do tema com análise, a justificar o estudo crítico, porque, diante de um sistema penal reconhecidamente falido, problemas estruturais, de planejamento e processuais, atualmente elevam a (super)lotação carcerária ao status de maior entrave e preocupação na execução penal brasileira, sendo objeto de inúmeros debates e propostas em todas as parcelas da população nacional.

Assim, preliminarmente, no capítulo II, a pesquisa lança sob enfoque à pena, onde recordamos seu conceito e origem, aprofundando às suas fases de evolução.

Na sequência, no terceiro capítulo lançamos enfoque à historicidade do sistema prisional no Mundo, onde infirmamos comentários relativos ao sistema prisional no Brasil, bem como à evolução, função social e à finalidade da pena.

A fim de ilustrar a necessidade de observância das garantias individuais pelo Estado, e para que se possa alcançar melhor entendimento sobre o tema, no capítulo IV trazemos considerações sobre os direitos fundamentais e à incidência da dignidade humana na aplicação das penas no Brasil, com especial homenagem à individualização da pena e à dignidade humana. Como recorda NUCCI (2007, p. 40/41), adotou a Constituição Federal o princípio da humanidade das penas, significando que o Estado, através da utilização das regras de Direito Penal, deve pautar-se pela benevolência na aplicação da sanção penal, buscando o bem-estar de todos na comunidade, inclusive dos condenados, que não merecem ser excluídos somente porque delinquiram, até porque uma das finalidades da pena é a sua ressocialização.

O capítulo V trata do debate da (res)socialização, que nunca deixou de ser atual porque o Estado tem, há tempos, negligenciado seu enfrentamento por meio de ações efetivas. Em detida comparação às penas aplicadas em períodos anteriores, a exemplo daquela da Idade Média, a conclusão a que se chega é que não evoluímos muito, do ponto de vista legislativo, conjuntural e social, levando em conta os graves abusos, torturas e busca ilícita por provas processuais que ainda são praticados, além das condições subumanas – para não dizer, humilhantes – ao que os presos são submetidos.

Não podemos esquecer que, por decorrência direta do princípio da humanidade das penas, inevitável que o cidadão - durante o cumprimento de sua condenação –tenha acesso aos meios e direitos por meio dos quais seja facilitada sua (re)educação, garantindo, assim, a sua (re)integração ao convívio social, ao final do cumprimento da pena.

Por isso que, na obra A Deficiência estrutural dos presídios e penitenciárias como fator de obstrução ao processo de ressocialização do preso, FERREIRA (2008, p. 13) adverte ser preciso mudar o caráter totalmente punitivo da pena, devendo-se buscar, na atualidade, a ressocialização do condenado, a fim de prepará-lo para as exigências básicas da competição social: formação e profissionalização.

O sexto capítulo, por sua vez, traz reflexões inerentes à Responsabilidade Civil do Estado frente à integridade física e moral do preso, tema que foi contextualizado ao objeto da presente monografia.

Em homenagem ao foco imediato do trabalho, por meio do capítulo VII o concluímos expondo a problemática da superlotação como impeditivo à plena execução da pena e à ressocialização do apenado. Com essa finalidade, realizamos pesquisa virtual no sítio do Conselho Nacional de Justiça e entabulamos dados prisionais de 10 (dez) Entes da Federação, os quais evidenciam a disparidade entre a quantidade de presos provisórios e condenados no Brasil e traz a lume a realidade penitenciária no país.

No referido capítulo, para além de explicitaras falhas estruturais, conjunturais e processuais que impedem a minimização da superlotação e limitam a ressocialização do apenado, enfocamos diversas medidas ao enfrentamento conjunto do empecilho da superlotação. Consoante se sabe, a aglomeração em ambiente limitado traz várias consequências negativas à sociedade, a exemplo de elevações de número de mortes dolosas e de violência físicas e sexuais, expansão de facções e crime organizado, degradação da pessoa humana, facções criminosas, dentre outras.

Sem pretensão de esgotar o tema, este trabalho tenta responder a perguntas relacionadas à problemática enfocada, bem como trazer alternativas que direcione sua solução e, ao mesmo tempo, respeite a real função da pena e garanta o cumprimento do princípio da humanidade antes, durante e após a execução da pena pelo recluso.

Portanto, conclui-se que se faz urgente a tomada de medidas voltadas à cura de um sistema que se encontra agonizante, não havendo, na grande maioria dos estabelecimentos prisionais, a mínima estrutura para abrigar aqueles que para lá foram enviados, a todo momento sendo noticiado, pelos Juízes responsáveis, problemas de superlotação e completa ausência de estrutura que possibilite o tratamento adequado dessas pessoas.

II. A EVOLUÇÃO DAS PENAS NO BRASIL

II.1 CONCEITO E IMPORTÂNCIA DA PENA

Trata-se de sanção imposta pelo Estado, valendo-se do devido processo legal, ao autor da infração penal, como retribuição ao delito perpetrado e prevenção a novos crimes (NUCCI, 2007, p. 53).

Recorrendo-nos à definição proposta por Noronha (1989), aqui em citação de Santos e Rodrigues (2010),

A pena é retribuição, é privação de bens jurídicos, imposta ao criminoso em face do ato praticado. É expiação. Antes de escrito nos Códigos, está profundamente radicado na consciência de cada um que aquele que praticou um mal deve também um mal sofrer. Não se trata da lex talionis, e para isso a humanidade já viveu e sofreu muito; porém é imanente em todos nós o sentimento de ser retribuição do mal feito delinquente. Não como afirmação de vindita, mas como demonstração de que o direito postergado protesta e reage, não apenas em função do indivíduo, mas também da sociedade (NORONHA, 1999, citado por SANTOS; RODRIGUES, 2010, p. 07).

A análise da sanção penal é de suma importância para os operadores do Direito (interessando todos os cidadãos que estão sob o manto da mesmo ordem jurídica), eis que ela (a pena) possui reflexos diretos na política criminal de determinado país. A degradação do atual sistema carcerário brasileiro é decorrência natural da ideia de pena usada por nossa cultura jurídica, pois dela deriva o modelo adotado no país. Dessa forma, por ostentar reflexos práticos na nossa realidade criminal e carcerária, o estudo da pena requer maior atenção e criticidade.

 

II.2 A ORIGEM DA PENA

Variadas pesquisas realizadas com o intuito de conhecer a origem das penas, demonstraram que as mesmas tiveram emergência ainda nos primórdios da humanidade.

Os preceitos essenciais do direito de punir são encontrados, segundo Beccaria (2007, p. 19), no coração dos homens, pois estes, inicialmente independentes e isolados, em estado de selvagem foram forçados a agrupar-se sob os auspícios de leis, sacrificando parcelas de sua liberdade para usufruir o que lhes restou com mais segurança.

É o que reforça Costa(1999), citado por Silva (2003), ao afirmar que a aplicação das penas pode ser verificada já durante os tempos primitivos:

Pode-se dizer que inicia-se com o período da vingança privada que prolongou-se até o século XVIII. Naquele período não se poderia admitir a existência de um sistema orgânico de princípios gerais, já que grupos sociais dessa época eram envoltos em ambiente mágico e religioso. Fenômenos naturais como a peste, a seca, e erupções vulcânicas eram considerados castigos divinos, pela prática de fatos que exigiam reparação (COSTA, 1999, citado por SILVA, 2003, p. 09).

O ser humano viola regras de convivência desde os primórdios, ferindo semelhantes e a própria comunidade onde vivia, o que tornou inexorável a aplicação de uma punição, embora diferente da formatação técnico-jurídico que atualmente possuem.

Desta feita, a origem da sanção remonta à época em que o homem passou a viver agrupadamente, possuindo fases de evolução que se dividem em vingança divina, privada e pública.

II.2.1 A fase da Vingança Sobrenatural (divina)

Acredita-se que o período da vingança sobrenatural iniciou-se tão logo os povos começaram a ter suas crenças em fenômenos da natureza, como a chuva e o trovão.

Tendo a vida influenciada pela religiosidade, a punição era concretizada pelo povo primitivo em resposta às forças superiores, imaginando que assim fazendo acalmariam os deuses. Por isso que, ao tempo em que reprimia o ato criminoso, a aplicação da pena tinha por objetivo aplacar a ira da divindade que tal crime tivesse ofendido (DUARTE, 1999). Aos sacerdotes, enquanto representantes dos deuses, cabia a aplicação das penas, conforme assinala este autor:

A administração da sanção penal ficava a cargo dos sacerdotes que, como mandatários dos deuses, encarregavam-se da justiça. Aplicavam-se penas cruéis, severas, desumanas. A "vis corpolis" era usada como meio de intimidação (DUARTE, 1999, p. 02).

 

O autor acrescenta que, no Antigo Oriente, religião e Direito encontram-se indissociáveis, permitindo que

os preceitos de cunho meramente religioso ou moral, tornavam-se leis em vigor. Legislação típica dessa fase é o Código de Manu, mas esses princípios foram adotados na Babilônia, no Egito (Cinco Livros), na China (Livro das Cinco Penas), na Pérsia (Avesta) e pelo povo de Israel (DUARTE, 1999, p. 02).

Vieira e Damacena (2008) assinalam que foi o advento da vingança divina que oportunizou a ideia de privação da liberdade como pena. As autoras, referendadas em Dias (2005), esclarecem que, com a reclusão, esperava-se que o ofensor pudesse entregar-se à meditação e à reflexão, ações que o conduziriam ao arrependimento. Signo da penitência e da meditação, tal concepção de cárcere daria origem à palavra penitenciária.

II.2.2 Período da Vingança Privada

A vingança privada foi iniciativa que surgiu naturalmente, uma espécie de Lei de Newton da ação e reação, ou seja, diante de determinada ação que vitimasse outrem, o ofendido, familiares e conhecidos reagiam, instantaneamente, como forma de ter o mal compensado.

Conforme Beccaria, “o homem criou mecanismo capaz de obrigar os outros a cumprir o seu papel na sociedade”, pois ficava insatisfeito se aqueles que cometessem ilicitudes permanecessem impunes, o que poderia dar margem para ocorrência de novos delitos. (BECCARIA, 2007, p. 19).

A esse respeito, Duarte (1999) esclarece que, na denominada fase da vingança privada, a ação criminosa ocasionava a reação da vítima, dos parentes e até mesmo de seu grupo social. Daí resultavam atos desproporcionais à prática delituosa, que se estendiam da pessoa do ofensor a todo o seu grupo. Assim sendo, para o autor,

A inexistência de um limite (falta de proporcionalidade) no revide à agressão, bem como a vingança de sangue foi um dos períodos em que a vingança privada constituiu-se a mais frequente forma de punição, adotada pelos povos primitivos. A vingança privada constituía uma reação natural e instintiva, por isso, foi apenas uma realidade sociológica, não uma instituição jurídica. Duas grandes regulamentações, com o evolver dos tempos, encontrou a vingança privada: o talião e a composição.
Apesar de se dizer comumente pena de talião, não se tratava propriamente de uma pena, mas de um instrumento moderador da pena. Consistia em aplicar no delinquente ou ofensor o mal que ele causou ao ofendido, na mesma proporção (DUARTE, 1999, p. 01).

O autor complementa que o Talião, ao impor limitação à abrangência do ato punitivo, pode ser concebido como grande avanço na história do Direito Penal. Quanto à composição, esta permitiu ao ofensor a compra de sua liberdade, quer com dinheiro ou qualquer bem material. Considerada “a origem remota das indenizações cíveis e das multas penais”, foi adotada pelo Código de Hamurabi (Babilônia), pelo pentateuco (Hebreus) e pelo Código de Manu (Índia), com ampla aceitação pelo Direito Germânico (DUARTE, 1999. p.02).

Na realidade, “a justiça pelas próprias mãos nunca teve sucesso, pois implicava, na essência, em autêntica forma de agressão. Diante disso, terminava gerando uma contrarreação e o círculo vicioso tendia a levar ao extermínio de clãs e grupos” (NUCCI, 2007, p. 57).

Tem-se, desta feita, registro de relatos históricos que infirmam ter essa fase durado até meados do século XVIII, com o advento da Revolução Francesa e o Iluminismo.

II.2.3 Fase da Vingança Pública

A fase de vingança pública adveio após a vingança privada, ocasião em que o chefe da tribo dou do clã assumiu a função punitiva, centralizando a repressão sem dar margem à reação do infrator.

Na fase da vingança pública notam-se claramente traços políticos, uma vez que “a administração da sanção penal ficava a cargo dos sacerdotes que, como mandatários dos deuses, encarregavam-se da justiça.” (PACHECO, [s/d]).

Nesse período, a vingança sacra foi praticamente extinta, contudo, foi uma fase de grande sofrimento, visto que as penas de morte eram amplamente aplicadas por motivos banais.

É o que afirma Silva (2003), a partir de Costa (1999):

Com uma maior organização social, especialmente com o desenvolvimento do poder político, surge, no seio das comunidades, a figura do chefe ou da assembleia. A pena, portanto, perde sua índole sacra para transformar-se em uma sanção imposta em nome de uma autoridade pública, representativa dos interesses da comunidade. Não era mais o ofendido ou mesmo os sacerdotes os agentes responsáveis pela punição, e sim o soberano (Rei, Príncipe e/ou Regente). Este exercia sua autoridade em nome de Deus e cometia inúmeras arbitrariedades (COSTA, 1999, citado por SILVA, 2003, p. 11).

 

Nessa direção, referendado em Lins e Silva (2001), Silva (2003) acrescenta que

usava-se mutilar o condenado, confiscar seus bens e extrapolar a pena até os familiares do infrator. Embora a criatura humana vivesse aterrorizada nessa época, devido à falta de segurança jurídica, verifica-se avanço no fato de a pena não ser mais aplicada por terceiros, e sim pelo Estado. Tempo de desespero, noite de trevas para a humanidade, idade média do Direito Penal... Vai raiar o sol do Humanismo (LINS e SILVA, 2001, citado por SILVA, 2003, p. 11).

Diante das colocações do autor, constata-se que essa foi uma fase que denotou verdadeira barbárie legitimidade, visto que o fato de o Estado passar a ser o responsável pela aplicação da pena não impediu a continuidade de grandes injustiças, inclusive porque, à época, ao figura estatal era representada por um soberano. É que, nesta fase, prevalecia o critério do talião, donde ressaía que a punição devia se dar conforme o atentado provocado. O agressor devia padecer do mesmo mal que causou a outrem, consistindo na premissa “olho por olho, dente por dente.”

“A parcialidade e a intenção de vingança permaneciam, só que desta vez exercida pelos legitimados publicamente para tal. A vingança deixa de ser privada para ser pública” (PEDRA JORGE, 2005).

Entretanto, ainda que as penas tivessem continuado brutais, cruéis e sem qualquer finalidade útil, a adoção do talião – que transmudou a titularidade da punição – configurou avanço no campo do Direito Penal, vez que o crime cometido e a sanção aplicada ao seu autor passou a ser ter mais proporcionalidade.

II.3 PERÍODO HUMANITÁRIO

O denominado Período Humanitário transcorre durante o lapso de tempo compreendido entre 1750 e 1850.Tendo seu apogeu no decorrer do Humanismo, esse período foi marcado pela atuação de pensadores que contestavam os ideais absolutistas. (PACHECO, [s/d]).

Tendo em vista que os povos estavam saturados de tantos abusos sob a alegação de aplicação da lei, surge o período humanitário como forma de reagir às arbitrariedade efetivadas pela administração da justiça e em contrariedade ao caráter real das punições.

Por isso que, os pensadores iluministas, em geral, defendiam uma ampla reforma do ensino, criticavam duramente a intervenção do Estado na economia e achincalhavam a Igreja e os poderosos. Nem mesmo Deus escapou às discussões da época.

O deus iluminista, racional, era o "grande relojoeiro" nas palavras de Voltaire. Deus foi encarado como expressão máxima da razão, legislador do Universo, respeitador dos direitos universais do homem, da liberdade de pensar e se exprimir. Era também o criador da "lei", e lei no sentido expresso pelo filósofo iluminista Montesquieu: "relação necessária que decorre da natureza das coisas. Foram, os escritos de Montesquieu, Voltaire, Rousseau e D’Alembert que prepararam o advento do humanismo e o início da radical transformação liberal e humanista do Direito Penal.

Para o Analista Judiciário Federal em Natal (RN), Maércio Falcão Duarte,

Os pensadores iluministas, em seus escritos, fundamentaram uma nova ideologia, o pensamento moderno, que repercutiria até mesmo na aplicação da justiça: à arbitrariedade se contrapôs a razão, à determinação caprichosa dos delitos e das penas se pôs a fixação legal das condutas delitivas e das penas. Os povos clamavam pelo fim de tanto barbarismo disfarçado. (DUARTE, 1999)

O Direito Natural, surgido em meados do Século XVI e prolongando-se até o Século XVIII, teve forte influência no período humanista. É o que se pode observar, ao revisitarmos as palavras de Silva (2003), em citação a Oliveira (2001):

Entre os séculos XVI e XVIII, na chamada fase racionalista surgia a chamada Escola do Direito Natural, de Hugo Grócio, Hobbes, Spinoza, Puffendorf, Wolf, Rousseau e Kant. Sua doutrina apresentava os seguintes pontos básicos: a natureza humana como fundamento do Direito; o estado de natureza como suposto racional para explicar a sociedade; o contrato social e os direitos naturais inatos. De conteúdo humanitário e influenciada pela filosofia racionalista, a Escola concebeu o Direito Natural como eterno, imutável e universal (OLIVEIRA, 2001, citado por SILVA, 2003, p. 13).

A Escola do Direito Natural perdurou por três séculos, tendo, logo em seguida, cedido espaço para uma nova corrente, denominada jus naturalismo, a qual perdura até a contemporaneidade. Ainda segundo Silva (2003), em citação a Oliveira (2001),

O jus naturalismo atual constitui um conjunto de amplos princípios, a partir dos quais o legislador deverá compor a ordem jurídica. Os princípios mais apontados referem-se ao direito à vida, à liberdade, à participação na vida social, à segurança, etc. É evidente a correlação que existiu e ainda existe entre Direito Natural e Direito Penal: os princípios abordados pelo jus naturalismo, especialmente os correspondentes aos direitos naturais inativos, estão devidamente enquadrados no rol dos bens jurídicos assegurados pelo Direito Penal. Assim, o jus naturalismo e seus princípios não deixaram de influenciar o período Humanitário, no qual buscava-se os direitos individuais e a valorização dos direitos intocáveis dos delinquentes e a consequente dulcificação das sanções criminais (OLIVEIRA, 2001, citado por SILVA, 2003, p. 14).

 

Em conclusão, utilizando palavras de Sá (1996), Silva (2003) esclarece que

Romagnosi concebe o Direito Penal como um direito natural, imutável e anterior às convenções humanas, que deve ser exercido mediante a punição dos delitos passados para impedir o perigo dos crimes futuros. Já, Jeremias Bentham considerava que a pena se justificava por sua utilidade: impedir que o réu cometa novos crimes, emendá-lo, intimidá-lo, protegendo, assim a coletividade. Finalmente Anselmo Von Feuerbach opina que o fim do Estado é a convivência dos homens conforme as leis jurídicas. A pena segundo ele, coagiria física e psicologicamente para punir e evitar o crime. No que tange à finalidade da pena, havia no âmago da Escola Clássica, três teorias: Absoluta – que entendia a pena como exigência de justiça. Relativa – que assinalava a ela um fim prático, de prevenção geral e especial; Mista – que, resultando da fusão de ambas, mostrava a pena como utilidade e ao mesmo tempo como exigência de justiça criminais (SÁ, 1996, citado por SILVA, 2003, p. 14-15).

Portanto, saindo de um período de abusos centralizados em representantes da justiça, o pensamento dos cientistas da época não podia ser outro, senão contrário às crueldades que ainda vigiam, como tortura e o sistema de prova legal. Automaticamente, direcionaram-se a favor da racionalização na aplicação das penas e da proporcionalidade entre o delito a sua respectiva sanção.

II.4 PERÍODO CRIMINOLÓGICO OU CIENTÍFICO

A nova direção do Direito Penal, após o período humanitário, foi apontada por César Lombroso, através do estudo do delinquente e a explicação causal do delito, por meio da obra L’uomo Delinquente. A essência de seu pensamento científico é a consideração do crime como resultado de um fenômeno biológico e a utilização do método experimental para analisa-lo. Foi ele o criador da "Antropologia Criminal". A seu lado surgem Ferri, com a "Sociologia Criminal", e Garofalo, no campo jurídico, com sua obra "Criminologia", podendo os três serem considerados os fundadores da Escola positiva. (LINS e SILVA, 2001, p. 16).

Essa nova Escola proclamava outra concepção do Direito. Enquanto para a Clássica ele preexistia ao Homem (era transcendental, visto que lhe fora dado pelo criador, para poder cumprir seus destinos), para os positivistas, ele é o resultado da vida em sociedade e sujeito a variações no tempo e no espaço, consoante a lei da evolução. Seu pioneiro foi o médico psiquiatra César Lombroso, segundo o qual a criminalidade apresenta, fundamentalmente, causa biológica. (SILVA, 2003, p. 16/17).

Há que gizar que, ainda que, para alguns autores, Lombroso tenha exagerado na conceituação de criminoso nato, a ideia de tendência para o delito não foi com ele enterrada. Pesquisas realizadas por geneticistas tem concluído que a herança biológica, não obstante não condicione o modo de viver do indivíduo, causam influência no comportamento do homem.

 

III. HISTORICIDADE DO SISTEMA PRISIONAL

 

Entre os antigos habitantes da Terra não era comum o ato de aprisionar pessoas, até mesmo pela condição de nomadismo dos grupos humanos. Costumeiramente, a fim de punir aqueles cujos atos fossem contrários aos costumes vigentes, a pena tinha natureza capital no Povo nômade, aplicada por força de julgamentos imediatos. Assim, a prisão foi uma invenção do homem sedentário, a partir de quando os grupos começaram a se estabelecer e desenvolver regras de convivência.

Preliminarmente, até de forma instintiva, foi instituída a vingança divina, que era o castigo dado pelos deuses através dos seus agentes aqui na terra. Na sequência, com a evolução dos grupos sociais, surgiu a vingança privada, instituída pelos Governos[1], que não era instituto jurídico, figurando somente no campo sociológico, já que tratava-se de mero meio da sociedade “punir” aqueles que cometiam crimes contra seus próprio membros.

Nos primórdios das formas de reclusões, a crueldade aparece como o viés que se sobrepunha. O caráter reclusivo, propriamente dito, firmava-se na preocupação de evitar que a sociedade não fosse contaminada pela postura desajustada do criminoso. Assim afirmando, a partir de Omena (1989), Bastos (2011) enumera uma série de espaços para a contenção do agente delituoso:

Para tal existiam calabouços, ergástulos, masmorras, enxovias e cadeias, cada um com sua peculiaridade, violência e organização própria. A elas ainda não está associada a terminologia e a ideia de prisão por esta ser muito recente (OMENA, 1989, citado por BASTOS, 2011, p. 22),

A prisão, em ampla definição, pode ser caracterizada como “o lugar onde se executam as penas numa perspectiva mais evoluída, ou melhor, onde os suplícios ganham um caráter intelectual, e não mais apenas corporal” (BASTOS, 2011, p. 23). As crueldades corporais, ao tempo em que se buscam suplantá-las, acabam por ser recriadas, de modo sutil e simbólico, destaca a autora.  

O Direito Penal, até o século XVIII, era marcado por penas cruéis e desumanas, não havendo até então a privação de liberdade como forma de pena, mas sim como custódia, garantia de que o acusado não iria fugir e para a produção de provas por meio da tortura (forma legítima, até então), o acusado então aguardaria o julgamento e a pena subsequente, privado de sua liberdade, em cárcere. “O encarceramento era um meio, não era o fim da punição. (CARVALHO FILHO, 2002. p. 21)

Mas a prisão tem um fim, sua razão de ser, que seria, segundo Silva (2010, citado por BASTOS, 2011, p. 23), “um princípio que a institui como forma mais adequada para punir”. Desse modo, inicialmente,

a prisão como cárcere era aplicada somente aos acusados que aguardavam julgamento. O alicerce desse Direito Penal era baseado na brutalidade das sanções corporais e na violação dos direitos do suposto delituoso (SILVA, 2010, citado por BASTOS, 2011, p. 23).

A autora, ainda em citação a Silva (2010), assevera que:

O juiz era dotado de plenos poderes, podendo aplicar penas que não tivessem previsão legal. Nota-se, portanto, a inobservância do princípio da legalidade. Eram explícitas as atrocidades, a cada dia criavam-se formas mais cruéis para execução dos criminosos, e esse espetáculo era aplaudido por parte da população que acompanhava cada execução, muitas vezes até participando destas (SILVA, 2010, citado por BASTOS, 2011, p. 23).

Silva (2008), ao revisitar considerações de Foucault (2003), nos apresenta a reação das pessoas diante dos supostos criminosos, fossem elas atingidas ou não por determinado ato delituoso:

O povo reivindicava seu direito de impor o suplício ao criminoso, e a vítima ou sua família também tinha o direito de tomar parte. O condenado, depois de ter andado muito tempo exposto, humilhado, várias vezes lembrado do horror de seu crime, é oferecido aos insultos, às vezes aos ataques dos espectadores (FOUCAULT, 2003, citado por SILVA, 2008, não paginado).

Naturalmente, a vingança privada representa uma completa ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, o qual foi exaustivamente discutido por Kant.

Como observa Ingo Wolfgang Sarlet, “mesmo aquele que já perdeu a consciência da própria dignidade merece tê-la (sua dignidade) considerada e respeitada.” (SARLET, 2001, p. 50).

Foi nesse cenário descrito por Foucault, observa Silva (2008), que começaram ecoar revoltadas vozes, como a de Cesare Bonesa, o Marquês de Beccaria, cujo livro Dos Delitos e Das Penas, datado de 1764, resultaria em mudanças radicais nas formas de execução de penas em toda a Europa. Ele, em seu livro,

[...] elaborou o que hoje veio a se tornar um dos pilares do Direito Penal moderno, repudiando as penas cruéis antes usadas como forma de punição. Aponta, portanto, a necessidade de leis para se estipular as penas, impedindo que a sanção seja utilizada de forma arbitraria, para que essas penas não fossem utilizadas somente como intimidação, mas para restauração do delituoso, bem como assinala sobre os problemas da proporcionalidade das penas aos crimes cometidos (SILVA, 2008, não paginado).

Silva (2008) comenta ainda o posicionamento de Beccaria, no que se refere a três grandes pontos a serem defendidos:

a legalidade, a proporcionalidade e o utilitarismo. "A ideia de legalidade indicava que uma pena só poderia ser imposta caso se encontre prevista na legislação, a defesa da proporcionalidade objetivava que crimes com graus mínimos de gravidade recebessem penas diferenciadas daqueles com alto grau de seriedade. O utilitarismo vinha com a crença de que a pena deveria ter uma utilidade, e não apenas ser cruel, como pensavam os idealizadores do terror penal aplicado na época" (SILVA, 2008, não paginado).

No cenário europeu chegou-se ao período das ordenações, que eram espécies de “Constituições” disciplinadoras do Direito, especialmente nas áreas penal e cível, embora tais esferas, à época, ainda não fossem assim subdivididas.

As três modalidades de Ordenações que tiveram acabaram por influenciar o nascimento do Direito Brasileiro e, com efeito, na organização do Sistema Prisional foram as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e as Ordenações Filipinas.

As Ordenações Afonsinas (1500-1514) surgem no século XV, sendo elaboradas nos reinados de João I, D. Duarte e Afonso V. Atribuídas a João Mendes, Rui Fernandes, Lopo Vasques, Luis Martins e Fernão Rodrigues, que finalizaram seus trabalhos no Reinado de Afonso V, as Ordenações receberam o nome de Ordenações Afonsinas (PASSOS, 2010):

As Ordenações Afonsinas são uma coletânea de leis promulgadas, como primeira compilação oficial do século XV, durante o reinado de Dom Afonso V. Várias vezes as Cortes tinham pedido a D. João I a organização de uma coletânea em que se coordenasse e atualizasse o direito vigente, para a boa fé e fácil administração na justiça. Para levar a cabo essa obra designou D. Duarte o doutor Rui Fernandes, que acabaria o trabalho em 1446 em Arruda (PASSOS, 2010, não paginado).

Quanto à composição das Ordenações Afonsinas, o autor assinala que se constituíam de cinco livros, os quais compreendiam a organização judiciária, competências, relações da Igreja com o Estado, processo civil e comercial. Acrescenta que

As Ordenações Afonsinas consagraram-se como fonte do direito "nacional" e prevalente, tendo por fontes subsidiárias os direitos romanos e canônico, as glosas de Acúrsio e as opiniões de Bartolo e, por último, as soluções dadas pelo Monarca. Dessa forma, observa-se, desde já, que a consolidação das regras nas Ordenações, inclusive costumeiras, enfraqueceram as que não foram incluídas. No entanto, o apreço ao direito romano fica constatado na sua valoração como primeira fonte subsidiária (PASSOS, 2010, não paginado).

As Ordenações Manuelinas (1514-1603) são instituídas em substituição às Ordenações Afonsinas, por força de vultoso número de leis e atos modificadores que a estas modificavam. Os trabalhos referentes às segundas ordenações, que se desenvolveram no reinado de Dom Manuel, iniciaram-se em 1501, estendendo-se a meados de 1514. Tendo por compiladores Rui Boto, Rui da Grã e João Cotrim, as Ordenações Manuelinas foram apresentadas em duas edições, sendo uma em 1512-1514 e outra em 1521(PASSOS, 2010). O autor põe em destaque o fato de que

A reforma se deu na parte atinente às fontes subsidiárias, onde após a afirmação da prioridade das leis portuguesas, deveriam ser observados primeiro o direito romano e em segundo lugar o direito canônico. Seguem-se como fontes subsidiárias. As glosas de Acúrsio e as opiniões de Bartolo (PASSOS, 2010, não paginado).

A expressão Ordenações Manuelinas designa, portanto,

[...] a nova codificação que D. Manuel I promulgou, em 1521, para substituir as Ordenações Afonsinas. Para explicar esta decisão do rei apontam-se dois motivos fundamentais: a descoberta da imprensa e a necessidade de correção e atualização das normas, assim como a modernização do estilo afonsino; além disso, talvez o monarca tivesse querido acrescentar às glórias do seu reinado uma obra legislativa. Em 1514 faz-se a primeira edição completa dos cinco livros das Ordenações Manuelinas. A versão definitiva foi publicada em 1521. Para evitar confusões, a carta régia de 1521 impôs que todos os possuidores de exemplares das ordenações de 1514 os destruíssem no prazo de três meses, ao mesmo tempo que determinou aos conselhos a aquisição de nova edição (PASSOS, 2010, não paginado).

Como inevitável perceber, as Ordenações eram elaboradas ao sabor do cenário político vigente e, não obstante elaboradas pelos juristas da época, não tinha conotação de Justiça, prevalecendo a vontade do monarca na confecção das encimadas ordenações. Logicamente, a influência do Rei trazia consigo abusos e arbitrariedades no sistema carcerário.

No período compreendido entre 1603 a 1916, com o objetivo de atualizar as “inúmeras regras esparsas editadas no período de 1521 a 1600”, mas “não produzindo grandes alterações nas fontes subsidiárias exceto transformações de cunho formal”, as Ordenações Filipinas tiveram vigência no Brasil, associadas às leis extravagantes (PASSOS, 2010, não paginado). O autor define as Ordenações Filipinas como

[...] compilação jurídica resultou da reforma do código manuelino, como consequência do domínio castelhano, tendo sido mais tarde confirmada por D. João IV. Mais uma vez se fez sentir a necessidade de novas ordenações que representassem a expressão coordenada do direito vigente. A obra ficou pronta ainda no tempo de Filipe I, que a sancionou em 1595, mas só foi definitivamente mandada observar, após a sua impressão em 1603, quando já reinava Filipe II (PASSOS, 2010, não paginado).

O autor conclui afirmando que as Ordenações Filipinas, em que pese as muitas alterações, “constituíram a base do direito português até a promulgação dos sucessivos códigos do século XIX, sendo que algumas disposições tiveram vigência no Brasil até o advento do Código Civil de 1916” (PASSOS, 2010, não paginado).

O sistema prisional brasileiro foi fundado sob a égide das Ordenações. Na verdade, essas ordenações foram a gênese de todo o arcabouço do direito brasileiro, que mais tarde sofreu forte influência do positivismo, masque ainda hoje conserva resquícios dessas ordenações. É verdade, portanto, que, enquanto sistema jurídico, elas só foram abolidas em 1916, com a criação do Código Civil Brasileiro.

 

III.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SISTEMA PENAL/PRISIONAL NO BRASIL

 

Levando em conta ter sido o Brasil colonizado por uma Nação Europeia, o sistema prisional existente na Europa, no período da colonização, foi praticamente “importado” para a nova colônia, mas já com a visão da Igreja bastante abalada, pois as Ordenações Afonsinas instituíam encarceramento como sendo uma “vingança pública”, ou seja, o Estado era o responsável pela criação de um sistema prisional. As bases penais, como não poderiam deixar de ser, foram, portanto, inspiradas nas ordenações acima vistas.

O modelo prisional lançado inicialmente no Brasil, pois, tinha todas as característica do modelo português, claro que com adaptações mais burlescas, pois trata-se apenas de uma colônia com seus habitantes beirando à primitividade; os nativos eram silvícolas sem a menor noção sistematizada de direito. Da mesma forma ocorria com os negros vindos da África, cujas noções de direito eram bastante primitivas.

O Brasil, até 1830, não tinha um Código Penal próprio por ser ainda uma colônia portuguesa, submetia-se às Ordenações Filipinas, prevendo, até então, as penas de morte, penas corporais (como açoite, mutilação, queimaduras), confisco de bens e multa e, ainda, sanções de humilhação pública do réu. Não existia a previsão do cerceamento e privação de liberdade, posto que as ordenações são do século XVII e os movimentos reformistas penitenciários começam só no fim do século seguinte, os estabelecimentos prisionais do Brasil seguiam o antigo entendimento de prisão como meio de evitar a fuga para a pena que viria e não como fim, como pena.

Historicamente, consta que, no Brasil, as unidades prisionais tuteladas pelo Estado existiram desde os primeiros anos de colonização.

Nesse sentido, Silva (2003) observa que, já em 1551, havia menções acerca de uma cadeia na Bahia, descrita como “cadeia muito boa e bem acabada com casa de audiência e câmara em cima [...] tudo de pedra e barro, rebocadas de cal, e telhado com telha” (Russell-wood, 1981, citado por SILVA, 2003, p. 21). Utilizando agora palavras de Salla (1999), o autor esclarece que, nas cidades e vilas,

as prisões se localizavam no andar térreo das câmaras municipais e faziam parte constitutivas do poder local e serviam para recolher desordeiros, escravos fugitivos e criminosos à espera de julgamento e punição. Não eram cercados, e os presos mantinham contato com transeuntes, através das grades; recebiam esmolas, alimentos, informações (Salla, 1999, citado por Silva, 2003, p. 21).

Recorrendo a considerações de Carvalho Filho (2002), Silva (2003) nos informa que o Aljube, antigo cárcere eclesiástico do Rio de Janeiro, até então utilizado como local de punição de religiosos, foi cedido pela Igreja quando da chegada da Família Real ao Brasil, passando à condição de prisão comum. Em 1829, uma comissão de inspeção nomeada pela Câmara Municipal faria, acerca das condições daquele local, a seguinte afirmação:

O aspecto dos presos nos faz tremer de horror’; eram 390 detentos, e cada um dispunha de uma área aproximada de 0,6 por 1,2 m². Em 1831, o número de presos passaria de 500”. Em 1856, o Aljube foi desativado (CARVALHO FILHO, 2002, citado por SILVA, 2003, p. 21, aspas no original).

Mas deve-se ressaltar que as condições intolerantes do Aljube, verificadas em outras inspeções, marcou o início das preocupações com as condições das casas prisionais brasileiras. Observe-se, entretanto, que tais condições não coadunam com os pressupostos de um decreto firmado pelo príncipe regente D. Pedro ainda em 1821, o que, segundo Silva (2003, p. 21), seria o marco “[...] da preocupação das autoridades com o estado das prisões”. Consoante o referido decreto, comenta o autor, ninguém seria “lançado’ em ‘masmorra estreita, escura ou infecta’ porque ‘a prisão deve só servir para guardar as pessoas e nunca para as adoecer e flagelar’” (SALLA, 1999, citado por SILVA, p. 21-22).

Três anos mais tarde, precisamente com a Constituição Imperial de 1824, tal preocupação manifesta-se por meio da forma como deveriam ser o estado das cadeias, assim como a divisão do encarceramento de acordo com os aspectos do crime.  Assim afirmando, Silva destaca que, segundo aquela constituição, as cadeias deveriam ser “seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para a separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza dos seus crimes” (BRASIL, 1824, citado por SILVA, 2003, p. 22).

Retornando a Salla (1999), Silva (2003) nos lembra que, ao longo do Império,

começa a se formar no país uma cultura sobre o assunto. Juristas e funcionários viajam ao exterior para conhecer sistemas penitenciários. É debatida a criação de colônias penais marítimas, agrícolas e industriais. Nasce a preocupação com o estudo científico da personalidade do delinquente. O criminoso passa a ser visto ‘como um doente, a pena como um remédio e a prisão como um hospital(SALLA, 1999, citado por SILVA, 2003, p. 23).

Carvalho Filho (2002, citado por SILVA, 2003), em suas considerações nesse mesmo sentido, afirma que, com o advento da República,

desapareceram do cenário punitivo a forca e o galés. Ficou estabelecido, ainda, o caráter temporário das penas restritivas da liberdade individual. Não poderiam exceder a 30 anos – princípio que prevalece até a atualidade (CARVALHO FILHO, 2002, citado por SILVA, 2003, p. 23-24).

Voltando à questão da evolução do sistema prisional brasileiro, em 1828/1929, no período imperial, foram lançadas as bases ideológicas para a elaboração de um Código Penal.

 Aliás, a própria Constituição Política de 1824 já ditara certos cânones fundamentais para o novo direito penal, mandando, ao mesmo tempo, que se organizasse, quanto antes, um código criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e equidade (art. 179 parágrafo 18). Esses cânones ficaram especificados no teor do art. 179 da Constituição, cujo preambulo, constituindo como que um postulado, garantia a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos, baseados na liberdade e segurança da pessoa e da propriedade.[2]

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O CP transformou-se em Lei em 16 de dezembro de 1830, sendo o primeiro Código Penal autônomo da América Latina.[3]Segundo Batistela e Amaral (s/d) as características mais importantes do Código Penal do Império foram:

     a) a exclusão da pena de morte para os crimes políticos;

 b) a imprescritibilidade das penas;

 c) a reparação do dano causado pelo delito;

    d) ser considerado agravante o ajuste prévio entre duas ou mais pessoas, para a prática do crime;

    e) a responsabilidade sucessiva nos crimes de imprensa (BATISTELA; AMARAL, s/d, não paginado).

O novo Código adotava como sistema de penas a prisão celular, cuja previsão abarcava a grande maioria dos crimes, devendo a reclusão ser cumprida em estabelecimento especial. Ao preso era imposto, inicialmente, a um período de isolamento na cela. Posteriormente, com os demais presos, submetia-se ao regime de trabalho obrigatório. Se condenado a pena superior a seis anos e tendo cumprido metade da pena sob bom comportamento, o preso poderia ser conduzido para uma alguma penitenciaria agrícola. A perspectiva de comportamento condicional pressupunha a manutenção desse bom comportamento e dois anos para o término da pena (CARVALHO FILHO, 2002, citado por SILVA, 2003).

As mesmas autoras destacam que, depois do Código Criminal de 1830,

adveio o Código de Processo de 1832, também imbuído do espírito liberal, sendo este estatuto de suma importância para a legislação brasileira, porque constituiu, até o fim de 1941, a sua lei processual em matéria repressiva (BATISTELA;AMARAL, s/d, não paginado).

A par disso, foi a partir do Século XIX que se deu início ao surgimento de prisões com celas individuais e oficinas de trabalho no Brasil. O Código Penal de 1890 possibilitou o estabelecimento de novas modalidades de prisão, considerando que não mais haveria penas perpétuas ou coletivas, limitando-se às penas restritivas de liberdade individual, com penalidade máxima de trinta anos, bem como prisão celular, reclusão, prisão com trabalho obrigatório e prisão disciplinar.

Em 1920, inaugura-se a Penitenciária que seria considerada o marco na evolução das prisões, chegando a ser definida como “instituição de regeneração modelar”. Localizada no Bairro do Carandiru, Estado de São Paulo, foi visitada por juristas e estudiosos do Brasil e do mundo. É o que nos informa Silva (2003), ainda em empréstimo a afirmações de Carvalho Filho (2002).

Construída para 1.200 presos, oferecia o que havia de mais moderno em matéria de prisão: oficinas, enfermarias, escola, corpo técnico, acomodações adequadas, segurança. Tudo parecia perfeito. (CARVALHO FILHO, 2002, citado por Silva, 2003, p. 24).    

Silva (2003), face ao que assinala Carvalho Filho (2002), recorre a dizeres de DOTTI (1998), mencionando que o cárcere é considerado, então,

a espinha dorsal do sistema criado em 1940. Cerca de 300 infrações definidas no Código Penal são punidas em tese com pena privativa de liberdade (reclusão e detenção). A lei de Contravenções Penais, de 1941, definiu 69 infrações de gravidade menor e previu 50 vezes a pena de prisão simples, a ser cumprida sem rigor penitenciário (DOTTI, 1998, citado por SILVA, 2003, p. 24).

Observe-se que a ideologia então predominante era de que a “boa cadeia” era aquela que detinha razoável estrutura física, eis que, na época, inexistia qualquer pensamento direcionado à reeducação e ressocialização do apenado nas prisões. Como as dificuldades de comunicação era imensas, uma vez liberto, o ex-presidiário costumava perambular pelas províncias, à procura de serviços, geralmente bem longe de onde fora condenado, para evitar ser facilmente identificado como ex-condenado.

Assim foi se desenvolvendo o sistema prisional brasileiro até atingir o período pós-ditadura militar (1985), em que se começou a cobrar insistentemente que os presídios brasileiros deixassem de ser escolas de pós-graduação no crime e se tornassem casas de ressocialização e preparação do detento para o reingresso na sociedade.

Entretanto, há muito o sistema penitenciário brasileiro é marcado por episódios que revelam e apontam para o descaso em relação às políticas públicas na área penal e penitenciária, bem como para a edificação de modelos aos quais se tornaram inviáveis quando de sua aplicação. Pelo menos, ao que parece, o ordenamento jurídico, atualmente vê o apenado como sujeito de direitos, como pessoa cuja dignidade deva ser tutelada, e isso, sem dúvidas, já se mostra como um significativo avança.

 

III.2 A EVOLUÇÃO DA PENA NO BRASIL E SUA FUNÇÃO SOCIAL

 

É percebido, ao longo da história do próprio Brasil colônia, o emprego da tortura como meio de punição e até mesmo para que prisioneiros confessassem o crime do qual estavam sendo acusados e, por mais absurdo que possa parecer, tal prática só foi abolida com a Constituição Federal de 1988, que dispõe em seu artigo 5º, inciso III. 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (BRASIL, 1988)

Infelizmente, essa é mais uma Lei que não tem sido cumprida à risca, pois é frequente nos noticiários, documentado inclusive através de imagens, o emprego de tortura por parte de autoridades policiais com o intuito de obter confissões. Tal prática é grande causa de injustiças, visto que sob tortura, inocentes acabam por confessar crimes que jamais pensara em cometê-los.

Carvalho Filho (2002) descreve que: 

Em 1835, como reação ao levante de negros muçulmanos ocorridos na Bahia, uma lei ampliaria a hipótese de pena Capital para escravos que ferissem gravemente, matassem ou tentasse matar o senhor ou feitor. Foi mantida a pena de galés que significava fazer trabalhos forçados em obras públicas. A principal novidade do Código Criminal de 1830 foi o surgimento das penas de prisão com trabalho (o condenado tinha a obrigação de trabalhar diariamente dentro do recinto dos presídios). Pena que em alguns casos podia ser perpétua ou de prisão simples, que consistia na reclusão pelo tempo marcado na sentença, a ser cumprida “nas prisões públicas que oferecerem maior comodidade e segurança e na maior proximidade que for possível dos lugares dos delitos. (CARVALHO FILHO, 2002, p. 38).

Embora a pena de morte fosse empregada com base na Lei de Talião e Código de Hamurabi, já há longa data não se emprega mais no Brasil. Hoje, através do artigo 5º da CF temos a seguinte determinação:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX.” (BRASIL, 1988, não paginado).

Carvalho Filho (2002, p. 43), com relação à aplicação das penas cruéis, comenta sobre as inovações trazidas do Governo Republicano e democrático, expondo que “com a República, desapareceram do cenário punitivo a forca e o galés. Ficou estabelecido, ainda, o caráter temporário das penas restritivas da liberdade individual. Não poderiam exceder a 30 anos – princípio que prevalece até a atualidade”.

Já Capez aduz que pena:

É a sanção penal de caráter aflitivo, imposta pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado pela prática de uma infração, consistente na restrição ou privação de um bem jurídico, cuja as finalidades são aplicar a retribuição punitiva ao delinquente, promover a sua readaptação social e prevenir novas transgressões pela intimidação dirigida à coletividade (2012, p. 14).

Na atualidade as penas aplicadas tem um caráter bem mais profundo do que meramente o objetivo de punir, mas assumem uma função social de reeducar para devolvê-los ao convívio social.

 

III.3 A FINALIDADE DA PENA

 

Nesta parte apresentar-se-á as três teorias básicas que explicam a finalidade da pena por meio dos ensinamentos de Capez: 

Teoria absoluta ou da retribuição. A finalidade da pena é punir o autor de uma infração penal. A pena é a retribuição do mal injusto, praticado pelo criminoso, pelo mal justo previsto no ordenamento jurídico (punitor quia peccatum est). Teoria relativa, finalista, utilitária ou da prevenção. A pena tem um fim prático e imediato de prevenção geral e especial do crime (punnitur ne peccetur). A prevenção é especial porque a pena objetiva a readaptação e a segregação sociais do criminoso como meios de impedi-lo de voltar a delinquir. A prevenção geral é representada pela intimidação dirigida ao ambiente social (as pessoas não delinquem porque têm medo de receber a punição).Teoria mista, eclética, intermediária ou conciliadora. A pena tem a dupla função de punir o criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva (punitor quia peccatum est et ne peccetur) (2012, p.15).      

No Estado brasileiro é adotada a Teoria mista, eclética, intermediária ou conciliadora. Onde a pena não finalidade única de punir mas sim de evitar que, colocado em liberdade o indivíduo não volte a cometer crimes.

 Para MARCÃO, (2012, p. 31), “A execução penal deve objetivar a integração social do condenado ou do internado, já que adotada a teoria mista ou eclética, segundo a qual a natureza da pena não busca apenas a prevenção, mas também a humanização. Objetiva-se por meio da execução, punir e humanizar.”

Já NUCCI (2010, p. 990), ensina-nos “A pena tem caráter multifacetado, envolvendo, necessariamente, os aspectos retributivo e preventivo, este último nos primas positivo geral e individual, bem como negativo geral e individual, conforme sustentamos em nosso trabalho intitulado Individualização da pena.”

Portanto, a finalidade da sanção penal é punir humanamente o cidadão pela conduta desviada para, simultaneamente, reintegrá-lo à sociedade.

 

IV. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A INCIDÊNCIA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA APLICAÇÃO DAS PENAS NO BRASIL

 

Os direitos fundamentais tiveram origem no homem como um fim em si mesmo, não tendo por base a estrutura do Estado. São eles inerentes à pessoa humana e adquiridos antes mesmo do nascimento, de tal modo que, desde o esboço das primeiras legislações já se contemplava tal instituto, pois mesmo no Código de Hamurabi que data do ano de 1690 a.C já se tutelavam o direito à vida, à propriedade, à dignidade.

Todavia, foi no ano de 1948, após as tragédias e as sérias consequências trazidas pela Segunda Guerra Mundial, é que foram criados efetivamente propostas e acordos que valorassem e respeitassem todos os Direitos Fundamentais do homem.

No diploma denominado Declaração Universal dos Direitos do Homem vem prescrito que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”, o que demonstra que nem mesmo aquele que está encarcerado, sob custódia do Estado, deixa sua condição de sujeito de direitos fundamentais.

Nesse sentido, Veneral (s/d), com base na doutrina Kantiana, aduz que:

Todo o ser humano, sem distinção, é pessoa, ou seja, um ser espiritual, que é, ao mesmo tempo, fonte e imputação de todos os valores. Consciência e vivência de si próprio, todo ser humano se reproduz no outro como seu correspondente e reflexo de sua espiritualidade, razão por que desconsiderar uma pessoa significa em última análise desconsiderar a si próprio. Por isso é que a pessoa é um centro de imputação jurídica, porque o Direito existe em função dela e para propiciar seu desenvolvimento (VENERAL, s/d, p. 11).

Para alguns, o entendimento aludido é bastante polêmico, levando em conta, à época, a crueldade e hediondez na prática de determinados delitos. A par disso, rememore-se que não se está mais nos arcaicos períodos da “vingança social” ou da “vingança divina”, mas sob a égide de uma Nação estruturada numa Constituição Cidadã, segundo a qual o castigo deve ser restrito às prescrevências da legalidade.

Nessa esteira, Sarlet (2009) afirma que:

Esta declaração sem dúvida é o alicerce dos direitos e garantias fundamentais. Os direitos fundamentais são de tamanha importância para um estado que, estão presentes efetivamente em todos os poderes.

Sua presença é notável na constituição, mais precisamente, título II, artigo 5º, e sua efetividade se demonstra no § 1º do mesmo artigo: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata”. Permito- me a fazer citação da obra de Ingo Wolfgang: “Ao artigo 5º, § 1º, da Constituição de 1988 é possível atribuir, sem sombra de dúvidas o mesmo sentido outorgado ao art. 18/1 da Constituição da República Portuguesa e ao art. 1º, inc. III, da Lei Fundamental da Alemanha, o que, em última análise, significa- de acordo com a lição de Jorge Miranda- que cada ato (qualquer ato) dos poderes públicos devem tomar os direitos fundamentais como “baliza e referencial”. Importante ainda, é a constatação de que o preceito em exame fundamenta uma vinculação isenta de lacunas dos órgãos e funções estatais aos direitos fundamentais, independentemente de forma jurídica mediante a qual são exercidas estas funções, razão pela qual- como assevera Gomes Canotilho - inexiste ato de entidade publica que seja livre dos direitos fundamentais”[1].

 

Sobre o assunto, o entendimento extraído do leque doutrinário é de que:

Com o processo de democratização dos países que sofreram os horrores das ditaduras, ganha especial atenção a proteção dos direitos humanos. Impulsionado pela Constituição de 1988 – que consagra os princípios da prevalência dos direitos humanos e da dignidade humana – o Brasil passa a se inserir no cenário de proteção internacional dos direitos humanos. O alinhamento do Brasil à essa sistemática internacional é relativamente recente, mas já trouxe grandes avanços no tocante à efetivação do princípio da primazia da pessoa humana (DUARTE, 2007, p. 23).

Reforça-se, em harmonia com o que o autor enfoca, que até os idos do vetusto período ditatorial, muitas foram os vitimados pelos atos à revelia dos direito fundamentais, o que, certamente, motivou o legislador - para além de positiva-lo como fundamento da República -a galgá-lo a posição de destaque no Código Civil Brasileiro de 2002, dedicando 11 artigos insertos no capítulo denominado “Dos Direitos da Personalidade”.

Além disso, segundo norma do art. 5º, §1º da CF, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, donde resulta que uma obrigatoriedade imposta às autoridades no sentido de garantir rapidez e efetividade na observância dos direitos fundamentais que a Carta Política positivou.

Ainda, os direitos fundamentais são considerados “clausulas pétreas”, não podendo ser excluídos da Carta Republicana nem mesmo mediante Emenda Constitucional, o que ressai da redação do art. 64, §4.º da CF. De acordo com o que leciona Celso Bastos:

Os direitos fundamentais são em principio aplicáveis (na medida do possível), regra que conquanto comporte exceções, quando a constituição expressamente remete ao legislador a concretização do direito fundamental, estabelecendo, por exemplo, que apenas será exercido na forma prevista em lei, e quando a norma não contiver os elementos mínimos que lhe propiciem aplicabilidade, no sentido que não possui a normatividade suficiente á geração de seus efeitos principais sem que seja necessária assunção pelo judiciário da posição reservada ao legislador (2002, p. 92).

Dentro do contexto dos direitos fundamentais, um princípio que ostenta grande importância e aplicabilidade é o da dignidade da pessoa humana.

Vem da Bíblia Sagrada a notícia de um dos primeiros relatos versando sobre o tratamento digno do homem. Quando o homem cedeu aos encantos da serpente, pecando em face das regras de Deus, viu-se despido, desprotegido. A consequência do pecado foi a expulsão do paraíso, mas veja a benevolência do Criador do Universo, conforme narra o livro de Gênesis:

O Senhor Deus fez roupas de pele e com elas vestiu Adão e sua mulher. Então disse o Senhor Deus: “Agora o homem se tornou com um de nós, conhecendo o bem e o mal. Não se deve, pois, permitir que ele tome também do fruto da árvore da vida e o coma, e viva para sempre”. Por isso o Senhor Deus o mandou embora do jardim do Éden para cultivar o solo do qual fora tirado. (HITCHCOCK, 2005, p. 14).

A dignidade humana mereceu a classificação de fundamento constitucional na CF/88, nos seguintes termos:

Art.1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II - a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Como princípio fundamental que é, a dignidade da pessoa humana existe antes mesmo de ser apreciada no bojo constitucional, está ligado ao jus cogens, direitos universais de observância obrigatória por todos os Estados. Esse postulado assume tamanha relevância que representa verdadeiro vetor ao poder de punir do Estado. A dignidade humana é um “manual” que limita a atuação estatal, conduzindo-o a evitar abusos e arbitrariedades, embora o poder-dever estatal não seja ilimitado.

Porém, em que pese a evolução do Direito democrático brasileiro, o Estado tem negligenciado o princípio em tela ao permitir mazelas que impregnam o sistema de execução da penal.

Por vezes, o Estado tem aplicado seu poder/dever de punir sem o devido processo legal, determinado prisões cautelares sem a devida fundamentação e falhado na concessão da progressão de regime a que o apenado se submete ou no oferecimento de estabelecimento prisionais conforme manda da legis, etc.

Oportuno, aqui, citar julgado do Colendo STJ, concedendo ordem em habeas corpus a apenado porque o estabelecimento penal não oferecia um ambiente favorável à sua condição precária de saúde:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 1º, III, DA CF. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. LEI N. 11.343/2006. LIBERDADE PROVISÓRIA. ARTS. 310 E 312 DO CPP. CONDIÇÕES PRECÁRIAS DE SAÚDE DO CUSTODIADO E AUSÊNCIA DE MOTIVOS ENSEJADORES DA PRISÃO PROVISÓRIA AUTORIZAM A CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. LEGALIDADE.

1. A República Federativa do Brasil tem como fundamento constitucional a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).

2. A custódia cautelar implica necessariamente o cerceamento do direito à liberdade, entretanto o custodiado em nenhum momento perde a sua condição humana (art. 312 do CPP).

3. Impõe-se ao magistrado verificar, caso a caso, se o sistema prisional detém meios adequados para tratar preso em condições precárias de saúde, caso contrário, admite-se - de forma excepcional - a concessão da liberdade provisória, em atenção ao princípio da dignidade humana, inclusive porque, nos termos da Constituição Federal, ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III).

4. Relevante a manifestação do juízo de primeiro grau - ao deferir a liberdade provisória -, pois manteve contato direto, a um só tempo, com a situação concreta do acusado, com os fatos a ele imputados e com o ambiente social onde estes ocorreram.

5. Recurso especial não conhecido. Concessão de habeas corpus de ofício para determinar a expedição de alvará de soltura em nome da codenunciada, a fim de garantir-lhe o direito de aguardar em liberdade o curso da ação penal - mediante o compromisso de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação do benefício -, se por outro motivo não estiver presa e ressalvada a possibilidade de haver decretação de prisão, caso se apresente motivo concreto para tanto, nos termos do voto.(REsp1253921, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJE: 21/05/2013).

Desta feita, não há que se falar no enfrentamento da superlotação carcerária sem respeito aos direitos fundamentais da comunidade carcerária, primado da dignidade humana.

 

V. O ONIPRESENTE DEBATE DA (RES)SOCIALIZAÇÃO

 

Emerge do Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, que ressocializar é a ação de “tornar a socializar-se”, significando que ressocialização é o processo por meio do qual objetiva-se tornar novamente sociável o que deixou de sê-lo. É, a grosso modo, o conjunto de mecanismos que possibilitam o retorno do homem ao convívio social.

São utilizados como sinônimos as palavras ressocialização, recuperação, reeducação social e reabilitação, porém, a grosso modo, são sinônimos que são atribuídos a pessoas que cometeram crimes e tentam uma nova chance para voltar ao convívio social.

No ordenamento jurídico brasileiro, precisamente na Lei de Execução Penal (LEP), observa-se o objetivo da aplicação das penas:

Art 1º. Execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.(BRASIL, 1984, não paginado)[1].

Empregando singela interpretação ao dispositivo citado, emerge que a LEP tem a finalidade de fazer cumprir a pena prevista de acordo com o tipo e a gravidade do crime cometido e, ainda, proporcionar a adaptação do preso ao sistema prisional, sobretudo porque intenciona-se que o apenado, ao sair dali, não reincida na prática infracional e se reintegre ao meio social.

Para Nery Júnior e Nery Rosa (2006), citados por Pereira (2014),

tanto quanto possível, incumbe ao Estado adotar medidas preparatórias ao retorno do condenado ao convívio social. Os valores humanos fulminam os enfoques segregacionistas. A ordem jurídica em vigor consagra o direito do preso ser transferido para local em que possua raízes, visando a indispensável assistência pelos familiares.[...](NERY JÚNIOR; NERY ROSA, 2006, citados por PEREIRA, 2014, p. 07).

Em que pese, a finalidade do sistema carcerário se direcione no desempenho do papel social de (re)abilitar e a (res)socializar pessoas prevenindo que os mesmos cometam novos crimes, infelizmente, atualmente, pesquisas tem revelado que o Brasil tem falhado nesse mister.

Como afirmou Marta Falqueto, representante do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra/ES, “prisão não significa menos violência na sociedade”. Na avaliação da Autoridade, o problema está na ineficiência das políticas de ressocialização das pessoas que cumprem penas, assim como também na falta de políticas públicas para garantir saúde, educação, lazer, trabalho e remuneração para grande parte da população.

O impasse da ressocialização, como há de se notar, seria macro conjuntural, impondo alternativas variadas nos campos social, legal (processual), com políticas públicas voltadas não apenas para a recuperação do indivíduo, mas com adoção de medidas preventivas para que o “público carcerário” diminuísse.

Será que a situação não poderia melhorar com emprego efetivo de programas de educação básica e profissionalizante?

No nosso sentir, pelo menos como passo inicial, é preciso oferecer condições a que o cidadão possa ter autoestima, sentir-se útil à sociedade e, sobretudo, poder trabalhar para sustentar se núcleo familiar.

O cidadão não quer se limitar a sobreviver. Ele quer - e necessita de - oportunidade para usufruir o melhor que a vida tem a oferecer. Ele tem sede de ser tratado como gente, de ser tratado como cidadão, sem discriminação e preconceito, de uma maneira digna. Ele deseja andar pelos quatro cantos do país sem apontarem o dedo na sua “cara”. É isso que ele quer!

Sobre esse assunto, aqui, por pertinência, pedimos vênia para lembrar letra da melodia Comida, dos Titãs[2]:

Bebida é agua 
Comida é pasto 
Você tem sede de que? 
Você tem fome de que? 

A gente não quer só comida, 
A gente comida, diversão e arte 
A gente não quer só comida, 
A gente quer saída para qualquer parte 
A gente não quer só comida, 
A gente quer bebida, diversão, balé 
A gente não quer só comida, 
A gente quer a vida como a vida quer

Bebida é agua 
Comida é pasto 
Você tem sede de que? 
Você tem fome de que? 

A gente não quer só comer, 
A gente quer comer e quer fazer amor 
A gente não quer só comer, 
A gente quer prazer pra aliviar a dor 
A gente não quer só dinheiro, 
A gente quer dinheiro e felicidade 
A gente não quer só dinheiro, 
A gente quer inteiro e não pela metade.

A resposta, por evidente, já foi dada por Renato Russo, da Banda Legião Urbana, em 1987, quando escreveu a melodia que país é esse!

Como pensar em (re)integração sem, previamente, despir-se de uma “cultura” que não acredita na regeneração do indivíduo e que parece nunca ter ouvido falar no Livro de Mateus[3], no qual Jesus ensinara a perdoar setenta vezes sete?

Como criar projetos para ressocializar, se ainda vivemos numa Nação rude e cuja maioria do empresariado não estende a mão ao um ex-detento?

Das finalidades da pena, a maior delas é proporcionar condições à harmônica (re)integração social do condenado (art. 1.º, LEP), e para que possamos (re)integrar ou (res)socializar o apenado com humanidade, imprescindível criarmos condições para que se sinta abraçado pela sociedade e seguro social e economicamente no meio dela.

Batista (2010), em destaque a afirmação de Marcão (2007), esclarece que

a execução penal deve objetivar a integração social do condenado ou do internado, já que adotada a teoria mista ou eclética, segundo o qual a natureza retributiva da pena não busca apenas a prevenção, mas também a humanização. Objetiva-se, por meio da execução, punir e humanizar (MARCÃO, 2007, citado por BATISTA, 2010, p. 38).

Observa-se, das palavras do autor, que antes de ter caráter retributivo (punitivo), tem a pena cunho humanizador. Não por acaso, o art. 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos rezar que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (ONU, 1948).

Conforme Veneral, a

Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela Resolução 217 A, da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10/12/1948 e, na conferência de Direitos Humanos realizada em Viena em 1993. Essa declaração firmou de forma inexorável e incontestável que “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis e inter-relacionados” (VENERAL, s/d, p. 01).

Nucci (2007), por sua vez, emite que

Adotou a Constituição Federal o princípio da humanidade das penas, significando que o Estado, através da utilização das regras de Direito Penal, deve pautar-se pela benevolência na aplicação da sanção penal, buscando o bem-estar de todos na comunidade, inclusive dos condenados, que não merecem ser excluídos somente porque delinquiram, até porque uma das finalidades da pena é a sua ressocialização.  (NUCCI, 2007, p. 40-41)

 

Schmitt (2008, p. 31), ancorando-se a declarações de Bielefeldt (2000), traz a destaque o fato de que “uma exata igualdade de dignidade humana, a qual deve ser inegociável”. Como consequência,

[...] nem mesmo a virtude permite diferenciação dentro da dignidade humana, pois como nem a moralidade pode ser empiricamente materializada, tampouco ela pode ser utilizada como critério para estabelecer diferentes graus de dignidade (BIELEFELDT, 2000, citado por SCHMITT, 2008, p. 31).

O referido autor (2008, p. 31), em conclusão, assinala que “pode-se dizer também que a moderna busca pela igualdade encontra fundamento ético nesta conscientização sobre dignidade humana”.

Quanto à dignidade do preso, assinala-se que o artigo de abertura da LEP expressa que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

Assim, até mesmo por visar a harmônica (re)integração do apenado, vedado que durante a execução de sua pena, seja ele destituído do gozo dos direitos inerentes à sua condição de ser humano, consoante os parâmetros da dignidade humana.

Verifica-se que após a sentença, quando do seu ingresso na Unidade Prisional, o sentenciado passa a viver além da privação de liberdade, a privação de vários direitos que deviam ser preservados considerando as normas descritivas relativas a execução penal. No entanto, para que tais objetivos se cumpram é preciso apresentar propostas que propiciem o verdadeiro resgate do condenado e sua reintegração social, de modo que o tempo de reclusão venha servir, não somente para retribuição do mal causado, mas como forma de renovação e aprendizado aliada a capacitação profissional proporcionada pelo Estado, buscando valorizá-lo e preservá-lo em sua dignidade (VENERAL, s/d, p. 02).

Além de servir como fundamento constitucional e vetor jurídico,

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre um relevante papel na arquitetura constitucional: o de fonte jurídico-positiva de direitos fundamentais. Aquele princípio é o valor que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais. Dessarte o extenso rol de direitos e garantis fundamentais consagrados no título II da Constituição Federal de 1988 traduz uma especificação e densificação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Em suma, os direitos fundamentais são uma primeira e importante concretização desse último princípio, que se trate dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º). Dos direito sociais (arts. 6º a 11) ou dos direitos políticos (arts. 14 a 17). Ademais, aquele princípio funcionará com uma cláusula aberta´ no sentido de respaldar o surgimento de ´direitos novos´ não expressos na Constituição de 1988, mas nela implícitos, seja em decorrência do regime e princípios por ela adotados, ou em virtude de tratado internacionais em que o Brasil seja parte, reforçando, assim, o disposto no art. 5º, parágrafo 2º. Estreitamente relacionada com essa função, pode-se mencionar a dignidade da pessoa humana como critério interpretativo do inteiro ordenamento constitucional(FARIAS, 1996, citado por AMARAL; PORTO, 2007, p. 05-06).

Não obstante o valor e a relevância do postulado-mor da Carta Republicana, o Estado deve conferir meios para efetivar sua orientação principiológica durante a execução penal. Impõe que o trabalho ressocializador, de fato, se inicie no interior dos Estabelecimentos Penais, vinculando o apenado à vida que ele terá quando sair da prisão.

Deve-se oportunizar, ainda dentro do Presídio, que o cidadão que ali se encontre, possa exercer uma profissão, estudar e se relacionar com seus familiares.

Os arts. 10 e 11 da Lei de Execução Penal, no capítulo que trata da assistência ao preso (capítulo II), emite as seguintes normas mandamentais:

Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.

Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.

Art. 11. A assistência será:

I - material;

II - à saúde;

III -jurídica;

IV - educacional;

V - social;

VI – religiosa.

Ratificando o espectro garantidor da LEP, o seu art. 41 traz o rol dos direitos do Executando:

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

I - alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

III - Previdência Social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI - chamamento nominal;

XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.  

Como há de se perceber da literalidade das disposições citadas, ao Estado recai o dever de assistir plenamente ao preso, em várias frentes, inclusive quando ele sair do Estabelecimento Penal. Entretanto, embora a LEP nacional seja uma das mais belas e avançadas do mundo, o seu cumprimento não vem merecendo a devida atenção!

Profeta filho (2012), em análise a considerações de Azevedo (1954), destaca que:

[...] as penitenciárias acabaram se tornando instituições inviáveis para o processo de reintegração do indivíduo na sociedade, além de serem de alto custo para o Estado. O que se precisa fazer é aplicar penas e prisões alternativas no sentido de diminuir o custo do detento e, ao mesmo tempo, ajudá-lo a se qualificar para um ofício no campo ou em fábricas (AZEVEDO, 1954, citado por PROFETA FILHO, 2012, p. 22).

Assim, se a execução penal tem como objeto promover a reintegração do condenado (art. 1.º, LEP), imprescindível o processo ressocializador se inicie durante a execução da pena, assumindo o Estado seu papel de auxiliar o apenado em todos os aspectos.

Quando o Estado oferecer as condições materiais, jurídica, social, educacional, religiosa e de saúde, poderemos alcançar que o preso desenvolva o senso de responsabilidade individual e social, o respeito à família e à sociedade em geral. Só assim, portanto, poderemos pensar em ressocialização no Brasil.

 

VI. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELA TUTELA À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DO APENADO.

 

Incumbe ao Estado, para além de aplicar a finalidade retributiva da pena, preservar a integridade física e moral daqueles que estão sob sua tutela.

Isso implica em propiciar um ambiente carcerário onde o apenado possa cumprir sua pena, na medida do que lhe foi imposta e que não seja submetida a condições subumanas e nem tampouco suporte restrição que não foi determinada na sentença condenatória.

Tal dever decorre de previsão constitucional e de Tratados Internacionais que o Brasil aderiu. Diz a Constituição Federal

Art. 5.º - omissis

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

O Pacto de São José da Costa Rica, a seu turno, especifica que “toda pessoa tem direito ao respeito à sua integridade física e moral:

Art. 5º. Direito à Integridade Pessoal.

1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

Das normas supracitadas, emerge que, após o encarceramento do cidadão, passa o Estado a ter sua tutela e ser o responsável por sua integridade no interior do Estabelecimento Penal. Com efeito, impõe ao Estado oferecer ao preso a acomodação, alimentação, higiene, saúde, formação pessoal, reeducação e ressocialização.

O artigo 40 da Lei de Execução Penal determina às autoridades o respeito à integridade física e moral do preso, pois este conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade.[1]

Por isso, Stoco reforça que

O preso, a partir da sua prisão ou detenção é submetido à guarda, vigilância e responsabilidade da autoridade policial, ou da administração penitenciária, que assume o dever de guarda e vigilância e se obriga a tomar medidas tendentes à preservação da integridade física daquele, protegendo-o de violências contra ele praticadas, seja por parte de seus próprios agentes, seja da parte de companheiros de cela ou outros reclusos com os quais mantém contato, ainda que esporádico. (2007, p. 1.166-1.167) (grifou-se)

Apesar do dever de zelar pela integridade física e moral do preso, o descaso com que os reclusos brasileiros são tratados evidencia, novamente, a omissão estatal e, peculiarmente, que antes de necessitarmos de reformulação na Lei de Execuções Penais, prudente aplicarmos os dispositivos atualmente existentes, em sua inteireza.

Reforça Rosa (2004) que:

A responsabilidade do Estado, ou como preferem alguns da Administração Pública, alcança também os atos decorrentes da omissão do Poder Público na preservação dos direitos e garantias fundamentais, sem os quais o status de dignidade a todos assegurado perde o seu sentido (ROSA, 2004, não paginado).

Conforme adverte GRECO,

Nunca devemos esquecer que os presos ainda são seres humanos e, nos países em que não é possível a aplicação das penas de morte e perpétua, em pouco ou em muito tempo, estarão de volta à sociedade. Assim, podemos contribuir para que voltem melhores ou piores. É nosso dever, portanto, minimizar o estigma carcerário, valorizando o ser humano que, embora tenha errado, continua a pertencer ao corpo social (GRECO, 2010)

O poder de punir do Estado, mesmo que seja exclusivo, é vinculado, isto é, encontra limitações na lei. Todo tratamento oferecido aos presos e ainda a estrutura física dos presídios devem cumprir às exigências da Constituição Federal, dos Tratados sobre Direitos Humanos e da Lei de Execução Penal, sob pena de ilegalidade.

É que, num Estado Democrático de Direito, os presos conservam todos os direitos subjetivos não foram alcançados pela condenação, como em 2009 ratificou o eminente Ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, ao emitir voto no julgamento do Habeas Corpus 84078/MG, cuja ementa abaixo se expõe:

HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. (...). 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional, o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque - disse o relator - "a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição". Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. Ordem concedida.” (STF, HC 84078/MG, Relator: Min. EROS GRAU, Data de Julgamento: 05/02/2009, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010)

Desta feita, tem-se que o Estado deve ser o guardião da integridade física e moral do preso, eis que o Executando, assim como outros cidadãos, é detentor de direitos e garantias previstos em diplomas legais, não perdendo sua condição de ser humano.

 

VII. A PROBLEMÁTICA DA (SUPER)LOTAÇÃO: A CONFORMAÇÃO DE UM PERIGOSO CÍRCULO VICIOSO.

 

A Superlotação Carcerária mostra-se como o mais relevante (e crônico) problema que aflige o sistema penal/prisional brasileiro, representando impeditivo à plena execução da pena e, com efeito, ao processo de ressocialização do indivíduo encarcerado.

Hoje o Brasil é o quarto país do mundo em número absoluto de presos e, embora alguns esforços tenham sido efetivados para minimizar o impasse, a disparidade entre a capacidade instalada e o número atual de presos tem crescido e só tende a aumentar exponencialmente.

Para termos uma ideia quantitativa, em meados de 2003, autoridades brasileira estimaram que eram necessárias 50.934 novas vagas para acomodar a população carcerária existente. Entre 2005 e 2012, a população carcerária no país cresceu mais de 64%, passando de cerca de 334 mil presos para 550 mil.[1] Com isso, a proporção de 181 presos para cada 100 mil habitantes cresceu para 279 presos. Se o ritmo de crescimento continuar como está hoje, em 2022 teremos mais de um milhão de presos.[2]

Essa realidade torna explícito o decaimento do sistema carcerário, eis que, legal e teoricamente, o condenado deveria ser alojado em cela individual, em atendimento ao art. 88 da Lei de Execuções Penais:

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

Como é de conhecimento público, prisões superlotadas são extremamente perigosas para o sistema penal. Aumenta-se as tensões e violência entre os reclusos e as tentativas de fuga e ataques aos policiais que fiscalizam o estabelecimento penal. Não é novidade que a grande maioria das rebeliões, greves de fome e outras modalidades de protestos nos Presídios estejam diretamente vinculados à problemática da superlotação.

Segundo Miotto, que a aglomeração em ambiente limitado leva facilmente a inquietação, agressividade, com reações de violência. Quanto maior o número de pessoas num ambiente determinado, maior portanto é a probabilidade de inquietação, agressividade e violência. A probabilidade de violência aumenta de forma incalculável em função da interação dinâmica entre as pessoas (MIOTTO, 1992).

O estabelecimento penal superlotado geralmente não possui espaço para trabalho, escola, reuniões de grupo, etc. As acomodações para dormir vão ficando escassas, numa cela onde deveriam dormir dois, dormem quatro, seis. Alguns, por falta de beliches dormem no chão. A proximidade leva à promiscuidade. Na cela superlotada, alojado com indivíduos que não conhece e obrigado, muitas vezes, a conviver com desafetos, a violência é constante e a violência sexual é a mais frequente nesse meio, inclusive, em tempos de HIV essa violência se constitui em condenação à morte. Dessa forma, o dia a dia é uma luta constante pela sobrevivência. (POZZEBON, 2007).

 

Para Dias (2013), o advento da Lei de Crime hediondo e a equiparação do tráfico de drogas e do homicídio como tal pode ser visto como uma das causas ao aumento da população carcerária. Segundo a autora,

embora não haja qualquer apontamento sistemático acerca das causas desse aumento do encarceramento no Brasil no período (na década de 90), a promulgação da Lei de Crimes hediondos, em junho de 1990, pode ter sido um importante elemento de propulsão ou agravamento do processo, pois essa lei acabou por inserir os indivíduos no regime fechado da pena de prisão por um tempo muito maior na medida em que impede a progressão de regime – para semiaberto e aberto – e, e para aqueles que não são reincidentes nessa modalidade de crime, restringe a liberdade condicional após o cumprimento de 2/3 da pena (ao invés de 1/3, conforme disposto no Código Penal). Além dos elementos restritivos à saída do regime fechado, a inclusão do tráfico de drogas e do homicídio dentre os delitos enquadrados na categoria de hediondos é outro fator que pode ter gerado forte impacto no incremento da população carcerária (DIAS, 2013, p. 135).

 

Para além da ineficácia e inadequação legislativa, a ausência de investimentos na construção, ampliação e melhoria do sistema prisional e a inexistência de um eficiente planejamento acaba por permitir um amontoado de presos que, antes de cumprir pena, sobrevivem em espaços absolutamente indignos.

O que se vê é que a expansão sem precedentes do sistema carcerário nacional não foi acompanhada do investimento na infraestrutura dos estabelecimentos e muito menos nos números e na qualificação de seus funcionários. De igual modo, as melhorais em termos de trabalho, educação, assistência social e atendimento à saúde dos presos não recebeu ( e não recebe) investimentos proporcionais à expansão do número de presos.

A notória e histórica desigualdade social, a limitação de direitos e de acesso à justiça para boa parcela da população e a ação seletiva dos órgãos policiais – que se volta eminentemente para classes mais pobres – também contribuem para fomentar um círculo vicioso que tornam mais nítidos os contrastes sociais, econômicos, políticos e de acesso à justiça entre menos favorecidos e os mais abonados.

Com efeito, os já gravíssimos problemas na área tendem a se agravar ainda mais pela ausência de investimentos na expansão física do sistema e em eventuais atividades de lazer e de educação para o preso, o que o somente o leva a não ter qualquer perspectiva de melhoria fora do estabelecimento.

Em termos de Brasil, sabemos que a população carcerária é 30% a mais do que as unidades suportam e atualmente faltam cerca de 200 mil vagas nas penitenciárias em todo o território brasileiro.

Observa a advogada POZZEBON[3] que a Lei de Execução Penal (LEP) introduz a individualização da pena, onde se realiza uma avaliação psicossocial e são propostos os programas de tratamento adequados para aquele indivíduo. No entanto, as dificuldades de nosso sistema penitenciário inibe a execução de tais propostas. O que se encontra na realidade é a execução da pena privativa de liberdade reduzida a mero cumprimento de tempo, ausência de programas efetivos de ressocialização, vagas para o trabalho e a educação insuficientes, superpopulação carcerária, atendimento à saúde física e psicossocial deficientes (POZZEBON, ops. cit.).

Em verdade, como alternativa para mitigar (senão, solucionar) o impasse da superlotação, antes de tudo, prudente seria o aumento de investimento públicos na reforma e ampliação e na infraestrutura do sistema penitenciário brasileiro (agentes prisionais, detectores de metais, scanner humano e bloqueadores de sinal celular, etc).

Mas as melhorias não podem ser restringir apenas ao sistema prisional, sendo conveniente conferir maior celeridade aos processos criminais.

A razoável duração do processo consubstancia garantia fundamental de todo cidadão, quer ele se encontre preso, quer não. Eis a literalidade do art. 5.º, inciso LXXVIII da Constituição Federal:

Art. 5.º - omissis

LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Não obstante a CF/1988 preveja a aplicabilidade imediata da garantia da razoável duração do processo, inexiste no ordenamento jurídico pátrio um prazo certo e definido para o término de um processo criminal.

Em que pese o excesso de prazo ser causa que legitimidade a impetração de habeas corpus, o art. 648, inc II, do CPP se limita a declarar que a coação da prisão cautelar se considerará ilegal “quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei”.

Consoante arremata o doutor Aury Lopes Junior[4], o tempo de duração de um processo penal

“é uma questão em aberto, principalmente porque o Brasil adotou a teoria do não prazo. Ou seja, existem muitos prazos no Código de Processo Penal, mas completamente despidos de sanção processual, o que equivale a não ter prazo algum...” (LOPES JR, 2014)

A par do vazio legislativo e da indefinição do que seria “excesso de prazo” num processo, Doutrina e Jurisprudência criaram critérios para atestá-lo e reconhece-lo diante de um caso concreto. Normalmente, Juízes verificam em cada processo questões como:

i) motivo da demora;

ii) pluralidade de Acusados;

iii) necessidade de expedição de cartas precatórias para oitivas de testemunhas fora da Comarca;

iv) Quem foi o causador exclusivo do atrasado processual[5];

v) complexidade da causa e número de crimes imputados.

Registre-se, ainda, que os Areópagos tem aplicado o princípio da razoabilidade que, quando observado na esfera do direito penal, auxilia na constatação do prazo para o encerramento dos processos judiciais. Reconhecendo desarrazoado excesso prazal, o Tribunal de Justiça Paranaense decidiu:

AÇÃO DE HABEAS CORPUS - ESTUPRO - EXCESSO DE PRAZO - CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO - ORDEM CONCEDIDA. O desarrazoado excesso de prazo para a conclusão da instrução criminal impõe o reconhecimento de constrangimento ilegal, com a consequente restituição da liberdade do agente. Ordem concedida.” (TJ/PR, HC 7444968/PR, Relator Jorge Wagih Massad, Data de Julgamento 07/04/2011, 5ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 620).

 

No mesmo sentido, a Jurisprudência do Tribunal da Cidadania (STJ), como abaixo explicitam os arestos:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGASE ASSOCIAÇÃO PARATAL FIM. EXCESSO DE PRAZO.CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEMCONCEDIDA.

I. Na hipótese, impõe-se o reconhecimento da ilegalidade na manutenção da custódia cautelar, em decorrência do excesso de prazo na instrução criminal, uma vez que os autos demonstram estar o impetrante/paciente segregado desde o final do ano de 2009, sem que o juízo singular sequer tenha ultrapassado a fase da resposta preliminar.

II. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.” (STJ, HC 186807/BA 2010/0182687-5, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 27/09/2011, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/10/2011)

 

Não estando dentro dos limites da razoabilidade, e não tendo a defesa concorrido para tanto de forma significativa, o excesso de prazo deve ser entendido como constrangimento ilegal, razão por que se torna inaplicável, na hipótese, a Súmula 52 do STJ, impondo-se a imediata soltura do réu para se ver processado em liberdade. Ordem de habeas corpus concedida para determinar a imediata soltura do paciente, se por outro motivo não estiver custodiado, em virtude do excesso de prazo não-razoável da sua custódia provisória. (STJ, HC 63308/RJ, 5ª Turma, Ministro Rel. Arnaldo Esteves Lima, j. 12/12/2006)

 

O constrangimento ilegal por excesso de prazo deve ser reconhecido quando a demora é injustificada, hipótese verificada in casu. Inaplicabilidade da Súmula 52/STJ. Precedente do STF. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. (STJ, HC 56033/RJ, 5ª Turma, Ministro Rel. Gilson Dipp, j. 06/06/2007).

Em acertada decisão em sede liminar, o Tribunal de Justiça do Tocantins concedeu ordem de soltura a um cidadão que aguardava fim da instrução processual há mais de quatro meses, senão vejamos:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELEONATO. FURTOSIMPLES. CUSTÓDIA CAUTELAR. EXCESSO DE PRAZO. OCORRÊNCIA.CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA PARCIALMENTE.

1. Decorridos quase 04 meses sem que se tenha concluído a instrução processual, fica caracterizado o constrangimento ilegal, pelo excesso de prazo, na manutenção da prisão preventiva do paciente, máxime se o réu/paciente não contribuiu para seu retardamento, como in casu.

2. O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida de exceção, só admitido emergindo dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, circunstâncias essas, no caso, não evidenciadas de plano. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.” (TJ/TO, HC 5008746-22.2012.827.0000,Impetrado Juiz de Direito da Vara Criminal da Comarca de Goiatins/TO, Relator Desembargador Daniel Negry, j. 17/01/2013)-negritos nossos

Em caso emblemático, em que uma medida cautelar bloqueou durante 13 anos valores das contas bancárias de uma pessoa, o Tribunal Regional Federal entendeu que o postulado constitucional da razoabilidade do processo impede que o Acusado fique sob esta condição indefinidamente, aguardando que o feito tenha marcha processual normal:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. BLOQUEIO DE CONTAS DETERMINADO HÁ 13 ANOS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE DO PROCESSO. ART. 5º, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. Bloqueio dos valores depositados, a qualquer título, nas contas bancárias de que é titular o paciente, determinado, em 1998. 2. Denúncia ofertada três anos depois, em 2001, sendo recebida neste mesmo ano. TREZE anos, o paciente tem os valores das suas contas bancárias bloqueadas! O processo ainda está fase das alegações finais. Não se sabe sequer qual o possível prejuízo causado pelo paciente. 3. O inciso LXXVIII do art. 5º, da Constituição Federal ("a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação"), princípio constitucional da razoabilidade do processo, impede que o acusado fique sob esta condição indefinidamente, aguardando que o feito tenha marcha processual normal. 4. O transcurso do tempo causado pela exagerada duração do processo contribui para disseminar um sentimento de injustiça e de incerteza na sociedade e gera para o acusado um grande transtorno, constituindo-se, por si só, punição. 5. O direito fundamental à razoável duração do processo é um direito constitucional e próprio do Estado Democrático de Direito. (TRF 1.ª Região, 3.ª Tuma, HC 0069549-49.2011.4.01.0000, Rel. Tourinho Neto, j. 13/12/2011, public. 19/12/2011).

Como há de se notar, embora não tenha o direito interno fixado um prazo certo para a verificação do excesso de prazo, o fato de o legislador constitucional haver alçado a celeridade processual a garantia individual (EC 45/2004), por si só, constitui motivo a proibir o cidadão que não ocasionou o retardo processual a suportar o ônus da ineficiência estatal na aplicação da Justiça.[6] É que, para LOPES JUNIOR

O direito juridiciza o tempo e, por outro lado, o tempo, temporaliza o Direito. É uma íntima relação e interação em que o tempo é elemento constitutivo do nascimento, desenvolvimento e conclusão do processo, mas também influi na gravidade com que serão aplicadas as penas processuais, potencializadas pela (de)mora jurisdicional injustificada” (LOPES JR, ops. cit.).

A morosidade na marcha processual judicial, aliada à variedade de prazos e recurso concedidos pela legislação, pode favorecer a delonga e, por isso, tornar impossibilitado o ius puniendi do Estado.

Assim, lembrando que o processo representa certa limitação dos ius libertatis do indivíduo, se sua duração supera o limite do razoávelo processo em si mesmo se transforma numa pena.

Outra opção para combater a problemática da superlotação carcerária seria desconstituir a cultura judicial da prisionização durante a fase do processo criminal.

O confinamento provisório de cidadãos que ainda não foram condenados é um fator preocupante porque em muito contribui à superlotação carcerária. Destarte, hoje no Brasil a grande maioria das pessoas encontram-se aprisionadas provisoriamente, aguardando trâmite processual e prolação de sentença.

A fim de explicitar a disparidade entre a quantidade de presos provisórios e condenados no Brasil e, e, simultaneamente, trazer a lume a realidade penitenciária no país, tabulamos, abaixo, informações de dados prisionais em 10 (dez) Entes da Federação, obtidas a partir de Pesquisa que vem sendo realizada pelo Conselho Nacional de Justiça no âmbito dos Tribunais de Justiça Nacionais[7]:

1 - AMAZONAS

Quantidade de Vagas

Quantidade de presos

Déficit de Vagas

Percentual Défict[8]

Quantidade presos no fechado

Quantidade presos provisórios

Percentual presos provisórios[9]

3641

5243

1602

43,99%

444

3314

63,20%

2 - TOCANTINS

Quantidade de Vagas

Quantidade de presos

Déficit de Vagas

Percentual Déficit

Quantidade presos no fechado

Quantidade presos provisórios

Percentual presos provisórios

1914

2636

722

37,72%

1373

1077

38,78%

3 - PIAUÍ

Quantidade de Vagas

Quantidade de presos

Déficit de Vagas

Percentual Déficit

Quantidade presos no fechado

Quantidade presos provisórios

Percentual presos provisórios

2115

3504

1389

65,67%

961

2225

63,49%

4 - MARANHÃO

Quantidade de Vagas

Quantidade de presos

Déficit de Vagas

Percentual Déficit

Quantidade presos no fechado

Quantidade presos provisórios

Percentual presos provisórios

5830

6860

1030

17,66%

1555

4001

59,03%

5 - BAHIA

Quantidade de Vagas

Quantidade de presos

Déficit de Vagas

Percentual Déficit

Quantidade presos no fechado

Quantidade presos provisórios

Percentual presos provisórios

11.824

14.640

2816

23,81%

3241

9338

65,92%

6 - CEARÁ

Quantidade de Vagas

Quantidade de presos

Déficit de Vagas

Percentual Déficit

Quantidade presos no fechado

Quantidade presos provisórios

Percentual presos provisórios

10.962

17.072

6110

55,73%

4829

10.771

59,27%

7 – ALAGOAS

Quantidade de Vagas

Quantidade de presos

Déficit de Vagas

Percentual Déficit

Quantidade presos no fechado

Quantidade presos provisórios

Percentual presos provisórios

1779

2796

1017

57,16%

999

1630

62%

8 – PARAÍBA

Quantidade de Vagas

Quantidade de presos

Déficit de Vagas

Percentual Déficit

Quantidade presos no fechado

Quantidade presos provisórios

Percentual presos provisórios

5960

9667

3707

62,19%

5679

3649

61,22%

9 – RIO DE JANEIRO

Quantidade de Vagas

Quantidade de presos

Déficit de Vagas

Percentual Déficit

Quantidade presos no fechado

Quantidade presos provisórios

Percentual presos provisórios

28.946

43.608

14.662

50,65%

14.740

15.889

40,51%

10 - MATO GROSSO

Quantidade de Vagas

Quantidade de presos

Déficit de Vagas

Percentual Déficit

Quantidade presos no fechado

Quantidade presos provisórios

Percentual presos provisórios

6661

10.263

3602

54,07%

4439

5602

54,58%

 

Como há de se perceber da tabela acima, na grande maioria dos Estados pesquisados, o número de presos provisórios supera em mais de 50% o total de presos do sistema, o que significa dizer que, em média, no Brasil, há mais presos provisórios que aqueles que já foram condenados e atualmente executam sua condenação.

Mas não é só!

O que mais preocupa é que, em quase todos os Estabelecimentos Prisionais, o número de vagas que precisariam ser criadas (déficit de vagas), perpassa em mais de 228 mil vagas imediatas no Brasil.

Com acatamento, mas um verdadeiro absurdo!

O quadro abaixo melhor evidencia o quadro caótico em que atualmente se encontra o sistema penitenciário brasileiro:

QUADRO NACIONAL (Quantidade)

Estabelecimentos

Vagas

Presos

Déficit de Vagas

2.775

378.863

606.908

228.045

(Fonte: Relatório Mensal do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais)

 

Tal conjuntura, inevitável visualizar, implica na constatação de que há, hoje no Brasil, um excesso de decreto judiciais de cárceres cautelares, o que configura um verdadeiro absurdo. Sim, pois sob a égide de uma Nação que, expressamente, adotou em sua Carta Maior o princípio da não-culpabilidade (ou da inocência)[10], não se pode admitir que maior parte de nossos apenados permaneçam segregados sem ainda terem sido (e nem se sabe se, de fato, serão) condenados.

Oportuno citar que, ainda nos idos de 1764, Cesare Beccaria já advertia que “um homem não pode ser chamado réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada.” (BECCARIA, 1997, p.69).

Esse direito de não ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, para além de ser comentado por Beccaria, mais tarde logrou ser acolhido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), na Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos[11] e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rita)[12], conforme dispositivos doravante listados:

Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão)

Art. 11.

1.Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa (Declaração Universal de Direitos Humanos)

Art. 6.º

(...)

2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.(Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais)

Art. 14.

(...)

2.Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.(Pacto Internacional de Direitos Civis[13] e Políticos)

Art. 8.º

(...)

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. (Pacto de San José da Costa Rita)

Da literalidade dos dispositivos apontados, inegável ilustrar que, dentre os diversos significados do postulado da presunção de inocência previsto nos mencionados Tratados Internacionais, destaca-se aquele segundo o qual o princípio objetiva proteger o acusado de prisões cautelares durante o processo, eis que, sendo presumido inocente, não deve (ria) sofrer medidas restritivas de direito no decorrer deste.

A lógica da presunção de não-culpabilidade é a de que ninguém é tido por culpado enquanto ainda houver recursos disponíveis, e se ninguém por ser culpado antes disso, prudente que também não pudesse permanecer preso por longo prazo até que fossem esgotados todos os recursos, respondendo sempre em liberdade durante o trâmite processual, máxime porque, poucos sabem, mas a presunção de inocência é a única admitida pelo texto constitucional, não havendo nenhuma outra.

A Jurisprudência do STJ e do STF, em diversas ocasiões ecom base na presunção de inocência, tem permitido que Réus respondam a processos em liberdade até esgotarem todas as possibilidades de recursos:

HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. CONDENAÇÃO. REGIME INICIAL SEMIABERTO. PROIBIÇÃO DE APELAR EM LIBERDADE. ALEGADA NECESSIDADE DE SE PRESERVAR A ORDEM PÚBLICA E A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. CUMPRIMENTO DA QUASE TOTALIDADE DA REPRIMENDA EM STATUS MAIS GRAVOSO. CONSTRANGIMENTO EVIDENTE.

1. Tendo sido fixado o regime semiaberto para o início do resgate da reprimenda imposta ao paciente, deve-lhe ser facultado, em princípio, o direito de apelar em liberdade, se por outro motivo não estiver preso.

2. Ainda que tenham sido expendidos argumentos que, em tese, justificariam sua manutenção no cárcere provisório, como forma de se acautelar a ordem pública e garantir a aplicação da lei penal, mostra-se injustificada a subsistência da constrição cautelar do paciente por 1 (um) ano e 6 (seis) meses, tendo em vista sua condenação a 2 (dois) anos de reclusão, em regime semiaberto, o que levaria ao cumprimento de 3/4 (três quartos) da pena em regime mais gravoso do que o determinado na sentença.

3. Ordem concedida para que o paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da condenação, se por outro motivo não estiver preso." (HC 135.365/RJ, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 01/02/2010).

"Sentença penal condenatória (prolação). Prisão (provisória). Fundamentação (necessidade). Regime semiaberto (aplicação). Apelação em liberdade (possibilidade).(...)

4. São incompatíveis na sentença condenatória o estabelecimento do regime inicial semiaberto e a negativa ao réu de apelar em liberdade.(...)

6. Ordem concedida a fim de se permitir ao paciente aguardar em liberdade o julgamento da apelação." (STJ, HC 119.880/MG, 6ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves, DJe 19/10/2009)

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO TENTADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. PLEITO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO FUNDAMENTADO APENAS NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA. INEXISTÊNCIA DE NOVOS FUNDAMENTOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.

1. A prisão cautelar, para ser mantida ou decretada, deve atender aos requisitos autorizativos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, os quais deverão ser demonstrados com o cotejo de elementos reais e concretos que indiquem a necessidade da segregação provisória. Precedentes.

2. A superveniência de sentença condenatória, impondo ao Paciente a pena mínima de 3 anos e 8 meses, sem acrescer qualquer fundamento quanto à manutenção do cárcere, reforça a motivação para a concessão do writ, por ter se limitado a manter a prisão do réu, sem acrescer qualquer fundamentação nova.

3. Ordem concedida para assegurar ao Paciente o benefício da liberdade provisória mediante condições a serem estabelecidas pelo Juízo da origem, determinando, por consequência, a expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso. (HC 109977/ SP, Relatora a Ministra LAURITA VAZ, DJe 1/12/2008)

HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO IDÔNEA DA NECESSIDADE CONCRETA DA CUSTÓDIA PREVENTIVA. ORDEM CONCEDIDA.

1. Para o indeferimento do pedido de liberdade provisória ao paciente, que é acusado da prática de crime de roubo circunstanciado, é imprescindível a demonstração concreta da necessidade da custódia preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.

2. No caso, o Juízo de primeira instância indeferiu o pedido, mantendo a prisão cautelar para garantia da ordem pública, com fundamento na gravidade abstrata do crime, temor social e credibilidade da Justiça. 

3. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva do paciente até o recurso de apelação eventualmente interposto, sem prejuízo de ser novamente decretada sua prisão cautelar com a demonstração concreta de sua necessidade. (HC 101190/MG, Relator Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe 23/6/2008)

 

HABEAS CORPUS - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NA DOSIMETRIA PENAL - RECONHECIMENTO, PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL, DE QUE A EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS POLICIAIS EM CURSO, DE AÇÕES PENAIS EM ANDAMENTO E DE ABSOLVIÇÕES LEGITIMA A FORMULAÇÃO, CONTRA O SENTENCIADO, DE JUÍZO NEGATIVO DE MAUS ANTECEDENTES – CONSEQÜENTE EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE - INADMISSIBILIDADE – OFENSA AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII) – CONSEQÜENTE REDUÇÃO DA PENA AO SEU MÍNIMO LEGAL – RESTABELECIMENTO, QUANTO A ESSE FUNDAMENTO, DA CORRETÍSSIMA SENTENÇA PROFERIDA PELA MAGISTRADA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA – PEDIDO DEFERIDO. - A mera sujeição de alguém a simples investigações policiais (arquivadas ou não) ou a persecuções criminais ainda em curso não basta, só por si - ante a inexistência, em tais situações, de condenação penal transitada em julgado -, para justificar o reconhecimento de que o réu não possui bons antecedentes. Somente a condenação penal transitada em julgado pode justificar a exacerbação da pena, pois, com o trânsito em julgado, descaracteriza-se a presunção “juris tantum” de inocência do réu, que passa, então, a ostentar o “status” jurídico-penal de condenado, com todas as consequências legais daí decorrentes. Precedentes. Doutrina. - A presunção constitucional de inocência no vigente ordenamento positivo brasileiro. A evolução histórica desse direito fundamental titularizado por qualquer pessoa, independentemente da natureza do crime pelo qual venha a ser condenada. O “status quaestionis” no direito internacional: proteção no âmbito regional e no plano global. Presunção de inocência: direito fundamental do indivíduo e limitação ao poder do Estado (ADPF 144/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno, v.g.). Doutrina. Precedentes (STF). (STF,HC 97665/RS, 2.ª Turma, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, j. 04/05/2010)

Não se pode descurar, noutra visão, que grande parte dessas pessoas serão absolvidas dos crimes pelas quais são acusadas, e como então serão recompensadas pelo tempo perdido no confinamento injustamente?!?!

Inexiste resposta, eis que, por óbvio, não há possibilidade de se devolver a liberdade perdida!

Imprescindível, pois, que cada caso concreto seja analisado individualmente, a fim de evitar uma prisão cautelar demorada e, a um só tempo, verificar-se, a possibilidade do cidadão responder em liberdade. Como defende MORAIS[14],

“Cada crime é um crime diferente”. E por certo, todos aqueles que participaram do ilícito penal deverão ser tratados especial e individualmente, considerando a importância da maior decisão dada ao caso concreto, ou seja, a própria sentença, sendo ela condenatória ou absolutória. Tudo isso deveria ser "relativizado" para se dar mais eficiência ao processo. (MORAIS, 2010).

No mesmo sentido, profetiza GULLAR, que

Há processos que duram 20 ou 30 anos, até que se obtenha a tutela jurisdicional do Estado, ressaltando também, que aquele que não gozar de boa saúde, provavelmente, morrerá inocente (GULLAR, 2009, p. 3).

Não bastasse o fato de ser acusado injustamente, suportar um processo penal por anos e anos ocasiona graves consequências à vida de um cidadão. Como evidencia o advogado Rodrigo Mendes DELGADO[15]:

O simples fato de um acusado entrar pelas portas da delegacia para depor, não autoriza, quem quer que seja a desferir qualquer julgamento contra aquela pessoa, posto que não há a certeza de nada, vez que o conjunto probatório mal está formado, ou melhor, nem mesmo foi iniciado, e, mesmo que se saiba que determinada pessoa é culpada pelo cometimento de um determinado ilícito, quem o homem, o mero mortal, pensa que é para julgar seu próximo. Não nos esqueçamos de algo inegável: uma variabilidade de fatores sociológicos muito amplos levam as pessoas a tomarem atitudes ou a praticarem atos nem sempre desejados, mas que são levadas a fazer o que fizeram porque nunca aprenderam a fazer de outro modo, porque a sociedade nunca lhes deu um chance. Quando uma determinada conduta passa a existir no mundo fenomenológico, a mesma deve ser analisada com muita parcimônia e racionalidade.

Procedimentos equivocados podem criar novos problemas. O que se nota é que as pessoas, mesmo que absolvidas, não estão isentas de uma pena. Pasmem: mesmo sendo inocente, o indivíduo não se escusa de uma pena, muito mais severa, muito mais infamante do que as penas legalmente estabelecidas, a pena do descaso, da humilhação, da vergonha e do escárnio público, imposta por uma sociedade que não perdoa e que nunca esquece. Diligências mal conduzidas podem marcar indelevelmente a vida de uma pessoa. (DELGADO, 2005).

E a prisão deveria ser medida a ser usada somente diante de casos extremamente necessários, em que haja risco concreto de fuga do Acusado, ameaça a testemunhas ou destruição de provas periciais, por exemplo.

Mas isso se dá, segundo pensamos, porque grande parte dos Operadores do Direito Pátrio (sobretudo Promotores e Juízes, concessa venia) enxergam o fenômeno da prisão cautelar como regra, em verdadeira inversão à ordem jurídica processual hodierna, que vê a prisão como exceção e como a última ratio no bojo de uma processo.

Em plena harmonia ao que argumentamos, a novel Lei das Cautelares, que alterou parte do CPP, juntamente com outros dispositivos legais e princípios constitucionais que regulamentam as condições e/ou situações em que se pode adotar a prisão preventiva. De acordo com a Lei n.º 12.403/2011, hoje a prisão cautelar é tida como medida excepcional.

Em síntese, com a inovação legislativa, a prisão preventiva hoje somente deve ser decreta quando absolutamente necessária, ou seja, em caso de extrema necessidade, sempre que estiverem de fato presentes os requisitos autorizadores previstos nos artigos 312 e 313 do Código Processual Penal, e as demais medidas cautelares diversas da prisão se mostrarem insuficientes ou inadequadas, conforme determina o art. 282 do mesmo diploma, a saber:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 1.º As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 2.º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 3.º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 4.º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único). (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 5.º O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 6.º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).

Ensina o Professor Luiz Flávio Gomes que: “a prisão preventiva não é apenas a ultima ratio. Ela é a extrema ratio da ultima ratio. A regra é a liberdade; a exceção são as cautelares restritivas da liberdade (art. 319, CPP); dentre elas, vem por último, a prisão, por expressa previsão legal” (GOMES, 2011, p. 18).

Revelando pertinência com legislação e com a ótica doutrinária, o STJ vem decidindo que a prisão cautelar só pode ser decretada diante de situação extremamente necessária:

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO TENTADO E RECEPTAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME. FALTA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. In casu, prisão provisória que não se justifica ante a fundamentação inidônea. 2. Ordem concedida a fim de que o paciente possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da ação penal, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que o Juízo a quo, de maneira fundamentada, examine se é caso de aplicar uma das medidas cautelares implementadas pela Lei n.º 12.403/11, ressalvada, inclusive, a possibilidade de decretação de nova prisão, caso demonstrada sua necessidade.” (STJ, HC nº 236.158-SP. Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Julgado em 03/05/2012)

O Tribunal de Justiça do Tocantins, por sua vez, também se posiciona pela excepcionalidade da prisão cautelar preventiva, como evidencia as ementas abaixo:

HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E APLICAÇÃO DA LEI PENAL. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. FUNDAMENTAÇÃO SEM DADOS CONCRETOS. - Só gravidade do delito não constitui motivo idôneo a sustentar um decreto de prisão cautelar, que só se sustenta havendo outros elementos concretos nos autos que a justifiquem e além dos previstos nos artigos 312 e 313 do CPP. (TJ/TO, HABEAS CORPUS nº 5009354-20.2012.827.0000, RELATOR: Desembargador DANIEL NEGRY, j. 23/04/2013)

HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO – PRISÃO PREVENTIVA – GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E APLICAÇÃO DA LEI PENAL – AUSÊNCIA DOS REQUISITOS – FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA – CONCESSÃO DA ORDEM. 1 - Argumentos sobre a gravidade do delito e hipotética fuga do distrito da culpa, sem dados concretos retirados dos autos a sustentá-los não são motivos idôneos a amparar o decreto cautelar. 2 - Ordem de habeas corpus concedida. (TJ/TO, HC nº 5000703-62.2013.827.0000. Relator Des. Eurípedes Lamounier. Acórdão de 05/03/2013)

 

Além dos problemas apontados, a total ausência de compromisso do Estado tem sido entrave para a mitigação da superlotação carcerária, principalmente no concernente ao oferecimento de infraestrutura necessária e na construção de estabelecimentos para cumprimento de pena nos regimes semiaberto e aberto.

Normalmente, um apenado inicia o cumprimento de sua condenação em regime fechado e, segundo a legislação, deveria progredir para regime mais brando após cumprimento de certo período. Ocorre que não tem sido aplicadas as exigências expressas pela LEP (que prevê progressão após 1/6 da pena) e pela Lei de crimes hediondos (que prevê progressão após 2/5 ou 3/5 da pena), de forma que grande parte de nossos presos acabam cumprindo sua condenação integralmente no regime fechado, o que configura grave desvio de execução.

E em regime fechado, presos são mantidos em terríveis condições de vida, muitos deles dormindo amarrados nas grades de celas, pendurados em redes e amontados no chão, fatores que servem apenas para contribuir para um clima de revolta e rebeliões, como aconteceu no Estado do Maranhão recentemente.[16]

Sobre este ponto, a fim de iniciar um trabalho para diminuir a superlotação, o Conselho Nacional de Justiça tem lançado as Metas do Judiciário, o que já deveria ter sido implantado há muito no Direito brasileiro.

Algumas inovações legislativas, embora ainda pontuais, tem surgido na tentativa de combater esse entrave. Para exemplificarmos uma das alterações mais recentes, no dia 3 de dezembro de 2012, publicou-se a Lei 12.736/12, que, acrescendo o art. 387, §2.º do CPP, dispõe sobre a detração penal a ser realizada pelo Juiz de mediato, no instante em que é prolatada a sentença condenatória.

Não nos esqueçamos que o entendimento Sumular 716 do STF já admitia a “progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado na sentença condenatória”, entretanto, a detração (desconto dos dias de prisão provisória) acabavam por ocorrer meses após o indivíduo ser condenado.

Outrora, o apenado via-se obrigado a aguardar em regime mais gravoso, decisão do Juiz da Execução Penal acerca do regime prisional e da detração do tempo de prisão cautelar eventualmente cumprida, ocorrendo de, não poucas vezes, amargar quase a totalidade da pena em regime mais severo que aquele para o qual foi condenado.Com o advento da novel legislação, os Juízes de conhecimento passaram a dotar de Competência para realizar a detração e a progressão de regime no instante em que condena o segregado, mesmo antes do trânsito em julgado, o que antes somente era efetivado pelo juízo da execução.

Ainda que tímida, a inovação legislativa representa um avanço processual, sobretudo em comparação aos arts. 42[17] e 111[18] da Lei de Execução Penal, que previam o instituto aos presos provisórios, mas com aplicabilidade apenas durante a execução da pena. Agora, com o acrescido do § 2º ao art. 387 do Código de Processo Penal, “o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”.

A par de algumas iniciativas no enfrentamento da problemática da superlotação, sempre que o Estado não cumprir o papel que lhe é determinado pelo Direito[19], inevitável será a “judicialização da solução”, quer seja com remoções de reclusos para local adequado, quer sejam interditando Presídios inadequados.

Plenamente possível a interferência do Poder Judiciário na seara administrativa, uma vez que, dentre as tarefas jurisdicionais está – em alto grau de importância – a de zelar pelo cumprimento da Constituição da República, especialmente no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais. Essa é a orientação do Pretório Excelso:

DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. - O Poder Público - quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de implementar políticas públicas definidas no próprio texto constitucional - transgride, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional. Precedentes: ADI 1.484/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.. - A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos. - A intervenção do Poder Judiciário, em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente na área da educação infantil (RTJ 199/1219-1220), objetiva neutralizar os efeitos lesivos e perversos, que, provocados pela omissão estatal, nada mais traduzem senão inaceitável insulto a direitos básicos que a própria Constituição da República assegura à generalidade das pessoas. Precedentes.” (STF, ARE 639337 AgR, Relator Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/08/2011, DJe-177).

No ponto, ressalte-se que a Lei de Execução Penal exige que o Estabelecimento Penal funcione em condições adequadas, sob pena de interdição parcial ou total pelo Juiz, ipsis litteris:

Art. 66. Compete ao Juiz da execução:

(...)

VIII - interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei.”

Na mesma linha, o art. 185 da LEP, ao vedar qualquer ato além dos limites fixados na condenação[20], ratifica a observância dos princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa, da humanidade e da vedação ao cumprimento de penas cruéis:

Art. 185. Haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares.

Justamente pelo fato de a superlotação representar funcionamento inadequado do estabelecimento prisional, poucas não tem sido as de decisões judiciais no sentido de determinar a transferência ou a soltura de apenados para tutelar a individualização da pena e a dignidade humana (art. 185 LEP) ou, ainda, tomar a medida drástica de interditar o estabelecimento (art. 66, VIII da LEP).

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu pela responsabilização do Estado diante de sua negligência na questão da superlotação carcerária, verbis:

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA. INTERESSE DE AGIR. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ACÓRDÃO DECIDIDO COM BASE EM NORMAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. SÚMULAS 7/STJ E 283/STF. RECURSO NÃO-CONHECIDO.

O Tribunal de Justiça estadual não decidiu a controvérsia relativa à responsabilidade civil do Estado, em virtude da superlotação do Estabelecimento Penal Masculino de Corumbá/MS, com base na análise da existência de interesse de agir (art. 267, VI, do CPC), tampouco à luz do art. 186 do Código Civil, mas com supedâneo na interpretação de normas e princípios de índole eminentemente constitucional, assegurando os direitos da personalidade, como os direitos à vida, à saúde e à integridade física e moral dos presos e o respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e da legalidade (arts. 1º, III, e 5º, caput, II, III, V, X, XLIV e XLIX), bem assim com fundamento nos arts. 2º e 40 da Lei de Execuções Penais - LEP – e 38 do Código Penal. (....). (REsp 963.029/MS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, DJe 17/06/2009)

 

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ACÓRDÃO COM FUNDAMENTOS DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. ARESTO COM APOIO EM MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ. ART. 267, VI, DO CPC. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO AO PLEITO EXORDIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.

1. O Tribunal de origem decidiu que o tratamento desumano ao presidiário, decorrente das péssimas condições física e sanitária do estabelecimento carcerário aliados à superlotação das celas, dá ensejo ao dano moral, porque atenta contra os direitos da personalidade do preso. Ademais, afirmou que se o Estado, de há muito, tem conhecimento dessa situação carcerária e pouco, ou, quase nada, faz para corrigi-la, peca por omissão e não pode ad aeternum invocar o princípio da "reserva do possível" para isentar-se da responsabilidade.

2. Inviável o processamento do apelo ante a verificação cristalina de que a Corte a quo, ao entender pela responsabilidade civil do Estado, erigiu o seu posicionamento com base em questões de índole constitucional (arts. 1º, III, e 5º, caput, II, III, V, X e XLIX, da CF), cujo exame restringe-se à via do recurso extraordinário, sob pena de usurpação da competência do egrégio Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da CF/88.

3. Além disso, o acórdão recorrido apoia-se em matéria de ordem fática, ao consignar, por exemplo: a) "é indubitável que as condições sanitárias dos presídios, no Estado, são péssimas e agravam ainda mais as consequências da superlotação dos presídios, como é o caso do dos autos, que tem capacidade para apenas 130 (cento e trinta) internos e abriga, na realidade, 370 internos, conforme informações de f. 48, da própria Secretaria de Estado de Segurança Pública"; b) "o fornecimento de material de higiene pessoal, obrigação do Estado, devido à falta de recursos não tem sido distribuído aos presos, e, sendo nossa população carcerária em sua maioria de baixo poder aquisitivo, ficam os mesmos sujeitos as práticas de escravização própria dos presídios, tais como promiscuidade, violência sexual e outras, para obtenção destes materiais". Incidência da Súmula 7/STJ.

4. Quanto ao suposto malferimento do art. 267, VI, do CPC, escorreita a fundamentação do aresto hostilizado que bem anotou não haver falar em carência de ação - por impossibilidade jurídica do pedido -, mercê de o pleito exordial não encontrar vedação no ordenamento jurídico pátrio.

5. Recurso especial não-conhecido.(REsp 961.234/MS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/08/2008, DJe 01/09/2008)

No Tocantins, por exemplo, há precedentes no sentido de que o recluso não pode permanecer cumprindo pena em condições inadequadas:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL DECISÃO QUE INDEFERIU PROGRESSÃO DO REGIME SEMIABERTO PARA O REGIME ABERTO EM FUNÇÃO DA INEXISTÊNCIA DE VAGAS EM CASA DE ALBERGADO IMPOSSIBILIDADE AGRAVO PROVIDO. De acordo com precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste próprio colegiado, o reeducando não pode suportar regime de execução de pena mais gravoso em razão do desaparelhamento do estado que não disponibiliza vagas suficientes em estabelecimento que abriga os condenados ao regime semiaberto. Assim, é possível excepcionalmente a concessão da progressão para o regime aberto na hipótese de falta de vagas no estabelecimento próprio para o regime semiaberto. Agravo em execução penal provido. (AGEXPE 0009158-67.2014.827.0000, Rel. Des. HELVÉCIO DE BRITO MAIA NETO, Rel. em substituição Juiz AGENOR ALEXANDRE DA SILVA, 5ª Turma da 1ª Câmara Criminal, Julgado em 21/10/2014)

 

EXECUÇÃO PENAL – AGRAVO – PROGRESSÃO DE REGIME – SEMIABERTO PARA O ABERTO – INEXISTÊNCIA DE LOCAL APROPRIADO – CONCESSÃO PARA O REGIME ABERTO DOMICILIAR - POSSIBILIDADE – SITUAÇÃO EXCEPCIONAL – RECURSO NÃO PROVIDO. A inexistência de estabelecimento apropriado para o cumprimento da pena em regime semiaberto, autoriza, excepcionalmente, que se estabeleça o regime aberto domiciliar. (TJ/TO, AGEXPE 00067259020148270000, Rel. Juiz JOÃO RIGO GUIMARÃES, 2ª Turma da 1ª Câmara Criminal, Julgado em 02/09/2014)

 

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME SEMIABERTO. SUPERLOTAÇÃO DO ESTABELECIMENTO PRÓPRIO. PROGRESSÃO DE OFÍCIO A REGIME ABERTO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. CUMPRIMENTO DE REQUISITOS SUBJETIVOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. Na esteira do entendimento firmado nas Cortes Superiores, bem como nesta Corte, o reeducando que tenha direito ao regime semiaberto não poderá ser privado de cumpri-lo em regime mais brando que o fechado em virtude da ausência de aparelhamento estatal adequado. 2. No caso dos autos, embora já estivesse o apenado em estabelecimento próprio ao regime semiaberto, este se mostra superlotado e sem condições de garantir aos internos o respeito à mínima dignidade humana. Assim, perfeitamente possível a progressão do Agravado ao regime aberto domiciliar, uma vez que preenchido com louvor o requisito subjetivo de bom comportamento carcerário, devidamente atestado pelo juiz a quo. 3. É pacífico tanto na doutrina quanto na jurisprudência que não haverá nulidade sem demonstração de prejuízo. 4. Agravo em execução conhecido e improvido. (TJ/TO, Agravo de Execução Penal nº 0012660-14.2014.827.0000, Comarca de Araguaína/TO., Relator: Juíza Célia Regina Regis, j. 11/12/2.014).

E, aqui, quer-se, desde já, abrir um parêntese para ressaltar o empenho de Magistrados em atenuar os graves problemas verificados no sistema prisional pátrio, sendo de todos conhecido o abandono estatal em relação aos indivíduos que tiveram sua liberdade tolhida, pela imposição de uma sanção penal. Isso porque, antes de consubstanciar burlar à legalidade, a superlotação acaba por infringir as regras mais comezinhas de segurança, tantos dos presos quanto dos servidores que labutam diuturnamente nas Unidades Prisionais.

Não é de hoje que se faz urgente a tomada de medidas voltadas á cura de um sistema que se encontra agonizante, não havendo, em muitas casas prisionais e albergues, a mínima estrutura para abrigar aqueles que para lá foram enviados, a todo momento sendo noticiado, pelos juízes responsáveis, problemas de superlotação e completa ausência de higiene e possibilidade de tratamento adequado dessas pessoas.

Devemos lembrar, então, que “A execução das penas e medidas de segurança”, como aponta o professor Renato Flávio Marcão, “está cercada por um conjunto de garantias que interessam ao indivíduo e à sociedade” (MARCÃO, 2004, p.271).

Conclui, logo adiante: 

“Temos assim que, entre outros, a execução penal submete-se ao princípio da legalidade, de maneira que todos os atos que a envolvem devem obediência aos limites do título executivo judicial decorrente da sentença penal condenatória ou de absolvição imprópria, observadas as disposições normativas que a informam (Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execução Penal, regulamentos etc.).”(op. cit., pág. 271). 

Também por esse motivo, embora a escolha do local de cumprimento de pena não constitua direito subjetivo do apenado, há casos em que Juízes brasileiros, em homenagem à dignidade humana, concederam prisões domiciliares a cidadãos que se encontravam em Presídios superlotados:

AGRAVO EM EXECUÇÃO. PRISÃO DOMICILIAR. INCONFORMIDADE MINISTERIAL. SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA. ENCAMINHAMENTO DO AGRAVADO À ESTABELECIMENTO PENAL ADEQUADO. PRECEDENTES E DOUTRINA AGRAVO EM EXECUÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo Nº 70058084799, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Julgado em 24/04/2014). (TJ/RS, AGV: 70058084799 RS, Relator: Marco Aurélio de Oliveira Canosa, Data de Julgamento: 24/04/2014, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/06/2014)(realces nossos)

 

AGRAVO EM EXECUÇÃO. REGIME ABERTO. SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA. PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. Casa do Albergado. Inadequação dos estabelecimentos prisionais destinados aos apenados em regime aberto. Admissível, em caráter excepcional, a prisão domiciliar, mediante o cumprimento de condições. Precedentes jurisprudenciais. AGRAVO MINISTERIAL DESPROVIDO. (Agravo n.º 70048157689, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jaime Piterman, Julgado em 19/12/2012). (TJ/RS, AGV: 70048157689/RS, Relator: Jaime Piterman, Data de Julgamento: 19/12/2012, Segunda Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 26/02/2013)

Pelo jungido, como alternativa à problemática apresentada, relevante seria oferecer condições materiais mínimas dentro dos Presídios, obrigando-se o Estado, por exemplo, a fornecer gratuitamente não apenas vestimenta, mas, produtos de higienização pessoal aos presos[21].

Como forma de evitar contato dos reclusos com facções criminosas, dever-se-ia verificar a possibilidade de permitir o contato telefônico público no interior dos estabelecimentos penais, sob fiscalização e monitoramento das Autoridades.

Noutra via, importa lembrar que não se pode pensar em ressocialização sem abreviar-se o tempo de prisão do recluso, estimulando-o a estudar e a trabalhar. Assim, poderia se criar mecanismos estruturais e modificar a Lei de Execução Penal com o fim de facilitar o processo de reinserção social dos reclusos, máxime ampliando o número de saídas temporárias permitidas e de medidas que impeçam o encarceramento, como se tem dado certo em paísesda Europa.

Poderíamos, ainda, buscar auxílio dos Municípios na fiscalização de egressos que cumprem pena em regime aberto, para tanto estendendo as atribuições atinentes à Segurança Pública previstas no art. 144 da Constituição Federal.

Portanto, apenas buscando alternativas conjunturais, legislativos e estruturais, sem desrespeitar os direitos humanos, é que podemos ter avanços no enfrentamento à problemática da superlotação.

 

VIII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Este trabalho, antes de tudo, representa é um grito de piedade. Há muito o sistema prisional brasileiro agoniza e não contém a menor estrutura para aplicar as disposições (garantistas) da Lei de Execução de Penal.

A sociedade, insegura, clama por criação de tipos penais e endurecimento nas penas dos já existentes, crendo que os presos merecem esse sofrimento e que essa é a solução para “todos os males.

Comprovado está que “prisão não significa menos violência na sociedade”. O crescimento da violência e as novas formas de criminalidade só aumentam o estado de insegurança e imperam em uma sociedade marcada pela falência do Estado e, por consequência, do sistema prisional que é sua responsabilidade.

Além disso, não podemos esquecer que as pessoas recolhidas, que estão sendo tratadas como seres irracionais, sairão um dia da prisão e voltarão ao convívio social. E, por isso, cabe-nos decidir se voltarão melhores ou piores. 

Esperamos, sinceramente, que, durante e após a leitura desta monografia - fruto de pesquisa conjugada com a experiência profissional do autor na área criminal - possa o leitor refletir profundamente sobre o sistema prisional, enxergando no preso um ser humano que, antes de tudo, precisa “conhecer a verdade, para que ela o liberte.”[1]

Diante de um sistema penal completamente ineficiente, variada gama de problemas atualmente elevam a (super)lotação carcerária ao status de maior entrave na execução penal brasileira, sendo objeto de inúmeros debates e propostas em todas as parcelas da população nacional.

O impasse, portanto, é macro conjuntural, impondo medidas a serem implementadas nos campos social, legislativo (processual) e estrutural, sobretudo com emprego de políticas públicas voltadas não apenas para a recuperação do indivíduo, mas com adoção de medidas preventivas também.

A aglomeração em ambiente limitado traz várias consequências negativas à sociedade, a exemplo de elevações de número de mortes dolosas e de violência físicas e sexuais, expansão de facções e crime organizado, degradação da pessoa humana, facções criminosas, dentre outras.

Por isso, trouxemos ao trabalho, possíveis medidas ao enfrentamento conjunto da problemática da superlotação. Com efeito, descreveu-se sobre pena e sistema prisional no mundo e no Brasil (capítulos II e III), demonstrando a necessidade de observância das garantias individuais pelo Estado (capitulo IV).

No capítulo V discutimos o (sempre atual[2]) tema da ressocialização e, na sequência, ilustramos a responsabilidade do Estado pela tutela da integridade física e moral do apenado (capítulo VI). Sobre este ponto, comparando as sanções atuais com as penas aplicadas em períodos anteriores - a exemplo daquela da Idade Média - a conclusão a que se chega é que não evoluímos muito (do ponto de vista legislativo, conjuntural e social), levando em conta os graves abusos, torturas e busca ilícita por provas processuais que ainda são praticados, além das condições subumanas – para não dizer, humilhantes – ao que os presos são submetidos.

Por decorrência direta do princípio da humanidade das penas, impensável que durante o cumprimento de sua condenação, não tenha o cidadão pleno acesso aos meios e direitos que facilitem sua (re)educação, de modo a garantir a esperada (re)integração ao convívio social, ao final do cumprimento da pena.

Quando comentamos a problemática da superlotação no capítulo VI, explicitamos que melhores condições materiais devem ser oferecidas dentro dos Presídios, impondo ao Estado o cumprimento da LEP. A total ausência de compromisso do Estado tem sido entrave para a mitigação da superlotação carcerária, principalmente no concernente ao oferecimento de infraestrutura necessária e na construção de estabelecimentos para cumprimento de pena nos regimes semiaberto e aberto.

À superlotação junta-se um ambiente hostil, deseducador, ocioso, frustrante, desesperador que impões condições desumanas de vida e só corrobora um sentimento de revolta, exclusão social e de incitamento à prática delituosa.

Decorre da presunção de inocência prevista na CF/1988, que a prisão provisória consubstancia alternativa a ser tomada somente diante de clara necessidade. Com o advento da Lei n.º 12.403/2011, a prisão cautelar, inegavelmente, é tida como medida excepcional, somente devendo ser decretada como exceção (ultima ratio).

Até a garantia constitucional da razoável duração do processo é um capítulo a ser escrito no processo penal brasileiro e que deve merecer muito mais atenção por parte das comissões de reforma do CPP, máxime porque temeroso inexistir definição clara acerca do prazo máximo de duração das prisões cautelares e também do próprio processo penal.

E quando as soluções legislativas não atingirem o esperado, impõe ao Juiz encontrar o melhor caminho para a solução. Justamente pelo fato de a superlotação representar funcionamento inadequado do estabelecimento prisional, poucas não tem sido as de decisões judiciais no sentido de determinar a transferência ou a soltura de apenados para tutelar a individualização da pena e a dignidade humana (art. 185 LEP) ou, ainda, tomar a medida drástica de interditar o estabelecimento (art. 66, VIII da LEP).

Pelas considerações, se faz urgente a tomada de medidas estatais voltadas à cura de um sistema que se encontra agonizante. Mas, antes de nos isentarmos de nossa corresponsabilidade pela segurança pública, aprendamos a absorver a cultura “da aceitação e do perdão.” É ingênuo querer pensar que se pode conseguir ressocializar num país cujos cidadãos carregam na mala o “objeto” da discriminação; numa Nação que ainda não aprendeu a valorizar a figura do ser humano como tal, o tratando preconceituosamente pela aparência ou maneira de vestir!

Como pensar em (re)integração sem, previamente, despir-se de uma “cultura” que não acredita na regeneração do indivíduo e que parece nunca ter ouvido falar no Livro de Mateus[3], no qual Jesus ensinara a perdoar setenta vezes sete?

Como criar projetos para ressocializar, se ainda vivemos numa Nação rude e cuja maioria do empresariado não estende a mão ao um ex-detento?

Que país é esse?

Não só a interpelação, mas a própria resposta foi anunciada por Renato Russo, da Banda Legião Urbana, ainda em 1987, quando expressava por meio de melodia que “ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação?!

Ainda assim, não se pode aceitar que se apague a luz no fim do túnel!

“Na esperança de retornar ao convívio humano, de desvestir finalmente o horrível uniforme, de reassumir a condição de homem livre, de retornar ao seu lugar na sociedade, é o oxigênio que alimenta o encarcerado. Desde o momento em que foi aprisionado, esta é a razão da sua vida. privá-lo dela está na desumanidade da condenação por toda a vida” (CARNELUTTI, 1995, p. 79)

Claro! Somos sabedores que, tal como se encontram nossos Presídios, é muito baixa a possibilidade de recuperar um encarcerado. É muito baixa, seja porque grande parte do público carcerário são pessoas cuja formação inteira (inclusive educacional) foi desregrada[4], seja porque dentro dos Estabelecimentos os apenados não exercem qualquer atividade que tenha o condão de melhorar sua formação.

Não é por isso que devemos desistir de dar uma segunda chance ao cidadão. Se o homem é produto do meio, porque dizer que está tudo perdido?

Não diga que a canção está perdida.

Tenha fé em Deus.

Tenha fé na vida.

Tente outra vez![5]

 

Desistir o meio do caminho é para os fracos. Vivemos em uma Nação que pode avançar e ser de primeiro mundo! Basta querer e tomar as medidas de natureza legal (processual), conjuntural e social. Aprender a prevenir antes de remediar. Investir onde for necessário e urgente.

Se Pitágoras[6], 500 a.C, já ensinava, “educai as crianças e não será necessário punir os adultos”, mais de 2 mil anos depois, o Estado brasileiro permanece adotando medidas inócuas e imediatas para “reprimir” a violência e diminuir a superlotação, não obstante, em 2004, a criança Elizeia Rodrigues de Souza, estudante de Escola Pública Matogrossense, já tivesse alertado ser “mais fácil construir crianças fortes do que consertar homens quebrados.”[7]

Portanto, para que se possa encontrar um sistema capaz de reduzir a (super)lotação dos presídios brasileiros, uma série de novas atitudes devem começar a ser implementadas agora. E se não podemos voltar atrás e fazer um novo começo, certo é que podemos começar agora e fazer um novo fim!

 

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Kleiton Matos

Advogado criminalista atuante na área de direitos humanos em Araguaína/TO. Desde 2012 é assessor jurídico na Associação de Praças da Polícia e Bombeiros Militares de Araguaina/TO. É Especialista, com especialização em Segurança Pública (UFT/Senasp). Foi Assessor jurídico do Sindicato dos Policiais Civis do Tocantins (região norte, 2014/2015). Foi Escrivão de Polícia Civil do Tocantins (2004/2006), servidor público federal na UFT (2006/2011) e agente de pesquisas no IBGE (2002/2004). Foi colunista na coluna Lei & Ordem do Jornal Araguaina News (2011/2013).

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